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Diante do diagnóstico da doença genética e incurável de uma de nossas filhas, Thalma ouviu da amiga e pediatra Cleonice Mota que precisávamos manter a calma para podermos ajudar nossa menina. Apesar de não sermos culpados pela sua doença, éramos responsáveis pela sua vida. Não adiantaria fugirmos para Manchester ou Toronto, porque isso em nada mudaria a situação. Não havia cura, é verdade, mas havia tratamentos. Leia mais


Representei a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) no II Congresso Ibero-Americano de Doenças Raras em Brasília, onde realizei uma palestra sobre a rede humana necessária para o cuidado das pessoas com neurofibromatoses (ver aqui o resumo da palestra AQUI).

Primeiramente, quero parabenizar a equipe da Associação Maria Vitória de Doenças Raras (AMAVI) sob a liderança da sua presidente Lauda Santos, pelo excelente trabalho de programação, pela dedicação à causa e pela hospitalidade.

Acompanhei muitas das palestras e mesas redondas, que me permitiram aprendizados diversos sobre vários assuntos. Desde informações sobre as políticas públicas do Ministério da Saúde até os projetos empresariais para as doenças raras, além de informações sobre doenças raras que eu desconhecia completamente.

Entre minhas impressões, notei que uma das frases mais repetidas em todos os eventos sobre doenças raras é aquela que diz que, segundo as Organização Mundial de Saúde, já teriam sido identificadas cerca de 5 a 8 mil doenças raras e que cerca de 3 a 6% da população mundial seria afetada por doenças raras.

Parece-me que precisamos melhorar a precisão estatística desta informação, porque entre 5 e 8 mil doenças existe uma margem de erro de 60% e entre 3 e 6% de pessoas afetadas existe uma variação de 100%. Ou seja, esta imprecisão nos dados sobre as doenças raras enfraquece os argumentos dos defensores das pessoas afetadas, por exemplo, numa discussão de políticas públicas destinadas a elas. Por outro lado, temos que procurar saber se estes números têm sido inflacionados por interesses comerciais.

Assim, uma de nossas tarefas importantes para o futuro é dimensionarmos de forma realista o verdadeiro número de doenças raras e sua incidência na população.

Outra impressão que tive no Congresso foi a dominância dos temas discutidos em função dos medicamentos para algumas doenças raras. As palestras mais concorridas e com maior carga emocional envolvida foram aquelas que abordaram o fornecimento de alguns medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a liberação de medicamentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (AVISA) e os processos judiciais que as famílias têm realizado para obter determinados medicamentos (judicialização).

No entanto, sabemos que a grande maioria das doenças raras não possui ainda qualquer medicamento cientificamente comprovado e que deva ser ministrado às pessoas afetadas.

Esta imensa maioria de doenças raras precisa de outros recursos, especialmente a formação de equipes multidisciplinares que sejam capazes de fornecer o diagnóstico correto, aconselhamento genético, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, enfermagem, enfermagem, apoio psicológico e psicopedagógico.

Ou seja, a maioria das doenças raras necessita de uma tribo inteira de cuidadores para que a qualidade de vida das pessoas afetadas seja melhorada, mesmo que não haja cura para a doença. 

No entanto, a discussão sobre medicamentos abafa a criação desta rede pública de suporte às pessoas com doenças raras. Uma das consequências desta prioridade seletiva sobre medicamentos é que a estrutura multidisciplinar dos Centros de Referência em Doenças Raras que deveriam existir a partir da Portaria 199 do Ministério da Saúde de 2014 praticamente não saíram do papel.

E por que apenas algumas doenças raras recebem mais atenção do que a maioria das outras? Porque algumas delas já possuem medicamentos fabricados por laboratórios farmacêuticos que nos percebem apenas como um tipo de mercado de consumidores.

Esta postura empresarial em busca do lucro ficou explícita numa das palestras, a realizada pelo Dr. Fernando Ferrer da Multinational Partnerships, que terminou sua fala convidando os empresários multinacionais da indústria farmacêutica a investirem na América Latina, pois aqui seria uma excelente oportunidade de negócios no campo das doenças raras.

Creio que estas divergências nas doenças raras se encaixam na luta política entre o modelo de saúde pública (universal, para todos, e portanto estatal) e o outro de saúde privada (apenas para os que podem pagar).

Esta é a grande luta política sobre a saúde que ocorre neste momento em todo o mundo e, em particular, no Brasil, onde o governo Temer quer limitar os investimentos públicos em benefício da sociedade para maior lucro dos bancos e empresas multinacionais.