Bom dia.

Considerando que atualmente estou protegido pela vacina contra COVID, decidi retomar as consultas presenciais no consultório particular.

Manterei o atendimento virtual gratuito (2ª, 3ª e 4ª) para a orientar as famílias que moram distantes de Belo Horizonte e que não podem vir até nosso CRNF por diversos motivos. Este agendamento por videoconferência continuará com a secretária da AMANF Giorgete Viana pelo telefone (e WhatsApp) 31 99074 3011.

O atendimento particular (nas quintas) será agendado pelo telefone (e WhatsApp) (31) 99722 1122.

Ligar na parte da tarde (ou enviar mensagem) de segunda a sexta para saber datas, horários, endereço do consultório e custos.

Atenciosamente,

Dr. Lor

5/6/2023

 

Tratamento da dor nas pessoas com NF

 Informações atualizadas pelos médicos Renato Viana e Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues para orientação do tratamento da dor em pessoas com Neurofibromatoses (NF).

Estas orientações estão apresentadas em duas partes:

  1. Pessoas com NF e suas famílias
  2. Proffissionais da saúde

Em ambas as partes, sempre que você clicar nas letras em vermelho você poderá obter mais informações sobre o assunto e/ou referências científicas.

 

Parte A – Para pessoas com NF e suas famílias

As pessoas com qualquer uma das doenças genéticas conhecidas anteriormente como neurofibromatoses (NF) podem sentir dor, às vezes por longos períodos (ver aqui os novos nomes para as NF a partir de 2022).

 

Mais da metade das pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) se queixa de algum tipo de dor.

Pessoas com Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (SRNF2) (antes chamada de NF2) algumas vezes sentem dor.

Pessoas com Schwannomatoses relacionadas aos genes SMRCB1 e LZTR1 (antes chamadas apenas de Schwannomatose) apresentam dor como a principal complicação da doença.

Para tratarmos corretamente as dores destas pessoas, precisamos compreender o que é a dor e como nosso cérebro percebe o que é doloroso.

 

O que é a dor?

Segundo a última convenção internacional, a dor é uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão verdadeira ou potencial dos tecidos.

Ou seja, a dor é uma sensação ruim e carregada de emoção que é percebida por uma pessoa como se uma certa parte do seu corpo tenha sido, esteja sendo ou possa vir a ser machucada.

A dor é uma percepção individual, ou seja, somente quem a sente pode dizer sobre sua intensidade e como ela afeta a sua qualidade de vida. Ninguém é capaz de medir a dor e o sofrimento da outra pessoa, nem mesmo profissionais de saúde.

Para saber mais sobre este aspecto pessoal e intransferível da dor, veja o depoimento da associada da AMANF, engenheira e professora Ana de Oliveira Rodrigues em seu post: “Mas isso não dói” (clique no título).

Além de ser individual, a dor pode ser aguda, ou seja, de início recente, ou crônica, quando a sua duração ultrapassa mais de 3 meses.

A dor pode ter uma causa simples e evidente, por exemplo, um trauma, ou ter causas complexas e de difícil diagnóstico.

Quando a dor surge por causa da lesão de um órgão, de um tecido ou parte do corpo, ela é chamada de nociceptiva (essa palavra quer dizer percepção da lesão).

Quando a dor surge por causa de alterações no funcionamento do próprio sistema nervoso, ela é chamada de neuropática (a palavra quer dizer originada de um problema neurológico).

Às vezes, a dor pode ser mista, quer dizer, causada tanto por lesões nos tecidos quanto por mal funcionamento do sistema nervoso. Ver abaixo os tipos de dor definidas internacionalmente.

É preciso conhecer a dor para que possa ser tratada de forma eficiente. Por isso, é fundamental profissionais da saúde utilizarem um sistema de diagnóstico e avaliação da intensidade da dor, que possa expressar o sentimento da pessoa que sofre com ela.

Adiante mostraremos os questionários e métodos científicos que podem ser usados para esta finalidade.

Antes, vamos rever brevemente como nós percebemos a dor

 

 

A Figura 1 ilustra como a dor é percebida. Imagine que um alfinete furou a pele e atingiu o ramo de um nervo especializado em perceber a dor (neurônio do nível 1).

O sinal elétrico provocado pelo alfinete percorre a fibra nervosa (como se fosse um fio) até a medula, onde estimula outro neurônio sensitivo (neurônio do nível 2).

O neurônio da medula repassa novo sinal para outros neurônios (do nível 3), com cópias desse estímulo para outras estruturas do cérebro (neurônios do nível 4), onde a pessoa toma consciência da picada do alfinete e localiza exatamente onde ela aconteceu.

 

Em cada uma dessas etapas, do neurônio 1 ao neurônio 4, diversos fatores podem modificar a transmissão da dor até o cérebro e a mesma picada de alfinete pode ser percebida de formas diferentes, dependendo das condições em que estão as comunicações entre os diversos níveis.

Por exemplo, o estado emocional pode aumentar (na ansiedade, por exemplo) ou diminuir (na meditação, por exemplo) a percepção da dor.

Os medicamentos anestésicos e analgésicos funcionam interrompendo ou dificultando a passagem do estímulo desde a picada do alfinete até a consciência da pessoa e modulando os neurônios inibidores e excitadores.

Esta variação da percepção da dor acontece porque existem outros neurônios e substâncias que modulam (inibem ou excitam) os neurônios envolvidos em cada etapa da transmissão da dor da periferia até o cérebro.

Quem desejar mais detalhes destas etapas, ver outra Figura e sua explicação no final deste texto.

 

Quais os tipos de dor?

Existem  quatro tipos de dor:

  • Provocadas por uma lesão ou pelo risco de lesão em tecidos corporais, por exemplo, um corte inflamado ou infeccionado na pele.
  • Provocada por uma lesão ou disfunção do próprio sistema nervoso. (Esse tipo é a dor Neuropática, que nos interessa mais).
  • Provocada por alterações no processamento da dor no próprio cérebro, mas sem lesão verdadeira nos tecidos.
  • Provocada por combinações de lesões nos tecidos e alterações no sistema nervoso.

As pessoas com neurofibromatoses podem apresentar qualquer um dos tipos de dor e o seu tratamento é semelhante ao das pessoas sem NF. No entanto, considerando que muitas pessoas com NF apresentam dor crônica e dor neuropática, vamos nos aprofundar neste tipo de dor.

 

A dor neuropática é uma doença?

Sim, a dor neuropática é considerada uma doença em si. A dor neuropática é causada por lesões ou alterações na função dos próprios nervos e do sistema nervoso central.

A dor neuropática pode ser percebida como dor, queimação, picada, choque, beliscão, calor e frio em ondas que vêm e vão, às vezes relacionadas com fatores ambientais, emocionais e físicos.

Outras vezes, a dor neuropática pode surgir sem qualquer estímulo evidente ou até mesmo num membro que já foi amputado, como a chamada dor fantasma.

 

O primeiro passo para tratar, é quantificar a dor

Geralmente utilizamos uma escala visual, uma régua marcada de 1 a dez, sendo 0 nenhuma dor e 10 a maior dor que a pessoa já sentiu. Pedimos para a pessoa apontar na escala qual a intensidade da dor que ela está sentindo ou sentiu.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

 

A nota deve ser registrada em cada reavaliação.

 

O segundo passo é definir se a dor é do tipo neuropática.

Um questionário bastante simples pode ser usado, basta responder sim ou não.

Cada resposta positiva representa 1 ponto. Some os pontos.

Sensação de dor:

  • Em queimação
  • Frio doloroso
  • Como choque elétrico

Sintomas na mesma área da dor:

  • Adormecimento
  • Formigamento
  • Alfinetadas
  • Coceira

Exame físico:

  • Menor sensibilidade ao toque?
  • Menor sensibilidade à ponta de agulha?
  • Dor provocada ou aumentada pelo atrito?

Resultado da soma: maior do que 3 pontos sugere dor neuropática

 

O terceiro passo é procurar uma causa para a dor neuropática.

Exemplos de causas da dor neuropática:

  • Lesão crônica envolvendo o nervo (inflamação, compressão, corte e cicatrização) produz substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas e fazem com que elas enviem estímulos exagerados ao cérebro. Por isso, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.
  • Compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo, causando irritação ou mesmo amputando o nervo. Por isso, a remoção cirúrgica de neurofibromas compressivos pode aliviar algumas formas de dor neuropática.
  • Destruição ou o corte do nervo podem causar cicatrização anormal, que produz uma espécie de tumor na ponta do nervo cortado, que chamamos de neuroma. Esse enovelado irregular e disfuncional de fibras nervosas pode produzir estímulos excessivos, que são percebidos como dor fantasma, como acontece nas amputações.
  • Dor não tratada por muito tempo pode alterar a expressão genética de proteínas que controlam a dor (como a neurofibromina, inclusive) aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa. Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez. Uma dor não tratada hoje pode ser uma dor aumentada amanhã.
  • Problemas na medula espinhal podem alterar a sensibilidade dolorosa. A noradrenalina é importante nesse processo e por isso observamos aumento da sensibilidade dolorosa durante situações de estresse.
  • Modificações no sistema nervoso central podem aumentar a sensibilidade dolorosa.
  • Fatores emocionais e pelo estado de humor afetam a sensibilidade à dor.
  • Experiência, história de vida e cultura afetam a percepção da dor. A memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa. Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor, inclusive nas neurofibromatoses.
  • As características genéticas afetam a percepção da dor. Boa parte (40%) da sensibilidade à dor pode ser atribuída a fatores genéticos. Neste sentido, parece que as pessoas com NF1 têm a sensibilidade dolorosa aumentada de um modo geral.
  • Outras causas – é possível haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos por enquanto.

 

Em resumo, dores de diferentes intensidades e causas podem estar agindo ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor crônica e da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

 

Tratamentos para dor crônica (ESPECIALMENTE NEUROPÁTICA)

 

O primeiro passo para o tratamento adequado é diagnosticar e quantificar a dor e medir seu impacto na qualidade de vida, por meio de questionários estruturados e escalas para medir a dor e a realização de exame físico clínico por profissional experiente. Exames complementares podem ser necessários.

Está claro que o tratamento ideal será tentar remover a causa da dor.

Enquanto a causa está sendo removida (ou quando não é possível sua remoção) devemos usar outros procedimentos.

Em nosso Centro de Referência em NF do HC UFMG costumávamos recomendar a chamada escada analgésica, baseada em orientação da Organização Mundial da Saúde, que foi reavaliada em 2010.

A partir de agora, nossos profissionais da saúde utilizarão uma adaptação dos procedimentos indicados pela extensa revisão realizada por Bates e colaboradores, 2019.

Depois de diagnosticada e quantificada a dor, podem ser utilizados os passos apresentados adiante.

É muito importante saber que o tratamento da dor neuropática é quase sempre MULTIDISCIPLINAR, envolvendo profissionais da saúde que orientem para a reabilitação física, apoio psicológico, higiene do sono, exercícios físicos regulares e outras ações complementares.

Em conclusão, diante da dor, especialmente dor crônica, é fundamental procurar profissionais da saúde para a orientação adequada.

 

 

Parte B – Para profissionais da saúde

 

Lembre-se que ao clicar nas letras em vermelho você poderá obter mais informações sobre o assunto e/ou referências científicas.

As pessoas com qualquer uma das doenças três genéticas conhecidas anteriormente como neurofibromatoses (NF) podem sentir dor, às vezes por longos períodos (ver aqui os novos nomes para as NF a partir de 2022).

Mais da metade das pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) se queixa de algum tipo de dor.

Pessoas com Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (SRNF2) (antes chamada de NF2) algumas vezes sentem dor.

Pessoas com Schwannomatoses relacionadas aos genes SMRCB1 e LZTR1 (antes chamadas apenas de Schwannomatose) apresentam dor como a principal complicação da doença.

Para tratarmos corretamente as dores destas pessoas, precisamos compreender o que é a dor e como nosso cérebro percebe o que é doloroso.

 

O que é a dor?

Segundo a última convenção internacional, a dor é uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão verdadeira ou potencial dos tecidos.

Ou seja, a dor é uma sensação ruim e carregada de emoção que é percebida por uma pessoa como se uma certa parte do seu corpo tenha sido, esteja sendo ou possa vir a ser machucada.

A dor é uma percepção individual, ou seja, somente quem a sente pode dizer sobre sua intensidade e como ela afeta a sua qualidade de vida. Ninguém é capaz de medir a dor e o sofrimento da outra pessoa, nem mesmo profissionais de saúde.

Para saber mais sobre este aspecto pessoal e intransferível da dor, veja o depoimento da associada da AMANF, engenheira e professora Ana de Oliveira Rodrigues em seu post: “Mas isso não dói” (clique no título).

Além de ser individual, a dor pode ser aguda, ou seja, de início recente, ou crônica, quando a sua duração ultrapassa mais de 3 meses.

A dor pode ter uma causa simples e evidente, por exemplo, um trauma, ou ter causas complexas e de difícil diagnóstico.

Quando a dor surge por causa da lesão de um órgão, de um tecido ou parte do corpo, ela é chamada de nociceptiva (essa palavra quer dizer percepção da lesão).

Quando a dor surge por causa de alterações no funcionamento do próprio sistema nervoso, ela é chamada de neuropática (a palavra quer dizer originada de um problema neurológico).

Às vezes, a dor pode ser mista, quer dizer, causada tanto por lesões nos tecidos quanto por mal funcionamento do sistema nervoso. Ver abaixo os tipos de dor definidas internacionalmente.

É preciso conhecer a dor para que possa ser tratada de forma eficiente. Por isso, é fundamental profissionais da saúde utilizarem um sistema de diagnóstico e avaliação da intensidade da dor, que possa expressar o sentimento da pessoa que sofre com ela.

Adiante mostraremos os questionários e métodos científicos que podem ser usados para esta finalidade.

 

Breve revisão de como nós percebemos a dor

 

 

Na Figura 2 estão representados diversos fatores que influenciam a transmissão da dor, os pontos X, Y, Z, M, B e G que nos ajudarão a compreender os diferentes tipos de dor.

Começando de baixo para cima, no (ponto X na Figura 2) temos, por exemplo, uma lesão em torno do nervo (inflamação, compressão, corte e cicatrização) que produz substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas e fazem com que elas enviem estímulos exagerados ao cérebro.  Por isso, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.

 Outras vezes a lesão é causada pela compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo (ponto Y na Figura 2), causando irritação ou mesmo amputando o nervo, o que é percebido como estímulo doloroso. Por isso, a remoção cirúrgica de neurofibromas compressivos pode aliviar algumas formas de dor neuropática.

Outras vezes, a destruição ou o corte do nervo (no ponto Y) podem causar cicatrização anormal, que produz uma espécie de tumor na ponta do nervo cortado, que chamamos de neuroma. Esse enovelado irregular e disfuncional de fibras nervosas pode produzir estímulos excessivos, que são percebidos como dor fantasma, como acontece nas amputações.

No ponto Z da Figura 2, a persistência da dor não tratada pode alterar a expressão genética de proteínas que controlam a dor (como a neurofibromina, inclusive), produzindo mais receptores de glutamato e NMDA, por exemplo, e aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa.

Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez. Ou seja, um pequeno estímulo que não provocaria dor, pode se transformar em dor forte por causa da sensibilidade aumentada, causada pela dor crônica não tratada. Por isso, não devemos deixar sem tratamento uma pessoa com dor. Uma dor não tratada hoje pode ser uma dor aumentada amanhã.

No ponto M da Figura 2 estão as conexões na medula espinhal entre os nervos que trazem o estímulo doloroso da periferia do corpo e os nervos que conduzem estes estímulos até os centros superiores no cérebro.

Na dor neuropática, neste ponto M pode haver menor inibição da sensibilidade dolorosa, ou seja, o filtro realizado pelos neurônios na medula estariam menos ativos, permitindo a passagem da dor com mais facilidade para os centros superiores, ou seja, sinalizando uma dor amplificada. A noradrenalina é uma das substâncias moduladoras e por isso observamos aumento da sensibilidade dolorosa durante situações de estresse.

Alguns analgésicos e a cortisona também podem agir nesse ponto M, reduzindo a dor, como, por exemplo, nos chamados bloqueios com cortisona injetada ao redor da medula.

No ponto B da Figura 2, novos filtros (modulações) dos estímulos podem ocorrer, aumentando ou diminuindo a sensibilidade dolorosa. Neste ponto, algumas drogas chamadas neurolépticas e os anticonvulsivantes podem ajudar a reduzir a passagem dos estímulos dolorosos, diminuindo a dor que chega à consciência.

No ponto T da Figura 2 a dor também é aumentada ou diminuída por fatores emocionais e pelo estado de humor. Por exemplo, uma mesma lesão física pode parecer muito mais dolorosa à noite, quando nosso estado de humor aumenta as percepções da fadiga, do cansaço e dos perigos, porque somos seres diurnos, selecionados para viver durante o dia e repousar à noite.

No cérebro existem diversas regiões onde armazenamos informações sobre tudo aquilo que acontece conosco. Então, a memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa.

A dor crônica pode modificar estas estruturas por meio da plasticidade cerebral. Por isso, a psicoterapia, o acompanhamento psicológico, técnicas de meditação e controle cognitivo podem auxiliar o controle da dor neuropática nas neurofibromatoses.

Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor, inclusive nas neurofibromatoses.

Para completar, o ponto G na Figura 2 indica a expressão genética – em todo o sistema nervoso – da herança maior ou menor sensibilidade para a dor. Parte (40%) da suscetibilidade à dor pode ser atribuída a fatores genéticos. Neste sentido, parece que a ausência da neurofibromina nas pessoas com NF1 aumenta a sensibilidade dolorosa de um modo geral.

É preciso lembrar que pode haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos por enquanto. Por exemplo, na NF1 não sabemos exatamente por que os neurofibromas cutâneos raramente são dolorosos, enquanto plexiformes e nodulares muitas vezes o são. Além disso, os schwannomas raramente são dolorosos na NF2, mas são muito dolorosos na Schwannomatose. E todos estes tumores se originam da mesma célula de Schwann, na bainha dos nervos periféricos!

Finalmente, sabemos que vários dos mecanismos neste esquema da Figura 2 podem estar atuando ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

 

Quais os tipos de dor?

Existem  quatro tipos de dor:

  • Provocadas por uma lesão ou pelo risco de lesão em tecidos corporais, por exemplo, um corte inflamado ou infeccionado na pele. Esse tipo de dor é chamado por profissionais da saúde de dor Nociceptiva.
  • Provocada por uma lesão ou disfunção do próprio sistema nervoso, por exemplo, a alteração dos nervos nos pés das pessoas com diabetes. Esse tipo de dor é a dor Neuropática.
  • Provocada por alterações no processamento da dor no próprio cérebro, mas sem lesão verdadeira nos tecidos onde a dor é sentida, por exemplo, na fibromialgia. Esse tipo de dor é a dor Nociplástica.
  • Provocada por combinações de lesões nos tecidos e alterações no sistema nervoso. É chamada de dor Mista.

Profissionais da saúde também usam alguns outros termos técnicos para falarem da dor. Por exemplo, quando a sensibilidade está exagerada aos estímulos dolorosos, chamamos de hiperalgesia. Quando um estímulo não doloroso, o toque das mãos, por exemplo, é percebido como dor, chamamos de alodinia. Quando a dor é percebida em região diferente do local onde está ocorrendo a lesão, por exemplo, a dor do infarto agudo do miocárdio sendo percebida no braço, chamamos de dor referida.

As pessoas com neurofibromatoses podem apresentar qualquer um dos tipos de dor acima descritos e o seu tratamento é semelhante ao das pessoas sem NF. No entanto, considerando que muitas pessoas com NF apresentam dor crônica e dor neuropática, vamos nos aprofundar neste tipo de dor.

 

A dor neuropática é uma doença?

Sim, a dor neuropática é considerada uma doença em si. A dor neuropática é causada por lesões ou alterações na função dos próprios nervos e do sistema nervoso central.

A dor neuropática pode ser percebida como dor, queimação, picada, choque, beliscão, calor e frio em ondas que vêm e vão, às vezes relacionadas com fatores ambientais, emocionais e físicos.

Outras vezes, a dor neuropática pode surgir sem qualquer estímulo evidente ou até mesmo num membro que já foi amputado, como a chamada dor fantasma.

 

O primeiro passo para tratar, é quantificar a dor

Geralmente utilizamos uma escala visual, uma régua marcada de 1 a dez, sendo 0 nenhuma dor e 10 a maior dor que a pessoa já sentiu. Pedimos para a pessoa apontar na escala qual a intensidade da dor que ela está sentindo ou sentiu.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

 

A nota deve ser registrada em cada reavaliação.

 

O segundo passo é definir se a dor é do tipo neuropática.

Um questionário bastante simples (chamado de DN4 – Douleur Neuropathique Quatre) pode ser utilizado (abaixo) e ele possui sensibilidade razoável (72%) e alta especificidade (97%).

Pode ser necessário esclarecer com cuidado os sintomas para as pessoas com a dor.

Basta responder sim ou não.

Cada resposta positiva representa 1 ponto. Some os pontos.

Sensação de dor:

  • Em queimação
  • Frio doloroso
  • Como choque elétrico

Sintomas na mesma área da dor:

  • Adormecimento
  • Formigamento
  • Alfinetadas
  • Coceira

Exame físico:

  • Menor sensibilidade ao toque?
  • Menor sensibilidade à ponta de agulha?
  • Dor provocada ou aumentada pelo atrito?

Resultado da soma: maior do que 3 pontos sugere dor neuropática

 

O terceiro passo é procurar uma causa para a dor neuropática.

Exemplos de causas da dor neuropática:

  • Lesão crônica envolvendo o nervo (inflamação, compressão, corte e cicatrização) produz substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas e fazem com que elas enviem estímulos exagerados ao cérebro. Por isso, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.
  • Compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo, causando irritação ou mesmo amputando o nervo. Por isso, a remoção cirúrgica de neurofibromas compressivos pode aliviar algumas formas de dor neuropática.
  • Destruição ou o corte do nervo podem causar cicatrização anormal, que produz uma espécie de tumor na ponta do nervo cortado, que chamamos de neuroma. Esse enovelado irregular e disfuncional de fibras nervosas pode produzir estímulos excessivos, que são percebidos como dor fantasma, como acontece nas amputações.
  • Dor não tratada por muito tempo pode alterar a expressão genética de proteínas que controlam a dor (como a neurofibromina, inclusive) aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa. Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez. Uma dor não tratada hoje pode ser uma dor aumentada amanhã.
  • Problemas na medula espinhal podem alterar a sensibilidade dolorosa. A noradrenalina é importante nesse processo e por isso observamos aumento da sensibilidade dolorosa durante situações de estresse. Alguns analgésicos e a cortisona também podem ser úteis, reduzindo a dor, como, por exemplo, nos chamados bloqueios com cortisona injetada ao redor da medula.
  • Modificações no sistema nervoso central podem aumentar a sensibilidade dolorosa, por isso algumas drogas chamadas neurolépticas e os anticonvulsivantes podem ajudar a reduzir a passagem dos estímulos dolorosos, diminuindo a dor que chega à consciência.
  • Fatores emocionais e pelo estado de humor afetam a sensibilidade à dor. Por exemplo, uma mesma lesão pode parecer muito mais dolorosa à noite, quando nosso estado de humor aumenta as percepções da fadiga, do cansaço e dos perigos, porque somos seres diurnos, selecionados para viver durante o dia e repousar à noite.
  • Experiência, história de vida e cultura afetam a percepção da dor. A memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa.

A dor crônica pode modificar estas estruturas por meio da plasticidade cerebral.

Por isso, a psicoterapia, o acompanhamento psicológico, técnicas de meditação e controle cognitivo podem auxiliar o controle da dor neuropática nas neurofibromatoses.

Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor, inclusive nas neurofibromatoses.

  • As características genéticas afetam a percepção da dor. Boa parte (40%) da sensibilidade à dor pode ser atribuída a fatores genéticos. Neste sentido, parece que a ausência da neurofibromina nas pessoas com NF1 aumenta a sensibilidade dolorosa de um modo geral.
  • Outras causas – é possível haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos por enquanto. Por exemplo, na NF1 não sabemos exatamente por que os neurofibromas cutâneos raramente são dolorosos, enquanto plexiformes e nodulares muitas vezes o são. Além disso, os schwannomas raramente são dolorosos na NF2, mas são muito dolorosos na Schwannomatose. E todos estes tumores se originam da mesma célula de Schwann, na bainha dos nervos periféricos!

 

Em resumo, dores de diferentes intensidades e causas podem estar agindo ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor crônica e da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

 

Tratamentos para dor crônica (ESPECIALMENTE NEUROPÁTICA)

 

Está claro que o primeiro tratamento sempre será tentar remover a causa da dor.

Enquanto a causa está sendo removida (ou quando não é possível sua remoção) devemos usar outros procedimentos.

Costumávamos recomendar nesta página a chamada escada analgésica, baseada em orientação da Organização Mundial da Saúde, que foi reavaliada em 2010.

A partir de agora, utilizaremos uma adaptação dos procedimentos indicados pela extensa revisão realizada por Bates e colaboradores, 2019.

O primeiro passo para o tratamento adequado é diagnosticar e quantificar a dor e medir seu impacto na qualidade de vida, por meio de questionários estruturados e escalas para medir a dor e a realização de exame físico clínico por profissional experiente. Exames complementares podem ser necessários.

Depois de diagnosticada e quantificada a dor, podem ser utilizados os passos apresentados adiante.

É muito importante saber que o tratamento da dor neuropática é quase sempre MULTIDISCIPLINAR, envolvendo profissionais da saúde que orientem para a reabilitação física, apoio psicológico, higiene do sono, exercícios físicos regulares e outras ações complementares.

Legenda:

Antidepressivos tricíclicos (exemplos: Amitriptilina e Nortriptilina)

IRSN: inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina (exemplos: Duloxetina e Venlafaxina)

GABA: gabapentinoides (exemplos Pregabalina e Gabapentina)

Tópicos (exemplos: Lidocaína e Capsaicina)

Reservados aos especialistas no tratamento da dor

ISRS: inibidores seletivos da recaptação da serotonina (por exemplo, Citalopram, Escitalopram. Fluoxetina, Fluvoxamina, Paroxetina, Sertralina)

Anticonvulsivantes (por exemplo: Lamotrigina, Carbamazepina, Topiramato, Valproato)

ARNMDA: antagonistas dos receptores NMDA (por exemplo,  Cetamina (ou ketamina), Tramadol e Metadona )

Intervenções, incluindo neuromodulação, opioides e drogas de liberação direta.

 

Observações

AntinflamatóriosNão há evidência científica de uso de antinflamatórios (não esteroides) na dor neuropática.

Canabidiol – O uso de medicamentos derivados da cannabis tem sido recomendado algumas vezes em nosso CRNF para a dor crônica, mas alguns estudos recentes (ver aqui e aqui) indicam que precisamos de mais pesquisas científicas bem controladas para afirmarmos que estes medicamentos são eficientes.

Tratamentos adjuvantes

Outros tratamentos são oferecidos, inclusive em clínicas de dor, e podem ajudar no controle da dor neuropática e da dor fantasma.

Veja abaixo alguns tratamentos propostos e sua eficiência no tratamento da dor crônica (clique nos textos em azul para abrir as referências científicas).

Atividades físicas – quando realizadas de modo regular e em intensidade adequada possuem efeito benéfico moderado, embora ainda seja baixa a qualidade das evidências científicas.

Meditação – baixa evidência sobre a dor diretamente, mas podem melhorar a depressão e a qualidade de vida.

Estimulação elétrica transcutânea (TENS) – possui evidência moderada para efeitos locais.

Terapia com espelho e realidade virtual – sem evidências científicas.

Biofeedback  – efetivo para determinadas condições dolorosas.

Eletroconvulsoterapia – baixa qualidade das evidências científicas.

Acupuntura  – parece ter um efeito placebo, ou seja, a pessoa ficaria sugestionada a sentir menos dor.

Massagem – apesar de muita expectativa sobre seus efeitos, ainda não temos evidências científicas de que as massagens afetem a dor neuropática.

Estimulação cerebral profunda – poucos estudos

Estimulação da medula espinhal – estudos insuficientes

 

Tratamentos cirúrgicos específicos para a dor crônica

Há dor crônica que pode ser curada com a cirurgia, por exemplo, por exemplo, o tumor glomus. Há maior frequência de tumor glomus em pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 , que é um tumor geralmente benigno que surge nos corpos glomus, e pode ser removido na maioria das vezes por cirurgia (ou ser usada a ketamina quando a cirurgia é impossível).

Nas demais formas de dor crônica, sempre que a cirurgia puder remover a causa da dor, ela será prioritária. Outras vezes, técnicas cirúrgicas podem, ser usadas quando medicamentos e terapias adjuvantes falharam.

Mais informações sobre os tratamentos para a dor crônica podem ser obtidas com profissionais da saúde especialistas no tratamento da dor crônica.

 

 

Belo Horizonte, 4 de abril de 2023

 

 

 

 

 

 

Uma pessoa com neurofibromatose do tipo 2 (NF2), que foi atendida por nós no CRNF, enviou-nos um estudo científico publicado recentemente (clique aqui para ver o artigo em inglês) (2021), que sugere que o medicamento Losartana (usado habitualmente no tratamento da hipertensão arterial) poderia reduzir a perda de audição causada pelos tumores (schwannomas vestibulares) que surgem na NF2.

Em resumo, as informações do artigo foram:

  • os schwannomas apresentam fibrose no interior do tumor e esta fibrose está relacionada com a baixa da audição;
  • a fibrose reduziria a circulação do sangue, que poderia ser a causa da redução da audição;
  • a losartana poderia reduzir a fibrose, melhorando a audição;
  • usando camundongos com a NF2, observaram que a losartana, de fato, reduziu a fibrose e preveniu a perda auditiva;
  • relataram também um estudo retrospectivo no qual pessoas com schwannomas vestibulares usando losartana (para tratar sua pressão alta) mostraram melhor função auditiva do que os demais sem losartana;
  • então concluíram que o estudo fornece a justificativa e os dados críticos para um ensaio clínico prospectivo de losartan em pacientes com schwannomas vestibulares.

Diante disso, pedimos à Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, médica clínica e especialista em avaliação de novas tecnologias em saúde, que analisasse o estudo científico. Agradecemos a pronta resposta da Dra. Luíza e a publicamos abaixo.

“A pesquisa realizada por Wu e colaboradores é um estudo pré-clínico, com modelo animal, portanto, do ponto de vista da análise crítica em Medicina Baseada em Evidências é uma evidência científica de muito baixa qualidade, no que diz respeito à sua utilidade na tomada de decisão na clínica para seres humanos.

Do ponto de vista metodológico, parece um estudo bem-feito. A plausibilidade biológica, ou seja, a justificativa do estudo pareceu sólida, mas, por não ser exatamente a minha área, posso estar enganada. Os animais foram randomizados (cerca de 8 animais em cada grupo), es examinadores eram cegues quanto à intervenção, os experimentos foram repetidos 3 vezes. Então, parece um bom estudo pré-clínico.

No entanto, não ficou claro qual a dose da losartana seria equivalente para produzir o mesmo efeito em seres humanes e se o seu uso seria sistêmico.

Do ponto de vista de aplicação dos resultados a seres humanes temos as seguintes dúvidas:

  • Qual a dose necessária em humanos para produzir o mesmo efeito?
  • Em pacientes não hipertensos, os efeitos colaterais seriam toleráveis? Qual seria a duração do efeito em humanos, se houver?
  • Seria usada somente como prevenção ou também para retardar perdas já instaladas?
  • A losartana é um medicamento de baixo custo, mas os autores do estudo insinuam que possa ser usada com outro medicamento, o bevacizumabe (anticorpo monoclonal) de alto custo, e que não teve efeito bom no tratamento dos tumores vestibulares na NF2.
  • Como o bevacizumabe causa hipertensão, poderia ser um pretexto para tentar recuperar o uso do bevacizumabe junto com a losartana (é sugerido no estudo que losartana possa ter efeito sinérgico tanto com o bevacizumabe quanto com a radioterapia).
  • No entanto, é bom lembrar que os consensos internacionais não indicam radioterapia nas pessoas com NF2!

Em conclusão, como recomendação possível, diante desse estudo, sugiro que:

  • A losartana seja indicada para pacientes com NF2 que TAMBÉM precisam de anti-hipertensivos por qualquer outra causa – não vejo impedimentos de que a primeira linha de tratamento desses pacientes seja a losartana.
  • Para outros pacientes com NF2, mas sem indicação primária para a losartana, é muito cedo pra indicarmos a losartana para tratar ou prevenir perda auditiva relacionada aos schwannomas vestibulares.

Belo Horizonte, 10 de março de 2023

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

 

Observação: 

O Dr. Jorge Sette, cardiologista, também leu o artigo acima e acrescentou que, na sua impressão, observando o seu uso em certas doenças cardíacas, a Losartana não seria tão eficiente para reduzir a fibrose em seres humanos quanto aparentou ser nos camundongos utilizados na pesquisa.

 

 

Minha filha AC, de 9 anos, já atendida no CRNF, tem neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Por causa da irritabilidade acentuada e agressividade um neurologista sugeriu risperidona. Ela não apresenta dificuldade em aprender, já sabe ler desde os 6 anos, mas não quer estudar, porque acha tedioso e só quer brincar. Quando tem foco em algo que gosta é impressionante a rapidez com que aprende. Pode me orientar? M.I, de João Pessoa.

Cara M.I., obrigado pelo seu relato, que abriu uma oportunidade para falarmos sobre algo muito importante: a autonomia das crianças.

Antes, quero lembrar que muitas crianças com NF1 apresentam TDAH e alguma agressividade. A AMANF acaba de publicar uma cartilha com orientações para mães, pais, educadoras e educadores de crianças com NF1 e problemas de comportamento. Clique aqui para obter a cartilha.

Antes de qualquer medicação, acho que todas as pessoas cuidadoras de sua filha devem tentar seguir a nossa cartilha por algumas semanas ou meses.

Se, ao final, a cartilha não for suficiente para melhorar a qualidade de vida de vocês, então os medicamentos podem ser pensados.

Quando há hiperatividade, o medicamento metilfenidato pode ser uma opção ( prescrita pela neurologia) a ser experimentada com a finalidade de diminuir a impulsividade – ações realizadas de forma impensada e às vezes contra a vontade consciente da pessoa. A impulsividade gera ansiedade que contribui para a irritabilidade e, como consequência, para aumentar a agressividade.

Quando não há hiperatividade, mas apenas desatenção, ainda não estou convencido de que o metilfenidato seja eficiente nas crianças com NF1.

Se houver hiperatividade e mesmo com o uso do metilfenidato ainda persistir a agressividade, pode ser experimentada a risperidona sob a orientação da psiquiatria psiquiatra infantil ou neurologia infantil.

 

Mas vamos pensar numa coisa importante, que você falou: sua filha aprende rapidamente quando quer.

 Acho que ela tem razão.

 Acho que todos nós aprendemos de fato somente aquilo que nos interessa.

E talvez qualquer pessoa fique irritada e agressiva se for obrigada a fazer coisas que não deseja, não é?

Há cerca de 50 anos, fiquei impressionado por um experimento educacional famoso na Inglaterra, chamado Summerhill, que deu origem às escolas democráticas, no qual as crianças podiam escolher quando brincar ou estudar. Mesmo as crianças com problemas comportamentais (a maioria naquele colégio especial) acabavam aprendendo aquilo que precisavam para seguirem suas vidas com autonomia quando adultas.

Clique aqui para conhecer mais sobre as escolas democráticas inspiradas em Summerhill.

Talvez a escola convencional atual seja mesmo muito entediante para crianças com hiperatividade.

Talvez possamos ajudar as crianças a se encontrarem e a realizarem seus desejos e sua formação humana por meio de brincadeiras criativas.

Brincar é o jeito mais alegre e eficiente de aprender sobre tudo: sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre os afetos. Sobre como viver.

 

Eu, no lugar da sua filha, gostaria de estar numa escola onde brincar fosse levado muito a sério.

Vamos ouvir o que sua filha quer fazer?

Dr. Lor

 

 

 

Recebemos uma cópia do capítulo escrito pelo Dr. James H. Tonsgard e pelo médico brasileiro Dr. Nikolas Mata-Machado, radicado há muitos anos nos Estados Unidos, intitulado “Crianças com síndromes neurocutâneas” (entre elas as neurofibromatoses), como parte de um novo livro de pediatria lançado agora (2023) chamado “Neurologia Pediátrica Baseada em Sintomas”.

Foi com grande satisfação que li o capítulo e constatei que nossas orientações médicas científicas na página da AMANF estão de acordo com a revisão realizada pelo Dr. James e pelo nosso amigo e brilhante neurologista pediátrico Nikolas Mata-Machado.

Duas observações feitas pelos autores chamaram minha atenção, para dois aspectos clínicos que precisamos enfatizar mais em nossos atendimentos: a possibilidade de alterações cardiopulmonares na Síndrome de Legius e a necessidade de investigarmos doença vascular cerebral nas crianças com NF1 e displasia de artéria renal.

Agradeço a gentileza do Dr. Nikolas e parabenizo os autores e desejo que o livro seja lido por colegas de todo o mundo para que as neurofibromatoses continuem recebendo cada vez mais atenção médica e científica.

Dr Lor

 

Temos a alegria de informar que a versão impressa da nova cartilha sobre dificuldades cognitivas nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) está pronta e ficou muito prática.

É uma versão da cartilha canadense que foi adaptada às condições da população brasileira.

Esta cartilha é um guia que pode ser usado pelas próprias pessoas com NF1, pela família, professoras e professores, por cuidadoras e cuidadores e demais pessoas que participam do atendimento a pessoas com NF1 (assistência social, fonoaudiologia, psicologia, enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional e medicina).

A Diretoria da AMANF dá os parabéns à equipe liderada pela associada e psicóloga Letícia Lindner, na tradução e adaptação da cartilha canadense (Ana Rodrigues que traduziu a versão canadense, Daiane Lindner que fez o projeto gráfico e Adriana Venuto e Luiz Oswaldo Rodrigues que colaboraram no conteúdo).

A cartilha impressa será distribuída nas consultas presenciais ou online, realizadas pela equipe médica no Centro de Referência em NF (Dra. Juliana Souza, Dr. Bruno Cota, Dr. Nilton Rezende e Dr. LOR) sempre que for indicada.

Uma versão online da nova cartilha adaptada para a população brasileira pode ser baixada livremente e basta clicar aqui.

A versão anterior – traduzida da cartilha canadense – continua disponível, basta clicar aqui.

Quem desejar receber pelo correio um exemplar impresso da nova cartilha adaptada, basta realizar uma doação para a AMANF de, pelo menos, 15 reais (para cobrir a taxa do correio). Doações mais generosas do que este valor também são muito bem vindas de quem quiser e puder fazê-las.

Mande seu endereço para nossa secretária Josiane Rezende – com o comprovante de depósito da sua doação – para o e-mail: josinery1@gmail.com

Em uma ou duas semanas deverá receber seu exemplar.

 

Se você deseja fazer uma contribuição ou doação, a conta da AMANF é:

BANCO CREDICON
Nome: AMANF ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE APOIO AOS PORTADORES D
Banco:756
Agência: 4027
Conta Corrente: 20261001 dígito 2 
CNPJ: 05.629.505/0001-33

PIX +55 (31) 99971-0622

 

Feliz 2023!!!

Dr Lor

 

Temos atendido crianças com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) que também nos chegam com o diagnóstico de Transtorno no Espectro do Autismo (TEA) em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

As famílias querem saber se devem tratar suas crianças como TEA ou não. 

Temos respondido que as pessoas com NF1 podem apresentar sintomas parecidos com os sintomas do TEA, mas que estes sintomas são causados pelo desenvolvimento inadequado do sistema nervoso.

Alguns problemas cognitivos acontecem porque a variante genética que ocorreu no DNA produz deficiência de uma proteína (chamada neurofibromina), a qual é fundamental para o desenvolvimento neurológico especialmente na vida intrauterina (ver revisão de 2022 sobre este tema clicando aqui – em inglês). 

Nossa opinião tem sido que a maioria destas pessoas com NF1 tem sintomas parecidos com TEA, mas não possuem TEA.

Um estudo científico publicado em 2020 (ver abaixo), reforça nossa opinião, embora apresente limitações (ver abaixo).

O estudo sugere que:

 

  • Não houve mais diagnóstico de TEA em pessoas com NF1 do que na população em geral (cerca de 2%).

 

(Notar que o diagnóstico de TEA foi relatado a partir dos registros médicos e a população comparada foi a dos Estados Unidos)

 

  1. Alguns sintomas de TEA estavam presentes em pessoas com NF1, mas não eram suficientes para o diagnóstico de TEA por meio de testes validados para a pesquisa de autismo.

(Ou seja, as crianças com NF1 pontuaram nestes testes um pouco mais do que as crianças sem NF1 e sem TEA)

 

  1. A presença do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em pessoas com NF1 pode explicar uma certa confusão entre os diagnósticos de NF1 e TEA 

(Quando estes diagnósticos são feitos por meio de questionários respondidos por pais e professores, alguns sintomas do TDAH se assemelham a alguns sintomas de TEA e podem gerar falsos diagnósticos de TEA)

 

  1. Os comportamentos das crianças com NF1 mostraram uma socialização normal, apesar da menor capacidade de comunicação.

O estudo foi realizado em Portland (Oregon, Estados Unidos) e intitulado “Transtornos do Autismo e do Déficit de Atenção e Hiperatividade e sintomas em crianças com Neurofibromatose do Tipo 1” e publicado por Hadley Moroti e colaboradores, um grupo de especialistas em psicologia, psiquiatria e desenvolvimento infantil, na revista científica Developmental Medicine & Neurology (ver aqui o artigo completo – em inglês).

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

A equipe de cientistas reconhece que algumas características do estudo limitam a capacidade de extrair conclusões definitivas sobre o assunto, uma vez que o mesmo foi feito com poucas pessoas com NF1 (apenas 45 pessoas examinadas diretamente) e sem acompanhamento ao longo do tempo.

Além disso, a equipe não possuía informações clínicas sobre as variantes genéticas e a gravidade da NF1 nas crianças avaliadas.  

Finalmente, foram avaliadas apenas crianças na idade escolar, portanto, os resultados podem não se aplicar a adolescentes e adultos com NF1.

 

Apesar de suas limitações, o estudo traz outras informações importantes sobre este tema, as quais resumirei a seguir.

 

TEA É MAIS COMUM DO QUE NF1

A equipe de cientistas lembra que na população em geral a NF1 é considerada uma doença rara (1 em cada 3000 crianças). Por outro lado, quando o TEA é diagnosticado por especialistas (e não por pais ou professores), sua incidência é de cerca de 1 em cada 50 pessoas (1 a 2%), ou seja, o TEA é 60 vezes mais comum do que a NF1

 

CAUSAS DA NF1 E DO TEA

A NF1 é uma doença de causa bem conhecida, provocada por variantes genéticas patogênicas no gene NF1, que alteram a produção de uma proteína (neurofibromina), a qual regula o crescimento dos tecidos, especialmente o sistema nervoso. A deficiência da neurofibromina produz diversos problemas no desenvolvimento neurológico.

O TEA parece ter causas genéticas (90% – com variantes localizadas em múltiplos genes) e ambientais (ver artigo interessante e bastante compreensível do Dr. Dráuzio Varela sobre as causas do TEA, clicando aqui). A explicação mais aceita é de que variantes genéticas patogênicas em genes responsáveis pela produção de algumas proteínas dos neurônios afetariam o aprendizado, a linguagem, a comunicação social e a memória.

Mas o gene da NF1 não parece estar entre os genes causadores do TEA. 

 

SINTOMAS PARECIDOS

A NF1 pode causar problemas no desenvolvimento cognitivo, dificuldades de aprendizado, atraso motor, limitação das habilidades sociais, descontrole emocional, ansiedade e sintomas de desatenção e hiperatividade.

Estes mesmos problemas e sintomas também podem ocorrer em crianças diagnosticadas com TEA. Por isso, alguns estudos anteriores, realizados com critérios diagnósticos de TEA menos rigorosos (baseados apenas nos relatos de pais e professores), mostraram que cerca de metade das crianças com NF1 teriam TEA (ver aqui o estudo realizado na Inglaterra em 2013). 

Sabendo que o TEA é 60 vezes mais comum do que a NF1, é possível que as famílias, escolas e profissionais da saúde estejam mais familiarizados com o TEA do que com a NF1. Então, é mais comum enquadrar os problemas cognitivos, comportamentais, motores e sociais das crianças com NF1 no TEA, do que reconhecer que são problemas causados pela própria NF1 e não pelo TEA. 

Além disso, têm sido propagados tratamentos para os sintomas do TEA (que ainda precisam ser comprovados:  ver aqui – em inglês), mas ainda não existem tratamentos propostos para os transtornos cognitivos específicos para a NF1. 

Assim, o diagnóstico do TEA acaba por se tornar aparentemente mais útil para as famílias com NF1 do que o diagnóstico da própria NF1. Porque as famílias e os profissionais da saúde ficam com a impressão de que poderemos oferecer mais recursos de tratamento para o TEA, mas não para a NF1. 

 

SINTOMAS DE TDAH PODEM PARECER TEA

Este estudo também sugere que o diagnóstico de TDAH foi mais comum (8,8%) nas pessoas com NF1 do que na população em geral (5%).

Vários comportamentos do TDAH podem se assemelhar a comportamentos de crianças com TEA, assim, a maior presença de TDAH entre pessoas com NF1 (do que na população em geral) pode induzir ao falso diagnóstico de TEA nelas.

Para conhecer melhor os sintomas de TDAH visite nossa cartilha sobre dificuldades cognitivas nas pessoas com NF1 clicando aqui

 

CONCLUSÃO

Diante de uma pessoa com diagnóstico de NF1 e com problemas cognitivos e/ou comportamentais, devemos procurar a ajuda de especialistas na psicologia e psiquiatria que possam realizar com segurança a distinção entre TEA ou TDAH.

Achamos que será útil levar ao/a profissional que irá avaliar a criança com NF1 os resultados encontrados neste estudo que acabamos de comentar.

Mas, independentemente da criança com NF1 ter ou não o TEA, se ela apresentar problemas e sintomas que prejudiquem seu desenvolvimento e sua socialização, há diversas maneiras de ajudá-la.

Ela precisa contar com o investimento amoroso  e paciente de sua família, sua escola, sua comunidade de forma geral, e sua rede de profissionais da saúde, que devem estar bem informados e integrados entre si.

 

A redação deste documento foi feita pelo Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr. Lor) e pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues e contou com a aprovação do Dr. Nilton Alves de Rezende e do Dr. Renato de Souza Viana.

Setembro 2022

 

 

 

 

 

 

 

Doutor, meu menino Maicon, de 3 anos, tem NF1 e é muito irritado. Ele demora horas para dormir, temos que ficar eu (ou o pai) junto dele durante um longo tempo, senão ele não pega no sono, acorda várias vezes à noite, de repente começa a gritar e apertar a barriga, faz vômito quando encontra na comida qualquer coisa diferente do leite ou do mingau, que são as únicas coisas que aceita, chuta o lençol para longe se tentamos cobrir numa noite mais fria, sua muito na cabeça e cai demais, dispara a chorar com música alta ou barulhos, entra em pânico com latidos de cachorro, berra de medo de vozes altas principalmente de pessoas estranhas. Parece que ele não entende o que falamos com ele e, se insistimos para ele obedecer, ele começa a chorar e a bater na cabeça e tampar as orelhas com as mãos. Não gosta de brinquedos e só quer mexer no celular. O neuropediatra deu risperidona por uns meses, mas não fez diferença, então suspendemos. O senhor acha que pode ser da NF1? F.M.J, de Juazeiro do Norte, Ceará.

 

Cara F., obrigado pelo seu depoimento, que pode ser útil a outras famílias.

Imagino que sua vida esteja sendo muito difícil.

Mas  também imagino que a vida do Maicon pode estar sendo um terror.

Sabemos que as crianças com NF1 apresentam alterações no desenvolvimento cerebral, que correm desde a vida na barriga da mãe e que produzem uma grande dificuldade de organizar os estímulos que elas recebem continuamente por meio dos seus sentidos: sons, luzes, tato, dor, paladar, cheiros, sono, fome e equilíbrio.

Além disso, elas têm dificuldades para organizar os sentimentos, controlar os impulsos e administrar suas reações.

Podemos chamar estas dificuldades de Transtorno da Integração Sensorial (TIS). Ou seja, uma dificuldade para organizar todos os sentimentos de acordo com prioridades, ou seja, o que é mais importante, o que é mais urgente, o que é mais perigoso, o que pode ser deixado de lado, o que não tem importância e assim por diante.

Por exemplo, uma pequena coceira no braço de uma criança com TIS pode ficar tão importante quanto segurar o copo que ela está levando, então a água é virada no chão, o que é um evento indesejado e inesperado, o qual se soma ao grito de alguém repreendendo a criança, que se junta com o barulho da porta que se fechou, e tudo isso cria um caos nos pensamentos e nos sentimentos da criança.

Viver com esse transtorno pode ser um pesadelo.

Para podermos compreender como se sente uma criança com TIS, vamos imaginar que tivéssemos que passar as 24 horas de todos os dias de nossa vida num ambiente:

  • com sons altos,
  • luzes fortes,
  • vozes incompreensíveis,
  • pessoas estranhas,
  • animais ameaçadores,
  • tendo que ingerir alimentos que provocam náuseas,
  • com dor de cabeça frequente,
  • cansados pelas noites mal dormidas,
  • com cólicas intestinais ou desejo de urinar sem nosso controle,
  • sentindo calor excessivo,
  • com roupas que nos incomodam (etiquetas, dobras ou tecidos irritantes),
  • com dificuldade para nos equilibrarmos
  • sem conseguirmos falar o que desejamos,
  • com sentimentos de raiva, medo ou solidão que não conseguimos entender
  • etc.

Talvez seja assim que o Maicon e outras crianças com NF1 e TIS vivem.

Ainda não temos uma compreensão clara deste Transtorno da Integração Sensorial e de outros transtornos de comportamento provocados pela NF1. Por isso, ainda não temos tratamentos específicos para a NF1 que sejam eficientes e cientificamente testados para melhorarmos a vida do Maicon e dessas outras crianças com TIS. Por enquanto, o que recomendamos (intuitivamente) é a Terapia de Integração Sensorial (ver aqui) realizadas por terapeutas ocupacionais.

De qualquer forma, podemos tentar nos colocar na pele dessas crianças e assim melhorar o ambiente no qual elas vivem, com algumas medidas práticas:

  • fazer silêncio sempre que possível e reduzir ruídos e sons altos,
  • manter uma iluminação suave, confortável e estável,
  • lembrar que elas podem ter desordem do processamento auditivo (escutam bem, mas entendem mal), então devemos falar com voz baixa, pausadamente, repetir quantas vezes for necessário, com paciência, para elas entenderem
  • proteger as crianças do contato desagradável com pessoas estranhas,
  • evitar a presença de animais ameaçadores,
  • respeitar o seu desejo alimentar, oferecer variedade, sem forçar, nem obrigar a comer
  • tentar descobrir se sentem dor de cabeça e então buscar a causa e usar analgésicos comuns,
  • reconhecer o cansaço pelas noites mal dormidas e oferecer períodos de repouso durante o dia
  • ajudar as crianças a perceberem se estão ou não com desejo de ir ao banheiro,
  • proteger de ambientes quentes e oferecer meios delas se refrescarem,
  • descobrir roupas confortáveis para a criança (e não para o gosto dos adultos),
  • evitar tapetes e desníveis e degraus desnecessários em casa,
  • ouvir com paciência a criança que tem dificuldade para manifestar seu desejo,
  • ajudar as crianças a entender e aceitar seus sentimentos de raiva, medo ou solidão.

 

É fácil?

Claro que não.

Mas pode ser que o ambiente em sua casa melhore um pouco com estas medidas.

Se você já passou por isso, mande-nos (para o email rodrigues.loc@gmail.com) as medidas que usou e que funcionaram para melhorar a vida de sua criança com TIS.

Nossa comunidade agradece.

Abraços

Dr Lor

 

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Post #4 – final

Esta é a quarta e última parte da conversa com uma jovem estudante (MD, de 17 anos), que gostaria de saber como poderia se tornar uma cientista para descobrir a cura para a neurofibromatose do tipo 1 para um dia poder ajudar seu irmão mais novo, que nasceu com a doença. Nossa correspondência foi muito interessante e então, com a autorização de MD, resumi abaixo algumas perguntas e respostas que foram surgindo durante nossa conversa, porque talvez elas sejam úteis a outras pessoas.

A quinta pergunta de MD:

Como conviver com minha família religiosa?

Todas as etapas e condições que já comentamos antes parecem tornar muito difícil para uma garota como você, negra, brasileira e filha de trabalhadores, se tornar uma cientista. Para tornar as coisas ainda um pouco mais complicadas, você também relata um conflito com sua família, que possui princípios religiosos, os quais parecem se contrapor ao campo científico no qual você pretende ingressar.

Você pergunta sobre como conviver com sua família com crenças diferentes e, ao mesmo tempo, viver sua própria vida de acordo com as evidências materialistas que a ciência apresenta.

Você tem razão, não é fácil, especialmente quando as crenças religiosas interferem nas estruturas públicas de ensino e pesquisa. Se desejar, veja uma reflexão mais detalhada sobre isto no texto “Entre deus e o orientador ateu”.

Neste difícil território das opiniões, minha sugestão para você é deixar qualquer arrogância científica de lado e lembrar que o surgimento da ciência é muito recente na história. Nossa gente sobreviveu (e muitos povos originários ainda sobrevivem) por dezenas de milhares de anos sem a ciência, portanto, não podemos desprezar outras formas de ver o mundo simplesmente porque a ciência se mostra mais capaz de fazer previsões corretas sobre a realidade material, o que nos permite confiar mais nos satélites, por exemplo, do que nos búzios para prever o clima de amanhã.

Dependendo do campo do conhecimento, a ciência poderá ter respostas mais úteis, por exemplo no enfrentamento de uma pandemia, na criação de vacinas, no aquecimento do planeta ou no funcionamento das doenças neurológicas e psiquiátricas. Por outro lado, a ciência não oferece evidências objetivas sobre o sentido da vida individual ou sobre seus valores morais. Por isso, em determinados assuntos, muito subjetivos, é perda de tempo contrapor a ciência aos conhecimentos tradicionais ou mesmo contra a religião.

Além disso, compreender bem as informações científicas requer uma educação básica, a qual a maioria da população brasileira não tem acesso. Quantos jovens são forçados a abandonar a escola para trabalhar! Por isso precisamos ter respeito pelas pessoas cuja história de vida as levou à falta de escolaridade e de formação científica.

Com muito cuidado, podemos oferecer os dados científicos a quem não compreende a ciência somente quando algo objetivo precisa ser resolvido e a ciência tenha dados confiáveis sobre aquele assunto. Por exemplo, vamos vacinar nossas crianças? Ou, como evitar a gravidez precoce? Quais as vantagens de se oferecer educação sexual para todas as pessoas? Como podemos combater o racismo? Por que mulheres e homens são iguais em capacidades e direitos? Se o planeta está aquecendo, o que devemos fazer?

Solidão e conhecimento

Outro comentário seu, mas não menos importante, foi que “se sente solitária, porque acredita em um ideal que quase ninguém acredita”. Vamos chamar esta situação que descreveu de “solidão filosófica”, algo que acontece progressivamente à medida que vamos vivendo, pensando, estudando e descobrindo coisas sobre o mundo. Essas novas percepções (científicas, por exemplo) podem reduzir o número de pessoas que nos reconheciam anteriormente como parte de seu grupo (religioso, por exemplo) (se desejar, ver aqui um poema sobre isso ).

No entanto, nós precisamos do reconhecimento dos outros para construirmos nossa identidade porque somos, em parte, aquilo que os outros pensam que somos. Então, vivemos nos equilibrando entre o desejo de possuir uma identidade (que nos distingue do grupo) e o desejo de pertencer ao grupo (que tende a nos assimilar e massificar).

Neste sentido, o conhecimento científico adquirido também gera o desejo de pertencer a uma comunidade mais ampla, internacional e acadêmica, na qual vamos querer (novamente) construir nossa identidade, reproduzindo noutro nível o conflito permanente entre ser único e pertencer ao grupo. Enfim, sempre buscaremos por status em qualquer grupo social ao qual desejarmos pertencer, como todo ser humano neurotípico.

Conclusão

Você já percebeu nesta conversa que mesmo quando os temas são aparentemente simples, todos os assuntos são complexos porque a sociedade é complexa, porque nós, humanes, somos complexes (veja só quanta complexidade está envolvida no uso destas palavras “humanes” e “complexes” que usei para incluir os diferentes gêneros!). Ou seja, não temos respostas simples para questões complexas se quisermos resolvê-las de fato, sem preconceitos religiosos nem arrogância científica.

Então, tanto você, uma jovem estudante, quanto eu, um velho médico e cientista, para abordarmos qualquer assunto, devemos estar preparados para enfrentarmos sua complexidade. Parece um longo caminho e, de fato, o é.

No entanto, apesar de todas as dificuldades que conversamos, nossa vida como cientistas pode ser uma fascinante viagem pelas dúvidas e perguntas e, quem sabe, com bastante sorte, poderemos encontrar algumas respostas valiosas.

Entre elas, a resposta para algum tratamento efetivo para os problemas que afligem as pessoas com NF1.

Dr Lor

Junho 2022

 

 

Comentários sobre este texto, que foi lido por estudantes de graduação que estão realizando sua Iniciação Científica sob a orientação do Dr. Bruno Cézar Lage Cota durante seu projeto de doutorado, no qual ele está pesquisando os efeitos do treinamento musical sobre a capacidade cognitiva de adolescentes com NF1.

Gabriela Poluceno (medicina)

Como se tornar uma cientista? A minha resposta como uma jovem que acabou de entrar na universidade, de 22 anos, nova nesse mundo da pesquisa é: ainda não sei!

É um processo que acredito ser longo, trabalhoso, repleto de marcas importantes (será? um doutorado dá a alguém um título de cientista?) e que começa com algo tão simples quanto uma boa pergunta.

Claro que equipamentos de qualidade, uma boa estrutura e financiamento fazem uma diferença enorme nesse contexto (inclusive, infelizmente, define através do lucro a importância de certos estudos), porém acredito que o passo inicial para ser um cientista consista em ter curiosidade e criatividade para realizar boas perguntas.

 Conseguir extrair bons questionamentos de lugares não-usuais e elaborar soluções interessantes e pouco convencionais estão entre as habilidades que acredito que bons cientistas possuem e que basearam as grandes revoluções científicas.

A nossa pesquisa atual é um ótimo exemplo disso, ao utilizar a música e um diferente olhar sobre o processamento auditivo como pontapé inicial para um possível tratamento para a NF1. Ter o interesse e a motivação de afetar positivamente a vida de alguém, melhorar sua qualidade de vida ou até mesmo curar uma doença são atitudes essenciais durante o trajeto de um verdadeiro cientista, de modo que tenha-se sempre em mente que estamos lidando com pessoas e não apenas números, exames ou sintomas.

As questões éticas que isso envolve são inúmeras, e deve-se deixar claro que o sofrimento humano nunca compensa qualquer tipo de conhecimento científico adquirido, e que, ciência sem ética não é ciência.

Agora, de um ponto de vista mais prático, eu diria para que quando entrasse numa universidade, buscasse professores orientadores e uma iniciação científica, mas como exatamente fazer isso? Afeto! Tenha boas relações com seus professores, faça amigos, conheça pessoas dos mais diversos contextos e se assuste para onde a vida te levará! Ciência não se faz sozinho e não se vira cientista sozinho. A beleza da ciência está na diversidade e no coletivo.

Veja meu caso, ter tido aula com a professora Juliana, que em uma de nossas conversas de feedback citou a AMANF, o que me gerou muito interessante e me fez correr atrás do professor Bruno. Ao chegar no Bruno, que me acolheu imensamente e sou muito grata, pude acompanhar diversas consultas e ter um contato próximo com as pessoas participantes da pesquisa, que me trouxe a esse grupo enorme de estudantes, professores e colaboradores!

Por fim, essa é a minha pequena visão até agora de como se tornar um cientista, caminho longo que acredito que tenho muito a percorrer e que ainda sei pouquíssimo sobre.

E por fim, uma reflexão: reconhecer a ignorância não faz parte de ser um verdadeiro cientista?

 

Maíla Araújo Pinto (medicina)

Desde o ensino médio, eu sonhava em me tornar cientista e, com isso, almejava entrar para a iniciação científica no contexto universitário. Dessa forma, assim que entrei na faculdade de medicina fui em busca de como realizar esse sonho. Entretanto, por mais que esse desejo fosse antigo, só consegui de fato entrar para iniciação científica ao terceiro ano da faculdade.

 

A faculdade que ingressei é particular e não obtive resposta acerca do processo da iniciação científica. Por outro lado, sempre que tive a possibilidade conversei com professores demonstrando meu interesse.

 

Em vista disso, minha oportunidade surgiu quando conheci o professor Bruno Cota que em sua apresentação contou sobre seu projeto de doutorado pela universidade federal. O caminho não é fácil, nem antes de entrar, nem durante o processo, mas sem dúvida tem sido uma experiência enriquecedora. Sendo assim, caso se tornar cientista seja de fato um sonho, vale a pena buscar formas de alcançar.

 

Marina Silva Corgosinho (enfermagem)

Acredito que todos que desejam e possuem o gosto pela busca de conhecimento já é um dos caminhos para ser um cientista, além disso é necessário estar matriculado em um curso de ensino superior, e a melhor parte é que pode ser qualquer curso, basta buscar um projeto e um profissional que esteja disposto a caminhar juntamente com você durante todo o processo de construção do projeto, que será em forma de uma iniciação científica.

Ser um cientista vai além de boas notas ou ser um destaque, é ser responsável e ter a certeza de que seus estudos irão beneficiar as pessoas e às vezes podem vir a descoberta da cura de alguma doença ou uma inovação que fará bem a todos. 

 

Thaís Andreza Oliveira Barbosa (fonoaudiologia)

Como o Lor já ressaltou, o ambiente da universidade pública nos proporciona muitas oportunidades de ingressar no meio acadêmico e científico. Eu ainda estou no começo dessa caminhada, mas posso dizer que algo essencial é o apoio dos nossos professores e orientadores nesse processo.

 

Nem sempre decidir pesquisar algo é fácil (arrisco dizer que provavelmente nunca é) e surgem muitas dúvidas e inseguranças ao longo do caminho, então o apoio desses profissionais mais experientes é essencial, bem como a confiança deles de que somos capazes de embarcar nessa oportunidade.

 

Vitória Perlin Santiago (medicina)

Como se tornar um cientista e minha experiência ao longo da iniciação científica.

Como relatado pelo professor Lor, para se tornar um cientista é necessário passar por diversas formações acadêmicas, que demandam tempo, dedicação e recursos, podendo estes serem financeiros ou governamentais.

Como ainda sou estudante no curso de medicina, estou nos primeiros passos de minha carreira científica, ou seja, participando de uma iniciação científica. O projeto de doutorado sobre a relação da música com a Neurofibromatose tipo 1, do professor Bruno, foi introduzido a mim em meu segundo ano de curso, na nossa primeira aula juntos. Naquele momento, despertou em mim características que acho fundamentais para quem quer seguir na área da ciência, a curiosidade acerca do projeto, o entusiasmo de querer fazer parte e a identificação com o tema da pesquisa.

Após diversas reuniões com o professor Bruno em que ele, pacientemente, explicava seus estudos, hipóteses e métodos, ficava cada vez mais clara e consciente a vontade de participar do projeto, principalmente por ser diferente de qualquer outra experiência oferecida ao longo do curso. Quando finalmente começamos a realizar as práticas da pesquisa, ficou ainda mais nítido o quanto o professor Bruno estava empolgado com seu projeto, sempre buscando as melhores soluções, dedicando cada dia mais de seu tempo à pesquisa, se solidarizando com os participantes estudados e nunca estando satisfeito com pequenos resultados, indo cada vez mais profundo em seus estudos. Toda essa dedicação do professor incentivou ainda mais a minha participação, e tenho certeza que das outras voluntárias também, pois vemos nele algo que também é muito essencial para ser um cientista, o propósito de mudar a vida de muitas pessoas com os resultados encontrados.

Estou na pesquisa há quase um ano e meio e posso garantir que está sendo uma experiência única, não só pelos diversos conhecimentos científicos que adquiri, mas pelas pessoas que conheci, histórias que me emocionei e interesses que despertei.

Com isso, pela minha experiência, entendo que para se tornar um cientista, além das formações acadêmicas, é necessário ter muita dedicação e foco em seus objetivos; sempre ter curiosidade e buscar saber cada vez mais, não estando satisfeito com apenas alguns resultados; se identificar com o tema da sua pesquisa, pois isso faz com que você tenha incentivo e interesse em segui-la; encontrar pessoas que estejam dispostas a contribuir em seus estudos e estejam em sintonia com você, pois elas serão essenciais para orientá-lo e ser um apoio e, por fim, sempre lembrar do propósito da pesquisa, para que a essência dela não se perca e você tenha satisfação em seus resultados.

 

Como disse ontem, já está bem comprovado que pesquisa científica geralmente acontece nas universidades públicas.

Para trabalhar numa universidade (que realiza pesquisa de qualidade) você precisará ter sido aprovada num concurso para se tornar professora daquela instituição, a qual, de preferência, deve estar localizada num país (no qual você teve a sorte ou azar de nascer) que valoriza a ciência e o conhecimento tecnológico e científico.

Portanto, é importante lembrar que certos fatores e oportunidades da carreira científica dependem em parte do acaso, o qual, para nossa angústia, não podemos controlar completamente. Por exemplo, você precisa ter a sorte de seu país estar sendo (ou não) governado por pessoas que os eleitores do seu país tiveram a responsabilidade de eleger e que querem construir o futuro da nação por meio de investimentos prioritários na educação e na cultura.

Os investimentos em ciência e educação variam muito de acordo com os governos. Nestes 50 anos em que trabalho na UFMG, uma universidade pública considerada entre as melhores do Brasil, apenas durante os governos do Partido dos Trabalhadores foi que as universidades públicas receberam financiamentos e estímulos para a pesquisa.

Esta maior oferta de recursos públicos federais dos governos petistas entre 2005 e 2016 também contemplou nosso Centro de Referência, o que nos permitiu publicar até 7 artigos científicos num ano. Infelizmente, desde os governos Temer e Bolsonaro estamos novamente sem recursos e nossa publicação científica parou completamente nos últimos dois anos.

Então, respondendo à sua pergunta, é mais provável que novos tratamentos para as NF sejam descobertos em outros países que investem recursos financeiros em ciência e educação, como, por exemplo, os Estados Unidos, onde, portanto, haverá maior probabilidade de ser descoberto um tratamento eficiente.

Sua quarta pergunta:

O fato de eu ser mulher atrapalha meu desejo de ser cientista?

Espero, do fundo do meu coração, que um dia eu possa responder a esta pergunta dizendo: o fato de você ser mulher não afetará sua carreira científica. Mas, por enquanto, infelizmente, sabemos que as mulheres enfrentam uma cota extra de dificuldades profissionais causadas pelo nosso machismo estrutural.

Para entender melhor a situação das mulheres no mundo, veja o aprendizado que tive com a feminista Ângela Davis e uma história impressionante sobre o apagamento dos trabalhos de uma grande cientista, a Mary Hesse.

No entanto, apesar de ainda vivermos numa sociedade machista, você poderá encontrar esperança para seguir seu projeto pessoal nas palavras de mulheres pensadoras e feministas, como a cientista Natália Pasternak, por exemplo.

Amanhã responderei sua quinta pergunta sobre o conflito entre querer ser cientista numa família religiosa.