Ocorreu uma nova mudança na marcação de consultas no Centro de Referência Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Por decisão administrativa da secretaria da Dermatologia, para agendamento de consultas (que são realizadas às segundas feiras pelo Dr. Nilton e às quintas por mim) as pessoas devem telefonar para o número:

(31) 3409 9560
mas apenas de terça a sexta 
e no horário de 7 às 10 horas.

No mês de julho o serviço de Dermatologia estará fechado e as consultas voltarão a ser marcadas somente em agosto.

Os problemas que enfrentamos
Esta mudança se deu por duas razões que mostram as dificuldades pelas quais passam os serviços públicos de saúde.

Primeiro, há apenas uma pessoa para realizar o serviço de agendamento de consultas para todo o ambulatório (cerca de 30 consultórios), que inclui diversos professores e residentes em Dermatologia, além de serviços de enfermagem especializada.

Esta escassez de funcionários públicos não é isolada em nossa Universidade e faz parte da política de redução do tamanho do Estado brasileiro, especialmente no campo da saúde, transferindo o atendimento médico para as empresas privadas.

Segundo, o serviço de internet, pelo qual estávamos realizando o agendamento, não suportou o número de e-mails enviados, em função de suas dimensões reduzidas dos equipamentos e do número de técnicos por falta de verbas. Mais uma vez, é o resultado do corte de recursos na saúde que vem ocorrendo durante os últimos anos, como parte da política neoliberal dos últimos governos brasileiros.

A maioria de políticos no governo (especialmente no executivo e no legislativo) justifica o pouco atendimento à saúde da população dizendo que é um “problema de gestão” e não de falta de dinheiro. 


Não creio. O nosso problema principal tem sido a falta crônica de recursos financeiros, que é agravada pela destruição dos serviços públicos pela corrupção causada por empresas em busca do lucro (ver, por exemplo, a máfia das próteses).

Se não defendermos os serviços públicos, em breve se completará o sucateamento do grande projeto democrático do Sistema Único de Saúde, que foi sonhado e começou a ser construído na Constituição de 1988.


Minha filha fica no mundo dela completamente distraída com suas brincadeiras. Na escola não presta muita atenção e tem muita preguiça para fazer os para casas. Como posso ajudar? ” SV, de Nepomuceno, MG.

Cara S, obrigado pela pergunta, que deve ser uma preocupação de muitos pais de crianças com ou sem NF, mas provavelmente mais frequente entre as crianças com NF1.

Tenho comentado com os pais de crianças com dificuldade de aprendizado, por causa da NF1, que elas precisam contar com o acolhimento de sua família e muitas vezes uso a expressão “precisamos ter paciência” com elas. No entanto, nesta semana, vi um vídeo muito bom que me ajudou a compreender melhor o que eu gostaria de dizer: é preciso estarmos disponíveis para a criança.

O filme é “O começo da vida”, dirigido por Estela Renner e contou com apoio da UNICEF, reúne vários depoimentos de mães e pais (desde a modelo Gisele Bündchen a uma mãe de doze filhos e dependente de drogas vivendo numa favela brasileira), de educadores, cientistas e ativistas políticos que lutam por um mundo melhor para todos (ver o site do movimento AQUI).

O filme nos mostra como o ambiente humano propiciado às crianças nos seus primeiros anos de vida é essencial para o seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e intelectual, ou seja, a sua inserção social. Quem desejar ver o vídeo completo basta clicar AQUI.

Entre as diversas informações importantes que o vídeo nos traz, uma delas é que toda criança precisa do “seu tempo” para absorver o mundo ao seu redor, elaborando e descobrindo por si mesma como as coisas funcionam. Ou seja, as crianças são verdadeiros cientistas em tempo integral: descobrindo, descobrindo. E fazem isto por meio das brincadeiras. Ou seja, brincar é a coisa mais importante para as crianças.

Se isto é verdade para as crianças sem NF1, creio que as dificuldades no desenvolvimento neurológico que são comuns nas pessoas com NF1 fazem com que a sua necessidade deste tempo próprio para aprender e descobrir seja ainda maior. Era isso que eu chamava de “ter paciência”. Agora quero mudar minhas palavras para: precisamos acompanhar o fluxo natural dos desejos da criança, seu ritmo de descoberta e deixar a sua curiosidade nos levar. Para isto precisamos estar disponíveis para a criança.

É claro que isto só é possível para quem tem tempo para estar disponível, ou seja, para quem tem condições econômicas suficientes. Na estrutura social em que vivemos, a imensa maioria das pessoas precisa trabalhar grande parte do seu dia, assim como permanecer horas no trânsito e, ao chegar em casa cansada, resta pouca energia para se dedicar a brincar com a criança. Além disso, enquanto os pais trabalham, com quem a criança passa a maior parte do seu tempo tão precioso na sua formação humana?

Não há soluções fáceis para estes problemas, mas o vídeo nos ajuda a ver onde devemos concentrar nossos esforços, qual a direção de nosso movimento coletivo se desejamos criar um mundo melhor para as novas gerações.

Vejam o vídeo e convidem suas crianças para assistirem juntos.

“A dúvida de hoje é sobre o uso de anticoncepcional. Estava lendo um pouco sobre o assunto e observei que talvez tenha alguma relação com um maior o crescimento e desenvolvimento dos neurofibromas. No momento nunca fiz e nem faço uso de anticoncepcional, por medo desta possibilidade, porém no momento estava pensando em usar! Gostaria de saber se o senhor me aconselharia a fazer este uso?” B, da Bahia.

Cara B, obrigado pela sua pergunta, que deve interessar a muitas pessoas com neurofibromatoses. Infelizmente, vou responder hoje apenas sobre NF1 e não sobre NF2 nem schwannomatose, porque ainda não disponho de informações científicas sobre anticoncepcionais hormonais nestas duas últimas doenças.

Durante algum tempo suspeitou-se que os hormônios usados como anticoncepcionais orais pudessem aumentar o número e o tamanho dos neurofibromas. Esta suspeita parecia lógica porque sabemos que durante a puberdade (e depois durante e a gravidez e menopausa nas mulheres) os neurofibromas aparecem e crescem.

Assim, a gente achava que era um efeito ligado aos hormônios, especialmente os sexuais (estrógeno, progesterona, testosterona), mas temos que lembrar que outros hormônios também estão ativos naquelas fases da vida (hormônio do crescimento, hormônios hipofisários).

Um grupo de pesquisadores brasileiros, liderados pela grande pesquisadora Dra. Karin Soares Gonçalves Cunha, que trabalha na Universidade Federal Fluminense, tem estudado bastante as relações entre os neurofibromas e determinados hormônios. Em seu excelente livro “Advances in neurofibromatosis research”, escrito em parceria com o pioneiro das neurofibromatoses no Brasil, o Dr. Mauro Geller, e publicado nos Estados Unidos em 2012, a Dra. Karin descreve diversos estudos realizados com algumas células retiradas de neurofibromas e cultivadas em laboratório.

Os estudos em células de laboratório mostraram que os neurofibromas parecem responder a diversos hormônios (por exemplo, estrógeno, progesterona e hormônio do crescimento), mas a Dra. Karin diz que há um número muito limitado de estudos em seres humanos para que possamos tirar uma conclusão segura sobre os efeitos dos anticoncepcionais orais no crescimento dos neurofibromas.

Talvez o principal estudo realizado até agora, envolvendo mulheres com NF1 em uso de hormônios, seja aquele publicado pelo grupo do Dr. Victor-Felix Mautner, da Alemanha (ver aqui o artigo AQUI completo em inglês). Analisando questionários aplicados a 59 mulheres que estavam usando anticoncepcionais hormonais, os autores concluíram que não houve correlação entre o crescimento dos neurofibromas e o uso dos hormônios.

Segundo a Dra. Karin, a baixa dosagem dos hormônios nas pílulas poderia explicar a ausência de efeito sobre os neurofibromas, porque, entre todas as voluntárias do estudo do Mautner, as duas delas que usavam grandes doses de progesterona (a chamada pílula do dia seguinte) relataram aumento dos neurofibromas (ver abaixo atualização de 2016).

No entanto, como os próprios cientistas comentaram, o questionário usado naquela pesquisa avaliou a percepção subjetiva das mulheres com NF1 e eles não realizaram uma medida objetiva do tamanho dos neurofibromas antes e depois do uso dos anticoncepcionais. Aliás, já comentei aqui que esta medida objetiva do crescimento dos tumores nas neurofibromatoses é um grande desafio para os pesquisadores de todo o mundo, porque eles crescem de forma imprevisível.

Portanto, a principal informação de que dispomos no momento é um artigo científico publicado em 2005, realizado com apenas 59 mulheres e que não mostrou relação entre uso de pílulas anticoncepcionais e crescimento dos neurofibromas. Assim, parece-me que precisamos de mais informações científicas, em novos estudos com um maior número de mulheres com NF1, para termos mais segurança para dizer que não há realmente nenhum efeito das pílulas anticoncepcionais sobre o crescimento dos neurofibromas.

Enquanto isso, temos seguido a conduta do grupo da Dra. Rosalie Ferner, de Manchester, na Inglaterra, talvez a equipe com maior experiência em condutas em saúde pública relacionadas com as neurofibromatoses. Eles dizem que não há relação entre anticoncepcionais hormonais e crescimento de neurofibromas, mas, se a pessoa com NF1 estiver preocupada com esta possibilidade, ela deve procurar outros métodos alternativos.

Considerando que a camisinha (masculina e feminina) é um método anticoncepcional que traz a vantagem de também prevenir doenças sexualmente transmitidas, ela pode ser mais útil e segura em determinadas situações de vida (parceiros instáveis, por exemplo) para quem tem NF1.

Atualização 2016: Outras pessoas têm perguntado se haveria diferença entre os anticoncepcionais hormonais orais dos injetáveis para as pessoas com NF. O estudo científico do grupo do Mautner, que citei acima, foi realizado apenas com anticoncepcionais orais, portanto, não tenho uma resposta segura a dar sobre esta questão. Esta pergunta merece uma pesquisa.

Quanto à injeção de progesterona, observei pelo menos duas pessoas que relataram aumento dos neurofibromas coincidindo com a injeção de progesterona. Também o neurologista brasileiro Nikolas Mata Machado, que trabalha em Chicago e tem experiência em NF, relatou-me mais um caso de aumento do tumor (neste caso NF2) coincidindo com injeção de progesterona.

Atualização de 2018: Um novo estudo realizado na Finlândia com cultura de tecidos retirados de neurofibromas cutâneos confirmou o maior crescimento das células com a dupla mutação (NF1-/-) quando recebem doses de estrógeno, testosterona e gonadotrofina coriônica, hormônios que estão aumentados na puberdade e especialmente na gestação  VER AQUI o artigo completo em inglês

 

“Tenho NF1, estou com 26 anos e vou me casar em breve. Existe um meio de garantir que meus filhos biológicos não venham com a doença? “ JR, de Natal, RGN.

 
Caro J, obrigado pela sua pergunta, que é de interesse comum.


Primeiramente, vamos lembrar que a chance de seu filho (ou filha) herdar a sua mutação é de 50% em cada gestação. Ou seja, há uma chance em duas do bebê nascer sem NF1, ou como tirar coroa na moeda jogada para o alto.

Para garantir que uma mutação que causa a NF1 não seja passada adiante numa gestação existem técnicas de reprodução humana assistida, ou seja, métodos desenvolvidos por equipes especializadas. Estes métodos permitem a seleção daqueles embriões que não contém a mutação para NF1 e a sua inseminação artificial. Como isto é feito?

De forma resumida, é o seguinte. O casal interessado procura os centros de reprodução assistida, onde a mulher receberá hormônios que irão estimular o amadurecimento de vários de seus óvulos de uma só vez. No momento certo estes óvulos são recolhidos e colocados em contado com os espermatozoides do parceiro para que haja a fecundação. Geralmente, mais de um óvulo é fecundado e alguns embriões são obtidos, mas ainda não sabemos quais deles têm o diagnóstico de NF1.

Três dias depois de formados os embriões, uma biópsia muito delicada é feita retirando-se apenas uma célula de cada embrião e esta célula é levada para análise do DNA. Aqueles embriões que não apresentarem a mutação para NF1 são transferidos para o útero da mulher, onde darão continuidade à gestação. Assim, temos a garantia de que os bebês concebidos por esta técnica não apresentarão a NF1.

Desde 2002 este método vem sendo aplicado em pessoas com NF1 e NF2, mas nem sempre funciona bem e ainda são relativamente poucos casos realizados na experiência mundial. 


Sua pergunta seguinte provavelmente é querer saber onde poderá realizar este procedimento, chamado de diagnóstico pré-implantacional (DPI).

No momento, no Brasil, o DPI é permitido por lei, embora haja pessoas que não o aprovam por questões éticas, com o receio de que ele venha a ser usado para excluir embriões femininos, por exemplo. Existem clínicas privadas brasileiras que realizam estes procedimentos em parceria com clínicas internacionais, as quais ficam responsáveis pela análise da mutação NF1 (ou NF2) no DNA a partir daquela única célula retirada do embrião. Não conheço nenhum serviço público no Brasil que esteja realizando o DPI para pessoas com neurofibromatoses.

Em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais temos adotado a busca por soluções públicas para os problemas e questões apresentados pelas pessoas com neurofibromatoses, ou seja, defendemos o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

Por isso, temos elaborado propostas na Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) direcionadas ao SUS, no sentido de que este serviço seja oferecido às pessoas com NF. Estamos nesta luta neste momento (2021).

 

 


“Queria que o senhor falasse do resultado da ressonância magnética da minha filha. Conclusão: Focos de alteração de sinal comprometendo a região dos globos pálidos, pulvinares talâmicos, bem como o pedúnculo cerebelar médio direito, região dos pedúnculos cerebrais, que não exercem efeitos atrófico ou expansivo significativos e não apresentam realce anômalo pelo meio de contraste paramagnético, de aspecto inespecífico, podendo representar neste contexto zonas de vacuolização da mielina/lesões hamartomatosas. ” CR, de local não identificado.

Prezada C. Obrigado pela sua pergunta, porque este resultado da ressonância magnética do encéfalo de sua filha, estas “manchinhas no cérebro” como às vezes são descritas pelos médicos, é um achado bastante comum, variando entre 43% e 80% das pessoas com NF1, conforme os estudos científicos a respeito.

Até recentemente, tenho respondido que, de acordo com as informações científicas disponíveis, estas alterações do sinal na ressonância (atualmente descritas como hiperintensidades em T2 – HT2) não representam problemas clínicos ou complicações da NF1. Houve um momento em que se pensou que as HT2 estivessem correlacionadas com as dificuldades de aprendizado, mas isto também não foi confirmado. Além disso, tenho informado que as HT2 parecem ser transitórias, desaparecendo na vida adulta.

As HT2 são tão frequentes nas pessoas com NF1, que um grupo de cientistas brasileiros do Centro de Atendimento em Neurofibromatoses da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP), entre eles as doutoras Érika Cristina Pavarino e Eny Maria Goloni-Bertollo, chegou a propor que elas sejam incluídas como mais um dos critérios diagnósticos para a NF1 (para ver o portal para o artigo CLIQUE AQUI).

Recentemente, em 2015, outra pesquisa científica, também realizada pelo Dr. Antônio Carlos Pondé Rodrigues Jr., do mesmo excelente grupo paulista, trouxe novas informações sobre as HT2 em pessoas com NF1 (ver aqui o artigo completo em inglês CLIQUE AQUI). Vale a pena analisarmos os resultados encontrados.

Sob orientação da Dra. Erika Cristina Pavarino, os cientistas utilizaram uma técnica especial, a ressonância magnética com espectroscopia, que permite analisar o comportamento dos neurônios em determinadas partes do cérebro, medindo os produtos do metabolismo das células nervosas. Esta técnica permite a análise de alterações funcionais no cérebro que não são visíveis na ressonância comum.

Com esta técnica eles estudaram 42 pessoas com NF1, 18 delas com HT2 e 25 sem HT2 e compararam com outras 25 pessoas sem NF1. Todos os voluntários tinham em torno de 14 anos de idade, sendo metade mulheres, e foram submetidos à espectroscopia.

Os resultados mostraram que o funcionamento médio do cérebro das 42 pessoas com NF1 foi semelhante ao cérebro das 25 pessoas sem NF1, sem evidência de perda de mielina ou de neurônios, o que indicou estabilidade neuronal.

Também foi possível perceber alguma variação no metabolismo dos neurônios das pessoas com NF1 e HT2, quando comparadas com as pessoas com NF1, mas sem HT2. Estas diferenças sugerem que as HT2 sejam causadas por aumento do conteúdo de água (edema) nas células nervosas.

Em conclusão, o cuidadoso trabalho realizado em São José do Rio Preto vem nos trazer mais tranquilidade para respondermos às as pessoas com NF1, que apresentam hiperintensidades na ressonância magnética, que não há motivo para preocupação e nenhum tratamento é necessário para estes achados.

Obrigado ao grupo das doutoras Eny Maria Goloni-Bertollo e Érika Cristina Pavarino, por mais esta contribuição para que possamos cuidar melhor das pessoas com NF.

“Ontem o senhor falou sobre efeitos de tratamentos alternativos para pessoas com NF. Mas os banhos de lama não têm um efeito psicológico bom? Então, o estado emocional da pessoa não poderia ajudar a evitar o crescimento dos neurofibromas? ” ARF, de Araxá, MG.
Cara A, obrigado pela sua pergunta e imagino que o fato de você ser de Araxá tenha motivado sua dúvida, pois sua cidade é conhecida também como um ponto turístico onde as pessoas podem realizar banhos de lama.
Começo esclarecendo que minha família é de Lambari, onde passei minha infância, e conheci os banhos térmicos com água mineral e com lama, os quais eram realizados em alguns hotéis da cidade, e todos acreditavam que eles possuíam efeitos terapêuticos sobre diversas doenças.
Esta crença sobre os benefícios dos banhos e da terapia com águas minerais era compartilhada pelos habitantes de Lambari, pelos turistas que aportavam à pequena cidade, vindos especialmente do Rio de Janeiro, e pelos poucos médicos que ali trabalhavam, entre eles meu pai, José Benedito Rodrigues. Há inclusive um ramo do conhecimento chamado crenologia (VER AQUI), que desapareceu dos cursos de medicina nos anos 50 do século passado.
Lembro-me que meu pai receitava, de acordo com cada doença por ele diagnosticada, tantos copos da água mineral número 1, ou número 2, ou a ferruginosa, ou a alcalina, etc., de tantas em tantas horas, de preferência em jejum, durante tantos dias ou semanas. Além disso, banhos de água mineral, passeios pelos parques e repouso adequado, além de uma dieta típica da região, faziam parte das recomendações de todos os médicos de Lambari, assim como de outras estâncias de águas minerais.
Às vezes, conforme a suposta gravidade do caso, eram prescritas dolorosíssimas injeções intramusculares de água mineral (!). Pelo menos uma vez eu mesmo cheguei a aplicar uma dessas injeções numa pobre pessoa, como parte do meu treinamento juvenil na farmácia Santo Antônio, uma espécie de estágio ao qual me submeti aos 14 anos e que fora providenciado pelo meu pai, uma vez que eu queria ser médico como ele.
E os turistas cariocas (que precisavam ter dinheiro para isso, é claro) passavam um mês “internados” em hotéis agradáveis, cuidando de sua saúde, passeando, bebendo água mineral, tomando banhos de água e de lama, descansando, alimentando-se de frango caipira com quiabo, jogando baralho para passar o tempo, conversando, fazendo caminhadas, evitando álcool e cigarro… 

Quem é que não melhora com uma vida assim? Especialmente se os problemas de saúde forem decorrentes de hábitos de vida inadequados, de uma vida estressante ou de ambientes poluídos.
No entanto, aquela mesma água não parecia fazer diferença na saúde dos habitantes da própria Lambari, que apresentavam índices de tuberculose, por exemplo, semelhantes ao restante do país, como meu pai constatara em uma grande pesquisa realizada por ele e outros colegas em todo o Sul de Minas.
Assim, como você mencionou, provavelmente havia alguma melhora no estado emocional das pessoas submetidas aos tratamentos nas estâncias hidrominerais, o que poderia ajudar a enfrentar a sua doença, fosse ela psicológica ou não. 

Sabemos que em toda ação terapêutica há uma parte dos efeitos que são decorrentes da crença, da esperança e da confiança da pessoa naquele tratamento e na pessoa que o está administrando. Todos sabem que este efeito se chama “efeito placebo”.
Assim, quanto mais estamos convencidos de que um determinado medicamento possui um efeito, por exemplo, analgésico, maior a nossa chance de sentirmos melhora da dor quando o ingerimos, ou mesmo quando ingerimos um comprimido de farinha achando que é o analgésico no qual confiamos. Por isso, somente recomendamos um medicamento quando o efeito dos comprimidos com a droga maior do que o efeito placebo produzido pelos comprimidos com farinha.
Retomando a dúvida sobre os “tratamentos alternativos” nas NF, todas aquelas práticas que eu mencionei anteriormente podem produzir algum efeito placebo se as pessoas acreditarem que elas funcionam: tratamentos utilizados nas medicinas antigas (chás, homeopatia, banhos, hidroterapia), dietas (jejum, restrição de um composto ou adição de outro, superalimentação, alimentos especiais) e práticas físicas (acupuntura, exercícios, meditação, etc.).
É preciso lembrar que este efeito placebo acontece naqueles aspectos subjetivos da doença, como na intensidade da dor, no bem-estar geral, no estado de humor, na depressão, na ansiedade ou sobre as dificuldades de aprendizado e de comportamento.
No entanto, mas posso estar enganado, eu não espero observar qualquer efeito placebo sobre o crescimento dos neurofibromas, ou dos schwannomas, ou dos gliomas, ou sobre a evolução das displasias ósseas.

Até a próxima semana.

Ontem afirmei que desconheço informações científicas sobre possíveis efeitos dos chamados “tratamentos alternativos” para as NF porque não existem estudos empregando os métodos adotados pela ciência nestas questões. Naturalmente, surge a pergunta: e por que não se estudam estas possibilidades terapêuticas na NF com métodos científicos?

Há duas respostas para isto.

A primeira resposta se refere à própria natureza dos problemas das NF. Sabemos que as manifestações das NF são múltiplas, complexas, e muito diferentes de uma pessoa para outra, e de evolução imprevisível. Isso tudo dificulta a sua medida objetiva que é exigida pela ciência. Veja, por exemplo, um comentário anterior sobre as dificuldades de medirmos cientificamente o crescimento dos neurofibromas cutâneos, um problema aparentemente simples (porque está visível aos nossos olhos), mas para o qual ainda não temos um método adequado para saber se eles estão crescendo ou não (VER AQUI).

Assim, mesmo os estudos científicos com medicamentos convencionais (como Lovastatina, Cetotifeno ou Imatinibe, por exemplo) enfrentam as dificuldades naturais da complexidade e variabilidade das neurofibromatoses. Por isso, demoram vários anos para chegar a conclusões seguras, custam grande investimento de pessoal e recursos financeiros e produzem resultados lentamente, passo a passo.

A segunda resposta é sobre a natureza do método científico. Todo estudo científico começa com uma hipótese a ser testada, ou seja, uma pergunta para a qual exista alguma suspeita de que seja verdadeira. Por exemplo, será que o medicamento Lovastatina (usado há muitos anos para baixar o colesterol) poderia melhorar as dificuldades de aprendizado escolar em crianças com NF1? Por que chegamos a esta pergunta? Porque um grupo de cientistas observara antes que camundongos geneticamente modificados para NF1 melhoraram o seu desempenho cognitivo em testes de laboratório. Ou seja, dali surgiu uma hipótese a ser testada em seres humanos.

Quando nós, cientistas, voltamos nossos olhos para os chamados tratamentos alternativos, não encontramos boas hipóteses a serem testadas nas pessoas com NF. Por exemplo, vamos imaginar um estudo que pode parecer interessante à primeira vista: será que banhos de lama na cidade de Lambari, Minas Gerais, poderiam diminuir os neurofibromas cutâneos?

Hum… Qual seria o efeito esperado por trás desta ideia? Talvez a lama pudesse conter elementos minerais que associados ao calor levariam à inibição do crescimento dos neurofibromas…. Será? Pode ser que sim, pode ser que não, ainda não o sabemos.

Nosso primeiro passo científico deve ser buscar algum estudo na literatura científica mundial que tenha testado banhos de lama em pessoas com NF1. Fui ao PubMed, o maior portal de artigos científicos do mundo (ver aqui o portal AQUI), e nada encontrei em termos de banhos de lama em geral, muito menos com a lama específica de Lambari. Este primeiro resultado nos faz pensar que esta ideia do banho de lama pode ser um caminho totalmente original ou pode se tratar de uma ideia equivocada.

Ainda com a lama de Lambari em mente, o segundo passo seria verificar se banhos de lama poderiam ter algum efeito em outras doenças, parecidas ou não com a NF1. Encontrei, novamente no PubMed, apenas cinco revisões científicas sobre os possíveis efeitos de banhos de lama em algumas doenças: fibromialgia, osteoartrite, psoríase, dermatite atópica, vitiligo, eczemas e reabilitação ortopédica. Os bons resultados dos banhos de lama nestas doenças não foram muito evidentes, do meu ponto de vista.

Além disso, nenhuma daquelas doenças estudadas nos banhos de lama possui mecanismos genéticos semelhantes aos processos envolvidos no crescimento dos neurofibromas. Algumas são doenças do sistema imune, outras são inflamatórias, outras são traumáticas. E, para completar, há um relato de transmissão de doenças infecciosas por meio dos banhos de lama, ou seja, um efeito colateral a ser considerado.

A gente começa a achar que nossa ideia de estudar banhos de lama na NF1 não tem uma boa justificativa científica. Num último recurso, haveria, pelo menos, algum relato de pessoas com NF1 que se submeteram a banhos de lama em Lambari e melhoraram (ou pioraram) de forma evidente os seus neurofibromas? Desconheço, pelo menos, por enquanto.

Em conclusão, ainda que conseguíssemos medir cientificamente o crescimento (ou diminuição) dos neurofibromas de forma segura, parece-me que não valeria a pena gastarmos meses e meses de dedicação dos voluntários com NF1 e do trabalho de cientistas, assim como recursos financeiros públicos nesta pesquisa sobre os efeitos dos banhos de lama sobre o crescimento dos neurofibromas cutâneos.

Você pode repetir os mesmos passos, que seguimos acima para o banho de lama, em todos os “tratamentos alternativos” já mencionados por mim: práticas relacionadas às medicinas antigas (chás, homeopatia, banhos, hidroterapia), dietas (alimentos especiais) práticas físicas (acupuntura, exercícios, meditação) para saber se há uma boa hipótese de estudo neles, a qual valha a pena para realizarmos um estudo científico para testar a sua possível eficácia nas NF.

Eu já tentei e ainda não encontrei.
Quem sabe você descobre algo nesse sentido?


“… O meu noivo é portador da NF1… Gostaria de saber se existe algum tratamento alternativo para neurofibromatose. ”. NG, de local não identificado.

Concluindo minha resposta para as perguntas da NG, vamos falar hoje de tratamento “alternativo” para NF.

Quando alguém me fala em “tratamento alternativo para as NF” percebo que geralmente a pessoa está se referindo a algo que não seria nem as cirurgias, nem os medicamentos fabricados pela indústria farmacêutica. Creio que os tratamentos estabelecidos pela fisioterapia, pela fonoaudiologia ou pela psicologia também não são o pensamento inicial de quem procura um tratamento alternativo para seu problema de saúde.

A expressão “tratamento alternativo” parece-me mais um desejo de encontrar práticas relacionadas às medicinas antigas (como chás, homeopatia, banhos, hidroterapia), ou dietas (sejam as tradicionais ou alimentos especiais) ou físicas (como acupuntura, exercícios, meditação, banhos) que pudessem curar ou melhorar os sinais e sintomas das NF.

Todos nós tememos, e com razão, as cirurgias e os efeitos colaterais dos medicamentos da medicina moderna, pois sabemos que toda cirurgia é também uma agressão ao nosso organismo e todo medicamento que funciona realmente tem que ter efeitos indesejáveis também, variando apenas sua gravidade.

Assim, temerosos dos danos da medicina moderna, saímos em busca de tratamentos “naturais” e, neste sentido, a água parece representar um verdadeiro ideal de benignidade, que faz com que, para quase todos os problemas de saúde, médicos e não médicos recomendem ao final de qualquer sugestão de tratamento: “…e beba bastante água! ”.

No entanto, a mais pura e cristalina água da fonte, se for ingerida mais rapidamente do que podemos eliminá-la pelos rins, se tornará um veneno fatal ao causar hipertensão craniana, convulsão e morte. Portanto, não é o fato de ser uma substância química (como a própria água, que é a famosa molécula de H2O) que irá produzir efeitos colaterais, mas o tipo da substância e a sua quantidade. Por exemplo, pequenas quantidades da substância cianureto de potássio, um veneno que está presente na mandioca, na maçã, nas amêndoas e cerejas, pode levar à morte rapidamente.

Ao contrário, a famosa penicilina cristalina, apesar de ser uma substância química extremamente dolorosa quando injetada em nosso corpo, se não produzir um dos seus efeitos raros (que é uma forma de alergia aguda e grave, a anafilaxia), é totalmente inofensiva para o nosso organismo, inclusive em altíssimas doses, atingindo apenas a reprodução de determinadas bactérias que causam certas infecções.

Voltando ao nosso tema central, o “tratamento alternativo” para as NF, é claro que determinados hábitos de vida, como bons relacionamentos sociais, alimentação adequada e exercícios regulares são recomendados para todas as pessoas, inclusive aquelas com NF, porque melhoram a qualidade e a expectativa média de vida, o que já foi comprovado em estudos científicos mundiais.

E são exatamente os métodos empregados nos estudos científicos que ainda não foram aplicados a diversas destas propostas de “tratamentos alternativos” para as NF. Por isso, desconheço qualquer efeito comprovado (sobre as NF) da homeopatia, da acupuntura, de banhos de lama, de banhos de saunas, da ingestão de chás, de dietas especiais e da meditação, entre outras práticas chamadas “alternativas”.

E por que não se estudam estas possibilidades terapêuticas na NF com métodos científicos? Amanhã tentarei responder esta questão.