Muitas famílias relatam que suas crianças com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) apresentam problemas de sono e perguntam se isto tem a ver com a NF1.

Há vários anos, diferentes equipes de cientistas que estudam as pessoas com NF1 procuram uma resposta segura para esta questão e os resultados em geral indicam que os problemas de sono parecem estar presentes em crianças com NF1, mas apenas naqueles que também apresentam outras alterações de comportamento, como hiperatividade, ansiedade e dificuldades de aprendizado (ver abaixo).

Sabemos que dormir bem é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, emocional e para a saúde em geral. Por isso, esta questão é ainda mais importante para as crianças com NF1, que apresentam diversas dificuldades no seu desenvolvimento neurológico.

Para aumentar o nosso conhecimento sobre esta questão, acaba de ser publicado um estudo sobre problemas do sono em crianças brasileiras com NF1, realizado sobre a coordenação da neurocientista Professora Doutora Katie Almondes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Essa pesquisa contou com os apoios da AMANF e do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF).

Clique aqui para ver o artigo completo (em inglês) e veja um resumo abaixo das principais conclusões.

A principal intenção foi descrever as queixas mais frequentes relacionadas com sono, dificuldades cognitivas e comportamentais em crianças brasileiras com diagnóstico de NF1.

Para isso, foram entrevistadas mães e pais de crianças na faixa etária de 1 a 12 anos, que responderam a um questionário online composto por 24 questões relacionadas a hábitos de sono, padrões de sono e queixas cognitivas e comportamentais. Foram obtidas informações sobre o sono de 41 crianças com NF1 pré-escolares (32%) e escolares (68%).

A maioria das famílias (63%) relatou problemas de sono (resistência para dormir, vários despertares noturnos e períodos curtos de sono) e 66% das crianças dormiam mais tarde e menos de 10 horas por dia.

Quase todas (85%) as crianças utilizavam aparelhos eletrônicos à noite e mais da metade (54%) de utilizava mais de 2 horas diárias de uso de dispositivos eletrônicos com tela.

As principais queixas comportamentais foram o choro fácil, ansiedade e dificuldade de atenção.

Este é o primeiro estudo realizado no Brasil com este enfoque e chama a atenção para um problema que merece nossa atenção em busca de novas pesquisas que experimentem tratamentos possíveis para a maioria das crianças com NF1 e alterações do sono.

Esperamos que a equipe da Dra. Katie Almondes continue entusiasmada com este desafio.

 

Resumo de alguns estudos sobre o sono nas pessoas com NF1

 

O primeiro estudo (no meu conhecimento) sobre sono nas pessoas com NF1 foi realizado sob a coordenação da médica inglesa Dra. Susan Huson em 2005 (ver aqui o artigo completo em inglês).

A equipe investigou o comportamento, incluindo o padrão de sono, de crianças com NF1 por meio de inquérito postal com acompanhamento telefônico de 64 crianças (39 do sexo masculino, idade média de 10 a 7 meses).

Crianças com NF1 apresentaram mais problemas com outras crianças da mesma idade, hiperatividade, sintomas emocionais e transtorno de conduta.

Apenas sonambulismo e terror noturno foram mais frequentes nas crianças com NF1 do que na população geral.

No grupo NF1, quem tinha mais problemas de conduta, hiperatividade ou problemas emocionais também tinha mais chance de apresentar distúrbios frequentes do sono.

A conclusão foi que a NF1 está associada a problemas de sono e comportamentais em uma alta proporção de crianças. Condições psiquiátricas, por exemplo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, podem ser subdiagnosticadas em larga escala em crianças com NF1, e o uso de ferramentas simples de triagem em ambientes clínicos pode ser benéfico.

 

O segundo estudo que conheço foi coordenado pelo Dr. David Gutmann nos Estados Unidos, em 2013 (ver aqui o artigo completo em inglês), que avaliou 129 crianças com NF1 e 89 irmãs e irmãos não afetados, com idades entre 2 e 17 anos, utilizando um questionário específico sobre sono.

As crianças com NF1 foram mais propensas a ter distúrbios no início e manutenção do sono, excitação, transição sono-vigília e hiperidrose, mas não problemas com respiração anormal do sono ou sonolência excessiva durante o dia.

Ao contrário do estudo anterior, os problemas de sono nas crianças com NF1 não foi relacionado a um transtorno de déficit de atenção coexistente, comprometimento cognitivo ou uso de medicamentos estimulantes.

Coletivamente, esses resultados demonstram que crianças com NF1 são mais propensas a apresentar distúrbios do sono e indicam o uso de intervenções apropriadas para essa população de risco.

 

Em seguida, uma equipe espanhola conduziu um estudo em 2015 (ver aqui artigo completo em inglês) com 95 crianças com NF1 e verificaram que distúrbios do sono não foram mais frequentes do que na população pediátrica geral, embora alguns desses distúrbios sejam mais comuns em casos de NF1 com distúrbios cognitivos ou TDAH.

Em 2023, foi publicado mais um estudo, de Carotenuto e colaboradores na Itália  (ver aqui o artigo completo em inglês), avaliando 50 crianças com diagnóstico de NF1 e 50 crianças saudáveis com desenvolvimento típico. Todas elas foram submetidas à avaliação por polissonografia que mostrou que a macroestrutura do sono difere entre as crianças com NF1 e as crianças com desenvolvimento típico.

Por fim, é importante lembrar que estudos realizados em camundongos geneticamente modificados para a NF1 observaram alterações no padrão do sono destes animais, indicando que alterações estruturais do sistema nervoso (causadas pelas variantes patogênicas no gene NF1) provocam distúrbios do sono.

 

Em conclusão, ainda precisamos conhecer melhor o que acontece com o sono nas crianças com NF1 e, caso comprovados os distúrbios do sono que elas parecem ter, devemos tentar entender seus mecanismos para conseguirmos tratamentos capazes de melhorar sua qualidade de vida.

 

Dr. Lor

 

 

 

A escolha pelos melhores tratamentos para a maioria das doenças deve ser feita de forma compartilhada pela pessoa e/ou sua família e os profissionais de saúde, diante do entendimento do contexto, das necessidades e expectativas de cada pessoa e das melhores informações disponíveis a partir dos estudos científicos realizados com um número suficiente de voluntárias e voluntários sofrendo de problemas semelhantes.

Estes estudos científicos são os consensos médicos, que oferecem as orientações sobre os melhores tratamentos. Sabendo que há menos pessoas com doenças raras, menos especialistas e menos estudos científicos direcionados a estas doenças, os consensos médicos são menos robustos cientificamente nas doenças raras.

É o que acontece com as pessoas que sofrem com a Neurofibromatose do tipo 2, a NF2. Atualmente, e a NF2 passou a se chamar Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (abreviada como NF2-SWN) e faz parte de um grupo de doenças denominadas de Schwannomatoses ver aqui as mudanças recentes).

A NF2-SWN acontece por causa de variantes genéticas patogênicas que ocorrem em cerca de 1 em cada 25 a 33 mil pessoas (variando conforme a população estudada). O número de pessoas diagnosticadas com a NF2-SWN é ainda menor: 1 em cada 60 a 70 mil pessoas.

Para exemplificar esta raridade, nos últimos 20 anos atendemos cerca de 70 pessoas com Schwannomatoses entre mais de duas mil e duzentas famílias cadastradas no Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ou seja, apenas 2% da população por nós atendida.

Então, a NF2-SWN é uma doença rara e por isso a maioria dos médicos não está bem informada sobre a sua evolução. Sabemos que 95% da experiência dos neurocirurgiões é com o tratamento dos schwannomas esporádicos, ou seja, aqueles que surgem em torno dos 50 anos e apresentam comportamento diferente daqueles encontrados nas pessoas mais jovens com NF2-SWN. Quem desejar mais informações sobre o tratamento dos schwannomas esporádicos ver um consenso internacional aqui – artigo completo em inglês.

Assim, são raros os profissionais da saúde familiarizados com a NF2-SWN, o que gera incerteza sobre o melhor tratamento e por isso as pessoas e suas famílias costumam ouvir opiniões divergentes ao consultar médicos diferentes.

Diante disso, nossas sugestões de tratamentos são orientadas pelos consensos médicos internacionais baseados em experiências clínicas maiores do que a nossa. Por exemplo, o grupo de cientistas que publicou o consenso de 2012, no qual nos baseamos, reuniu dados de mais de 500 pessoas com NF2-SWN (ver aqui o texto original em inglês).

 

O principal problema na NF2-SWN

 

Nas pessoas com NF2-SWN surgem tumores nos ramos vestibulares dos nervos vestíbulo cocleares (ver na Figura 1 abaixo a localização destes nervos), chamados schwannomas (daí o nome da doença), que geralmente são bilaterais (85%), crescem lentamente e costumam ser diagnosticados a partir da segunda década de vida.

Figura 1 – Localização esquemática do nervo vestibulococlear nos ossos do crânio e sua relação com o cérebro. O ramo vestibular (em lilás) conduz para o sistema nervoso central os sinais neurais gerados nos neurônios dos canais semicirculares pelas mudanças posturais. O ramo coclear (em vermelho) conduz os sinais neurais gerados nos neurônios da cóclea pelos estímulos sonoros que chegam pela orelha externa ao tímpano e são transmitidos pelos ossículos da orelha média. Observa-se o nervo facial surgindo próximo do nervo vestibulococlear e esta proximidade é muito importante na qualidade de vida das pessoas com NF2-SWN.

 

Os schwannomas vestibulares podem causar perda de audição, zumbido, desequilíbrio, paralisia facial, dor de cabeça e outros problemas neurológicos, inclusive alguns potencialmente fatais.

Nas pessoas com NF2-SWN pode haver schwannomas também em outros pares de nervos cranianos e nas terminações nervosas cutâneas, outros tumores no sistema nervoso chamados meningiomas e ependimomas, além de alterações oculares. Veja em nossa página mais informações sobre o tratamento destes outros problemas.

Em 2020, a Associação de Neuro-Oncologia da Europa criou uma comissão de especialistas que publicou novo consenso sobre a NF2-SWN (ver aqui o artigo completo em inglês). No entanto, nesse consenso, apenas 15,5% dos estudos são especificamente relacionados à NF2-SWN.

O presente texto procura atualizar as orientações que estavam disponíveis em nossa página baseadas no Consenso de 2012, adicionando algumas informações mais recentes deste estudo de 2020.

 

REGRAS FUNDAMENTAIS

 

Há duas regras fundamentais no tratamento das pessoas com NF2-SWN:

Regra 1: não se faz cirurgia, nem quimioterapia e nem radioterapia num schwannoma somente porque ele foi encontrado;

Regra 2: não se faz cirurgia, nem quimioterapia e nem radioterapia num schwannoma antes de saber seus efeitos clínicos (surdez, desequilíbrio, zumbido, paralisia facial, compressão do tronco cerebral, hidrocefalia, por exemplo) e sua taxa de crescimento (ou seja, é preciso repetir a audiometria e a ressonância magnética do encéfalo em seis meses para saber a evolução clínica de cada schwannoma).

 

Por quê?

  • Porque as manifestações clínicas são mais importantes para a qualidade de vida das pessoas do que os resultados de exames.

 

  • Porque muitos dos tumores na NF2-SWN podem nunca crescer o bastante para dar sintomas e nunca precisarem ser removidos.

 

  • Porque nem sempre há relação entre o tamanho de um schwannoma e os sintomas (por exemplo, a audição pode ser pior do lado do tumor menor).

Não se sabe ainda ao certo o mecanismo de perda de audição nas pessoas com schwannomas vestibulares. Um estudo científico mostrou que a presença de um schwannoma vestibular esporádico produz alterações anatômicas na cóclea e redução da audição de forma independente do tamanho do tumor. Talvez o mesmo ocorra na NF2-SWN.

 

  • Porque não sabemos qual será a velocidade de crescimento de cada schwannoma.

Em média, o maior crescimento observado é de 2,9 mm por ano e apenas metade dos schwannomas apresentam crescimento num período de 5 anos, enquanto a outra metade permanece estável.

 

A mesma pessoa pode apresentar crescimento em um dos tumores e nenhum crescimento no outro durante vários anos (ver exemplo abaixo).

 

  • Porque os schwannomas vestibulares não se tornam tumores malignos, ou seja, não dão metástases, não invadem outros tecidos, embora possam comprimir as estruturas ao lado.

No entanto, a exposição à radioterapia ou radio cirurgia  pode ser uma causa de transformação maligna.

 

  • Porque as complicações que ameaçam a vida (compressão de tronco cerebral e hidrocefalia, por exemplo) se desenvolvem geralmente de forma lenta.

A compressão do tronco cerebral, por exemplo, praticamente nunca acontece como primeira manifestação da doença.

No entanto, pode haver surdez progressiva em poucas semanas em casos raros.

 

  • Porque a NF2-SWN ainda não tem cura, mas podemos manter a qualidade de vida das pessoas.

Para a maioria das pessoas, é melhor conviver com uma redução da audição do que com uma paralisia facial, que ocorre em cerca de 30% das cirurgias ou com o zumbido pós-operatório, que ocorre em 40% das pessoas.

 

  • Porque existem estudos em busca de medicamentos para os schwannomas, então temos que ganhar tempo sem intervenções que possam deixar sequelas, até que algum tratamento demonstre ser bastante eficiente.

 

  • Porque a maioria dos tratamentos atuais apresenta sequelas permanentes, então qualquer tratamento somente deve ser feito quando houver garantia de benefício.

Ou seja, o resultado do tratamento (por exemplo, melhorar a audição) deve ser mais provável e relevante para a pessoa com NF2-SWN do que a possível sequela do tratamento (por exemplo, a paralisia facial ou o zumbido).

Habitualmente, a cirurgia não recupera a audição já perdida, pois a maioria das pessoas é operada quando os tumores são maiores e a perda auditiva já está presente.

 

  • Porque as cirurgias atuais dependem muito da experiência das equipes cirúrgicas e a maioria delas conhece melhor os schwannomas esporádicos (95% de sua experiência) do que aos schwannomas que surgem nas pessoas com NF2-SWN.

Em geral, as equipes de neurocirurgia pouco familiarizadas com a NF2-SWN ainda chamam os schwannomas vestibulares de “neurinoma do acústico”.

Todas as técnicas cirúrgicas disponíveis atualmente apresentam alta taxa de recorrência dos schwannomas e todos os medicamentos testados até agora ainda apresentam apenas melhora parcial dos sintomas.

 

Com estas informações em mente, vejamos algumas recomendações para as principais manifestações clínicas dos schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN.

 

AUDIÇÃO

A redução ou perda da audição é geralmente o sintoma inicial e o mais importante para uma pessoa com NF2-SWN.

A capacidade de compreender a fala humana é a principal função da audição e por isso ela é a medida da qualidade de vida nas pessoas com NF2-SWN.

A perda auditiva geralmente ocorre lentamente, muitas vezes apenas de um lado, e cerca de 4 anos depois de diagnosticada a metade das pessoas com a NF2-SWN apresenta dificuldade importante para compreender a fala humana.

A audiometria é o principal exame complementar para a orientação clínica porque fornece uma medida objetiva da audição.

 

Figura 2 – Audiometria de uma pessoa com NF2-SWN. Observa-se perda auditiva em ambas as orelhas, mas maior na orelha direita. Perdas maiores do que 10 decibéis (dB)  em duas ou mais frequências contíguas ou maiores do que 15 decibéis em qualquer frequência única sugerem o diagnóstico de schwannoma vestibular (com sensibilidade de 93% e especificidade menor que 70%).

A partir do resultado da audiometria, podemos classificar as perdas auditivas de acordo com o Quadro 1, uma classificação utilizada internacionalmente.

O Quadro 1 é apenas uma orientação, porque as pessoas toleram de forma diferente sua perda auditiva. Algumas se sentem muito mal no grau 2, enquanto outras suportam relativamente bem o grau 3.

Por isso, a pessoa com NF2-SWN deve escolher o momento em que a sua perda da discriminação da fala se tornou um problema tão importante que precisa ser corrigido, mesmo com os riscos de algumas sequelas.

A capacidade de discriminação da fala deve ser a informação necessária para ajudarmos a pessoa com NF2-SWN a decidir se deseja ou não receber a intervenção cirúrgica ou medicamentosa.

Para isso, devemos indicar as audiometrias seriadas (a cada seis meses, se não houver novos sintomas antes).

A progressão rápida da perda auditiva (de um grau ou mais em seis meses, por exemplo) é um dos critérios que devem ser levados em conta para a decisão ou não de tratar (ver abaixo um exemplo verdadeiro em nossa experiência).

Esta perda auditiva progressiva e relevante para a pessoa com NF2-SWN combinada com o tamanho do tumor é que orientam nossas sugestões terapêuticas.

 

Zumbido

Em algumas pessoas o zumbido pode ser o primeiro sintoma, acompanhado ou não da perda auditiva. Dependendo da progressão da perda, nos primeiros momentos o incômodo pode ser leve, a pessoa não perceber e continuar sentindo o zumbido, achando que uma hora vai passar, sem relacionar com uma possível doença.

É importante que o zumbido não seja banalizado, pois ele pode ser um indicativo de perda auditiva. Há pessoas que não desenvolvem o zumbido, mas noutras ele pode ser o sinal mais importante (11%).

 

TAMANHO DO TUMOR

Sabendo que não existe maneira de conhecer o comportamento futuro de um schwannoma que acaba de ser diagnosticado, o método de escolha para avaliar o tamanho dos schwannomas vestibulares é a ressonância magnética (RNM) seriada a cada 6 ou 12 meses (ou antes, se surgirem novos sintomas neurológicos).

Com o resultado da RNM podemos classificar o tamanho do schwannoma segundo a Figura 2.

Figura 3 – Escala de Koos para schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN. Grau 1 – Tumor pequeno, restrito ao canal auricular interno. Grau 2 – Tumor médio, avançando para dentro do ângulo bulbopontino, mas sem contato com o tronco cerebral. Grau 3 – Tumor grande, ocupando a cisterna bulbopontina, mas sem contato com o tronco cerebral. Grau 4 – Tumor muito grande com deslocamento de nervos e compressão do tronco cerebral. Observa-se a progressiva compressão do nervo facial com o crescimento do schwannoma.

 

Esta classificação nos ajuda a compreender algumas situações:

  1. Os tumores de grau 1 a 3 ainda não ameaçam a vida e por isso podem ser analisados com mais tranquilidade do que os schwannomas maiores (Grau 4).
  2. Quanto maior o tumor, maior a dificuldade de preservar a audição e o nervo facial, porque o nervo facial está muito próximo ao nervo vestíbulo coclear.
  3. A localização do tumor é 80% das vezes no ramo vestibular (equilíbrio) e 20% no ramo coclear (audição), apesar da audição estar mais afetada do que o equilíbrio (este dado precisa ser confirmado nas pessoas com NF2-SWN).
  4. As técnicas cirúrgicas variam de acordo com o tamanho do tumor.

 

QUAIS SÃO OS TRATAMENTOS POSSÍVEIS?

 

A ideia principal no tratamento dos problemas causados pela NF2-SWN é que estamos diante de uma doença:

  • Crônica (ainda sem cura cirúrgica ou medicamentosa)
  • Limitante (especialmente pela surdez e sequelas cirúrgicas, tumores medulares)
  • Potencialmente fatal (compressão do tronco, hidrocefalia, cirurgias, convulsões)
  • Hereditária (há chance de 30 a 50% de passar a variante patogênica para um filho ou uma filha)

Assim, precisamos pensar nos cuidados médicos no longo prazo, procurando antecipar as possíveis complicações e limitações.

A associação The Children’s Tumor Foundation publicou uma cartilha (ver aqui – em inglês) com orientações importantes para as pessoas com NF2-SWN, que adaptamos para a população brasileira abaixo.

 

Coordenação clínica

O primeiro passo para o tratamento, depois do diagnóstico confirmado de NF2-SWN (ver aqui), é a escolha de um (a) médica (o) com experiência em neurofibromatoses para coordenar a observação ativa (ver abaixo), as reavaliações, intercorrências, exames e especialistas que podem ser necessários ao longo da vida.

 

Grupos de ajuda

A participação em grupos de pessoas com neurofibromatoses pode ser fonte de informação e conforto psicológico. Participe da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatoses (AMANF – clique aqui) ou de outras associações semelhantes que existem em vários países.

 

Aconselhamento genético

É sempre importante realizar o painel genético para identificar o diagnóstico preciso da Schwannomatose (ver aqui).

Sabendo que a NF2-SWN é hereditária (30 a 50% de chance de transmissão da variante patogênica a descendentes), é fundamental ajudar as pessoas no controle de natalidade e planejamento familiar, incluindo a discussão sobre a fertilização in vitro com seleção de embriões.

O diagnóstico da NF2-SWN numa pessoa que já possui filhas ou filhos traz uma questão delicada sobre se deve ou não ser investigada a transmissão da variante para descendentes e quando seria o momento adequado para fazer esta investigação. Geneticistas estão habilitadas (os) a orientar eticamente estas decisões.

A sugestão do Children´s Tumor Foundation é de que crianças com possibilidade de terem herdado uma variante patogênica da NF2-SWN devem realizar:

  • Avaliação oftalmológica nas primeiras semanas de vida e anual até os dez anos de idade.
  • Ressonância magnética se houver algum problema neurológico e em torno dos 10 aos 14 anos.
  • Painel genético depois dos 18 anos ou quando puder tomar esta decisão.

Por enquanto, o SUS ainda não oferece nem o exame genético e nem a fertilização in vitro, o que tem sido uma pauta entre as lutas de associações de pacientes, como da AMANF.

 

Oftalmologia

A possibilidade de opacificação do cristalino nas pessoas com NF2-SWN (chamada catarata juvenil ou catarata subcapsular posterior) exige que a capacidade visual seja regularmente avaliada por oftalmologista experiente em neurofibromatoses (ver mais informações aqui).

 

Fonoterapia

A terapia fonoaudiológica pode ajudar na convivência com a baixa audição e com o zumbido. Além disso, pode orientar na aquisição da linguagem labial e na linguagem de sinais, que devem ser aprendidas enquanto há audição.

Além disso, a fonoaudiologia pode ajudar na adaptação de atividades da vida diária, como a vida social, uso de telefones e televisão.

 

Apoio psicológico

Os impactos psicológicos da NF2-SWN são profundos e a pessoa acometida assim como sua família geralmente necessitam de apoio especializado para conseguir superar as limitações e levarem uma vida com boa qualidade.

 

Fisioterapia

Fisioterapeutas podem auxiliar na recuperação da paralisia facial e tratamento do desequilíbrio e perda de força que eventualmente venham a ocorrer.

 

Observação ativa

Significa reavaliar periodicamente os sintomas clínicos, em especial a função auditiva e a  visão (risco de catarata) e o tamanho dos schwannomas. Esta parece ser a melhor conduta para a maioria das pessoas com NF2-SWN. A observação ativa pode variar de alguns anos a poucos meses sem qualquer tratamento cirúrgico ou quimioterápico.

Var abaixo o fluxograma da observação ativa e outras condutas, considerando a perda auditiva e o tamanho do schwannoma. Adaptamos o resumo das recomendações do Consenso de 2012 e de 2020 na Figura 3 abaixo.

 

 

Figura 3 – Fluxograma da observação ativa e outras condutas para os schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN. Adaptado dos Consensos de 2012 e 2020. Observação: Nos manuais de cirurgia recomenda-se cirurgia em um dos tumores bilaterais no Grau 1 com a intenção de preservar a audição, mas não conseguimos dados mostrando este desfecho favorável.

 

Ressecção cirúrgica

A cirurgia (ressecção parcial ou total) de um schwannoma deve ser sugerida à pessoa com NF2-SWN e sua família quando:

  • O tumor ameaçar a vida (Grau 4 da classificação de Roos).
  • Houver piora clínica (audição e outros sintomas) desde a última consulta.
  • Seja mais provável a preservação da audição do que sua perda (ver fluxograma acima).
  • Tumores menores do que 1,5 cm são candidatos à primeira cirurgia.
  • A pessoa esteja consciente de que o risco pós-operatório de paralisia facial é de cerca de 30%.
  • A pessoa esteja consciente de que o risco de zumbido pós-operatório é de cerca de 40%.
  • A monitorização contínua do nervo facial seja garantida durante a cirurgia ([1]).
  • A equipe cirúrgica tenha experiência com schwannomas vestibulares em pessoas com NF2-SWN.

 

Radio cirurgia e radioterapia

São ambos tratamentos contraindicados nas pessoas com NF2-SWN por risco de transformação maligna. No entanto, esta técnica tem sido indicada nas pessoas com schwannomas esporádicos (sem NF2-SWN) menores do que 3 cm. As condições e habilitação da equipe cirúrgica podem entrar no cálculo dos riscos e benefícios.

 

Medicamentos

Até o presente momento, apenas o medicamento bevacizumabe tem se mostrado útil em casos selecionados de schwannomas vestibulares em pessoas com NF2-SWN (ver aqui comentário detalhado sobre este medicamento).

 

Aparelhos auditivos

Comuns

Os aparelhos auditivos comuns (usados nas pessoas idosas, por exemplo), que apenas aumentam a intensidade do estímulo sonoro em determinadas frequências, não funcionam adequadamente nas pessoas com NF2-SWN.

Implantes

Quando os tumores ou o resultado das cirurgias resultaram em surdez completa, aparelhos auditivos especiais podem ser implantados na cóclea (se houver nervo coclear funcional) ou no tronco cerebral. Estas possibilidades podem ser compreendidas e discutidas com especialistas a partir desta revisão científica de 2016: “Restauração da audição em pacientes com NF2” (ver aqui artigo completo em inglês).

 

Dúvidas e sugestões

Estas informações podem ser melhoradas com sua ajuda.

Envie-nos suas dúvidas, sugestões e críticas para rodrigues.loc@gmail.com

 

Assinam este texto:

 

Profa. Dra. Juliana Ferreira de Souza

Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – Coordenadora do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG

 

Dra. Luíza Cançado Guerra D’Assumpção

Neurocirurgiã com Mestrado e Doutoranda em Neurocirurgia na Universidade Federal de Minas Gerais

 

Prof. Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Professor Aposentado da UFMG e Diretor Administrativo da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (AMANF)

 

Belo Horizonte, janeiro de 2024

Agradecemos as leituras e as ótimas sugestões de: Ramon Cosenza, Thalma de Oliveira Rodrigues, Fabíola A.A. Rocha Bastos, Érica Onofre e Aline da Silva Freitas.

[1] Importante ressaltar que a abordagem cirúrgica deve acontecer com monitoramento tanto nos schwannomas nos pares cranianos que possam ser afetados pela cirurgia quanto na coluna, permitindo à equipe decidir a melhor abordagem, se deve remover todo o tumor ou manter parte dele para preservar os nervos ao redor.

 

 

 

 

 

 

 

Algumas pessoas têm perguntado se a equipe médica do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF) tem “conhecimento e expertise” sobre o medicamento selumetinibe (nome comercial Koselugo).

Sim, temos conhecimento sobre os estudos realizados e temos indicado o seu uso em determinadas condições de acordo com os critérios abaixo:

 

QUANDO USAR O SELUMETINIBE? 

 

Devo usar o novo medicamento? Como faço para conseguir o novo medicamento para neurofibromatose? Como devo usar? Quanto custa? 

 

Estas são as perguntas mais frequentes que temos recebido nos últimos meses, desde que o selumetinibe foi aprovado nos Estados Unidos para o tratamento de determinados casos de neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis.

 

Primeiro, você sabe o que é o selumetinibe? 

 

É um medicamento do tipo antineoplásico, que é como um tipo de quimioterapia, da classe dos inibidores de MEK, estudados e usados geralmente para tratar alguns tipos de câncer. 

O selumetinibe é um medicamento de uso por via oral, feito para ser tomado diariamente, que já tem registro no Brasil e bula registrada na Anvisa desde agosto de 2023.

Nós sabemos quanto sofrimento os neurofibromas plexiformes trazem para as pessoas com NF1 e suas famílias.

Por isso, há vários anos, nossa equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais tem estudado profundamente todos os trabalhos científicos que estão sendo publicados sobre o uso do selumetinibe na neurofibromatose tipo 1.

Temos discutido entre nós os resultados encontrados nestes estudos e também com o Dr. Carlos Magno Leprevost, da equipe médica do laboratório fabricante do remédio (AstraZeneca) e com um dos médicos autores da pesquisa que justificou a liberação do medicamento nos Estados Unidos, o Dr. Michael Fisher.

Além disso, participamos do último Congresso Europeu sobre neurofibromatoses agora em dezembro (aqui) e levamos as nossas análises sobre o selumetinibe na forma de dois posters com partes das informações que apresentamos abaixo.

 

RELÓGIO DE CUIDADOS

Nossa resposta para esta importante questão é apresentar publicamente uma série de cuidados que construímos para que cada pessoa (ou sua família) com NF1 possa entender os efeitos esperados do remédio e decidir junto com seu médico ou sua médica e com segurança se deve usar ou não o selumetinibe e durante quanto tempo.

As etapas que cada pessoa ou cada família deve seguir estão explicadas aqui no blog, um passo a cada post (um post por dia), até completarmos os 12 passos.

A partir de amanhã, iremos seguir passo a passo com você para sabermos se você tem tumores semelhantes aos que foram estudados, o que você espera do selumetinibe e o que ele pode oferecer.

Os passos estão resumidos na figura acima, que ilustra o nosso “Relógio de Cuidados“.

 

Passo 1 – Tenho um neurofibroma plexiforme? 

 

Como você sabe que tem um neurofibroma plexiforme?

Geralmente as médicas e os médicos com experiência em neurofibromatoses são capazes de identificar um neurofibroma plexiforme desde os primeiros anos de vida, porque eles são congênitos, quer dizer, se formam desde a vida dentro do útero.

Você pode encontrar neste link mais informações sobre o que são e como aparecem e crescem os neurofibromas plexiformes: https://amanf.org.br/2020/10/como-crescem-os-neurofibromas-plexiformes/

Somente se você tem um neurofibroma plexiforme você deve dar os passos seguintes, pois o selumetinibe está indicado apenas para este tipo de neurofibroma.

Não está indicado para neurofibromas cutâneos, gliomas ou outras manifestações da NF1.

IMPORTANTE

Além de saber se você tem um plexiforme, precisamos avaliar se ele está crescendo ou não e se está produzindo sintomas, como dor ou perda de função.

Nas últimas semanas, meses ou anos, seus neurofibromas plexiformes podem ter estado estáveis quanto ao tamanho e sintomas.

Mas se eles estiverem crescendo rapidamente, endurecendo ou manifestando dor e outros sintomas, pode ser que esteja ocorrendo a transformação maligna do neurofibroma, e então você precisa esclarecer esta questão rapidamente.

 

Então, nosso primeiro passo é afastar a possibilidade de seu plexiforme estar sofrendo transformação maligna.

O selumetinibe não está indicado para neurofibromas com transformação maligna.

Ver aqui mais informações sobre a transformação maligna dos plexiformes: https://amanf.org.br/transformacao-maligna/

 

Além disso, você precisa saber de algumas situações que não permitem você usar selumetinibe, ou seja, se possui algum dos critérios de exclusão abaixo:

  1. Se estiver grávida ou amamentando.

Se você for uma adolescente ou mulher em idade com possibilidade de ficar grávida (ou seja, depois da primeira menstruação), deverá fazer um teste de gravidez e iniciar um método anticoncepcional seguro e eficiente antes de usar o selumetinibe.

    1. Se possuir alguma outra doença clínica importante,como infecções, disfunção cardíaca, pulmonar, hepática ou renal.
    2. Se necessitar de provável cirurgia durante o uso do selumetinibe.
    3. Estiver realizando radioterapia ou quimioterapia.
    4. Não puder realizarexames de imagem para reavaliar o tumor.

 

  • Incapacidade de engolir cápsulas.

Então, se você tem um neurofibroma plexiforme, sintomático e inoperável, e não está sofrendo transformação maligna e você não possui nenhum destes critérios de exclusão citados, vamos dar amanhã o passo seguinte para o uso ou não do selumetinibe.

 

Passo 2 – O que está acontecendo com meu neurofibroma plexiforme? 

É importante você saber que diante de um adulto ou uma criança ou um adolescente com neurofibroma plexiforme, podemos suspeitar que haverá fases de crescimento do tumor, outras de estabilidade e até mesmo fases de redução do tumor, mas não podemos afirmar com certeza o que irá acontecer nos próximos anos.  

Também precisamos saber qual tipo de neurofibroma plexiforme que você possui, porque existem dois tipos, os difusos e os nodulares e eles se comportam de forma diferente de acordo com a idade da pessoa.

Veja aqui mais informações sobre os neurofibromas plexiformes difusos e nodulares: https://amanf.org.br/2020/10/como-crescem-os-neurofibromas-plexiformes/

maioria dos plexiformes apresenta algum crescimento na infância e adolescência, acima do crescimento natural da pessoa, mas os difusos crescem mais rapidamente antes da adolescência e os nodulares depois da adolescência.

Podemos dizer 3 coisas importantes sobre o crescimento dos neurofibromas plexiformes:

  1. Os difusos parecem ter uma biologia diferente dos plexiformes nodulares.
  2. A maioria dos difusos cresce na infância e os nodulares crescem mais tarde.
  3. Muitos plexiformes difusos podem reduzir seu tamanho na vida adulta.

Então, nos últimos meses, o seu plexiforme está crescendo, está do mesmo tamanho ou está diminuindo?

Assim, a sua idade pode ser um fator importante para saber se deve ou não usar o selumetinibe. O estudo que serviu de base para a aprovação nos Estados Unidos foi feito com crianças e adolescentes.

Outra questão importante é se o seu neurofibroma plexiforme está causando ou não problemas para sua vida. O selumetinibe foi aprovado nos Estados Unidos para neurofibromas que estejam causando problemas como deformidade, dor ou perda de função e que não possam ser corrigidos por meio de cirurgia.

Se o seu plexiforme está causando problemas para você, então veja o nosso post de amanhã.

 

Passo 3 – Quais os problemas causados pelo meu neurofibroma plexiforme? 

 

Neste passo, vamos ver os principais problemas e sintomas causados pelos plexiformes que foram tratados com selumetinibe no estudo da Dra. Gross nos Estados Unidos.

Queremos ajudar você a saber o que você pode esperar com o tratamento.

Metade dos plexiformes apresenta uma ou mais das seguintes consequências:

 

  • Deformidades físicas
  • Dor
  • Perda de alguma função

 

A – Se sua queixa principal sobre o plexiforme for a deformidade física, você precisa saber que no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020) (ver aqui) o selumetinibe reduziu o tamanho do tumor de forma duradoura (mais de um ano de uso constante do medicamento) em 1 em cada 2 crianças (ou adolescentes) que usaram o medicamento.

Nenhuma criança apresentou cura, ou seja, o tumor não desapareceu em nenhuma delas.

Esta redução nestas crianças e adolescentes foi entre 30 e 40% do tamanho inicial, quer dizer, se o plexiforme tinha um volume de um litro, por exemplo, o selumetinibe reduziu cerca de 2 copos aproximadamente.

Você precisa então pensar se esta redução de 30% já seria suficiente para melhorar a deformidade causada pelo plexiforme. Se esta redução faria com que você se sentisse mais confortável porque as outras pessoas estariam percebendo menos o seu plexiforme, por exemplo.

Se você acha que a possível redução de 40% do tumor é suficiente para você enfrentar os riscos e custos do medicamento, vá para o passo seguinte (Passo 4).

 

B – Se o problema principal causado pelo plexiforme for a dor, que pode ser muito forte em algumas pessoas, você precisa saber que a redução do tamanho do plexiforme observada com o selumetinibe em metade das crianças e adolescentes não foi relacionada com a melhora da dor.

Nós também temos dúvidas se o estudo da Dra. Gross comparou corretamente a dor nas pessoas que usaram o selumetinibe, pois a dor é um sentimento subjetivo e pode ser afetada pelo simples uso de uma cápsula colorida achando que é um remédio, o que chamamos de efeito placebo.

E a Dra. Gross não comparou o selumetinibe com algum comprimido placebo.

Então, se a dor é sua queixa principal, seria interessante você realizar um tratamento rigoroso para a dor, seguindo a escada analgésica (ver aqui) antes de considerar o uso do selumetinibe

Mas se você já tentou esta escada analgésica e não está funcionando, e tem esperança de que o selumetinibe possa reduzir sua dor, vá para o passo seguinte (Passo 4).

 

C – Por fim, sua queixa principal quanto ao plexiforme pode ser a perda de alguma função. Então vamos ver alguns exemplos das perdas funcionais mais comuns causadas pelos plexiformes.

  1. Se você apresenta perda do movimento de um braço ou uma perna, por exemplo, você precisa saber que estas perdas são causadas precocemente pelo desenvolvimento do plexiforme desde a vida intrauterina e não há evidência de que elas possam ser modificadas pelo uso do selumetinibe.

Talvez seja melhor você investir em outros cuidados para melhorar sua capacidade funcional.

  1. Se você apresenta dificuldade para respirar por obstrução das vias aéreaspor causa do plexiforme, o selumetinibe apresentou redução da compressão da traqueia em alguns casos especiais, permitindo a retirada da traqueostomia, e isto pode ser uma indicação para você experimentar o selumetinibe, então vá para o passo seguinte (Passo 4).
  2. Dificuldade visual por causa de invasão do olho pelo plexiforme, você precisa saber que a presença crônica do plexiforme nas proximidades dos olhos pode realmente obstruir a visão, causar glaucoma (aumento da pressão ocular) ou proptose (deslocamento do globo ocular para fora da órbita). Essas são consequências graves do plexiforme que provavelmente não serão modificadas pelo uso do selumetinibe.

 

Passo 4 – Uma cirurgia poderia corrigir minha queixa principal quanto ao plexiforme? E o remédio?

 

Antes de iniciar o tratamento com selumetinibe você precisa consultar uma cirurgiã ou cirurgião para saber se uma cirurgia poderia resolver sua deformidade, sua dor ou sua perda de função causadas pelo neurofibroma plexiforme.

Você deve saber que somente conseguimos remover completamente os neurofibromas pequenos e superficiais, que geralmente não causam grandes problemas. Os maiores e mais profundos, podem envolver estruturas vitais e assim se tornarem impossíveis de remoção completa.

Se o seu neurofibroma plexiforme não puder ser removido cirurgicamente ou a cirurgia não garantir a solução da sua queixa principal, você pode considerar o uso do selumetinibe.

É preciso lembrar que os resultados possíveis do selumetinibe, de acordo com o estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020), são:

  1. Redução do tamanho do tumor, em cerca de 30 a 40%.
  2. Outros resultados, como redução de dor ou melhora da qualidade de vida, podem ocorrer em uma proporção menor de pessoas,mas não está claro ainda qual o tamanho dessa melhora, quanto tempo ela leva para ocorrer e quanto tempo ela dura.
  3. A redução no tamanho do tumor não se associou, no estudo, a estes outros resultados. Ou seja, reduzir o tumor não necessariamente leva a bons resultados em outras coisas.

Se você não puder realizar a cirurgia e acha que os efeitos possíveis do selumetinibe podem melhorar sua qualidade de vida, siga para o passo seguinte.

 

Passo 5 – Minha qualidade de vida vai melhorar?

 

Qualidade de vida é a soma de diversas coisas: sua capacidade de realizar as tarefas do dia, seu estado psicológico, sua disposição para viver, a ausência de dor ou limitações físicas importantes, a sua autonomia pessoal, além das condições de trabalho, moradia, segurança e perspectiva do futuro.

Ou seja, qualidade de vida envolve diversas avaliações subjetivas sobre nossa vida.

NF1 e os neurofibromas plexiformes podem afetar nossa qualidade de vida de diversas maneiras, como já comentamos acima nas queixas principais (deformidade, dor e perda de função).

A qualidade de vida das crianças e adolescentes com plexiforme foi estudada pela equipe da Dra. Gross e os resultados mostraram que o uso do selumetinibe por cerca de um ano produziu uma pequena variação positiva na qualidade de vida (especialmente na avaliação dos pais), mas não houve dados suficientes para afirmar que isto tenha acontecido de fato.

Eles observaram que as respostas dos voluntários, aos questionários sobre qualidade de vida, mostraram uma melhora entre 6,7 pontos (crianças) e 13 pontos (seus pais) numa escala de 0 a 100 pontos.

Esta melhora com o selumetinibe é bastante próxima aos limites definidos como mínimos (que são de 4 a 6 pontos) pela comunidade científica internacional (ver aqui mais informações sobre esta questão: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3687260/  e aqui https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/14616041/

Além da mudança na qualidade de vida com o selumetinibe estar próxima aos limites mínimos de variação, o estudo não envolveu outro grupo de crianças usando um placebo (mesmo problema para a avaliação da dor, já comentado), fazendo com que os dados não sejam suficientes como prova estatística.

Portanto, você deve considerar que o tratamento com selumetinibe provavelmente não terá um GRANDE efeito sobre sua qualidade de vida.

Mas se você deseja saber mais sobre o que esperar do tratamento com selumetinibe, siga para o próximo passo.

 

Passo 6 – Quais efeitos colaterais posso apresentar com o uso do  selumetinibe?

 

Se você chegou até este passo é porque você provavelmente é uma criança ou adolescente que apresenta um neurofibroma plexiforme, sintomático e inoperável.

Você deve estar sofrendo as complicações do tumor a tal ponto que precisa saber os possíveis efeitos colaterais do selumetinibe, se vale a pena o custo em relação ao benefício.

O trabalho científico da Dra. Gross e colaboradores (NEJM, 2020), que justificou a aprovação do selumetinibe nos Estados Unidos, relatou que 1 em cada 4 crianças teve efeitos colaterais intensos o suficiente para obrigar a redução da dose do medicamento e 1 em cada 10 crianças teve que suspender definitivamente o tratamento por causa de sua toxicidade.

É importante salientar que a redução da dose ou a suspensão do tratamento podem levar à perda da resposta inicial ao remédio e o tumor pode voltar a crescer.

Então, vamos saber o que os inibidores de MEK, como o selumetinibe, podem causar no seu organismo .

Outro trabalho científico (para ver o artigo original em inglês  CLIQUE AQUI ) analisou os efeitos colaterais destes medicamentos e a Dra. Laura Klesse e colaboradores (2020) usaram uma graduação da gravidade dos efeitos colaterais, uma tabela usada para avaliar os tratamentos de pessoas que têm tumores malignos (câncer), ou seja, para doenças potencialmente mortais (o que geralmente não é o caso dos neurofibromas plexiformes).

Os resultados mostraram que o uso do selumetinibe causou os seguintes efeitos colaterais mais comuns (graus 1 a 2):

 

  • Disfunção cardíaca em 4 de cada 10 crianças
  • Diarreia crônica em 1 em cada 2 crianças
  • Fadiga (cansaço) em 1 em cada 2 crianças
  • Náusea ou vômitos em 1 em cada 2 crianças
  • Infecções nas unhas e pele das mãos e pés em 4 em cada 10 crianças
  • Acne (espinhas) em 6 em cada 10 crianças

 

Assim, se você usar o selumetinibe, terá uma chance grande de apresentar uma ou mais de uma destas complicações.

Sabendo que os efeitos colaterais podem acontecer, é preciso que você tenha um sistema de supervisão e comunicação permanente e direto com a equipe médica, para que ela possa reduzir ou corrigir estas possíveis complicações.

No passo seguinte veremos como deve ser feita a supervisão médica.

 

 

Passo 7 – Preciso de supervisão médica para usar o selumetinibe? 

 

Se você chegou até este passo é porque você provavelmente é uma criança ou adolescente (ou os seus familiares) que apresenta um neurofibroma plexiforme, que deve estar sofrendo as complicações do tumor a tal ponto que, depois de informada (o) no post anterior, seria capaz de tolerar os efeitos colaterais do selumetinibe.

Para isso, você precisa ter a garantia de que a equipe médica e alguns exames complementares estarão disponíveis, no tempo necessário, pelo Sistema Único de Saúde (ou autorizados pelo seu convênio durante o seu tratamento), ou você terá recursos financeiros próprios para arcar com estas despesas.

Este sistema de proteção deve funcionar da seguinte forma:

  1. A equipe médica deve realizar em você exames clínicos periódicos (ver post de amanhã).
  2. Alguns exames complementares podem ser necessários (por exemplo, ecocardiograma para avaliar a disfunção cardíaca).
  3. Pode ser preciso utilizar outros medicamentos para tratar as complicações (por exemplo as náuseas, diarreias e vômitos).
  4. A equipe médica pode precisar ajustar a dose do selumetinibe.
  5. Você e a equipe médica podem decidir interromper o tratamento por causa dos efeitos tóxicos.

Se você considera que pode contar com a supervisão médica durante o tratamento e poderia suportar estes efeitos colaterais para tentar resolver sua queixa principal em relação ao seu neurofibroma plexiforme, então vá para o passo seguinte.

 

Passo 8 – Como devem ser as reavaliações periódicas?

 

Se você chegou até aqui e continua achando que vale a pena usar o selumetinibe, precisa planejar algumas medidas que devem ser tomadas a partir do início do tratamento, para saber se está funcionando ou não para atender os objetivos que você definiu como importantes.

Novamente, vamos recorrer ao estudo da Dra. Gross, que mostrou que a redução do volume do tumor aconteceu a partir de cerca de 8 meses de tratamento e o melhor resultado foi obtido em até 16 meses.

Portanto, além das avaliações médicas necessárias caso ocorra algum efeito adverso, é preciso agendar reavaliações periódicas com a equipe médica para saber como está a evolução dos principais sintomas que motivaram o uso do selumetinibe.

Baseados no estudo da pesquisa da Dra. Gross (página 112 do Protocolo de Pesquisa), seriam necessárias reavaliações antes e durante o tratamento da seguinte forma:

  1. Exame médico completo(incluindo dados de peso, estatura, etc.)

Antes de iniciar o tratamento

A seguir semanal, nos dois primeiros meses

Depois a cada dois meses até 19 meses

Depois a cada seis meses

    1. Exame de sangue(repetir a cada mês no primeiro ano e depois a cada seis meses)
      1. Hemograma completo (repetir a cada mês)
      2. Eletrólitos (sódio, potássio, cloreto), CO2, cálcio, fósforo, magnésio, creatinina, uréia, glicemia, ALT, bilirrubina, proteínas totais e fracionadas, CPK)
    2. Exame de urina, incluindo o teste de gravidez (72 horas antes do início do selumetinibe) (repetir a cada mês no primeiro ano e depois a cada seis meses)

 

  • Eletrocardiograma e Ecocardiograma 

 

Antes de iniciar o tratamento

Com 3, 6 e 11 meses

Depois, a cada seis meses

  1. Ressonância magnética tridimensional (a Dra. Gross e equipe informam que apenas a  é capaz de perceber as diferenças no tamanho do tumor com a medicação)

Antes de iniciar o tratamento

Com 8 meses e 16 meses

Depois a cada seis meses

 

  • Exame oftalmológico

 

Antes de iniciar o tratamento

Com 8 meses e 16 meses

Depois a cada seis meses

É preciso lembrar que infelizmente ainda temos muita dificuldade para fazer estes exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Além disso, precisamos considerar a necessidade de sedação e seus riscos em crianças para a realização de alguns destes exames. 

Se você dispõe dos recursos (técnicos, financeiros e institucionais) para realizar estas reavaliações periódicas, vamos em frente.

 

Passo 9 – Critérios para interrupção do selumetinibe.

 

Se você já considerou todas as questões nos passos anteriores e acha que deve usar o selumetinibe, vamos dar o passo seguinte, que é saber quais são os critérios para interrupção do tratamento, baseados naqueles utilizados no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020).

O tratamento com o selumetinibe deverá ser interrompido por três grupos de motivos:

  1. A) Antes do início do tratamentocom selumetinibe era um neurofibroma plexiforme que estava crescendo (mais de 20% nos últimos 15 meses) e continuou a crescer durante o tratamento. 

O estudo da Dra. Gross e colaboradores mostrou que a suspensão completa do tratamento estava indicada se houvesse progressão (ou seja, aumento do tumor) nos ciclos 5, 9, 13, 17, 21, 25 e depois a cada 6 meses (cada ciclo de tratamento dura cerca de um mês).

  1. B) Era um neurofibroma plexiforme que não estava crescendo antes de iniciar o selumetinibe, mas não apresentou redução até dois anos de tratamento.
  2. C) Outros critérios para descontinuidade do tratamentopara pacientes com e sem progressão:
  • Administrativos(recusa do paciente, no interesse do paciente segundo seu médico, violação do protocolo, não adesão às normas)
  • Toxicidade(que não seja resolvida por redução da dose em 21 dias, ou apareça após suspensão da droga e nova tentativa)
  • Evidência de progressãodos três neurofibromas plexiformes mais importantes, seja por indicadores clínicos ou pela ressonância magnética em 3D (nos ciclos 6,11 e a cada 6 ciclos).
  • Até duas reduções de dose podem ser consideradasse houver efeitos adversos grau 3 ou mais segundo o NCI Common Terminology Criteria for Adverse Effects abaixo apresentados:
    • Elevação de certas enzimas no plasma (transaminases)
    • Baixa de alguns minerais e eletrólitos no sangue (hipofosfatemia, hipokalemia, hipocalcemia ou hipomagnesemia corrigidas com suplementação)
    • Manchas vermelhas com coceira no corpo (rash cutâneo) controlável com terapia adequada.
    • Elevação de uma enzima chamada creatinofosfoquinase (CPK), mesmo que seja assintomática
    • Toxicidade gastrintestinal (diarreia, náusea, vômitos) controlável
    • Catarata (opacidade do cristalino)
    • Ganho de peso maior 20% avaliado caso a caso, considerando a possibilidade de estar ocorrendo retenção de líquidos (edema).
    • Toxicidade cardíaca (redução da função ventricular)
    • Obstrução urinária
    • Descolamento da retina ou trombose venosa da retina
    • Pneumonite

Se você se sente devidamente informada (o) sobre quando deve parar o tratamento com o selumetinibe, siga adiante no próximo passo.

Passo 10 – Definição da duração do tratamento

 

Este é um passo importante, pois você deve estar se perguntando por quanto tempo deve usar o medicamento selumetinibe, caso ele produza uma redução de 30 a 40% do volume do seu neurofibroma plexiforme ou melhore sua dor ou sua disfunção.

Infelizmente, não sabemos ainda esta resposta, pois no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020) as pessoas com plexiformes que responderam ao selumetinbe continuaram em uso por tempo indeterminado.

Algumas pessoas que estavam observando redução do plexiforme e tiveram que suspender a medicação por algum motivo, apresentaram volta do crescimento do tumor. Assim parece que o medicamento teria que ser usado continuamente para sustentar os efeitos positivos observados.

Por outro lado, ainda não sabemos os efeitos do uso prolongado do selumetinibe sobre alguns aspectos importantes da vida das pessoas:

  1. Qual o impacto do selumetinibe noaprendizado, na função cognitiva, na inteligência?
  2. Qual a chance do selumetinibe produzir alterações no crescimento, no desenvolvimento sexual e na fertilidade?
  3. Qual a chance do selumetinibe propiciar o aparecimento de doenças malignas?

Em conclusão, aguardamos novos estudos científicos para podermos responder estas questões com segurança.

 

Passo 11 –  Quanto custa o tratamento com selumetinibe? 

 

Se você chegou até aqui é porque está considerando seriamente o uso do selumetinibe para tratar seu neurofibroma plexiforme sintomático e inoperável, apesar das incertezas e riscos que foram apresentados nos passos anteriores.

Então você deseja saber o preço, ou seja, o custo financeiro do medicamento.

O preço pela CMED, R$ 92.761,64 para 25mg com 60 comprimidos = 61,84 reais por mg de selumetinibe.

Como definimos anteriormente, a duração do tratamento não seria inferior a 12 meses, a não ser que houvesse algum efeito colateral que obrigasse a suspensão da droga, ou o plexiforme voltasse a crescer mesmo com a medicação, o que aconteceu com cerca de metade daqueles que iniciaram o tratamento no estudo da Dra. Gross.

Assim, teríamos um custo de cerca de 600 mil reais a um milhão e duzentos mil reais por pessoa, por ano de tratamento. Este custo, portanto, provavelmente é muito caro para o benefício limitado que o medicamento traria para a sociedade brasileira como um todo.

Algumas análises mostraram que o selumetinibe não é custo-efetivo (ver aqui análise NICE no Reino Unido e aqui a análise CADTH no Canadá, países com saúde pública como nós), ou seja, do ponto de vista de saúde pública, não seria sustentável recomendar o medicamento. E o selumetinibe só foi aprovado nestes países porque o fabricante concordou em reduzir seu custo (o que não aconteceu aqui no Brasil).

Além disso, há uma série de procedimentos clínicos (ver no passo 8 as reavaliações periódicas) e protocolos que precisam ser seguidos para o acompanhamento dos pacientes durante seu uso, que também envolve custos financeiros. 

Talvez esses custos do próprio medicamento e dos adicionais (relacionados ao protocolo de cuidados necessários e ao manejo dos eventos adversos) sejam insustentáveis para o Sistema Único de Saúde e para os Planos de Saúde.

 

Aqui terminamos nossos passos no Relógio de Cuidados que propomos para as pessoas que consideram a possibilidade de usarem o selumetinibe.

Nós do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais estamos comprometidos com nossos pacientes.

Portanto, se a ANVISA, a CONITEC e o Sistema Único de Saúde aprovarem o uso do selumetinibe para neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, nós faremos todo o esforço possível para criarmos as condições no Hospital das Clínicas para podermos cumprir este relógio de cuidados com cada pessoa com NF1 que nos procurar.

Belo Horizonte, 24 de dezembro de 2020 – atualizado em 20/1/2024

 

Nota final – Como calculamos o preço do selumetinibe?

Realizamos uma estimativa do custo do selumetinibe a partir de dados de outros países, pois ainda não temos seu preço fixado no Brasil.

  1. Considerando que a dose recomendada do medicamento foi de 25 mg por metro quadrado de superfície corporal duas vezes por dia, em ciclos de 28 dias;
  2. Considerando que a idade mediana das crianças incluídas foi de 10,2 anos; portanto, pode ser estimada uma superfície corporal mediana inicial de 1,171 m2 (meninos), crescendo até o final do estudo para 1,43 m2 e podendo chegar numa pessoa de 20 anos a 1,87 m2;
  3. Considerando que o preço mais baixo (em busca online, em sites dos EUA) foi de cerca de US$ 8.680,00 por caixa com 120 comprimidos de 10 mg = US$ 7,23 dólares por mg;
  4. Considerando que a conversão do dólar para reais seria de 5,4;
  5. Podemos estimar o custo mediano mensal do medicamento (ver tabela abaixo), que pode variar de cerca de 50 mil reais (para uma criança de 10 anos) a cerca de 100 mil reais (para um adulto de 20 anos) por mês.

Ver abaixo planilha com cálculo do custo do selumetinibe em termos médios.

Idade área SC

a partir de peso e altura (DuBois)

dose/m2 dose diária mg dias de uso preço U$/mg valor U$ custo mensal

R$

custo anual

R$

menina 10,2 anos (início) 0,914 25 45,7 28 7,23 5,4 49.969,13 599.629,62
menino 10,2 anos (inicio) 0,932 25 46,6 28 7,23 5,4 50.962,90 611.554,79
menina (13,4 anos) final 1,469 25 73,4 28 7,23 5,4 80.272,51 963.270,15
menino (13,4 anos) final 1,475 25 73,8 28 7,23 5,4 80.638,22 967.658,63
adulto feminino  1,621 25 81,0 28 7,23 5,4 88.576,67 1.062.919,99
adulto masculino 1,875 25 93,7 28 7,23 5,4 102.468,84 1.229.626,12

Qual seria o impacto deste medicamento sobre o Sistema Único de Saúde? 

  1. Considerando que dentre a população brasileira estimada com NF1 (cerca de 80 mil pessoas) haveria um grupo de 10% da população com plexiformes sintomáticos e inoperáveis (ou seja, 8 mil pessoas potencialmente usuárias do selumetinibe);
  2. Considerando que o custo médio mensal seria de cerca de 80 mil reais (entre 50 e 100 mil reais como calculado acima);
  3. Teríamos o custo estimado para o SUS de 640 milhões de reais por mês.
  4. Considerando que o tempo mediano de tratamento para metade dos voluntários que sustentaram o efeito do medicamento foi de 3,2 anos no  estudo da Dra. Gross e col. 2020;
  5. Teríamos o custo total de cerca de 11 bilhões de reais para o tratamento de metade das pessoas com plexiformes sintomáticos e inoperáveis por três anos.

 

 

 

 

Os testes genéticos podem ser úteis na orientação clínica das pessoas com neurofibromatose (ver aqui) e diante do resultado do painel genético indicando o diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) as pessoas querem saber o que ele significa em termos de gravidade e quais as consequências e complicações que podem ocorrer.

Para conhecer os diferentes níveis de gravidade da NF1 clique aqui  e para lembrar as complicações possíveis clique aqui.

A NF1 é causada por alterações no DNA de uma pessoa, ou seja, no seu código genético.

 

Para quem conhece pouco sobre genética, faço uma rápida explicação sobre o código genético na NF1.

O código genético são sequências de letras (que representam substâncias químicas chamadas bases nitrogenadas A, C, T e G), que formam os genes que estão incluídos no DNA de uma pessoa.

Os genes são instruções para a produção das proteínas necessárias para a vida, por exemplo, a proteína neurofibromina, que é fundamental para o desenvolvimento do cérebro, da pele, dos ossos e músculos.

Imagine que numa criança o código do gene para formar a neurofibromina seriam as duas sequências de letras abaixo (vou trocar as letras A, C, T e G, por letras comuns do nosso alfabeto).

A primeira (em negrito), a criança recebeu de sua mãe (no óvulo) e a segunda recebeu de seu pai (no espermatozoide):

 

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

 

Para a formação adequada da criança, as duas cópias (as duas frases) precisam estar escritas corretamente.

Agora, imagine que houve um erro de cópia do DNA na formação do espermatozoide e o código paterno veio faltando algumas letras, o que chamamos de variante (antes era chamada de mutação):

 

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

 

Quando isso acontece, o código materno sozinho precisa produzir neurofibromina correta para o desenvolvimento da criança. Mas essa quantidade de neurofibromina materna geralmente não é suficiente e então surgem as manifestações da NF1 (manchas, dificuldades de aprendizado, tumores etc.).

No exemplo acima, a variante foi a perda de um pedaço do gene (que chamamos de deleção) no material genético paterno (90% das vezes), mas pode ocorrer também no material genético materno (10% das vezes) e, nesse caso, geralmente a NF1 se manifesta de forma mais grave.

Além das deleções, as variantes podem ser de outros tipos, como a troca ou inclusão de uma ou mais letras, que também produzem proteínas defeituosas.

Quando a variante não atrapalha muito a neurofibromina e o funcionamento das células é normal, chamamos de variante benigna. Ou seja, a NF1 não se manifestará.

Quando a variante causa a neurofibromina defeituosa, ela produz sinais e sintomas da NF1, então chamamos de variante patogênica (“pato” quer dizer doença e “gênica” quer dizer que dá origem).

Entre as variantes benignas e patogênicas existem outras com menor certeza de que produzirão a NF1 e são chamadas de “provavelmente benignas (90% de chance)”, ou “de significado incerto (50% de chance)” ou “provavelmente patogênicas (90% de chance de aparecerem manifestações da NF1).

 

Com estes conhecimentos acima, podemos compreender se existe relação entre a alteração genética encontrada no exame e as manifestações da NF1.

 

Sim, em cerca de 10 a 15% das pessoas com NF1 o exame genético pode oferecer informações sobre como a doença pode evoluir (ver aqui o artigo original em inglês sobre isso).

Dentre as 3.197 variantes já conhecidas no gene NF1 (até 2022), apenas 4 tipos de alterações genéticas são variantes que comprovadamente indicam manifestações clínicas mais graves ou menos graves.

Além destas 4, a maioria das demais variantes produz proteínas defeituosas que geram as manifestações clínicas variáveis e imprevisíveis nas pessoas com NF1.

Manifestações clínicas mais graves

  • Deleções completas do gene são as mais conhecidas e causam os casos mais graves (5 a 10% de todas as pessoas com NF1). Para saber mais sobre as manifestações clínicas mais graves das deleções clique aqui (artigo em inglês).
  • Um grupo de variantes nos códons 844-848, que ocorrem em 1,6% das pessoas com NF1 e que mudam o sentido da proteína (misense). Isto causa manifestações clínicas mais graves em 75% das pessoas que possuem estas variantes. Para saber mais clique aqui (artigo em inglês).

Manifestações clínicas menos graves

  • A variante descrita nos laudos como 2970-72delATT – p.Met992del é encontrada em cerca de 0,78% das pessoas com NF1. Elas apresentam apenas manchas café com leite, efélides axilares e metade delas apresenta dificuldades cognitivas, mas não apresentam neurofibromas, nem gliomas e nem transformações malignas (ver aqui mais informações – artigo em inglês). Assim, as manifestações desta variante são muito semelhantes às das pessoas com Síndrome de Legius, então, sempre que pensarmos em Legius podemos considerar a análise genética.
  • Variante descrita no laudo como 5425C>T – p.Arg1809Cys – encontrada em cerca de 1,2% das pessoas com NF1, que produz apenas manchas café com leite, baixa estatura, dificuldades cognitivas e estenose pulmonar, mas sem neurofibromas (Ver aqui e aqui mais informações sobre as manifestações clínicas desta variante – artigos em inglês).

Se não for uma destas 4 variantes acima, por enquanto, todas as demais podem apresentar as diversas manifestações clínicas da NF1, além das manchas café com leite e efélides.

É importante lembrar que, independentemente do tipo de variante, a maioria das pessoas apresenta apenas algumas das manifestações da NF1 e raríssimas pessoas apresentam todas as manifestações da doença (ver aqui).

 Outras variantes com possível relação com as manifestações clínicas, mas ainda não confirmadas:

  • Variante p.Met1149  apenas manchas café com leite (aqui)
  • Variante p.Arg1038Gly apenas manchas café com leite (ver aqui).
  • Variante p.Arg1276 relacionada com neurofibromatose espinhal familial (ver aqui).
  • Pessoas com NF1 e com gliomas ópticos e determinado tipo de variante (ver aqui).
  • Pessoas com NF1 e estenose pulmonar (ver aqui).
  • Algumas variantes talvez relacionadas com dificuldades cognitivas (ver aqui)
  • Variantes p.Arg1276 e p.Lys1423 talvez associadas a características da Síndrome de Noonan com anormalidades cardiovasculares (aqui)
  • Variante p.R1241* associada com alterações cerebrais estruturais (ver aqui)
  • Variante p.Y2285* relacionada com muitos nódulos de Lisch e problemas endocrinológicos (ver aqui)
  • Veja outras estão em estudo (ver aqui), além de uma série de variantes já descritas nas pessoas com NF1 ( clique aqui).

Outras correlações genéticas com a NF1

Um estudo realizado na China recentemente que tentou encontrar relações entre as manifestações clínicas com as variantes conhecidas no gene NF1 (ver aqui – em inglês).

No geral, a equipe de cientistas chegou às mesmas conclusões acima, mas apresentou algumas correlações da clínica com a genética que resumo abaixo e que precisam ser discutidas:

  • Sugerem realizar sempre o painel genético em toda criança menor de 2,5 anos e com manchas café com leite.
  • Suspeitam que a presença de Nódulos de Lisch seja sugestiva de variantes mais patogênicas.
  • Os neurofibromas plexiformes volumosos (mais de 3 litros) são 16 vezes mais comuns nas deleções e a presença de variante patogênica no gene SUZ12 aumenta a chance de transformação maligna.
  • As dificuldades cognitivas parecem relacionadas com a isoforma 1 da neurofibromina expressa em alguns exons específicos.
  • A displasia periapical do cemento dentário ocorre em 35% das mulheres com NF1, mas não em homens.
  • Gliomas ópticos são mais comuns em mulheres.
  • Alterações ósseas graves estão associadas com deleções e com variantes que mudam o sentido da proteína (frameshift).
  • Retomaram a relação entre Vitamina D baixa e neurofibromas cutâneos.
  • Sugerem relação entre transformação maligna e variantes nos códons 844-848 (ver acima).
  • A relação entre câncer e NF1 parece clara no câncer de mama, mas ainda é controversa na leucemia mieloide crônica e precisa ser mais estudada.

 

Agradeço ao geneticista Dr. Salmo Raskin, que me inspirou e orientou nesta revisão

 

Agradecemos à família que pediu informações sobre um estudo com uma droga chamada trametinibe para os neurofibromas plexiformes, que foi registrado na Suécia em 2019 – e deveria estar apresentando seus resultados em julho de 2023 (ver aqui detalhes do registro do estudo) .

ATENÇÃO – Por favor, leia com atenção o texto abaixo, ANTES DE NOS PEDIR RECEITA para usar este medicamento – como aconteceu com algumas pessoas nas primeiras horas depois que postamos esta informação. 

O trametinibe é uma quimioterapia que age no organismo da mesma forma que o selumetinibe (são inibidores da via metabólica MEK1/2). O selumetinibe, já foi aprovado pela ANVISA, e sobre ele a equipe de médicas e médicos do Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF) realizou um trabalho de esclarecimento (enviado inclusive para a ANVISA) que pode ser consultado aqui.

Trametinibe

Já existem alguns estudos sobre o uso do trametinibe no tratamento de pessoas com NF1 e neurofibromas plexiformes sintomáticos graves (com risco de vida) e que não podem ser tratados cirurgicamente.

O trametinibe também já foi utilizado em algumas pessoas com NF1 e gliomas sintomáticos graves, ou seja, tumores que estão reduzindo a visão e/ou produzindo puberdade precoce e outros problemas neurológicos.

Alguns casos raros graves de neurofibromas plexiformes podem ser beneficiados por medicamentos como o selumetinibe ou o trametinibe. Por isso, já indicamos para 2 crianças em cerca de 2 mil famílias no CRNF.

No entanto, aguardamos resultados de outros estudos científicos mais amplos sobre a verdadeira eficácia destes medicamentos e ainda não estamos convencides de sua indicação nos gliomas ópticos nas pessoas com NF1.

 

A informação mais objetiva que dispomos sobre o trametinibe, até o presente, é uma metanálise, ou seja, uma revisão de 8 estudos realizada em 2022, envolvendo o total de 92 pessoas com NF1 tratadas com trametinibe (ver aqui o trabalho original em inglês).

Esta revisão mostrou que o trametinibe parece estabilizar o crescimento dos tumores sem diminuir seu volume, e que a segurança do medicamento seria satisfatória, mas a qualidade científica destas pesquisas foi muito baixa ou, no máximo, moderada.

Em conclusão, precisamos de estudos científicos sobre trametinibe realizados com mais cuidados nas pessoas com NF1 para indicarmos o seu uso com segurança.

 

Quer entender por que os estudos com selumetinibe e trametinibe, até agora, são insuficientes?

Para compreendermos por que algumas pesquisas ainda são pouco conclusivas, vamos comentar o estudo sueco enviado pela família, porque ele é muito parecido com outros estudos realizados com o mesmo objetivo.

Começamos reproduzindo as palavras com as quais este novo estudo é descrito:

“Este estudo, Treatment of NF1-related plexiforme neurofibroma with trametinib; um estudo aberto de braço único com os objetivos de remissão parcial volumétrica e alívio da dor (EudraCT 2018-001846-32, protocolo patrocinador número BUS2018-1, número de referência relacionado da Novartis CTMT212ASE01T) é um ensaio clínico pediátrico que investiga o uso potencial de o medicamento trametinibe (Mekinist®) como tratamento para neurofibromas plexiformes (PN) sintomáticos ou com probabilidade de se tornarem sintomáticos relacionados à NF1 em crianças entre 1 ano e 17 anos e 11 meses de idade.”

Vamos entender o significado destas palavras destacadas em negrito, que geralmente são complicadas para a maioria das pessoas.

 

  • Estudo aberto de braço único

 Isto quer dizer que haverá apenas um grupo de 15 pessoas voluntárias, as quais receberão apenas o medicamento trametinibe, mas não haverá nenhum outro grupo de voluntários recebendo um placebo – num comprimido sem nenhum medicamento -, para que possa ser comparado o efeito da droga com o efeito psicológico, o chamado efeito placebo.

Em outras palavras, as pessoas voluntárias e os médicos saberão que elas estão usando o medicamento trametinibe, ou seja, pode haver uma sugestão psicológica que favoreça a resposta positiva das pessoas sobre um dos objetivos do estudo que é aliviar a dor.

Também não haverá a comparação dos possíveis efeitos do trametinibe com os efeitos de outra droga já usada para a mesma finalidade (o selumetinibe, por exemplo). Assim, não saberemos se nas mesmas condições o trametinibe é melhor, igual ou pior do que o selumetinibe.

Portanto, este estudo aberto de braço único é cientificamente fraco.

 

  • Remissão parcial volumétrica é suficiente?

Isto quer dizer que não se espera que o trametinibe possa eliminar o neurofibroma plexiforme, mas apenas reduzir o seu volume.

A redução de volume considerada satisfatória nestes estudos tem sido igual ou maior do que 20% do volume do tumor antes de iniciar a medicação.

Temos chamado a atenção para o fato de que alguns plexiformes gravíssimos podem de fato ameaçar a vida (comprimindo a traqueia e impedindo a respiração, por exemplo).

Nestes casos, raríssimos (apenas 2 pacientes em cerca de 2 mil famílias atendidas no CRNF), sim, a redução de 20% pode salvar a vida.

No entanto, para a grande maioria das pessoas com NF1 e plexiformes a redução de apenas 20 – 30% do volume do tumor (como aconteceu para metade das pessoas com o selumetinibe) isso pode representar um efeito que não muda a sua qualidade de vida.

Portanto, se o resultado for apenas a redução volumétrica parcial não será um desfecho relevante para a maioria dos pacientes.

 

  • Alívio da dor é real?

O objetivo do estudo indica que querem saber se o trametinibe pode reduzir o volume E aliviar a dor? Ou são objetivos separados? Alguém com plexiforme, mas sem dor, pode participar do estudo?

A avaliação da dor, já comentamos acima, é altamente influenciada pelo estado psicológico da pessoa doente (e de sua família).

Se as pessoas envolvidas com o estudo (laboratório fabricante, médico que receita, família da criança e a própria criança com o plexiforme) estiverem TORCENDO para o trametinibe “dar certo”, é possível que aconteça o que observamos com a redução da dor no estudo do selumetinibe (em média um ponto na escala de dor (de 0 a 10), sem que a gente tenha certeza se foi o trametinibe ou se um placebo faria o mesmo efeito.

 

  • Plexiformes sintomáticos ou potencialmente sintomáticos – o que é isso?

Sabemos que os plexiformes podem ser:

  • Assintomáticos, ou seja, a pessoa não relata qualquer problema relacionado com o neurofibroma.
  • Outros podem apresentar dor ao toque ou com o uso de roupas.
  • Outros podem apresentar dor frequente, espontânea (se for forte e persistente, temos que pensar em transformação maligna).
  • Outros causam deformidades ósseas.
  • Outros causam problemas estéticos.
  • Alguns permanecem estáveis a vida toda, outros crescem sem qualquer razão aparente ou param de crescer, e outros até diminuem de tamanho, também sem razão aparente.

Portanto, diante de uma determinada pessoa com um plexiforme, NENHUM MÉDICO DO MUNDO SABE o que irá acontecer nos próximos meses ou semanas.

Assim, como podemos dizer que um plexiforme é POTENCIALMENTE SINTOMÁTICO? Este conceito não possui uma base científica.

Portanto, neste estudo proposto para o trametinibe não estão bem definidos quais os sintomas que são SEGURAMENTE relacionados ao plexiforme e quais serão usados como critérios para inclusão das pessoas no estudo.

 

  • Outro problema: quais serão os plexiformes estudados?

Sabemos que existem neurofibromas plexiformes nodulares e neurofibromas plexiformes difusos e que eles são estruturalmente diferentes e com evolução e sintomas muito distintos.

Este estudo com o trametinibe não deixa claro quais os tipos que serão estudados.

Este é um problema que já denunciamos no estudo com o selumetinibe e que enfraquece ainda mais os resultados com o trametinibe, financiados por laboratórios que fabricam medicamentos de altíssimo custo e efeitos irrelevantes ou duvidosos para doenças raras.

 

Conclusão

 Precisamos de melhores estudos científicos que tragam resultados relevantes para a maioria das pessoas com neurofibromatose do tipo 1, as quais sofrem com seus neurofibromas plexiformes.

 

 

Dra. Juliana Ferreira de Souza

Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Enf. Marina Silva Corgosinho

 

Outubro de 2023

 

Saber QUANDO procurar especialistas é uma das questões importantes no acompanhamento das pessoas com neurofibromatoses.

Na maioria das vezes, a primeira consulta com especialistas em NF1 pode identificar os achados, as manifestações e as complicações da NF1 e classificar a gravidade da doença (ver aqui mais informações sobre isto).

 

NF1 com gravidades mínima e leve

Assim, na maioria dos casos, as pessoas com gravidade mínima ou leve devem levar uma vida normal, sem quaisquer restrições de atividades físicas ou alimentares.

 

As pessoas com gravidade mínima ou leve devem levar consigo um laudo da primeira consulta com especialista em NF1 e podem ser acompanhadas APENAS pela equipe multidisciplinar da Atenção Primária à Saúde (APS), junto ao médico(a) de família e comunidade (MFC) (pessoas de todas as idades), pediatra (crianças e adolescentes) ou clínica médica (pessoas adultas).

 

Especialistas em NF devem emitir laudos para orientar a equipe da APS e os profissionais médicos (MFC, pediatria e clínica médica) sobre os problemas que devem ser acompanhados nas crianças e adolescentes (geralmente dificuldades de aprendizado,  acuidade visual, pressão arterial, alinhamento da coluna e puberdade) ou nos adultos (geralmente pressão arterial, aconselhamento genético, neurofibromas cutâneos).

 

Quando surgir um sintoma novo ou no caso de alguma dúvida é o momento de ouvir a pessoa especializada em NF1.

 

De um modo geral, exceto nas situações de urgência, é claro, sugerimos aos profissionais da APS que ouçam a médica ou médico especialista em NF1, antes de serem indicados novos exames (ressonâncias, biópsias etc.) ou consultas com outros especialistas (cirurgia, neurologia, dermatologia etc.).

 

NF1 com gravidade moderada

Na primeira consulta, especialistas em NF1 podem identificar algumas complicações da NF1 que classificam a gravidade da doença como moderada.

 

Nestes casos, a pessoa com NF1 também deve retornar aos cuidados gerais da equipe multidisciplinar da APS, junto ao médico ou médica de família e comunidade (pessoas de todas as idades), pediatra (crianças e adolescentes) ou clínica médica (pessoas adultas), com o laudo detalhado e com reavaliações periódicas com especialista em NF1.

 

A situação ideal para os casos de gravidade moderada é aquela em que a APS coordena os cuidados gerais em parceria com a pessoa especialista em NF1 e com outras especialidades como a cirurgia, oftalmologia, neurologia etc.

 

Casos graves de NF1

Mais uma vez, acreditamos no papel de coordenação do cuidado do profissional médico da APS (MFC, pediatria ou clínica médica) na condução médica dos principais problemas existentes.

 

É preciso alguém com a visão de conjunto dos diversos e complexos problemas de saúde que acometem as pessoas com NF1 e maior gravidade.

Geralmente, os casos mais graves necessitam de consultas mais frequentes com especialistas em NF1.

Schwannomatoses

As Schwannomatoses (SCH) são mais raras do que a NF1 e geralmente se manifestam a partir da segunda década de vida.

Nas primeiras consultas com especialistas em NF, deve ser confirmado o diagnóstico do tipo de SCH (ver aqui mais informações sobre isto) e laudos devem ser entregues para ajudar a equipe da APS, no acompanhamento dos problemas gerais de saúde e daqueles agravados pelas SCH.

No entanto, as características neurológicas dos problemas clínicos nas SCH (baixa audição, dor, convulsões etc.) exigem a participação mais frequente da neurologia, neurocirurgia, fonoaudiologia, clínica de dor etc., além de especialistas em NF.

Conclusão

Apesar das NF serem doenças genéticas raras, a equipe multidisciplinar da APS, junto aos profissionais médicos da MFC, pediatria e clínica médica, devem coordenar o cuidado das pessoas com NF1 ou SCH e especialistas em NF devem seguir como consultores para o apoio permanente depois das primeiras consultas.

 

Dra. Juliana Ferreira de Souza

(Professora do Departamento de Pediatria, Coordenadora do Centro de Referência em Neurofibromatoses, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais)

 

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Médico, Professor Aposentado da UFMG, Diretor Administrativo da AMANF.

 

 

 

Muitas famílias se preocupam porque suas crianças com NF1 são menores (estatura e peso) do que as suas colegas da mesma idade. De fato, a baixa estatura é mais frequente nas pessoas com NF1 do que na população em geral, como verificamos num estudo realizado no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (clique aqui para ver nosso comentário sobre aquele estudo).

Estes resultados têm sido confirmados por outras pesquisas científicas, como aquela realizada por médicas e médicos da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington em 2013 (clique aqui para ver o artigo completo em inglês).

Em resumo, este estudo demonstrou que a maioria das crianças com NF1 (68 em cada 100 crianças) apresenta estatura abaixo da média da população, mesmo quando não existem outros problemas capazes de modificar o crescimento (problemas ortopédicos, puberdade precoce, alterações endocrinológicas, tumores intracranianos e tratamento com metilfenidato para TDAH).

A conclusão foi de que a baixa estatura se deve ao efeito genético da deficiência de neurofibromina causada pela variante genética no gene NF1 e não por outros problemas, como falta de hormônio do crescimento.

O mecanismo exato do efeito genético ainda não está bem conhecido, mas parecer ser um atraso no desenvolvimento dos ossos e na produção de fatores de crescimento como o fator de crescimento parecido com a insulina do tipo 1 (IGF-1).

 

Além disso, mostraram que as crianças com NF1 são menores do que seus irmãos e irmãs sem a doença e são menores do que a estatura esperada a partir da estatura dos pais. Para calcularmos o efeito médio genético da estatura dos pais sobre a estatura final de suas filhas e filhas, usaram a fórmula:

Estatura esperada (aos 20 anos) = [(estatura do pai + estatura da mãe) dividida por 2] + 6,5 cm (para meninos) ou – 6,5 cm (para meninas.

Exemplo para uma menina: Estatura do pai = 180 cm, estatura da mãe = 170 cm

Estatura esperada da menina = [(180 + 170)/2] – 6,5 = 175 – 6,5 = 168,5 cm

 

Outro resultado que encontraram que encontraram foi que a adolescência não mudou a taxa de crescimento nas crianças com NF1, ou seja, elas continuaram a crescer no percentil dos primeiros anos de vida.

As autoras e autores concluíram que precisamos de mais estudos científicos para descobrirmos tratamentos eficazes para a baixa estatura das crianças com NF1.

 

 

Você pode nos ajudar a realizar pesquisas científicas para melhorarmos o futuro de nossas crianças.

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Bom dia.

Considerando que atualmente estou protegido pela vacina contra COVID, decidi retomar as consultas presenciais no consultório particular.

Manterei o atendimento virtual gratuito (2ª, 3ª e 4ª) para a orientar as famílias que moram distantes de Belo Horizonte e que não podem vir até nosso CRNF por diversos motivos. Este agendamento por videoconferência continuará com a secretária da AMANF Giorgete Viana pelo telefone (e WhatsApp) 31 99074 3011.

O atendimento particular (nas quintas) será agendado pelo telefone (e WhatsApp) (31) 99722 1122.

Ligar na parte da tarde (ou enviar mensagem) de segunda a sexta para saber datas, horários, endereço do consultório e custos.

Atenciosamente,

Dr. Lor

5/6/2023

 

Para as pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) é difícil aceitar que a medicina científica ainda não pode dizer exatamente como a sua doença irá evoluir ou quais serão as complicações.

Elas geralmente nos perguntam se não poderíamos fazer um exame de DNA, uma biópsia ou uma ressonância magnética para saber o que pode acontecer.

Cada pessoa com NF1 apresenta manifestações clínicas tão diferentes das demais que fica difícil reunir várias pessoas (com os mesmos problemas) para formar grupos semelhantes, para que possam ser estudados cientificamente e sabermos como prever as complicações.

Já escrevemos sobre esta questão (ver aqui), mas vamos esclarecer por que precisamos cuidar de forma individual das pessoas com NF1, porque cada uma delas se encontra num determinado ponto do Espectro de Manifestações da Neurofibromatose do tipo 1.

 

O problema começa no diagnóstico

Uma pessoa precisa apresentar pelo menos dois dos sete critérios diagnósticos (ver aqui) para dizermos com segurança que ela tem NF1.  Assim, uma criança, por exemplo, pode apresentar dois, três, quatro, cinco, seis ou todos os sete critérios diagnósticos. Alguém pode ter as manchas café com leite e glioma óptico, outro pode apresentar um neurofibroma plexiforme e variante patogênica no gene NF1. Outra, manchas café com leite e neurofibromas cutâneos, e assim por diante.

Somente considerando os 7 critérios diagnósticos, temos mais de 100 combinações possíveis de situações que indicam o diagnóstico de NF1. Mesmo levando em conta que manchas café com leite (MCL), efélides e neurofibromas cutâneos (nfc) estão presentes em mais de 90% das pessoas adultas com NF1, ainda assim teremos dezenas de possibilidades diferentes de situações diagnósticas.

Se também levarmos em conta a gravidade das manifestações, que variam de mínima, leve, moderada ou grave (ver aqui), descobrimos que cada pessoa com NF1 pode ter uma das 100 possibilidades de diagnósticos combinadas com 4 níveis de gravidade. Ou seja, estamos diante da possibilidade de centenas de situações clínicas diferentes.

Para quem tem dificuldade com a matemática, a situação já está ficando complicada, não é?

Mas resumindo, a NF1 se manifesta em centenas de formas clínicas diferentes e cada uma delas pode ter uma evolução própria.

 

O exame de DNA não pode esclarecer como será a evolução da NF1?

Muitas pessoas esperam que o exame do painel genético para o gene NF1 possa trazer respostas sobre a evolução da doença.

De fato, em cerca de 1 em cada 10 resultados do exame genético encontramos a perda de metade do material genético (chamada de deleção – ver aqui). Sabemos que as pessoas com deleção apresentam mais complicações, então tomamos alguns cuidados adicionais no seu acompanhamento.

No entanto, 9 em cada 10 resultados do exame genético em pessoas com NF1 vão apresentar o que chamamos de variante patogênica, quer dizer que foi encontrada uma mudança no código genético capaz de atrapalhar a produção da proteína neurofibromina e causar a doença.

Acontece que existem mais de 3 mil variantes patogênicas já identificadas! Assim, só foi possível estabelecer alguma relação entre a variante encontrada e certas manifestações clínicas em poucas das variantes patogênicas (ver aqui e no final do texto quais são essas poucas variantes conhecidas) [i].

Além disso, para complicar um pouco mais, o resultado do exame genético pode vir assim:

  • Variante benigna (sem manifestações clínicas)
  • Variante provavelmente benigna (provavelmente sem manifestações clínicas)
  • Variante de significado incerto (quer dizer que não sabemos se pode ou não causar manifestações clínicas)
  • Variante provavelmente patogênica (provavelmente haverá manifestações clínicas)
  • Variante patogênica (certamente encontraremos manifestações clínicas).

Em outras palavras, podemos ter desde um resultado mostrando uma variante benigna, por exemplo uma das variantes que causam uma ou duas manchas café com leite, que ocorrem em certas famílias sem produzir doença (ver aqui), até outra variante entre as milhares de patogênicas que causam duas ou mais das manifestações da NF1.

Portanto, na maioria das vezes, o exame do DNA nos ajuda a saber se os dados clínicos são decorrentes ou não da presença de uma variante genética, mas o painel genético não é capaz de prever a evolução da doença numa determinada pessoa com NF1.

Isto acontece porque o gene NF1 faz parte de milhares de outros genes que constituem o genoma de uma pessoa, que é praticamente único em todo o universo. Assim, a variante genética do gene NF1 vai interagir com os demais genes, resultando numa expressão clínica diferente e única para cada genoma.

Até mesmo os gêmeos idênticos (univitelinos), – que obrigatoriamente possuem a mesma variante do gene NF1 e compartilham entre si o restante dos demais genes do genoma, apresentam formas clínicas diferentes da NF1, por causa dos chamados efeitos “epigenéticos”, ou seja, alterações no funcionamento dos genes depois da fecundação. Por exemplo, um dos irmãos gêmeos pode apresentar um neurofibroma plexiforme e o outro não.

Resumindo, a análise do DNA pode nos ajudar a compreender o estado clínico de uma pessoa com NF1, mas não é capaz de prever sua evolução.

 

Uma biópsia poderia esclarecer?

Outro recurso que pode ser utilizado para orientar o cuidado das pessoas com NF1 são as biópsias em determinadas situações. Recolhemos um fragmento de um tecido e o analisamos para saber se é um tumor, qual o tipo deste tumor e se ele é benigno ou maligno.

Os neurofibromas e tumores acontecem quando a pessoa com NF1 – que já possui uma variante patogênica – sofre outra “mutação” no gene NF1, o que causa uma nova variante patogênica numa determinada célula, geralmente no sistema nervoso central ou nos nervos e na pele.

Se antes desta nova variante patogênica surgir a metade funcionante do gene NF1 conseguia manter o crescimento desta célula regulado pela proteína neurofibromina, agora, a célula fica totalmente deficiente de neurofibromina e o crescimento celular dispara, formando aglomerados de células, ou seja, os neurofibromas.

Estes neurofibromas podem ser cutâneos, subcutâneos, nodulares ou plexiformes. Cada um deles tem um comportamento próprio. Os plexiformes surgem na vida intrauterina, os subcutâneos e nodulares aparecem na infância e os cutâneos crescem a partir da segunda década de vida. Portanto, acrescentamos mais diversidade no espectro das manifestações clínicas da NF1.

A situação mais comum em que solicitamos as biópsias é quando estamos diante de um tumor em crescimento rápido, por exemplo, um neurofibroma plexiforme, que também apresenta dor forte e mudança no seu formato ou consistência. Esta é uma situação importante para a metade das pessoas com NF1 que apresentam neurofibromas plexiformes, pois cerca de 10% destes tumores se transformam em tumores malignos agressivos.

Acontece que as biópsias nos neurofibromas plexiformes podem não fornecer uma resposta segura para esta dúvida tão importante (ver aqui). Além disso, a biópsia de um plexiforme pode mostrar um tumor benigno, ou um tumor chamado “atípico” ou um tumor maligno. No caso dos resultados benigno ou maligno, sabemos o que fazer, mas no caso do resultado mostrar um tumor atípico não sabemos o que acontecerá com ele, se evoluirá para transformação maligna ou não.

Em resumo, as biópsias podem ser usadas em certas situações e podem ser úteis, mas raramente indicam a evolução futura da NF1.

 

E os exames de imagem?

Para esclarecer certas situações clínicas, solicitamos exames de imagem, que podem ser radiografias, ultrassom, ressonâncias magnéticas e a tomografia com emissão de pósitrons (PET CT).

Geralmente estes exames são muito úteis para comprovar a existência ou não de determinado problema, por exemplo, um tumor no nervo óptico. No entanto, na NF1 estes exames não são capazes de indicar como aquele tumor irá se comportar.

Além disso, mesmo quando suspeitamos de um tumor maligno, os resultados podem não ser definitivos, ou seja, encontramos sinais que precisam ser interpretados com cautela.

Por exemplo, o PET CT pode mostrar que o tumor está pouco ativo (benigno) ou muito ativo metabolicamente (maligno). Mas pode também apresentar resultados intermediários, sugestivos de serem tumores “atípicos”. Mais uma vez, não podemos prever com segurança a evolução deste tumor.

Resumindo, mesmo quando lançamos mão de estudos anatômicos (biópsias e imagens), podemos ainda encontrar um espectro de situações clínicas – que é particular para cada pessoa com NF1, – o que exige nossa atenção individualizada.  

 

O espectro do comportamento das pessoas com NF1

Para finalizar, a maioria das pessoas com NF1 pode apresentar alterações no seu comportamento psicológico, cognitivo e motor, que variam em características e gravidade.

Temos desde aquelas que não apresentam dificuldades escolares nem comportamentais atá outras com suspeita de transtorno no espectro do autismo.

Sabemos que uma em cada dez pessoas com NF1 apresenta limitações cognitivas e comportamentais tão graves que ela se torna incapaz de levar uma vida autônoma.

Sete entre dez apresentam dificuldades de aprendizado ou de fala ou de comportamento em graus variáveis.

Apenas duas entre dez não apresentam dificuldades de aprendizado ou de comportamento.

Estas alterações do aspecto neurológico e psicológico não tem relação com as demais complicações da NF1. Por exemplo, uma criança pode ter apenas manchas café com leite e Nódulos de Lisch e apresentar comportamento semelhante às crianças diagnosticadas com transtorno no espectro do autismo. Outra pode ter centenas de neurofibromas em praticamente todos os nervos do seu corpo e levar uma vida sem problemas de comportamento ou aprendizado.

Resumindo, assim como acontece com os critérios diagnósticos, as variantes patogênicas e os resultados de exames, a diversidade de manifestações neurológicas e psicológicas nas pessoas com NF1 é imensa, o que torna cada pessoa acometida praticamente um caso especial numa doença que já é considerada rara.

 

Conclusões

Apesar de todas as formas clínicas de NF1 serem causadas por um problema genético bem conhecido, – uma variação genética patogênica no gene NF1, – a diversidade de sinais, sintomas e complicações da doença é tão grande que nos leva a pensar que a NF1 se desenvolve num amplo espectro de manifestações clínicas, mais do que como uma doença única.

Reconhecer a existência do espectro de manifestações clínicas da NF1 pode nos ajudar a conduzir os cuidados clínicos de forma individualizada e atenta à características singulares de cada pessoa acometida pela doença.

Além disso, considerando a complexidade dos desafios resumidos acima, imaginamos que a tecnologia da informação recente – utilizando a inteligência artificial – possa vir em nosso socorro, alimentando os programas de aprendizado de máquina com nossos dados atuais em busca de padrões de história natural da NF1 que possam ser úteis nos cuidados clínicos.

Esta são hipóteses que precisam ser discutidas e testadas de forma empírica para verificar se podemos obter desfechos melhores para a qualidade de vida das pessoas com NF1.

 

Este texto foi elaborado pelo médico Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e recebeu críticas, sugestões e aprovação pela equipe médica do CRNF HC UFMG: Nilton Alves de Rezende, Juliana Ferreira de Souza, Bruno César Lage Cota e Luíza de Oliveira Rodrigues. Agradecemos à Ana de Oliveira Rodrigues pela ajuda matemática.

Maio 2023

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Notas

[i] https://www.mdpi.com/2073-4425/13/7/1130 – Em resumo, as variantes já conhecidas são:

1) Deleções e variantes p.Arg440*, p.Tyr489Cys e p.Arg1947: risco maior de complicações

2) Variantes presentes na região terminal 5′ do gene: risco menor de complicações neoplásicas;

3) P.Met922del e p.Arg1809: sem neurofibromas;

4) Leu844, Cys845, Ala846, Leu847 e Gly848: risco maior de plexiformes superficiais maiores e   neurofibromas espinhais sintomáticos.

Uma pessoa com neurofibromatose do tipo 2 (NF2), que foi atendida por nós no CRNF, enviou-nos um estudo científico publicado recentemente (clique aqui para ver o artigo em inglês) (2021), que sugere que o medicamento Losartana (usado habitualmente no tratamento da hipertensão arterial) poderia reduzir a perda de audição causada pelos tumores (schwannomas vestibulares) que surgem na NF2.

Em resumo, as informações do artigo foram:

  • os schwannomas apresentam fibrose no interior do tumor e esta fibrose está relacionada com a baixa da audição;
  • a fibrose reduziria a circulação do sangue, que poderia ser a causa da redução da audição;
  • a losartana poderia reduzir a fibrose, melhorando a audição;
  • usando camundongos com a NF2, observaram que a losartana, de fato, reduziu a fibrose e preveniu a perda auditiva;
  • relataram também um estudo retrospectivo no qual pessoas com schwannomas vestibulares usando losartana (para tratar sua pressão alta) mostraram melhor função auditiva do que os demais sem losartana;
  • então concluíram que o estudo fornece a justificativa e os dados críticos para um ensaio clínico prospectivo de losartan em pacientes com schwannomas vestibulares.

Diante disso, pedimos à Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, médica clínica e especialista em avaliação de novas tecnologias em saúde, que analisasse o estudo científico. Agradecemos a pronta resposta da Dra. Luíza e a publicamos abaixo.

“A pesquisa realizada por Wu e colaboradores é um estudo pré-clínico, com modelo animal, portanto, do ponto de vista da análise crítica em Medicina Baseada em Evidências é uma evidência científica de muito baixa qualidade, no que diz respeito à sua utilidade na tomada de decisão na clínica para seres humanos.

Do ponto de vista metodológico, parece um estudo bem-feito. A plausibilidade biológica, ou seja, a justificativa do estudo pareceu sólida, mas, por não ser exatamente a minha área, posso estar enganada. Os animais foram randomizados (cerca de 8 animais em cada grupo), es examinadores eram cegues quanto à intervenção, os experimentos foram repetidos 3 vezes. Então, parece um bom estudo pré-clínico.

No entanto, não ficou claro qual a dose da losartana seria equivalente para produzir o mesmo efeito em seres humanes e se o seu uso seria sistêmico.

Do ponto de vista de aplicação dos resultados a seres humanes temos as seguintes dúvidas:

  • Qual a dose necessária em humanos para produzir o mesmo efeito?
  • Em pacientes não hipertensos, os efeitos colaterais seriam toleráveis? Qual seria a duração do efeito em humanos, se houver?
  • Seria usada somente como prevenção ou também para retardar perdas já instaladas?
  • A losartana é um medicamento de baixo custo, mas os autores do estudo insinuam que possa ser usada com outro medicamento, o bevacizumabe (anticorpo monoclonal) de alto custo, e que não teve efeito bom no tratamento dos tumores vestibulares na NF2.
  • Como o bevacizumabe causa hipertensão, poderia ser um pretexto para tentar recuperar o uso do bevacizumabe junto com a losartana (é sugerido no estudo que losartana possa ter efeito sinérgico tanto com o bevacizumabe quanto com a radioterapia).
  • No entanto, é bom lembrar que os consensos internacionais não indicam radioterapia nas pessoas com NF2!

Em conclusão, como recomendação possível, diante desse estudo, sugiro que:

  • A losartana seja indicada para pacientes com NF2 que TAMBÉM precisam de anti-hipertensivos por qualquer outra causa – não vejo impedimentos de que a primeira linha de tratamento desses pacientes seja a losartana.
  • Para outros pacientes com NF2, mas sem indicação primária para a losartana, é muito cedo pra indicarmos a losartana para tratar ou prevenir perda auditiva relacionada aos schwannomas vestibulares.

Belo Horizonte, 10 de março de 2023

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

 

Observação: 

O Dr. Jorge Sette, cardiologista, também leu o artigo acima e acrescentou que, na sua impressão, observando o seu uso em certas doenças cardíacas, a Losartana não seria tão eficiente para reduzir a fibrose em seres humanos quanto aparentou ser nos camundongos utilizados na pesquisa.