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“Queria esclarecer uma dúvida. Como as neurofibromatoses são causadas por mutações no cromossomo 17 e 22, é possível que ao longo da vida o DNA do portador pare de sofrer mutações ou sofra mutações ao ponto de produzir a merlina e neurofribromina, seja por fator biológico ou externo? ”

Caro CAA, obrigado pela sua pergunta.

Para responder, preciso distinguir o que é possível daquilo que é provável.

O possível se refere a coisas que podem acontecer sem levarmos em conta as suas chances reais de virem, de fato, a acontecer. Por exemplo, é possível ser sorteado na loteria.

O provável se refere às chances reais de algo vir a acontecer. Por exemplo, a chance de ser sorteado na loteria é muito pequena.

Vamos ver a seguir como isto se aplica às mutações nos genes da NF1 (O raciocínio seria semelhante para as mutações no gene NF2).

As mutações no gene NF1 ocorrem sem qualquer causa conhecida e ao acaso em cerca de uma vez em cada dez mil novos gametas (espermatozoides ou óvulos) que são produzidos (chamadas de mutações zigóticas). Assim, numa única ejaculação que contem em média 200 milhões de espermatozoides, qualquer homem sadio terá aproximadamente 20 mil espermatozoides com alguma mutação no gene NF1. (ver na figura a nova mutação em vermelho no espermatozoide)

Depois da fecundação com um espermatozoide (ou um óvulo) contendo esta nova mutação no gene NF1, todas as células do corpo do bebê conterão a mutação e por isso elas não produzirão quantidades adequadas (ou na forma correta) da proteína neurofibromina. Esta proteína é necessária para o desenvolvimento do embrião (especialmente do sistema nervoso), o que faz a doença NF1 se manifestar clinicamente (em vermelho em todas as células).

A criança assim formada possui em seu DNA do cromossomo 17 duas metades (alelos) que contém o gene NF1: um alelo paterno e outro materno. O alelo que contiver a mutação produzirá a neurofibromina defeituosa (ou não produzirá nenhuma neurofibromina). Assim, a criança conta apenas com metade da neurofibromina correta que é produzida no alelo sem a mutação no gene NF1.

A partir da formação do bebê, tanto nas crianças com NF1 quanto na população em geral, é possível ocorrer uma nova mutação no gene NF1 em alguma célula entre os trilhões de células que formam o nosso corpo (talvez com a mesma probabilidade das mutações nos gametas). Mas esta nova mutação não atingiria todo o corpo da pessoa e ficaria restrita àquelas células onde ela ocorreu (chamada de mutação pós-zigótica), por exemplo numa célula da pele.

Quanto mais cedo estas novas mutações ocorrerem, por exemplo durante a vida do embrião, maior a chance de acontecerem determinadas manifestações da NF1, por exemplo, neurofibromas plexiformes e displasias ósseas (ver segunda mutação em azul). Quanto mais tarde ocorrerem estas novas mutações, menores serão as suas consequências patológicas.

Uma das teorias que tentam explicar o aparecimento dos neurofibromas é justamente a ocorrência de uma nova mutação NO OUTRO ALELO, aquele que estava produzindo neurofibromina normalmente. A partir da segunda mutação (chamada de second hit) a célula passaria a não produzir nenhuma neurofibromina normalmente, o que desencadearia o crescimento do tumor.

No entanto, respondendo a sua pergunta, uma nova mutação que “corrigisse” a mutação patológica anterior, fazendo com que a célula voltasse a produzir neurofibromina adequadamente, parece-me teoricamente possível, mas altamente improvável. Além disso, se esta situação excepcionalíssima acontecesse, ficaria restrita àquela célula onde teria ocorrido este fenômeno, não se espalhando para o restante do corpo, ou seja, não haveria “cura” para a pessoa com NF1.

Em resumo, sabemos que podem ocorrer novas mutações aleatórias e patológicas no gene NF1 em quem não possui a NF1, sem consequências. Também podem ocorrer a segunda mutação em quem já possui uma primeira mutação, resultando nos sinais da doença. No entanto, acho praticamente impossível que novas mutações aleatórias depois da fecundação possam corrigir a mutação original, curando a doença.