Temos atendido crianças com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) que também nos chegam com o diagnóstico de Transtorno no Espectro do Autismo (TEA) em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

As famílias querem saber se devem tratar suas crianças como TEA ou não. 

Temos respondido que as pessoas com NF1 podem apresentar sintomas parecidos com os sintomas do TEA, mas que estes sintomas são causados pelo desenvolvimento inadequado do sistema nervoso.

Alguns problemas cognitivos acontecem porque a variante genética que ocorreu no DNA produz deficiência de uma proteína (chamada neurofibromina), a qual é fundamental para o desenvolvimento neurológico especialmente na vida intrauterina (ver revisão de 2022 sobre este tema clicando aqui – em inglês). 

Nossa opinião tem sido que a maioria destas pessoas com NF1 tem sintomas parecidos com TEA, mas não possuem TEA.

Um estudo científico publicado em 2020 (ver abaixo), reforça nossa opinião, embora apresente limitações (ver abaixo).

O estudo sugere que:

 

  • Não houve mais diagnóstico de TEA em pessoas com NF1 do que na população em geral (cerca de 2%).

 

(Notar que o diagnóstico de TEA foi relatado a partir dos registros médicos e a população comparada foi a dos Estados Unidos)

 

  1. Alguns sintomas de TEA estavam presentes em pessoas com NF1, mas não eram suficientes para o diagnóstico de TEA por meio de testes validados para a pesquisa de autismo.

(Ou seja, as crianças com NF1 pontuaram nestes testes um pouco mais do que as crianças sem NF1 e sem TEA)

 

  1. A presença do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em pessoas com NF1 pode explicar uma certa confusão entre os diagnósticos de NF1 e TEA 

(Quando estes diagnósticos são feitos por meio de questionários respondidos por pais e professores, alguns sintomas do TDAH se assemelham a alguns sintomas de TEA e podem gerar falsos diagnósticos de TEA)

 

  1. Os comportamentos das crianças com NF1 mostraram uma socialização normal, apesar da menor capacidade de comunicação.

O estudo foi realizado em Portland (Oregon, Estados Unidos) e intitulado “Transtornos do Autismo e do Déficit de Atenção e Hiperatividade e sintomas em crianças com Neurofibromatose do Tipo 1” e publicado por Hadley Moroti e colaboradores, um grupo de especialistas em psicologia, psiquiatria e desenvolvimento infantil, na revista científica Developmental Medicine & Neurology (ver aqui o artigo completo – em inglês).

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

A equipe de cientistas reconhece que algumas características do estudo limitam a capacidade de extrair conclusões definitivas sobre o assunto, uma vez que o mesmo foi feito com poucas pessoas com NF1 (apenas 45 pessoas examinadas diretamente) e sem acompanhamento ao longo do tempo.

Além disso, a equipe não possuía informações clínicas sobre as variantes genéticas e a gravidade da NF1 nas crianças avaliadas.  

Finalmente, foram avaliadas apenas crianças na idade escolar, portanto, os resultados podem não se aplicar a adolescentes e adultos com NF1.

 

Apesar de suas limitações, o estudo traz outras informações importantes sobre este tema, as quais resumirei a seguir.

 

TEA É MAIS COMUM DO QUE NF1

A equipe de cientistas lembra que na população em geral a NF1 é considerada uma doença rara (1 em cada 3000 crianças). Por outro lado, quando o TEA é diagnosticado por especialistas (e não por pais ou professores), sua incidência é de cerca de 1 em cada 50 pessoas (1 a 2%), ou seja, o TEA é 60 vezes mais comum do que a NF1

 

CAUSAS DA NF1 E DO TEA

A NF1 é uma doença de causa bem conhecida, provocada por variantes genéticas patogênicas no gene NF1, que alteram a produção de uma proteína (neurofibromina), a qual regula o crescimento dos tecidos, especialmente o sistema nervoso. A deficiência da neurofibromina produz diversos problemas no desenvolvimento neurológico.

O TEA parece ter causas genéticas (90% – com variantes localizadas em múltiplos genes) e ambientais (ver artigo interessante e bastante compreensível do Dr. Dráuzio Varela sobre as causas do TEA, clicando aqui). A explicação mais aceita é de que variantes genéticas patogênicas em genes responsáveis pela produção de algumas proteínas dos neurônios afetariam o aprendizado, a linguagem, a comunicação social e a memória.

Mas o gene da NF1 não parece estar entre os genes causadores do TEA. 

 

SINTOMAS PARECIDOS

A NF1 pode causar problemas no desenvolvimento cognitivo, dificuldades de aprendizado, atraso motor, limitação das habilidades sociais, descontrole emocional, ansiedade e sintomas de desatenção e hiperatividade.

Estes mesmos problemas e sintomas também podem ocorrer em crianças diagnosticadas com TEA. Por isso, alguns estudos anteriores, realizados com critérios diagnósticos de TEA menos rigorosos (baseados apenas nos relatos de pais e professores), mostraram que cerca de metade das crianças com NF1 teriam TEA (ver aqui o estudo realizado na Inglaterra em 2013). 

Sabendo que o TEA é 60 vezes mais comum do que a NF1, é possível que as famílias, escolas e profissionais da saúde estejam mais familiarizados com o TEA do que com a NF1. Então, é mais comum enquadrar os problemas cognitivos, comportamentais, motores e sociais das crianças com NF1 no TEA, do que reconhecer que são problemas causados pela própria NF1 e não pelo TEA. 

Além disso, têm sido propagados tratamentos para os sintomas do TEA (que ainda precisam ser comprovados:  ver aqui – em inglês), mas ainda não existem tratamentos propostos para os transtornos cognitivos específicos para a NF1. 

Assim, o diagnóstico do TEA acaba por se tornar aparentemente mais útil para as famílias com NF1 do que o diagnóstico da própria NF1. Porque as famílias e os profissionais da saúde ficam com a impressão de que poderemos oferecer mais recursos de tratamento para o TEA, mas não para a NF1. 

 

SINTOMAS DE TDAH PODEM PARECER TEA

Este estudo também sugere que o diagnóstico de TDAH foi mais comum (8,8%) nas pessoas com NF1 do que na população em geral (5%).

Vários comportamentos do TDAH podem se assemelhar a comportamentos de crianças com TEA, assim, a maior presença de TDAH entre pessoas com NF1 (do que na população em geral) pode induzir ao falso diagnóstico de TEA nelas.

Para conhecer melhor os sintomas de TDAH visite nossa cartilha sobre dificuldades cognitivas nas pessoas com NF1 clicando aqui

 

CONCLUSÃO

Diante de uma pessoa com diagnóstico de NF1 e com problemas cognitivos e/ou comportamentais, devemos procurar a ajuda de especialistas na psicologia e psiquiatria que possam realizar com segurança a distinção entre TEA ou TDAH.

Achamos que será útil levar ao/a profissional que irá avaliar a criança com NF1 os resultados encontrados neste estudo que acabamos de comentar.

Mas, independentemente da criança com NF1 ter ou não o TEA, se ela apresentar problemas e sintomas que prejudiquem seu desenvolvimento e sua socialização, há diversas maneiras de ajudá-la.

Ela precisa contar com o investimento amoroso  e paciente de sua família, sua escola, sua comunidade de forma geral, e sua rede de profissionais da saúde, que devem estar bem informados e integrados entre si.

 

A redação deste documento foi feita pelo Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr. Lor) e pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues e contou com a aprovação do Dr. Nilton Alves de Rezende e do Dr. Renato de Souza Viana.

Setembro 2022

 

 

 

 

 

 

 

No último sábado (24 de setembro de 2022) a nossa Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatose completou 20 anos de atividades.

Realizamos um excelente encontro presencial, o primeiro desde o começo da pandemia de COVID, no Parque Lagoa do Nado, na Região da Pampulha em Belo Horizonte.

O encontro começou com as palavras de boas vindas de nossa Presidenta Adriana Venuto. Ela lembrou diversas realizações da AMANF nestes 20 anos, destacando com alegria o surgimento de novas lideranças que estão assumindo o trabalho das pessoas fundadoras e das pioneiras, muitas delas já de saudosa memória, como Dona Mônica Bueno, André Belo e Paulo Couto. Adriana se disse emocionada por termos conseguido realizar uma festa tão bonita e acolhedora, com mais de 40 pessoas participando.

Em seguida, o casal Maria Danuzia Ribas e Hamilton Ribas entregou, em nome da AMANF, o troféu Mônica Bueno ao Professor e médico Nilton Alves de Rezende, em agradecimento pelos seus enormes serviços prestados à comunidade NF nestes 20 anos. O texto do discurso lido pelo Hamilton, em nome da diretoria já se encontra na página permanente dos homenageados (basta clicar aqui).

Dr. Nilton agradeceu a homenagem e lembrou fatos muito importantes nestes 20 anos, que foram fundamentais para a continuidade da existência da AMANF, como a criação do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele afirmou que, apesar de independentes, a Amanf não existiria até hoje sem o CRNF e nem o CRNF existiria sem a AMANF.

Dr. Nilton também lembrou emocionado todes estudantes de graduação e pós graduação de diversas áreas da saúde (fonoaudiologia, medicina, psicologia, enfermagem, fisioterapia e educação física) que já passaram pelo CRNF e deixaram sua contribuição para a melhora dos conhecimentos científicos sobre as neurofibromatoses. Agradeceu também o trabalho clínico no CRNF que vem sendo realizado pelas médicas Juliana Ferreira de Souza e Luíza de Oliveira Rodrigues e pelos médicos Bruno Cezar Lage Cota e Renato de Souza Viana.

Em seguida, numa surpresa organizada pela diretoria sem o conhecimento do Dr. Lor, o Pedro Henrique Rodrigues Vieira leu uma carta dirigida ao Dr. Lor e, junto com sua mãe Maria Helena Rodrigues Vieira, entregaram para o Dr. Lor também um Troféu Mônica Bueno (veja aqui a mensagem da Maria Helena e Pedro). Dr. Lor, emocionado e surpreendido, agradeceu a homenagem e lembrou que o começo é sempre difícil para todas as famílias quando recebem o diagnóstico de uma pessoa com NF, e muitas vezes são as mães que assumem sozinhas o cuidado com as suas crianças doentes. Por isso, Dr. Lor repartiu com a sua esposa Thalma a homenagem que estava recebendo, pois, além de participar da AMANF desde o começo com apoio e sugestões permanentes, segundo ele, foi Thalma quem realmente cuidou da Maria Helena, desde quando era pequena até ela ficar adulta, e que ele somente veio a assumir a doença da filha há apenas há 20 anos. Thalma respondeu dizendo que então os próximos 20 anos de cuidados ela poderá repartir com Dr. Lor o cuidado futuro com a sua filha.

Em seguida, na palavra livre, o casal Ladislau e Socorro lembraram a ausência de seu filho Victor, falecido de complicações da NF1 há 7 anos, que adorava as reuniões da AMANF. Ladislau sugeriu que os nomes das pessoas da Amanf que já faleceram deveriam constar como homenagem das próximas edições da cartilha da Mariana. Dr. Lor concordou e disse que já há uma seção em nossa página na internet com homenagem às pessoas falecidas, inclusive ao Victor (ler aqui).

Encerradas as falas, iniciou-se o lanche oferecido pela AMANF, com a entrega de camisetas como lembranças do nosso encontro. As camisetas contêm os lindos desenhos de duas jovens artistas Catarina Venuto e Luiza Rezende, queridas associadas da AMANF.

O encontro encerrou-se com a promessa de que retornaremos aos encontros presenciais, pois eles é que nos fazem realmente sentir que somos muites, mas cada pessoa é indispensável!

 

 

 

 

Doutor, meu menino Maicon, de 3 anos, tem NF1 e é muito irritado. Ele demora horas para dormir, temos que ficar eu (ou o pai) junto dele durante um longo tempo, senão ele não pega no sono, acorda várias vezes à noite, de repente começa a gritar e apertar a barriga, faz vômito quando encontra na comida qualquer coisa diferente do leite ou do mingau, que são as únicas coisas que aceita, chuta o lençol para longe se tentamos cobrir numa noite mais fria, sua muito na cabeça e cai demais, dispara a chorar com música alta ou barulhos, entra em pânico com latidos de cachorro, berra de medo de vozes altas principalmente de pessoas estranhas. Parece que ele não entende o que falamos com ele e, se insistimos para ele obedecer, ele começa a chorar e a bater na cabeça e tampar as orelhas com as mãos. Não gosta de brinquedos e só quer mexer no celular. O neuropediatra deu risperidona por uns meses, mas não fez diferença, então suspendemos. O senhor acha que pode ser da NF1? F.M.J, de Juazeiro do Norte, Ceará.

 

Cara F., obrigado pelo seu depoimento, que pode ser útil a outras famílias.

Imagino que sua vida esteja sendo muito difícil.

Mas  também imagino que a vida do Maicon pode estar sendo um terror.

Sabemos que as crianças com NF1 apresentam alterações no desenvolvimento cerebral, que correm desde a vida na barriga da mãe e que produzem uma grande dificuldade de organizar os estímulos que elas recebem continuamente por meio dos seus sentidos: sons, luzes, tato, dor, paladar, cheiros, sono, fome e equilíbrio.

Além disso, elas têm dificuldades para organizar os sentimentos, controlar os impulsos e administrar suas reações.

Podemos chamar estas dificuldades de Transtorno da Integração Sensorial (TIS). Ou seja, uma dificuldade para organizar todos os sentimentos de acordo com prioridades, ou seja, o que é mais importante, o que é mais urgente, o que é mais perigoso, o que pode ser deixado de lado, o que não tem importância e assim por diante.

Por exemplo, uma pequena coceira no braço de uma criança com TIS pode ficar tão importante quanto segurar o copo que ela está levando, então a água é virada no chão, o que é um evento indesejado e inesperado, o qual se soma ao grito de alguém repreendendo a criança, que se junta com o barulho da porta que se fechou, e tudo isso cria um caos nos pensamentos e nos sentimentos da criança.

Viver com esse transtorno pode ser um pesadelo.

Para podermos compreender como se sente uma criança com TIS, vamos imaginar que tivéssemos que passar as 24 horas de todos os dias de nossa vida num ambiente:

  • com sons altos,
  • luzes fortes,
  • vozes incompreensíveis,
  • pessoas estranhas,
  • animais ameaçadores,
  • tendo que ingerir alimentos que provocam náuseas,
  • com dor de cabeça frequente,
  • cansados pelas noites mal dormidas,
  • com cólicas intestinais ou desejo de urinar sem nosso controle,
  • sentindo calor excessivo,
  • com roupas que nos incomodam (etiquetas, dobras ou tecidos irritantes),
  • com dificuldade para nos equilibrarmos
  • sem conseguirmos falar o que desejamos,
  • com sentimentos de raiva, medo ou solidão que não conseguimos entender
  • etc.

Talvez seja assim que o Maicon e outras crianças com NF1 e TIS vivem.

Ainda não temos uma compreensão clara deste Transtorno da Integração Sensorial e de outros transtornos de comportamento provocados pela NF1. Por isso, ainda não temos tratamentos específicos para a NF1 que sejam eficientes e cientificamente testados para melhorarmos a vida do Maicon e dessas outras crianças com TIS. Por enquanto, o que recomendamos (intuitivamente) é a Terapia de Integração Sensorial (ver aqui) realizadas por terapeutas ocupacionais.

De qualquer forma, podemos tentar nos colocar na pele dessas crianças e assim melhorar o ambiente no qual elas vivem, com algumas medidas práticas:

  • fazer silêncio sempre que possível e reduzir ruídos e sons altos,
  • manter uma iluminação suave, confortável e estável,
  • lembrar que elas podem ter desordem do processamento auditivo (escutam bem, mas entendem mal), então devemos falar com voz baixa, pausadamente, repetir quantas vezes for necessário, com paciência, para elas entenderem
  • proteger as crianças do contato desagradável com pessoas estranhas,
  • evitar a presença de animais ameaçadores,
  • respeitar o seu desejo alimentar, oferecer variedade, sem forçar, nem obrigar a comer
  • tentar descobrir se sentem dor de cabeça e então buscar a causa e usar analgésicos comuns,
  • reconhecer o cansaço pelas noites mal dormidas e oferecer períodos de repouso durante o dia
  • ajudar as crianças a perceberem se estão ou não com desejo de ir ao banheiro,
  • proteger de ambientes quentes e oferecer meios delas se refrescarem,
  • descobrir roupas confortáveis para a criança (e não para o gosto dos adultos),
  • evitar tapetes e desníveis e degraus desnecessários em casa,
  • ouvir com paciência a criança que tem dificuldade para manifestar seu desejo,
  • ajudar as crianças a entender e aceitar seus sentimentos de raiva, medo ou solidão.

 

É fácil?

Claro que não.

Mas pode ser que o ambiente em sua casa melhore um pouco com estas medidas.

Se você já passou por isso, mande-nos (para o email rodrigues.loc@gmail.com) as medidas que usou e que funcionaram para melhorar a vida de sua criança com TIS.

Nossa comunidade agradece.

Abraços

Dr Lor

 

NOSSO TRABALHO DEPENDE DA SUA GENEROSIDADE.
SE QUISER E PUDER FAÇA UMA DOAÇÃO PARA A AMANF – ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE APOIO AOS PORTADORES DE NEUROFIBROMATOSE
BANCO CREDICON Banco:756 – Agência: 4027 – Conta Corrente: 20261001 dígito 2 
CNPJ: 05.629.505/0001-33 –
PIX +55 (31) 99971-0622

 

 

 

Venha comemorar conosco!

Faremos no dia 24 de setembro de 2022, (sábado) de 14 às 16 horas, um encontro presencial no teatro de arena do Parque Lagoa do Nado, na Região da Pampulha em Belo Horizonte, na rua Desembargador Lincoln Prates, 240, bairro Itapuã (para saber como chegar lá CLIQUE AQUI ).

Quem precisar de transporte teremos uma Van, basta CLICAR AQUI

Nossas atividades incluem:

1)     Palavra de saudação de nossa Presidenta Adriana Venuto.

2)     Entrega do Troféu Monica Bueno ao Dr. Nilton Alves de Rezende em agradecimento pela sua grande dedicação e serviços prestados à comunidade NF nestes 20 anos.

3)     Palavra livre

4)     Lanche oferecido pela AMANF

5)     Entrega das lembranças (camisetas para as primeiras 60 pessoas presentes)

PASSEIO PELO PARQUE

Venha participar conosco!

Somos muites, mas você é indispensável!

Adriana Venuto

Presidenta

 

O desenho acima é da Catarina Venuto e o abaixo é da Luíza Rezende, nossas jovens associadas, a quem agradecemos a criatividade e colaboração para esta comemoração.

 

 

Post #4 – final

Esta é a quarta e última parte da conversa com uma jovem estudante (MD, de 17 anos), que gostaria de saber como poderia se tornar uma cientista para descobrir a cura para a neurofibromatose do tipo 1 para um dia poder ajudar seu irmão mais novo, que nasceu com a doença. Nossa correspondência foi muito interessante e então, com a autorização de MD, resumi abaixo algumas perguntas e respostas que foram surgindo durante nossa conversa, porque talvez elas sejam úteis a outras pessoas.

A quinta pergunta de MD:

Como conviver com minha família religiosa?

Todas as etapas e condições que já comentamos antes parecem tornar muito difícil para uma garota como você, negra, brasileira e filha de trabalhadores, se tornar uma cientista. Para tornar as coisas ainda um pouco mais complicadas, você também relata um conflito com sua família, que possui princípios religiosos, os quais parecem se contrapor ao campo científico no qual você pretende ingressar.

Você pergunta sobre como conviver com sua família com crenças diferentes e, ao mesmo tempo, viver sua própria vida de acordo com as evidências materialistas que a ciência apresenta.

Você tem razão, não é fácil, especialmente quando as crenças religiosas interferem nas estruturas públicas de ensino e pesquisa. Se desejar, veja uma reflexão mais detalhada sobre isto no texto “Entre deus e o orientador ateu”.

Neste difícil território das opiniões, minha sugestão para você é deixar qualquer arrogância científica de lado e lembrar que o surgimento da ciência é muito recente na história. Nossa gente sobreviveu (e muitos povos originários ainda sobrevivem) por dezenas de milhares de anos sem a ciência, portanto, não podemos desprezar outras formas de ver o mundo simplesmente porque a ciência se mostra mais capaz de fazer previsões corretas sobre a realidade material, o que nos permite confiar mais nos satélites, por exemplo, do que nos búzios para prever o clima de amanhã.

Dependendo do campo do conhecimento, a ciência poderá ter respostas mais úteis, por exemplo no enfrentamento de uma pandemia, na criação de vacinas, no aquecimento do planeta ou no funcionamento das doenças neurológicas e psiquiátricas. Por outro lado, a ciência não oferece evidências objetivas sobre o sentido da vida individual ou sobre seus valores morais. Por isso, em determinados assuntos, muito subjetivos, é perda de tempo contrapor a ciência aos conhecimentos tradicionais ou mesmo contra a religião.

Além disso, compreender bem as informações científicas requer uma educação básica, a qual a maioria da população brasileira não tem acesso. Quantos jovens são forçados a abandonar a escola para trabalhar! Por isso precisamos ter respeito pelas pessoas cuja história de vida as levou à falta de escolaridade e de formação científica.

Com muito cuidado, podemos oferecer os dados científicos a quem não compreende a ciência somente quando algo objetivo precisa ser resolvido e a ciência tenha dados confiáveis sobre aquele assunto. Por exemplo, vamos vacinar nossas crianças? Ou, como evitar a gravidez precoce? Quais as vantagens de se oferecer educação sexual para todas as pessoas? Como podemos combater o racismo? Por que mulheres e homens são iguais em capacidades e direitos? Se o planeta está aquecendo, o que devemos fazer?

Solidão e conhecimento

Outro comentário seu, mas não menos importante, foi que “se sente solitária, porque acredita em um ideal que quase ninguém acredita”. Vamos chamar esta situação que descreveu de “solidão filosófica”, algo que acontece progressivamente à medida que vamos vivendo, pensando, estudando e descobrindo coisas sobre o mundo. Essas novas percepções (científicas, por exemplo) podem reduzir o número de pessoas que nos reconheciam anteriormente como parte de seu grupo (religioso, por exemplo) (se desejar, ver aqui um poema sobre isso ).

No entanto, nós precisamos do reconhecimento dos outros para construirmos nossa identidade porque somos, em parte, aquilo que os outros pensam que somos. Então, vivemos nos equilibrando entre o desejo de possuir uma identidade (que nos distingue do grupo) e o desejo de pertencer ao grupo (que tende a nos assimilar e massificar).

Neste sentido, o conhecimento científico adquirido também gera o desejo de pertencer a uma comunidade mais ampla, internacional e acadêmica, na qual vamos querer (novamente) construir nossa identidade, reproduzindo noutro nível o conflito permanente entre ser único e pertencer ao grupo. Enfim, sempre buscaremos por status em qualquer grupo social ao qual desejarmos pertencer, como todo ser humano neurotípico.

Conclusão

Você já percebeu nesta conversa que mesmo quando os temas são aparentemente simples, todos os assuntos são complexos porque a sociedade é complexa, porque nós, humanes, somos complexes (veja só quanta complexidade está envolvida no uso destas palavras “humanes” e “complexes” que usei para incluir os diferentes gêneros!). Ou seja, não temos respostas simples para questões complexas se quisermos resolvê-las de fato, sem preconceitos religiosos nem arrogância científica.

Então, tanto você, uma jovem estudante, quanto eu, um velho médico e cientista, para abordarmos qualquer assunto, devemos estar preparados para enfrentarmos sua complexidade. Parece um longo caminho e, de fato, o é.

No entanto, apesar de todas as dificuldades que conversamos, nossa vida como cientistas pode ser uma fascinante viagem pelas dúvidas e perguntas e, quem sabe, com bastante sorte, poderemos encontrar algumas respostas valiosas.

Entre elas, a resposta para algum tratamento efetivo para os problemas que afligem as pessoas com NF1.

Dr Lor

Junho 2022

 

 

Comentários sobre este texto, que foi lido por estudantes de graduação que estão realizando sua Iniciação Científica sob a orientação do Dr. Bruno Cézar Lage Cota durante seu projeto de doutorado, no qual ele está pesquisando os efeitos do treinamento musical sobre a capacidade cognitiva de adolescentes com NF1.

Gabriela Poluceno (medicina)

Como se tornar uma cientista? A minha resposta como uma jovem que acabou de entrar na universidade, de 22 anos, nova nesse mundo da pesquisa é: ainda não sei!

É um processo que acredito ser longo, trabalhoso, repleto de marcas importantes (será? um doutorado dá a alguém um título de cientista?) e que começa com algo tão simples quanto uma boa pergunta.

Claro que equipamentos de qualidade, uma boa estrutura e financiamento fazem uma diferença enorme nesse contexto (inclusive, infelizmente, define através do lucro a importância de certos estudos), porém acredito que o passo inicial para ser um cientista consista em ter curiosidade e criatividade para realizar boas perguntas.

 Conseguir extrair bons questionamentos de lugares não-usuais e elaborar soluções interessantes e pouco convencionais estão entre as habilidades que acredito que bons cientistas possuem e que basearam as grandes revoluções científicas.

A nossa pesquisa atual é um ótimo exemplo disso, ao utilizar a música e um diferente olhar sobre o processamento auditivo como pontapé inicial para um possível tratamento para a NF1. Ter o interesse e a motivação de afetar positivamente a vida de alguém, melhorar sua qualidade de vida ou até mesmo curar uma doença são atitudes essenciais durante o trajeto de um verdadeiro cientista, de modo que tenha-se sempre em mente que estamos lidando com pessoas e não apenas números, exames ou sintomas.

As questões éticas que isso envolve são inúmeras, e deve-se deixar claro que o sofrimento humano nunca compensa qualquer tipo de conhecimento científico adquirido, e que, ciência sem ética não é ciência.

Agora, de um ponto de vista mais prático, eu diria para que quando entrasse numa universidade, buscasse professores orientadores e uma iniciação científica, mas como exatamente fazer isso? Afeto! Tenha boas relações com seus professores, faça amigos, conheça pessoas dos mais diversos contextos e se assuste para onde a vida te levará! Ciência não se faz sozinho e não se vira cientista sozinho. A beleza da ciência está na diversidade e no coletivo.

Veja meu caso, ter tido aula com a professora Juliana, que em uma de nossas conversas de feedback citou a AMANF, o que me gerou muito interessante e me fez correr atrás do professor Bruno. Ao chegar no Bruno, que me acolheu imensamente e sou muito grata, pude acompanhar diversas consultas e ter um contato próximo com as pessoas participantes da pesquisa, que me trouxe a esse grupo enorme de estudantes, professores e colaboradores!

Por fim, essa é a minha pequena visão até agora de como se tornar um cientista, caminho longo que acredito que tenho muito a percorrer e que ainda sei pouquíssimo sobre.

E por fim, uma reflexão: reconhecer a ignorância não faz parte de ser um verdadeiro cientista?

 

Maíla Araújo Pinto (medicina)

Desde o ensino médio, eu sonhava em me tornar cientista e, com isso, almejava entrar para a iniciação científica no contexto universitário. Dessa forma, assim que entrei na faculdade de medicina fui em busca de como realizar esse sonho. Entretanto, por mais que esse desejo fosse antigo, só consegui de fato entrar para iniciação científica ao terceiro ano da faculdade.

 

A faculdade que ingressei é particular e não obtive resposta acerca do processo da iniciação científica. Por outro lado, sempre que tive a possibilidade conversei com professores demonstrando meu interesse.

 

Em vista disso, minha oportunidade surgiu quando conheci o professor Bruno Cota que em sua apresentação contou sobre seu projeto de doutorado pela universidade federal. O caminho não é fácil, nem antes de entrar, nem durante o processo, mas sem dúvida tem sido uma experiência enriquecedora. Sendo assim, caso se tornar cientista seja de fato um sonho, vale a pena buscar formas de alcançar.

 

Marina Silva Corgosinho (enfermagem)

Acredito que todos que desejam e possuem o gosto pela busca de conhecimento já é um dos caminhos para ser um cientista, além disso é necessário estar matriculado em um curso de ensino superior, e a melhor parte é que pode ser qualquer curso, basta buscar um projeto e um profissional que esteja disposto a caminhar juntamente com você durante todo o processo de construção do projeto, que será em forma de uma iniciação científica.

Ser um cientista vai além de boas notas ou ser um destaque, é ser responsável e ter a certeza de que seus estudos irão beneficiar as pessoas e às vezes podem vir a descoberta da cura de alguma doença ou uma inovação que fará bem a todos. 

 

Thaís Andreza Oliveira Barbosa (fonoaudiologia)

Como o Lor já ressaltou, o ambiente da universidade pública nos proporciona muitas oportunidades de ingressar no meio acadêmico e científico. Eu ainda estou no começo dessa caminhada, mas posso dizer que algo essencial é o apoio dos nossos professores e orientadores nesse processo.

 

Nem sempre decidir pesquisar algo é fácil (arrisco dizer que provavelmente nunca é) e surgem muitas dúvidas e inseguranças ao longo do caminho, então o apoio desses profissionais mais experientes é essencial, bem como a confiança deles de que somos capazes de embarcar nessa oportunidade.

 

Vitória Perlin Santiago (medicina)

Como se tornar um cientista e minha experiência ao longo da iniciação científica.

Como relatado pelo professor Lor, para se tornar um cientista é necessário passar por diversas formações acadêmicas, que demandam tempo, dedicação e recursos, podendo estes serem financeiros ou governamentais.

Como ainda sou estudante no curso de medicina, estou nos primeiros passos de minha carreira científica, ou seja, participando de uma iniciação científica. O projeto de doutorado sobre a relação da música com a Neurofibromatose tipo 1, do professor Bruno, foi introduzido a mim em meu segundo ano de curso, na nossa primeira aula juntos. Naquele momento, despertou em mim características que acho fundamentais para quem quer seguir na área da ciência, a curiosidade acerca do projeto, o entusiasmo de querer fazer parte e a identificação com o tema da pesquisa.

Após diversas reuniões com o professor Bruno em que ele, pacientemente, explicava seus estudos, hipóteses e métodos, ficava cada vez mais clara e consciente a vontade de participar do projeto, principalmente por ser diferente de qualquer outra experiência oferecida ao longo do curso. Quando finalmente começamos a realizar as práticas da pesquisa, ficou ainda mais nítido o quanto o professor Bruno estava empolgado com seu projeto, sempre buscando as melhores soluções, dedicando cada dia mais de seu tempo à pesquisa, se solidarizando com os participantes estudados e nunca estando satisfeito com pequenos resultados, indo cada vez mais profundo em seus estudos. Toda essa dedicação do professor incentivou ainda mais a minha participação, e tenho certeza que das outras voluntárias também, pois vemos nele algo que também é muito essencial para ser um cientista, o propósito de mudar a vida de muitas pessoas com os resultados encontrados.

Estou na pesquisa há quase um ano e meio e posso garantir que está sendo uma experiência única, não só pelos diversos conhecimentos científicos que adquiri, mas pelas pessoas que conheci, histórias que me emocionei e interesses que despertei.

Com isso, pela minha experiência, entendo que para se tornar um cientista, além das formações acadêmicas, é necessário ter muita dedicação e foco em seus objetivos; sempre ter curiosidade e buscar saber cada vez mais, não estando satisfeito com apenas alguns resultados; se identificar com o tema da sua pesquisa, pois isso faz com que você tenha incentivo e interesse em segui-la; encontrar pessoas que estejam dispostas a contribuir em seus estudos e estejam em sintonia com você, pois elas serão essenciais para orientá-lo e ser um apoio e, por fim, sempre lembrar do propósito da pesquisa, para que a essência dela não se perca e você tenha satisfação em seus resultados.

 

Como disse ontem, já está bem comprovado que pesquisa científica geralmente acontece nas universidades públicas.

Para trabalhar numa universidade (que realiza pesquisa de qualidade) você precisará ter sido aprovada num concurso para se tornar professora daquela instituição, a qual, de preferência, deve estar localizada num país (no qual você teve a sorte ou azar de nascer) que valoriza a ciência e o conhecimento tecnológico e científico.

Portanto, é importante lembrar que certos fatores e oportunidades da carreira científica dependem em parte do acaso, o qual, para nossa angústia, não podemos controlar completamente. Por exemplo, você precisa ter a sorte de seu país estar sendo (ou não) governado por pessoas que os eleitores do seu país tiveram a responsabilidade de eleger e que querem construir o futuro da nação por meio de investimentos prioritários na educação e na cultura.

Os investimentos em ciência e educação variam muito de acordo com os governos. Nestes 50 anos em que trabalho na UFMG, uma universidade pública considerada entre as melhores do Brasil, apenas durante os governos do Partido dos Trabalhadores foi que as universidades públicas receberam financiamentos e estímulos para a pesquisa.

Esta maior oferta de recursos públicos federais dos governos petistas entre 2005 e 2016 também contemplou nosso Centro de Referência, o que nos permitiu publicar até 7 artigos científicos num ano. Infelizmente, desde os governos Temer e Bolsonaro estamos novamente sem recursos e nossa publicação científica parou completamente nos últimos dois anos.

Então, respondendo à sua pergunta, é mais provável que novos tratamentos para as NF sejam descobertos em outros países que investem recursos financeiros em ciência e educação, como, por exemplo, os Estados Unidos, onde, portanto, haverá maior probabilidade de ser descoberto um tratamento eficiente.

Sua quarta pergunta:

O fato de eu ser mulher atrapalha meu desejo de ser cientista?

Espero, do fundo do meu coração, que um dia eu possa responder a esta pergunta dizendo: o fato de você ser mulher não afetará sua carreira científica. Mas, por enquanto, infelizmente, sabemos que as mulheres enfrentam uma cota extra de dificuldades profissionais causadas pelo nosso machismo estrutural.

Para entender melhor a situação das mulheres no mundo, veja o aprendizado que tive com a feminista Ângela Davis e uma história impressionante sobre o apagamento dos trabalhos de uma grande cientista, a Mary Hesse.

No entanto, apesar de ainda vivermos numa sociedade machista, você poderá encontrar esperança para seguir seu projeto pessoal nas palavras de mulheres pensadoras e feministas, como a cientista Natália Pasternak, por exemplo.

Amanhã responderei sua quinta pergunta sobre o conflito entre querer ser cientista numa família religiosa.

 

 

 

Post #2

Esta é a segunda parte da conversa com uma jovem estudante (MD, de 17 anos), que gostaria de saber como poderia se tornar uma cientista para descobrir a cura para a neurofibromatose do tipo 1 para um dia poder ajudar seu irmão mais novo, que nasceu com a doença. Nossa correspondência foi muito interessante e então, com a autorização de MD, resumi abaixo algumas perguntas e respostas que foram surgindo durante nossa conversa, porque talvez elas sejam úteis a outras pessoas.

A segunda pergunta de MD:

Como posso me tornar cientista?

O caminho para se tornar uma cientista, capaz de descobertas importantes em algum momento de sua história, geralmente começa com a participação num programa de iniciação científica, envolvendo-se durante o curso de graduação numa pesquisa sob a orientação de alguém mais experiente cientificamente, o que acontece na maioria das vezes numa instituição pública de ensino universitário.

Para chegar na iniciação científica, a pessoa deve entrar para uma universidade, e para isso geralmente consegue ter boas notas no ensino médio e no fundamental, o que habitualmente exige condições financeiras suficientes por parte da família (na qual você teve a sorte ou o azar de nascer) e boa saúde em geral e capacidade cognitiva (que muitas vezes pode estar prejudicada, como no caso de seu irmão).

Superadas essas etapas, que não são triviais, você poderá concluir sua graduação e em seguida ingressar num mestrado por uns dois anos, depois num doutorado por mais uns 2 ou 3 anos, ao final do qual estará pronta para fazer suas próprias perguntas científicas, entre elas, por exemplo, como curar uma determinada complicação da NF1.

É claro que, para obter respostas para suas questões científicas, com seu diploma de doutora, você precisará de condições de trabalho adequadas, com liberdade de pensamento e estrutura para pesquisa, que só podem ser oferecidas por universidades públicas, e contar com recursos financeiros (também geralmente públicos) para custear as despesas com a sua pesquisa.

Então, respondendo à sua pergunta, para se tornar uma cientista, você deve seguir algumas etapas no aprendizado dos diversos conhecimentos necessários para fazer uma pergunta relevante sobre as NF e tentar respondê-la com os métodos científicos.

Amanhã responderei sua terceira pergunta: É possível pesquisar a cura da NF no Brasil?

 

 

Introdução

Conversei por e-mail algumas vezes com uma jovem estudante (MD, de 17 anos), que gostaria de saber como poderia se tornar uma cientista para descobrir a cura para a neurofibromatose do tipo 1 para que um dia ela possa ajudar seu irmão mais novo, que nasceu com a doença.

Nossa correspondência foi muito interessante e então, com a autorização de MD, resumi abaixo algumas perguntas e respostas que foram surgindo durante nossa conversa, pois talvez elas sejam úteis a outras pessoas.

Antes de tudo, MD, quero reafirmar que admiro o seu amor fraterno e seu desejo de contribuir para a saúde de seu irmão e compartilho do seu sonho de que sejam descobertos, o mais breve possível, tratamentos capazes de corrigir as dificuldades de aprendizado e outros problemas que ele apresenta. Como você sabe, uma de minhas filhas nasceu com NF1 e é por isso que espero e trabalho para que este sonho aconteça.

Tentarei mostrar os diversos passos que imagino que sejam necessários para um dia descobrirmos tratamentos eficazes para as NF. É um caminho longo e complexo, mas ele pode ser percorrido com a alegria e o entusiasmo que sentimos quando estamos fazendo algo em benefício das outras pessoas.

Para concluir esta introdução, pode ser que, daqui a alguns anos, você se encontre realizando outras pesquisas ou mesmo envolvida em atividades profissionais sem qualquer relação aparente com a NF1, mas não se decepcione, pois o acaso é fundamental em nossas vidas e pode mudar completamente os nossos projetos. Eu mesmo estou aqui trabalhando com as neurofibromatoses por causa de um acaso, uma variante patogênica que ocorreu aleatoriamente no espermatozoide (ou no óvulo) que deu origem à minha filha. No entanto, a esperança de que podemos controlar o futuro nos ajuda a procurar os melhores caminhos, a pensarmos nos nossos semelhantes e no nosso planeta e a agirmos eticamente.

 

Atenção

Publicarei a partir de amanhã esta nossa conversa em mais 3 episódios, para não ficar cansativa a leitura. Vou falar mais sobre a NF do tipo 1, por ser a mais comum (1 em cada 3 mil pessoas na NF1) do que sobre a NF do tipo 2 (1 em cada 20 mil pessoas) e a Schwannomatose (1 em cada 40 mil pessoas). No entanto, a maioria das respostas para a NF1 nesta conversa se aplica às demais neurofibromatoses.

Ao final, apresento os comentários sobre este texto, que foi lido por algumas estudantes que estão realizando sua Iniciação Científica sob a orientação do Dr. Bruno Cézar Lage Cota, que está pesquisando os efeitos do treinamento musical sobre a capacidade cognitiva de adolescentes com NF1. Agradeço as leituras de Gabriela Poluceno (medicina), Maíla Araújo Pinto (medicina), Marina Silva Corgosinho (enfermagem), Thaís Andreza Oliveira Barbosa (fonoaudiologia) e Vitória Perlin Santiago (medicina).

Agradeço as leituras atentas de Bruno Cézar Lage Cota e Daniel Maier dos Santos.

 

Post #1

Sua primeira pergunta:

Por que ainda não existem medicamentos para tratar a NF1?

É uma pergunta muito importante e que é feita por muitas pessoas e inclusive já comentei este assunto em nosso blog.

Você tem razão em querer saber o porquê, depois de tantos anos estudando a NF1, nós ainda não conhecemos nenhum medicamento cientificamente comprovado para sua cura. Realmente, a doença é conhecida há mais de dois séculos e ainda não sabemos como evitar ou corrigir o seu aparecimento. O primeiro centro de atendimento especializado em NF foi criado em Austin, no Texas, em 1978 pelo nosso amigo e orientador Dr. Vincent M. Riccardi.

Então, vamos pensar em quais seriam os motivos para esta falta de opções terapêuticas até o momento.

NF1 é uma doença rara

A primeira dificuldade para encontrarmos medicamentos eficazes para a NF1 é o fato de ser uma doença que, apesar de atingir cerca de 80 mil brasileiros, é considerada rara e faz parte das mais de 5 mil doenças raras já identificadas que afetam os seres humanos.

É compreensível que a maioria dos médicos não tenha interesse em estudar as doenças raras, pois imaginam que jamais encontrarão em sua vida profissional uma daquelas doenças. Então, por que gastar o precioso tempo de estudo na faculdade com uma doença rara e não com uma doença comum?

Este desinteresse aconteceu inclusive comigo, quando era estudante de medicina (ver aqui meu relato sobre este episódio) e explica, em parte, porque a maioria dos profissionais de saúde desconhece as doenças raras, incluindo a NF1, apesar de ser mais comum do que o diabetes do tipo 1.

A raridade das doenças também reduz o interesse dos cientistas e laboratórios farmacêuticos em desenvolver novas técnicas e medicamentos, porque seriam consumidos por número potencialmente pequeno de pessoas que comprariam aqueles produtos. No sistema capitalista, todas as atividades são orientadas para a produção de lucro e, se o medicamento for comprado por pouca gente, os ganhos financeiros da indústria de saúde serão pequenos. Para conhecer melhor este assunto, no futuro vale a pena ler “Medicamentos mortais e crime organizado – como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica”, um livro de Peter Gotzsche (2014), premiado pela Associação Médica da Inglaterra.

Se não há interesse financeiro na NF1, a indústria da saúde não promove congressos sobre o assunto, não faz propaganda, não patrocina eventos e publicações científicas e assim a doença continua sem uma representação social, ou seja, desconhecida.

NF1 é uma doença complexa

Além de ser rara, a NF1 é uma doença genética, hereditária, congênita, limitante, progressiva e potencialmente fatal. E se torna mais complexa porque diversos órgãos e sistemas podem ser envolvidos. Por exemplo, a pele, o sistema nervoso central, os nervos, os músculos e os ossos podem apresentar alterações ou problemas no seu desenvolvimento. Pode haver dificuldades de aprendizado e de comportamento. Podem surgir tumores e ocasionalmente haver transformação maligna.

Para complicar, a NF1 apresenta uma grande variabilidade na sua manifestação clínica, ou seja, cada pessoa com a doença tem uma doença muito diferente das outras, mesmo numa mesma família que compartilha a mesma variante patogênica. Até irmãos gêmeos univitelinos (com a mesma variante patogênica NF1 e o mesmo conjunto de genes) evoluem com manifestações diferentes da NF1.

Além disso, a evolução da doença ao longo do tempo é praticamente individual, ou seja, as manifestações e complicações ocorrem de forma imprevisível.

Somando-se a raridade, a complexidade, a variabilidade de expressão e a evolução imprevisível, tudo isso torna muito difícil formarmos grupos homogêneos de voluntários para estudarmos cientificamente algum medicamento ou tratamento nas pessoas com NF1.

Assim, por mais forte que seja o nosso desejo de ajudar, descobrir a cura para uma doença RARA E COMPLEXA é um daqueles problemas complicados para os quais não temos respostas simples ou fáceis. Então, com esta cautela em mente, tentarei responder as outras questões que você trouxe, lembrando algumas coisas que aprendi no último meio século trabalhando como médico e cientista.

Receio que algumas das minhas informações a seguir possam parecer obstáculos muito difíceis, mas espero que meu depoimento seja uma referência realista que permita a você construir seu próprio plano de navegação por mares ainda desconhecidos. Sem esquecer do acaso, lembra?

Amanhã falaremos sobre sua segunda pergunta: Como posso me tornar cientista?

Temos repetido nesta página que a principal forma de estimularmos o conhecimento científico sobre as neurofibromatoses (para um dia alcançarmos novos tratamentos e, quem sabe, a cura) é o investimento em bolsas de estudo para iniciação científica.

É um dos objetivos principais da AMANF: formar novas pessoas com pensamento crítico e interesse científico para pesquisar problemas clínicos relacionados com as neurofibromatoses.

Por isso, estamos comemorando: graças às doações financeiras generosas de muitas pessoas, a AMANF abriu sete bolsas de iniciação científica para estudantes de graduação em fonoaudiologia, medicina, enfermagem e psicologia.

Estas doações estão compensando, pelo menos em parte, a falta de apoio do governo federal atual para ciência e tecnologia, que considero um erro político que prejudica a saúde da população brasileira no longo prazo.

As vagas oferecidas pela AMANF foram preenchidas por sete estudantes que já estão trabalhando há vários meses com o Dr. Bruno Cézar Lage Cota em sua pesquisa sobre treinamento musical para melhorar as dificuldades cognitivas e comportamentais de crianças com NF1, projeto científico que é parte do seu doutorado, o qual deve ser concluído em outubro de 2023.

Cada uma das estudantes elaborou um projeto de pesquisa diferente, embora todos os temas sejam relacionados com a NF1, e em seguida os projetos foram enviados para a Dra. Juliana Ferreira de Souza, que é Diretora Científica da AMANF, que os aprovou.

As alunas aprovadas (em ordem alfabética) são:

Ana Letícia Ferreira Santos de Ávila (fonoaudiologia)

Gabriela Poluceno (medicina)

Jamile Andrade (psicologia)

Maíla Araújo Pinto (medicina)

Marina Silva Corgosinho (enfermagem)

Thaís Andreza Oliveira Barbosa (fonoaudiologia)

Vitória Perlin Santiago (medicina)

O passo seguinte será um simpósio que realizaremos na primeira semana de setembro, quando cada uma das bolsistas apresentará seu projeto e seus resultados iniciais para a Diretoria da Amanf e do Centro de Referência em Neurofibromatoses do HJC UFMG. Os projetos que estiverem sendo bem realizados receberão as bolsas por um ano.

Em nome da AMANF, agradeço a todas as pessoas que têm contribuído financeiramente com nossa causa.

Dr Lor

Diretor Administrativo

 

E você?

Quer participar destas conquistas?

SOMOS MUITES, MAS VOCÊ É INDISPENSÁVEL!

 

Recebemos uma notícia animadora: o jovem estudante Daniel Maier dos Santos, de 18 anos, de Gravataí, Rio Grande do Sul, que vem mostrando interesse em se tornar um cientista para estudar as neurofibromatoses, nesta última semana foi premiado pelo seu projeto de pesquisa (ver abaixo o pôster) numa Feira de Ciências da instituição em que estuda: Escolas e Faculdades QI.

Seu projeto se chama “Neuroplasticidade e teste WHOQOL como tratamento para displasia cerebral em decorrência da Neurofibromatose do tipo 1“. O teste WHOQOL é um questionário para avaliar a Qualidade de Vida das pessoas e a hipótese do Daniel é que a intervenção terapêutica de pessoas com NF1 em vários níveis cognitivos poderia estimular sua plasticidade cerebral (renovação dos tecidos do sistema nervoso) e melhorar sua qualidade de vida.

Em nome da AMANF, dou os parabéns para o Daniel, que tem demonstrado grande interesse e capacidade intelectual para se tornar um cientista, para as professoras e o professor que estão orientando seu estudo (Giana Lagranha, Luciane Daniel e Rodrigo Barreto) e para sua família querida (André Luís e Elisandra Maier), que são a fonte de inspiração para o longo caminho que o Daniel pretende percorrer (foto acima).

O próximo passo do Daniel é levar seu projeto para representar a instituição onde ele estuda num outro evento reunindo jovens cientistas da América Latina.

Essa exposição do tema da NF1 no Poster e a premiação tornaram as neurofibromatoses mais conhecidas no universo de pessoas que frequentaram aFeira de Ciências e agradeço imensamente ao Daniel pela contribuição para nossa causa: a saúde das pessoas com NF!

Abraço com admiração

Dr. Lor