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Tenho apresentado nos últimos dias algumas ideias sobre as dificuldades que precisamos enfrentar para a realização de pesquisas buscando tratamentos para as neurofibromatoses.


Percebemos que há um círculo vicioso: as doenças raras atingem apenas 3% da população, que por isso são desconhecidas pela população e pelos médicos, que assim despertam pouco interesse da opinião pública, a qual não pressiona os políticos pera adotarem políticas destinadas às doenças raras, o que gera poucos recursos financeiros para as pesquisas, o que atrai poucos cientistas para o seu estudo, e por isso as doenças raras continuam desconhecidas…

Nesta cadeia de acontecimentos, uma parte importante da opinião pública que precisa ser mais informada sobre as doenças raras é a comunidade científica ligada à saúde da população. Médicos e cientistas precisam ser alertados sobre a existência das doenças raras, seus problemas específicos, suas necessidades e saberem que existem ou precisam ser criados centros de referência para elas.

Devemos fazer campanhas de divulgação entre os médicos. Por exemplo, no caso das NF, podemos imprimir a cartilha “As Manchinhas da Mariana” (clique AQUI para vê-la) e entregar em cada um dos postos de saúde de nossa cidade, para cada um dos profissionais de saúde, incluindo os médicos.

Em cada consulta à pediatria, por exemplo, levar um exemplar da cartilha e entregar à pessoa que nos atende para divulgar a doença. Oferecer aos profissionais da saúde os endereços das páginas na internet deste blog, da Associação Mineira de apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) e de outras entidades, onde eles podem encontrar informações científicas sobre as NF.

Quanto aos cientistas, para que eles se interessem pelas NF teremos que enfrentar a grande e danosa competição acadêmica que foi instalada entre eles, a qual os obriga a publicar artigos científicos em inglês, mais preocupados com a quantidade do que com a qualidade, sem se importar muito com as necessidades da população que financia seu trabalho. Tenho denunciado este problema do “produtivismo” acadêmico desde 2007 (quem desejar saber mais sobre este assunto, clique AQUI).

Temos que defender a ideia de que a possibilidade de ajudar pessoas com auxílio da ciência é mais importante do que aumentar um ponto no currículo de cientista. Lembrando que o dinheiro que financia os cientistas vem dos trabalhadores e deve retornar em benefício da população.

Para motivarmos os cientistas temos que realizar palestras e apresentar os temas estudados em nossas pesquisas nos congressos científicos, divulgando as NF e, quem sabe, motivando novos estudantes a se envolverem com o assunto.

Como temos falado nos últimos dias, existem pesquisas mais caras, como aquela da Dra. Kate Barald sobre o medicamento STX3451, e outras mais baratas, que podem ser realizadas com menos recursos. No entanto, a escolha do tema da pesquisa, do meu ponto de vista, deve ouvir a comunidade interessada.

Por exemplo, há alguns anos, a Associação Maria Vitória de Doenças Raras (AMAVI) aplicou um questionário em seu site perguntando qual seria a maior necessidade das pessoas com doenças raras e a resposta de mais de 60% das pessoas foi INFORMAÇÃO.

Ou seja, mais importante do que o próprio tratamento, NESTE MOMENTO, as pessoas com doenças raras querem é ter acesso ao conhecimento já disponível sobre suas doenças.

Com este objetivo temos tentado estudar e oferecer mais informações sobre alguns temas que estão ao nosso alcance, com os poucos financiamentos que dispomos.

Na próxima semana mostrarei o que temos feito neste sentido.


Recebi na semana passada um novo e-mail (em verde, abaixo) da AG, de Portugal.

Olá, acabei de ler a sua publicação no blog e fiquei triste por algumas pessoas terem interpretado mal as informações, levando a “falsas esperanças” de uma cura para breve. Uma vez que parecem não estar em curso estudos tão promissores como este, será que não se justificaria (caso não obtenham em breve o financiamento necessário) campanhas massivas de angariação de fundos?

Não sei se estou sendo ingénua e imagino que seja exorbitante o montante necessário…, mas sendo tantas as pessoas necessitadas, será que não conseguimos fazer algo mais? Existem vários fóruns, blogues e comunidades onde poderia ser plantada esta semente. Haja vontade, e vontade há imensa! ”. AG, de Portugal.
Respondi sugerindo que ela perguntasse à Dra. Kate Barald quanto custaria a continuidade de sua pesquisa até chegarmos ao tratamento clínico. Dra. Kate respondeu e apresento abaixo (em azul) um resumo de seu e-mail.

“Cara AG, fiquei muito sensibilizada com sua mensagem e oferta de tentar conseguir fundos para apoiar nosso trabalho.

Nós temos tentado por mais de 4 anos, sem sucesso, conseguir financiamento para os estudos pré-clínicos (com o STX3451). Temos procurando universidades, instituições nacionais (como o Instituto Nacional de Saúde e outras) e fontes privadas….

Acredito que esta droga poderá algum dia ser útil para reduzir a carga de tumores em pessoas com NF1 (e talvez em pessoas com NF2 como sugerem novos dados). Não vou desistir.

O US FDA (Federal Drug Administration of United States – semelhante à ANVISA no Brasil) exige que sejam feitos estudos sobre a de toxicidade de qualquer novo medicamento em animais antes dele ser experimentado em seres humanos. Este trabalho é muito caro… O custo mínimo é de 350 mil dólares (cerca de um milhão de reais) POR ANO.

Novamente eu agradeço seu apoio. É certamente reconfortante que temos pelo menos apoio moral para desenvolvermos estes medicamentos. ” Kate
Diante da resposta da Dra. Kate Barald, apesar de já ter imaginado que seria uma pesquisa cara, a nossa amiga de Portugal sentiu-se desmotivada diante dos custos que ela considerou enormes. Ela temeu que outras pessoas, ao saberem disso, percam as esperanças. Mas ela mesma levantou outras possibilidades:

“De qualquer forma, começo a acreditar que se não for a própria comunidade atingida pela NF a procurar e a contribuir para o financiamento deste tipo de estudo, ninguém mais o fará… Parece-me que neste momento não estão a decorrer estudos tão promissores quanto este, e que deveríamos assim investir aqui “as nossas fichas”… Talvez uma ideia (caso a Dr. Kate não consiga o financiamento) fosse lhe solicitar que criasse uma página de divulgação do estudo a pedir fundos, e todos nós a publicitássemos em todos os fóruns, páginas de facebook e blogues dedicados à NF…”

Compreendo o desânimo da AG diante da grande quantia de dinheiro necessária para realizar apenas um dos estudos científicos destinados a descobrir um tratamento para os neurofibromas. Para termos uma comparação, eu recebo do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) cerca de 12 mil reais por ano para todas as pesquisas com as quais eu trabalho atualmente, que são os estudos em neurofibromatoses e também outros em fisiologia do exercício, que é minha linha original como bolsista de pesquisa do CNPq muito antes de começar a trabalhar com as NF.

De fato, as pesquisas básicas, que são feitas em laboratórios com culturas de células e testes em animais, os testes pré-clínicos, são a parte mais cara das pesquisas para novos medicamentos. E como as pesquisas básicas ainda não apresentam garantia de sucesso (leia-se lucros para as empresas), são justamente aquelas que encontram mais dificuldade para encontrar financiamento.

Como já disse na semana passada, por causa deste enorme custo financeiro, os recursos públicos recolhidos por meio dos impostos cobrados dos cidadãos são aqueles que sustentam as pesquisas básicas. No entanto, os recursos públicos devem ser repartidos de acordo com critérios políticos entre todos que necessitam deles, incluindo os cientistas interessados nos mais diferentes assuntos.

Quando nossa leitora AG disse que deveríamos apostar todas as nossas fichas na pesquisa da Dra. Kate Barald, ela está usando um critério que nossa comunidade envolvida com as neurofibromatoses pode concordar imediatamente. No entanto, pesquisadores envolvidos com outras doenças, por exemplo em busca de uma vacina contra a Dengue, podem achar que o estudo que eles estão realizando seja muito mais prioritário do que reduzir os neurofibromas.

E quais são os critérios que regem as distribuições de recursos públicos? Como atuar sobre eles?

Falarei sobre isto amanhã.