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“Levei meu filho com NF1 num neurologista que avisou que se ele não operasse o glioma, meu filho iria morrer. Foi então que descobrimos em seu blog (AQUI) que os gliomas ópticos geralmente são mais benignos nas pessoas com NF1. Por que os neurocirurgiões nos assustam assim? ” JFC, de São Paulo, SP.

Caro JFC, obrigado pela sua pergunta. Proponho a você e aos leitores deste blog um esforço para tentarmos entender o cérebro dos neurocirurgiões. Para isso, vou comentar o que disse um dos mais famosos neurocirurgiões da Inglaterra, o Dr. Henry Marsh, num livro escrito por ele em 2014 chamado “Sem causar mal” (ver o livro AQUI).

O Dr. Henry Marsh operou milhares de pessoas ao longo de sua vida profissional, muitas delas com tumores no sistema nervoso, chamados de gliomas, meningiomas, neurinomas (hoje chamados de schwannomas) e astrocitomas.

Apesar destes tumores serem comuns na NF1 (gliomas/astrocitomas) e na NF2 (meningiomas e schwannomas), em nenhum momento o Dr. Marsh se refere às neurofibromatoses, o que me decepcionou um pouco, confesso, mas que já nos indica que ele, provavelmente, não dá muita importância às diferenças de comportamento (malignidade e mortalidade) destes tumores quando eles ocorrem nas pessoas com NF1 e NF2.

Aliás, ele escreveu o seguinte na página 156:

“Eu me lembro bem do David. A primeira vez que o operei fora doze anos (grifo meu) antes daquela ocasião, um tipo particular de tumor chamado astrocitoma de baixo grau no lobo temporal direito. São tumores no interior do próprio cérebro que crescem lentamente, inicialmente causando crises epilépticas ocasionais, mas após algum tempo acabam passando por uma transformação maligna e se tornam tumores de “alto grau”, conhecidos como glioblastomas, que inevitavelmente são fatais. … Os pacientes são na maioria adultos jovens que precisam aprender a conviver com uma lenta sentença de morte”. 


Em diversos momentos do seu livro o Dr. Henry repete sua percepção de que tumores cerebrais são verdadeiras condenações à morte. Isto deve ser verdade para os tumores que ele cita nas pessoas SEM NF1 ou NF2, mas absolutamente não é assim que acontece nas pessoas COM neurofibromatoses. E o famoso neurocirurgião inglês não parece fazer distinção entre elas, apesar de, certamente, ter estado em suas mãos competentes tecnicamente muitos pacientes com NF.

Possivelmente, no Brasil, muitos médicos pensam da mesma maneira que o Dr. Henry Marsh e vão pensar que todo tumor cerebral deve ser operado. Tumores cerebrais correspondem a uma sentença de morte, mesmo que o paciente já tenha sobrevivido doze anos, como o David com astrocitoma citado por ele.

É importante lembrar que em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais nós temos acompanhado diversas pessoas com NF1 com tumores que permanecem estáveis por dezenas de anos, com poucos ou nenhum sintoma.

Parece-me que o Dr. Henry Marsh tem muitos fãs em todo o mundo, mas seu livro é uma demonstração típica do médico que é obrigado a mergulhar profundamente nas questões técnicas e acaba perdendo a visão de conjunto das condições sociais da medicina contemporânea, como bem analisou o Dr. Ricardo de Menezes Macedo (ver aqui).

Na sua crítica um tanto arrogante ao sistema de saúde pública da Inglaterra (parecido ao nosso Sistema Único de Saúde em muitos aspectos) ele reclama da perda de autonomia do médico, porque agora ele tem que dar satisfações aos chefes que não são médicos e respeitar as enfermeiras, assim como cumprir muitas normas (feitas para todos!). 

Aliás, o filme inglês recentemente lançado nos cinemas chamado “Eu, Daniel Blake” nos apresenta uma visão crítica da burocracia e do descaso do capitalismo para com as pessoas mais pobres, culpando-as pela sua própria pobreza e miséria.

Dr. Marsh, como muitos de nós, não consegue ver o quanto a normatização da profissão médica decorre do imenso aumento dos conhecimentos médicos, da complexidade do atendimento das grandes populações e da necessidade de ganhos na produtividade no sistema capitalista.

Mas há lições interessantes em seu livro. Uma delas é que os médicos precisam passar por um problema de saúde pessoal ou familiar para começarem a compreender o sofrimento de seus pacientes e assim causarmos menos mal às pessoas.

Como prometido ontem, dou início hoje à REVISÃO DO MÊS, que será sempre uma revisão científica recente sobre as NF. 


Esta primeira revisão foi escrita pelos médicos Jaishri Blakeley e Scott Plotkin, da Faculdade de Medicina de Harvard, e  publicada em maio de 2016 na revista Neuro-Oncology (ver aqui link para o ARTIGO COMPLETO completo em inglês).

Os autores iniciam sua revisão afirmando que as neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) são doenças raras que possuem em comum o fato de serem propensas à formação de tumores. Isto porque as NF resultam de alterações (mutações) nos genes que codificam proteínas que regulam o crescimento das células.

Costumo imaginar que um gene é como uma senha, destas que usamos em cartões de crédito, só que seria uma senha gigantesca, formada por milhares de letras em sequência. Basta errarmos uma letra em nossa senha e nosso cartão não é reconhecido; da mesma forma, uma mutação genética é a troca de uma ou mais letras no gene e por isso ele não funciona corretamente na hora de formar a proteína correspondente.

Nas NF, o gene que deveria produzir uma proteína controladora do crescimento celular apresenta uma mutação, então o resultado é que as células podem crescer de forma descontrolada, ou seja, podem formar tumores.

Todas as pessoas com NF nascem com a mutação genética em apenas um dos alelos (na metade do cromossomo herdada do pai ou na metade herdada da mãe). Quando ocorre a mutação na outra metade do cromossomo numa determinada célula, aquela célula pode começar a se multiplicar indefinidamente, ou seja, ela se torna potencialmente formadora de um tumor.

Se os tumores forem formados por células normais, apenas em maior número do que o esperado, eles são chamados de “benignos” (embora este termo não represente o impacto do tumor sobre a expectativa ou qualidade de vida da pessoa). Se as células apresentarem estrutura anormal, os tumores são considerados “malignos” (aqui, sim, o termo corresponde a um risco para a vida da pessoa).

A grande maioria dos tumores nas NF são do tipo benigno, embora haja uma possibilidade de transformação para o tipo maligno em alguns deles, especialmente na NF1. No entanto, mesmo sendo em sua maioria benignos, os tumores nas NF são tumores formados em tecidos relacionados com o sistema nervoso, podendo afetar as funções neurológicas, causando limitações à vida. Por isso, o tratamento das NF constitui um desafio único para os especialistas em oncologia.

Os autores declaram que conhecer os mecanismos celulares dos tumores nas NF, especialmente a NF1, poderia ajudar a compreender outros tipos de cânceres que apresentam problemas em comum. Por exemplo, a maioria dos tumores sólidos (da mama, tireoide, próstata, colo, reto, pulmão e cérebro) apresentam a mesma hiperatividade celular da NF1 numa etapa chamada RAS.

Além disso, mutações no gene NF1 estão relacionadas a diversos tumores encontrados em pessoas sem NF1 (glioblastoma, leucemia mielomonocítica juvenil, melanoma neurotrófico, tumor do estroma gástrico, feocromocitoma, adenocarcinoma primário pulmonar, câncer de mama e de ovário).

Os tumores encontrados nas NF correspondem à metade de todos os tumores do sistema nervoso diagnosticados em todo o mundo, afetando milhões de pessoas, e para os quais ainda não temos tratamentos aprovados.

A identificação dos genes relacionados com as NF (NF1, NF2, LZTR1 e SMARCB1) permite agora a identificação do local exato onde ocorre a desregulação do controle celular, o que abre novas portas para as tentativas de tratamento. Ou seja, sabendo-se em qual etapa do processo de reprodução celular se encontra o problema, pode-se tentar drogas específicas para reparar aquele mecanismo celular.

Além dos possíveis benefícios resultantes destes novos tratamentos para as pessoas com NF, outros milhões de outras pessoas com aqueles cânceres que possuem semelhanças com os tumores da NF também poderão ser beneficiadas.

Amanhã continuo esta REVISÃO DO MÊS com novas informações sobre as NF.

“Sou mãe de um jovem de 23 anos que possui neurofibromatose.
Aos 12 anos teve que passar por uma cirurgia para retirar um tumor que crescia muito rápido e estava alojado na parte direita do crânio. Deste então fazemos ressonância e exames diversos com receio. Contudo e apesar de todo o cuidado, recentemente tendo que retirar o dente do siso, perceberam que havia algo errado, procuramos um cirurgião buco maxilar que através de exames nos alertou que Lucas tem um tumor alojado na parte de baixo do maxilar. E isso não é novo, disseram eles, apesar de não conseguir mensurar. Toda a parte óssea está comprometida e sempre que procuramos uma especialista nada de concreto nos falam, preciso de ajuda pois alguns dizem que tem que mexer, outros dizem que melhor não mexer. Ajude-me por favor.” E, de local indeterminado.

Cara E. Obrigado pela confiança. Compreendo sua angústia, mas procure manter a calma para poder ajudar seu filho. Tentei responder seu e-mail diretamente para você, mas como ele retornou, farei alguns comentários publicamente. Espero que você os veja.

Como não examinei seu filho pessoalmente, não posso afirmar nada sobre ele diretamente. Assim, estamos à sua disposição para vê-lo pelo SUS no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Basta ligar e agendar: (31) 3409 9560 ou enviar um e-mail para adermato@hc.ufmg.br . Não esqueça de trazer o cartão do SUS na primeira consulta.

O que eu posso fazer hoje neste blog é dar algumas informações gerais, as quais podem ou não ser úteis no caso de seu filho, mas que nos ajudam a pensar de um modo mais organizado sobre as neurofibromatoses. Leve estas informações ao (à) médico (a) que está cuidando dele.

Você diz que ele tem neurofibromatose, mas não posso saber com segurança qual tipo: tipo 1 ou tipo 2? Porque ambos os tipos podem causar tumores no cérebro (astrocitomas na NF1 e meningiomas e schwannomas na NF2).

Como você disse a palavra “crânio”, tanto na NF2 quanto na NF1 podemos encontrar tumores na parte interna ou na externa da cabeça. Na NF1, os tumores internos geralmente são astrocitomas (chamados de gliomas) e na parte externa geralmente são neurofibromas. Na NF2, os tumores mais comuns na parte interna são os schwannomas (no nervo vestibular) e os meningiomas. Na parte externa, na NF2 também podemos encontrar schwannomas.

Você teria algum laudo de biópsia daquele tumor que foi retirado aos 12 anos de idade? Isto nos ajudaria muito.

Por falar em 12 anos, naquela idade é pouco comum a manifestação da NF2, portanto, minha tendência é pensar que seu filho teria a NF1 e o tumor operado teria sido um glioma.

Estes tumores na NF1, os gliomas, apresentam uma evolução muito benigna e geralmente não produzem danos, podendo ser observados ao longo da vida. Em nosso Centro de Referência, seguindo os padrões internacionais de tratamento das neurofibromatoses, nós raramente indicamos quimioterapia, rarissimamente indicamos cirurgia e NUNCA indicamos radioterapia para estes gliomas que acontecem na NF1.

Imaginando que seu filho tenha NF1, o tumor percebido na região da boca poderia ser um neurofibroma chamado plexiforme, que também é um tumor benigno e que costuma estar presente desde a vida intrauterina.

Em 85% das vezes, estes tumores não se transformam em malignos, mas numa pequena parte deles sim, e esta transformação pode ser anunciada por dor persistente e forte, associada a crescimento e endurecimento do tumor. Por isso ficamos atentos aos plexiformes, especialmente aqueles muito grandes e profundos.

Veja neste blog, na caixa ao lado de busca de assuntos, outras informações importantes sobre o tratamento dos plexiformes.

Até segunda feira.










A partir desta quarta-feira, estarei no Congresso Brasileiro de Oncologia, em Foz do Iguaçu, onde farei uma palestra sobre rastreamento de tumores nas neurofibromatoses. Apresentarei o texto abaixo, escrito em colaboração com Nilton, Luíza e Juliana.

Até a próxima segunda.

Rastreamento ou vigilância de tumores nas neurofibromatoses?
Luiz Oswaldo C Rodrigues
Com a colaboração de
Luíza de Oliveira Rodrigues
Juliana Ferreira de Souza
Nilton Alves de Rezende
Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas
Universidade Federal de Minas Gerais
2015-10-23
Introdução
Aceitei com grande satisfação o convite para realizar esta palestra no Congresso Brasileiro de Oncologia, em Foz do Iguaçu em novembro de 2015, porque para nós, que trabalhamos com as diversas formas de neurofibromatoses, os oncologistas são profissionais fundamentais no manejo clínico deste grupo de doenças genéticas raras.
Com grande probabilidade, apenas entre os brasileiros, metade das 60 mil pessoas com Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1) e a maioria das pessoas com Neurofibromatose do Tipo 2 (NF2) e Schwannomatose em algum momento de suas vidas necessitam dos conhecimentos da oncologia para enfrentarem a sua doença.
Para esta palestra, foi proposto o título: “Rastreamento de tumores nas neurofibromatoses”. Como clínico geral, tentarei aplicar às NF aquilo que entendi como o conceito de rastreamento empregado pelos oncologistas e em seguida sugerir algumas especificidades para as doenças com as quais trabalhamos no nosso CRNF.
Rastreamento
Parece-me que o termo rastreamento seriam os esforços realizados na tentativa de identificar tumores suficientemente prevalentes numa determinada população, os quais seriam capazes de causar danos à saúde ou ameaçar a vida caso não sejam precocemente diagnosticados. Além disso, devem ser tumores assintomáticos, mas que, uma vez identificados, possam ser tratados de forma relativamente eficiente, melhorando a qualidade de vida ou a sobrevida das pessoas portadoras do tumor rastreado. Todo este esforço deve apresentar uma relação custo/benefício favorável às pessoas submetidas ao rastreamento, em termos de riscos colaterais e financeiros.
Compreendemos que o termo “rastreamento”, portanto, aplica-se adequadamente a muitos dos tumores que são objeto da atenção dos oncologistas: ou seja, encontrar tais tumores e tratá-los cirurgicamente ou por meio da quimioterapia.
No entanto, nas pessoas com neurofibromatoses precisamos adaptar este conceito de rastreamento, porque: a prevalência de tumores na NF é naturalmente alta; o comportamento natural da maioria deles é benigno; os tumores podem ser sintomáticos ou não; nem sempre há tratamentos disponíveis ou não são necessários para os tumores encontrados; e quando estamos diante de tumores mais agressivos os tratamentos disponíveis não parecem mudar o curso da doença.
Observamos assim que a disposição predominante entre os especialistas em NF diante dos tumores encontrados é mais conservadora, de espera atenta (“watchful waiting”) e principalmente orientada pelos aspectos funcionais e pela qualidade de vida das pessoas com NF.
Isto porque em todas as três formas de NF, além da maioria dos tumores se comportar de forma benigna, sua evolução é imprevisível ao longo da vida. Nas NF, há tumores congênitos e assintomáticos, há aqueles que permanecem décadas sem qualquer manifestação, há aqueles que crescem por algum tempo e se estabilizam por períodos indeterminados, há alguns que regridem espontaneamente sem qualquer tratamento, mas há também uma parte deles que se torna maligna por causas ainda desconhecidas.
Tumores mais comuns nas NF
Os principais e mais comuns tumores nas NF são: neurofibromas e gliomas ópticos na Neurofibromatose do tipo 1 (NF1); schwannomas vestibulares e meningiomas na Neurofibromatose do tipo 2 (NF2); e schwannomas dolorosos na Schwannomatose (SCH).
Na NF1, a maioria dos tumores (85% das pessoas os possuem) é formada por neurofibromas cutâneos que crescem lentamente e que precisam ser removidos apenas por razões estéticas, pois jamais se tornam malignos ou ameaçam a vida.
Também na NF1, cerca de 30 a 50% das pessoas têm neurofibromas plexiformes, que são congênitos e histologicamente benignos, mas que podem causar deformidades. Os plexiformes, assim como os cutâneos, podem exigir correção cirúrgica estética ou funcional, e sempre que possível devem ser retirados, mesmo quando benignos.
Uma parte dos plexiformes (10 a 20%) se transforma em tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP), que são agressivos e de difícil tratamento. A maior parte dos estudos sobre tratamentos do TMBNP constitui-se de séries de casos, nos quais a sobrevida de 5 anos está em torno de 30%. Assim, a atenção sobre estes tumores concentra-se na identificação de sinais e sintomas precoces que sejam sugestivos de sua possível malignização, como veremos adiante.
Os gliomas ópticos nas pessoas com NF1 são astrocitomas pilocíticos grau I (WHO) e acometem cerca de 15% das pessoas com NF1, mas 85% deles não produzem quaisquer sintomas e requerem apenas acompanhamento clínico. Mesmo os gliomas ópticos que afetam a visão não parecem ser reduzidos pelos tratamentos quimioterápicos atuais nas pessoas com NF1, sendo, portanto, preferível uma atitude mais conservadora e voltada para os aspectos funcionais e não para o tamanho dos tumores. Apenas uma minoria dos gliomas ópticos na NF1 (1,5%) requer abordagens mais agressivas (cirurgia e/ou quimioterapia).
Na NF2, a qualidade de vida e os aspectos funcionais da audição e equilíbrio são os fatores determinantes do momento mais adequado para a tentativa cirúrgica de redução dos schwannomas vestibulares bilaterais (SVB) quando apresentarem aumento na sua velocidade de crescimento. A abordagem cirúrgica deve ser conservadora, buscando-se a redução do tamanho dos SVB muito mais do que a remoção completa do tumor, para se evitar danos colaterais sobre outros nervos cranianos, como o facial e o ramo do próprio oitavo par condutor da audição.
Também na NF2, apenas 40% dos meningiomas apresentam sintomas suficientes para a sua remoção cirúrgica. No momento, ainda não dispomos de tratamentos medicamentosos comprovados tanto para os SVB como para os meningiomas, apesar de alguns estudos em andamento estarem avaliando os efeitos do bevacizumabe sobre os SVB, cujas respostas preliminares ainda não são animadoras. [i]
As pessoas acometidas pela forma mais rara de neurofibromatose, a Schwannomatose, podem apresentar múltiplos schwannomas (exceto vestibulares), dos quais um ou mais pode se tornar doloroso, momento em que está indicada a sua remoção cirúrgica, quando possível.  Caso não seja possível sua exérese, existe a opção medicamentosa para o tratamento da dor neuropática.
Princípios fundamentais nas NF
Portanto, podemos compreender que uma regra fundamental nas NF é NÃO SE DEVE RETIRAR OU TRATAR UM TUMOR APENAS PORQUE ELE FOI ENCONTRADO.
Outra postura importante diante de uma pessoa com NF é reconhecermos que apesar de não haver CURA para este grupo de doenças, há diversos TRATAMENTOS E CONDUTAS que melhoram a qualidade e aumentam a expectativa de vida das pessoas acometidas.
Diagnóstico diferencial entre NF1, NF2 e Schwannomatose
A primeira conduta IMPORTANTE é realizar o diagnóstico diferencial entre as três formas: NF1, NF2 e Schwannomatose, para que possamos buscar a presença dos tumores mais comuns em cada uma delas. A identificação adequada do tipo de NF evita que as pessoas a procurem neurofibromas na NF2 ou schwannomas na NF1, o que pode prejudicar os tratamentos.
Realizado o diagnóstico com segurança, o passo seguinte é a identificação dos tumores mais comuns em cada um dos tipos de NF: neurofibromas e gliomas ópticos na NF1, schwannomas vestibulares e meningiomas na NF2 e schwannomas dolorosos na SCH.
Em seguida, devemos avaliar a repercussão clínica e funcional dos tumores. Sugerimos a consulta aos fluxogramas que nos orientam sobre cada um dos principais tumores em cada uma das NF e que estão detalhados e disponíveis em nossa publicação recente no periódico Arquivos de Neuropsiquiatria, de 2015. [1]
Condutas em comum nas NF
A avaliação clínica cuidadosa e anual, acompanhada dos estudos de imagem quando necessários, constituem as ferramentas indispensáveis para o bom acompanhamento dos tumores em todas as formas de NF.
Os estudos de imagem nas NF são preferencialmente realizados com ressonância magnética, mas ocasionalmente a tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET CT) pode ser necessária na NF1.
É preciso salientar que a PET CT com 18FDG constitui um avanço na diferenciação entre neurofibromas benignos e TMBNP na NF1. Num estudo recente[2], numa série de 42 pessoas com NF1 em nosso ambulatório, a utilização de indicadores quantitativos, semi-quantitativos e qualitativos na avaliação de neurofibromas (geralmente plexiformes ou profundos e mais volumosos) aumentou a sensibilidade para 91%, a especificidade para 90% e o valor preditivo positivo para 98% e o valor preditivo negativo para 69% para a transformação maligna, o que nos tem ajudado imensamente nas condutas terapêuticas.
Tanto na NF1 quanto na NF2 encontramos mais raramente outros tumores, além daqueles expostos acima, que são mais frequentes do que na população em geral, como epiteliomas e astrocitomas encontrados em maior frequência na NF2 e que necessitam de abordagem específica, caso a caso.
Alguns deles necessitam da avaliação de profissionais com experiência no seu tratamento específico e as condutas não diferem daquelas tomadas para indivíduos sem as NF. Por exemplo, 1% das pessoas com NF1 apresentam feocromocitomas, que precisam ser urgentemente tratados dentro dos rígidos protocolos destinados às pessoas sem NF1.
Em pessoas com NF1, o câncer de mama (4 a 6 vezes mais comum nas mulheres com NF1 entre 30 e 50 anos de idade), o tumor sólido gastrointestinal (GIST) em adultos e a leucemia mieloide em crianças são mais prevalentes do que na população em geral, o que nos impõe avaliações regulares para sua detecção precoce.
Outro aspecto a ser considerado na conduta diante dos tumores na NF é o tipo de alteração genética (genótipo) que pode estar relacionado com a gravidade geral do quadro (fenótipo). Por exemplo, numa pessoa com NF1 e com suspeita de deleção do gene, devemos aumentar nossa vigilância sobre os plexiformes, neurofibromas espinhais e profundos por causa de sua maior propensão para a malignização.
Também na NF1, as meninas com glioma óptico parecem evoluir de forma mais grave do que os meninos com NF1 e o mesmo tumor.
No mesmo sentido, na NF2 esperamos mais sintomas e evolução menos favorável dos schwannomas vestibulares e meningiomas quando estamos diante de uma pessoa com a forma sistêmica (herdada ou resultante de mutação em célula germinativa) do que diante de uma pessoa com a forma segmentar (ou em mozaicismo).
Conclusão
As neurofibromatoses exigem de nós, especialistas e oncologistas, a postura de vigilância e acompanhamento diante da evolução imprevisível e um pouco diferente dos seus tumores.
As NF nos fazem reformular aquele conhecido pensamento: que tenhamos recursos para identificar e tratar o que deve ser tratado, que tenhamos capacidade de melhorar e acompanhar o que não deve (ou não pode) ser tratado e que tenhamos sabedoria para distinguir uma coisa da outra.


[2]Hérika Martins Mendes Vasconcelos, 2015. Uso do 18F-FDG PET/CT na suspeita de transformação maligna em indivíduos com Neurofibromatose do tipo 1. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Medicina Nuclear da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.


[i] Bevacizumabe na NF2A indicação de bevacizumabe vem aumentando e parece-me predominantemente baseada numa revisão feita pelo grupo do Dr. Plotkin, de Boston, Estados Unidos (ver aqui  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22805104 ).
Em 2012, eles reviram um total de 31 pessoas com NF2 e schwannomas vestibulares que receberam bevacizumabe como opção de tratamento. Vejamos abaixo algumas características das pessoas tratadas, as quais receberam o medicamento durante cerca de 14 meses (6 meses o tratamento mais curto e 41 meses o mais longo).
A idade mediana das pessoas foi de 26 anos, no entanto, havia pessoas de 17 e de 73 anos, o que me deixa um pouco na dúvida se haveria entre elas algumas pessoas com schwannomas vestibulares, mas sem NF2.
A taxa média anual de crescimento dos tumores antes do bevacizumabe era de 64% de aumento, ou seja, um tumor de 2 cm havia passado para um pouco mais de 3 cm em um ano.
Depois de pelo menos 3 meses de tratamento com o bevacizumabe, a melhora na audição aconteceu em 13 de 23 pessoas (57%), ou seja, antes de começar o tratamento a chance do bevacizumabe funcionar seria mais ou menos como jogar uma moeda para cima e escolher cara ou coroa.
Da mesma forma, a redução (20%) do tamanho dos schwannomas na ressonância magnética aconteceu em 17 de 31 pessoas (55%), ou seja, antes do tratamento temos a metade da chance de dar certo.
Mesmo assim, a pequena redução do volume (20%) pareceu mais relacionada com o edema (líquidos ao redor do tumor) do que com a diminuição da parte sólida do schwannoma.
Depois de um ano do tratamento, 90% das pessoas tratadas permanecia com a audição estável. Não entendi bem como compararam com a possibilidade de, se não fossem tratadas, como estaria a audição?
Segundo os autores da pesquisa, o medicamento havia sido “bem tolerado” pelas pessoas.
No entanto, o tratamento com o bevacizumabe não é simples e seus efeitos colaterais podem ser importantes. Por isso, por exemplo, na Inglaterra, duas equipes médicas independentes entre si devem atestar que a pessoa precisa do tratamento com bevacizumabe para que ele seja iniciado.
O bevacizumabe deve ser administrado às pessoas por infusão venosa a cada 15 dias em ambiente hospitalar, o procedimento dura algumas horas e não pode ser dado a pessoas um mês antes ou depois de uma cirurgia ou durante a gravidez e amamentação.
A ressonância magnética do cérebro deve ser repetida a cada 3 meses para controle.
Dias ou semanas depois de iniciado o tratamento podem acontecer quaisquer destes sinais e sintomas: náuseas, febre, alergia cutânea, inchação dos lábios e obstrução da garganta, falta de ar, tontura, tosse contínua, dor no peito e em diversas partes do corpo, fadiga geral, perda do apetite, diarreia ou constipação, aumento da pressão arterial, úlceras na boca, dificuldade de cicatrização, sangramento, embolia pulmonar, baixa resistência às infecções, insuficiência cardíaca, problema no funcionamento renal e infertilidade.
A minha conclusão é que, infelizmente, o bevacizumabe ainda não é uma BOA opção de tratamento. Por enquanto, creio que devemos seguir o tratamento padrão (ver o post de ontem) e torcer para que outra alternativa melhor seja descoberta.
Outras informações podem ser obtidas em inglês sobre schwannomas ( http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4518745/pdf/jmedgenet-2015-103050.pdf ) e ineficácia do bevacizumabe em diminuir os meningiomas (ver aqui, em inglês outro artigo  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3605344/ ) em pessoas com NF2.