Em 2009 nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais publicou os resultados de um estudo científico, no qual verificamos que as pessoas com NF1 apresentam cerca da metade da força muscular das pessoas sadias (ver AQUI o artigo em inglês).

Desde então, outros estudos têm sido realizados nos Estados Unidos e na Austrália tentando compreender melhor como acontece esta perda de força nas pessoas com NF1. Com este objetivo, o Dr. Aaron Schindeler, da Universidade de Sidney, desenvolveu um modelo com camundongos geneticamente modificados que apresentam NF1 e também redução da força muscular.

Neste congresso de 2017 ele apresentou seu último estudo, no qual utilizou uma modificação na dieta dos camundongos e observou a melhora da força muscular. Veja abaixo a tradução adaptada do seu resumo em vermelho.

“Crianças com NF1 podem apresentar redução do tamanho muscular, fraqueza muscular generalizada e redução do controle motor, alterações estas que podem ter grande impacto em sua qualidade de vida.

A análise dos músculos de camundongos geneticamente modificados para NF1 tem mostrado a existência de uma miopatia metabólica (ou seja, uma disfunção do metabolismo do músculo). Nós também conseguimos observar esta mesma miopatia metabólica nas biópsias musculares de 6 pessoas com NF1.

Além disso, verificamos que a acumulação anormal de gordura dentro das células musculares dos camundongos geneticamente modificados foi dependente da quantidade de neurofibromina disponível, ou seja, quanto menos neurofibromina, mais gordura acumulada. Esta gordura acumulada consistia de gorduras neutras e ésteres de colesterol em grandes cadeias de ácidos graxos.

Ou seja, parece haver uma semelhança no metabolismo muscular entre os camundongos geneticamente modificados para NF1 e os seres humanos com NF1.

No estudo de Aaron e seus colaboradores, os camundongos com NF1 e fraqueza muscular depois de desmamarem foram colocados numa dieta especial enriquecida com ácidos graxos de cadeias curtas e médias e também receberam L-carnitina.

Comentário meu: a L-carnitina é uma substância sintetizada no fígado e fundamental para a utilização das gorduras como fonte de energia para o movimento dos músculos. Ela transporta as gorduras do citoplasma das células para o interior das mitocôndrias onde os ácidos graxos são oxidados e fornecem energia bioquímica para as contrações musculares (ver abaixo uma explicação sobre ela).


Depois de 8 semanas desta dieta rica em ácidos graxos de cadeias curtas e médias e L-carnitina, a força muscular dos camundongos aumentou 45% e houve uma redução de 71% das gorduras acumuladas nos músculos, em comparação com os animais que serviram de controle.

Em conclusão, este estudo forneceu evidência de que há uma miopatia metabólica na origem da perda de força muscular na NF1 e que demonstrou que a modificação dietética melhorou esta condição. ”

Quero dar nossos parabéns ao grupo do Dr. Aaron Schindeler por esta importante descoberta, pois sabemos que a redução de força diminui a capacidade para a vida e aumenta a chance de quedas das pessoas com NF1.

O próximo passo deve ser um estudo que verifique o efeito de uma dieta semelhante sobre a força muscular de seres humanos com NF1. Vamos torcer para que este estudo ocorra o mais breve possível e estamos dispostos a colaborar com ele.

 

Sobre a CARNITINA

O professor de Nutrição Márcio Leandro Ribeiro de Souza tem estudado o metabolismo das pessoas com NF1 no seu mestrado e doutorado e fez o comentário abaixo, o qual esclarece melhor o papel da L-carnitina.

“A carnitina é um cofator para a ação de algumas enzimas envolvidas no metabolismo lipídico. Na Nutrição, a carnitina geralmente é classificada como um aminoácido mais do que como uma vitamina. Como ela é formada por dois aminoácidos essenciais (lisina e metionina), ela acaba sendo registrada na Anvisa e nos produtos industrializados como um aminoácido. No entanto, como a carnitina não faz parte da lista dos 20 aminoácidos essenciais, ela acaba sendo considerada por alguns como vitamina.

A carnitina é usada por muitas pessoas para o emagrecimento, devido à sua propriedade de colocar o ácido graxo dentro da mitocôndria através das enzimas CPT1 e CPT2 (carnitina-palmitoil-transferase 1 e 2), que formam o complexo que leva esse ácido graxo para a mitocôndria.

No entanto, 75% do que precisamos de carnitina normalmente já são supridos pela dieta. Por outro lado, a maior parte da carnitina que consumimos por meio de suplementos não é absorvida pelo organismo. E em suplementos, a biodisponibilidade é baixa, em torno de 20%. Assim, absorvemos bem menos do que ingerimos.

Além disso, toda a porção não absorvida da carnitina ingerida é metabolizada pela microbiota patogênica, que acaba convertendo a colina e a carnitina em trimetilamina, que no fígado sofre ação da flavina monooxigenase e forma TMAO (óxido de trimetilamina), que pode ter relação com arteriosclerose.

Por isso, quando pensamos em suplementação de carnitina, sempre alertamos sobre a importância de que o intestino da pessoa esteja adequado antes dessa suplementação. ”

Em conclusão, espero que, por enquanto, nenhuma pessoa que ler este post comece a tomar carnitina para melhorar sua força muscular.