“Mesmo que a criança não apresente ao exame clínico problemas neurológicos, como convulsões e/ou outros transtornos, a ressonância magnética é necessária? E por quê? ” VF, Maracanau, CE.

Cara V, sua pergunta parece-me importante para muitas pessoas e imagino que esteja falando de ressonância magnética do cérebro.

Começo dizendo que temos adotado como regra geral (para a prática médica) somente pedir exames complementares (quaisquer que sejam eles) quando há um sintoma ou sinal que precisa ser esclarecido, a não ser determinados exames chamados de “preventivos”, sobre os quais há consenso internacional de que devem ser feitos mesmo na ausência de sinais e sintomas.

Nas NF, os exames que complementam o exame clínico anual, que não dependem de sintomas ou sinais novos, e que podem ser classificados como “ preventivos“, porque nos ajudam a evitar algumas complicações mais frequentes, são:

1) Na NF1 – todos os anos: a) exame oftalmológico para acuidade visual (se houver dúvida, realizar a tomografia de coerência óptica) e b) hemograma na infância e juventude e C) prevenção de câncer de mama antecipada para as mulheres entre 30 e 50 anos.

2) Na NF2 – audiometria anual e exame oftalmológico (com tomografia de coerência óptica de preferência).

3) Na Schwannomatose – nenhum

Como você pode ver, nesta conduta não está incluída qualquer ressonância magnética realizada “de rotina”, porque as ressonâncias trazem custo financeiro (público ou privado), desperdício de trabalho (dos profissionais) e tempo (da criança e da família), além dos riscos de preocupação excessiva da família e da anestesia geral ou sedação nas crianças menores.

Então, quais são os sintomas que indicam a ressonância magnética do cérebro (cérebro, mesencéfalo, bulbo, medula e cerebelo) nas NF?

A resposta é o aparecimento de qualquer novo sintoma ou sinal neurológico, cuja causa suspeitamos que possa estar localizada no encéfalo. Por exemplo: diminuição da acuidade visual ou alterações no exame oftalmológico (na NF1), diminuição da acuidade auditiva no cotidiano ou na audiometria (na NF2), desmaio, convulsão, dor de cabeça forte e diferente e que não havia antes, perda de força muscular, paralisia, queda sem motivos aparentes, alteração da fala, certas mudanças de comportamento, dor neuropática sem causa externa e outros sintomas e sinais mais raros.

No entanto, note que nem mesmo a existência de tumores cerebrais já diagnosticados numa pessoa com NF não seria indicação obrigatória de ressonância magnética sem novos sintomas ou sinais.

Por exemplo, o tumor cerebral mais comum na NF1 (15 a 20% das crianças) é o glioma óptico localizado num ou em ambos os nervos ópticos e em outras partes do encéfalo. Os gliomas geralmente aparecem antes dos 7 anos de idade e a maioria deve evoluir sem sintomas. Duas em cada três crianças que têm o glioma não apresentam quaisquer sintomas depois do diagnóstico. Uma em cada três, portanto, poderá apresentar redução da visão e outros problemas, geralmente nas meninas (5 a 10 vezes mais comum do que nos meninos) e que apresentam gliomas localizados em outras partes do encéfalo (que não os nervos ópticos).

O exame oftalmológico é tão importante nas crianças com NF1 e gliomas que a piora na acuidade visual pode indicar o início da quimioterapia, com ou sem aumento do tumor na ressonância magnética do encéfalo (ver aqui excelente revisão de Brossier e Gutmann, 2015). Ou seja, o que nos orienta na conduta médica é o estado clínico da criança, seus sintomas e sinais e não apenas as imagens na ressonância.

Outro exemplo, na NF2, os tumores mais comuns são os schwannomas vestibulares e os meningiomas. De forma semelhante à NF1, são os sintomas e sinais observados no exame clínico anual, incluindo a perda da audição na audiometria ou alterações na tomografia de coerência óptica, que determinam o momento de intervenção cirúrgica, e não o tamanho dos tumores na ressonância.

Em resumo, como dizia meu querido pai José Benedito Rodrigues, que foi médico durante mais de 60 anos em Lambari, uma cidade no interior de Minas Gerais: a clínica é soberana.

Bom feriado a todos.

Lembrando que as pessoas com NF1 apresentam mais displasias ósseas do que a população em geral, suspeitamos que a causa das displasias poderia estar relacionada com a falta da neurofibromina, mas também com deficiência de Vitamina D e de cálcio.

Além disso, há alguns anos, um grupo de pesquisadores da Alemanha publicou um estudo no qual as pessoas com NF1 apresentaram mais deficiência de Vitamina D do que os controles sem NF1. Além disso, quanto menor o nível de Vitamina D no sangue, mais neurofibromas cutâneos (clique AQUI para ver o trabalho). 

Este estudo despertou grande interesse em todos que trabalham com as neurofibromatoses, pois levantava uma hipótese de que a falta da Vitamina D poderia participar do crescimento dos neurofibromas cutâneos, um problema que traz sofrimento a tantas pessoas com NF1.

No entanto, a Alemanha fica localizada numa região do planeta onde há menor incidência de raios solares do que no Brasil, e nós sabemos que os níveis de Vitamina D dependem da quantidade de radiação solar que a pessoa recebe, além da cor da sua pele e da sua dieta. Por isso, resolvemos repetir o estudo sobre os níveis de Vitamina D em pessoas com NF1 no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nossos resultados foram apresentados pelo Dr. Nilton Rezende e pela Dra. Juliana Souza no Congresso sobre Neurofibromatoses realizado em Oregon, nos Estados Unidos em 2009 (Children’s Tumor Foundation NF Conference). Verificamos que os níveis de Vitamina D de 28 pessoas com NF1 não foram diferentes daqueles medidos em 20 voluntários sem NF1, que foram convidados a participar de tal forma que os dois grupos (NF1 e não-NF1) eram semelhantes quanto à idade, ao sexo e local de residência. Curiosamente, ambos os grupos, com e sem NF1, apresentavam níveis de Vitamina D abaixo do ideal. Esta pesquisa foi repetida em 2010, com um grupo maior de pessoas com NF1, e os resultados se repetiram.

Interpretamos nossos estudos pensando que a radiação solar em Minas Gerais é maior do que na Alemanha e os brasileiros usam menos roupas, o que poderia anular as diferenças observadas pelos alemães, pois eles suspeitaram que as pessoas com NF1 teriam vergonha de expor seu corpo ao sol em ambientes abertos por causa dos neurofibromas. Em nenhum dos nossos estudos contamos ou medimos o tamanho dos neurofibromas, por causa das dificuldades técnicas para esta medida, como já comentei anteriormente (ver AQUI).

No entanto, nas pesquisas anteriores havíamos encontrado níveis de Vitamina D abaixo do ideal, por isso um novo estudo realizado pelo doutorando Marcio de Souza em nosso Centro mostrou que as pessoas com NF1 apresentam, em média, ingestão menor de Vitamina D do que as recomendações internacionais para uma dieta saudável (ver o artigo publicado AQUI).

Além disso, mesmo que os níveis de Vitamina D das pessoas com NF1 não sejam diferentes das pessoas sem NF1, perguntávamos: e se as pessoas com NF1 têm menos receptores nas células, ou seja, haveria Vitamina D circulando no sangue, mas os seus ossos, por exemplo, não seriam capazes de usar esta vitamina e assim ficariam mais fracos?

Por falta de condições técnicas, não pudemos responder a esta pergunta e por isso foi com grande satisfação que encontrei o excelente estudo realizado pelo grupo de Porto Alegre, sob a orientação da Dra. Patrícia Ashton-Prolla (ver AQUI o artigo completo) do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A Dra. Larissa Bueno e colaboradores também não encontraram níveis mais baixos de Vitamina D nas pessoas brasileiras com NF1, ao contrário de estudos europeus e norte-americanos (ver aqui os artigos dos grupos do MAUTNER e do STEVENSON). Além disso, as pesquisadoras gaúchas (9 mulheres e 3 homens no grupo – tenho que respeitar a maioria) não observaram relação entre variações genéticas nos receptores de Vitamina D e a NF1.

Portanto, apesar de ainda haver alguma controvérsia internacional sobre os níveis de Vitamina D nas pessoas com NF1, minha impressão atual é de que a causa das displasias ósseas não parece depender da Vitamina D, mas sim da falta da neurofibromina na vida intrauterina. 

Por outro lado, considerando que mesmo nas pessoas sem NF1 a Vitamina D é necessária para a saúde dos ossos, podemos supor que nas pessoas com NF1 (que apresentam tantas displasias ósseas) níveis ideais de Vitamina D seriam ainda mais necessários.

Em conclusão, recomendamos a todas as pessoas com NF1 que tomem banhos de sol, façam exercícios regulares e, para aquelas pessoas com NF1 e história de quedas frequentes, sugerimos acompanhamento inicial pela fisioterapia. Finalmente, uma dieta saudável deve fazer parte da alimentação de todos (ver AQUI sugestões de vida saudável para pessoas com NF1).

Para terminar, como já sabemos, o exame clínico anual da coluna e dos ossos é fundamental, especialmente no período de crescimento, e, se possível, acompanhado da medida dos níveis sanguíneos de Vitamina D, cálcio e hormônio da paratireoide. Caso necessária, a reposição diária de Vitamina D pura pode ser recomendada.

 

Nos últimos dias venho respondendo diversas perguntas sobre problemas ósseos que ocorrem com mais frequência nas pessoas com NF1 do que na população em geral.

 

Já comentei sobre dois grupos de problemas mais graves, os desvios da coluna (escoliose e cifoescoliose) e as displasias (da tíbia e da asa menor do esfenoide). Hoje veremos outros problemas ósseos relacionados com a NF1, que apesar de menos graves podem causar alguns transtornos na vida das pessoas que nasceram com eles.

De um modo geral, a NF1 reduz a resistência dos ossos, tornando-os mais fracos (a chamada osteopenia) e menos calcificados (osteomalácia), uma situação intermediária entre o osso normal e a osteoporose e até mesmo a osteoporose verdadeira (ver trabalho do grupo do Peltonen.

Estes problemas aparecem nas radiografias como ossos menos densos, menos mineralizados e com alterações no seu desenvolvimento e formato normais. A osteopenia, a osteomalácia e a osteoporose contribuem para as dificuldades de tratamento nas escolioses e na displasia da tíbia.

As pessoas com NF1 apresentam também menor força muscular e coordenação motora (ver AQUI o trabalho realizado em nosso Centro de Referência), o que as torna mais vulneráveis a quedas. Estas quedas mais frequentes associadas aos ossos menos resistentes fazem com que a chance de fraturas ósseas aumente nas pessoas com NF1. 


Outro problema encontrado em grande parte das pessoas com NF1 é a baixa estatura, o que significa que o esqueleto se desenvolve abaixo do tamanho médio da população, considerando a idade e o sexo da criança. Não sabemos ainda a causa da baixa estatura na NF1, mas sabemos que ela não responde bem aos tratamentos hormonais e por isso o hormônio do crescimento é contraindicado como tentativa de aumentar a estatura pelo risco colateral deste medicamento desenvolver tumores nas crianças com NF1.

Além da osteopenia e da baixa estatura, as pessoas com NF1 podem crescer com outras displasias ósseas menos graves do que da tíbia e do esfenoide, como o aumento da circunferência da cabeça, chamada de macrocrania (macro – grande, crania – crânio). A macrocrania é apenas um aumento do crânio e do cérebro um pouco além do desenvolvimento normal, que é mais acentuado nos meninos do que nas meninas, e que não causa problemas para a saúde.

A macrocrania não tem nenhuma relação com hidrocefalia, como infelizmente muitas pessoas e profissionais da saúde pensam, pois a macrocrania na NF1 acompanha o desenvolvimento da criança e não é causada por aumento da pressão dentro do cérebro. Não há necessidade de qualquer tratamento para a macrocrania na NF1.

Outras displasias ósseas congênitas mais comuns nas pessoas com NF1 do que na população em geral são algumas deformidades no tórax, como uma depressão na região do esterno (pectus excavatum) ou assimetria e elevação do esterno (pectus carinatum). Algumas destas displasias podem causar limitações para a saúde e seu tratamento requer cirurgia (ver AQUI uma revisão sobre o assunto).

Diante de todas estas alterações ósseas (desvios na coluna, displasias, macrocrania, baixa estatura e osteopenia), compreendemos porque é necessário o exame clínico anual da coluna e dos ossos das pessoas com NF1. Ocasionalmente, se algum novo problema é encontrado, pode ser necessária a realização de radiografias, da medida da densidade óssea e dos níveis sanguíneos de Vitamina D, cálcio e hormônio da paratireoide.

Por falar em Vitamina D, amanhã comentarei a suspeita de que as pessoas com NF1 apresentam deficiência de Vitamina D.

 

Nos últimos dois dias comentei sobre os problemas de coluna que podem acontecer em cerca de 10 a 30% das pessoas com neurofibromatose do tipo 1. Hoje, falarei um pouco sobre dois outros problemas ósseos, que também acometem as pessoas com NF1, e que ameaçam muito a sua qualidade de vida.

Ambos são raros, afetando menos de 5% das pessoas com NF1. Ambos  são CONGÊNITOS, ou seja, já estão presentes na vida intrauterina e podem ser diagnosticados no momento do nascimento ou nos meses seguintes. Se não forem percebidos no primeiro ano de vida, não aparecerão depois.

São as chamadas displasias ósseas. A palavra displasia quer dizer crescimento inadequado, seja para mais ou para menos, podendo causar transtornos na função de um ou mais órgãos.

Dois tipos de displasias ósseas são tão típicos da NF1 que fazem parte dos critérios diagnósticos do consenso de 1988, ou seja, quando encontramos uma destas displasias praticamente temos certeza de que estamos diante de uma pessoa com NF1. 

Para completarmos o diagnóstico, basta haver a presença de apenas mais um dos demais critérios: 1) manchas café com leite ou 2) efélides, ou 3) nódulos de Lisch, ou 4) dois neurofibromas cutâneos, ou um neurofibroma plexiforme, ou 5) um glioma óptico ou 6) um parente de primeiro grau com NF1.

A primeira displasia típica da NF1 é aquela que atinge os ossos longos, especialmente a tíbia, que é o osso maior da perna. Geralmente, apenas uma das pernas é acometida e o osso apresenta-se na radiografia com sua parte média mais fina e densa (como se não tivesse medula óssea), podendo estar desviada para dentro e, muitas vezes, já com fraturas (ver setas brancas na parte esquerda da figura acima, que indicam a mesma tíbia fraturada de frente e de lado).

As fraturas ocorrem espontaneamente, ou seja, sem qualquer trauma ou apenas com a sustentação do peso da criança. Quando isso acontece e a perna faz um ângulo, chamamos de pseudoartrose, ou seja, como se houvesse ali uma falsa articulação. 

O tratamento destas fraturas requer cirurgias complexas, muitas vezes repetidas, que tentam fixar os ossos, colocando hastes de metal e incluindo enxertos de fragmentos ósseos retirados de outras partes do esqueleto.

Infelizmente, os procedimentos cirúrgicos podem não dar certo e a fratura ocorrer de novo apesar de todo o cuidado. Novas tentativas então são feitas, os períodos de internação são prolongados, repetidos e acompanhados de limitações de movimentos durante meses ou anos, além de infecções, inflamações e dor. Por isso, muitas pessoas com NF1 e pseudoartrose desistem depois de duas ou três cirurgias e optam pela colocação de próteses como solução definitiva.

A outra displasia típica da NF1 é aquela que acontece na asa menor do osso esfenoide, um osso plano que forma o fundo da órbita dos olhos. Observe a seta azul na imagem ao lado, que indica uma parte escura que é onde falta um pedaço do crânio – compare com o outro lado da cabeça da criança, que está correto, onde há apenas uma fenda por onde passa o nervo óptico, artérias e veias.

A displasia do esfenoide é uma complicação grave da NF1, porque ela permite que o volume do cérebro em crescimento, que seria contido pelo osso que não foi formado na vida intrauterina, empurre o globo ocular para a frente, causando deformidade facial importante. Muitas vezes esta displasia está associada a um neurofibroma plexiforme nesta região, o que complica ainda mais o problema.
Mais uma vez, infelizmente, ainda não temos técnicas cirúrgicas adequadas para a reparação deste osso faltante [1]. O que podemos fazer, no momento, é tentar preservar a visão, evitar tratamentos inúteis, desnecessários e agressivos, e oferecer conforto e apoio para a criança conviver com sua deformidade.
Amanhã comentarei outros problemas ósseos que também são comuns na NF1, embora representem menor gravidade.


[1]Num congresso que participei em Barcelona em 2014, houve um grupo de médicos chineses que apresentou algumas crianças operadas com uma técnica de reparação que eles desenvolveram. A cirurgia é de grande porte, os riscos são grandes, mas o resultado ainda está longe do que desejamos.


Continuando minha resposta à pergunta da semana passada, veremos hoje em linhas gerais como são tratados os desvios da coluna, embora cada caso tenha suas características e as manifestações da doença nunca são as mesmas em duas pessoas com NF1.


Gravidade 1 – Começo com os casos menos graves, que são os desvios funcionais (clique aqui para ver a resposta 198) e as escolioses (distróficas ou não distróficas) com ângulo menor do que 20 graus.

Para estes casos é necessária a revisão clínica de 6 em 6 meses até os doze anos de idade. Além disso, recomendamos exercícios regulares e livres e medir periodicamente os níveis cálcio, de Vitamina D e de hormônio da paratireoide e manter uma dieta adequada ou mesmo reposição destes fatores quando necessário.

É claro, banhos de sol para todos, de acordo com a cor da pele, época do ano e localização da cidade onde mora a criança (ver a Tabela disponível clicando aqui).

Gravidade 2 – Em seguida, aumentando em gravidade, temos as escolioses não distróficas com ângulo entre 20 e 35 graus, que devem realizar fisioterapia e usar coletes ortopédicos. Neste grupo também podem ser incluídas as cifoescoliose distróficas com ângulo menor que 50 graus, mas sem sintomas importantes, as quais também devem realizar fisioterapia e usar o colete ortopédico.

Gravidade 3 – Aqui encontramos as escolioses não distróficas com ângulo maior do que 35 graus e escolioses distróficas com ângulo entre 20 e 40 graus, as quais precisam de cirurgia de estabilização realizada pela parte posterior da coluna.

Gravidade 4 – Casos ainda mais graves são as escolioses e as cifoescoliose distróficas com ângulo maior do que 50 graus, porque ambas necessitam de cirurgia para estabilização anterior e posterior da coluna.

Gravidade 5 – Cifoescoliose distrófica com ângulo maior do que 70 graus, que precisam, mesmo depois da cirurgia de estabilização anterior e posterior, do uso de colete ortopédico.

É preciso dizer que as cirurgias de estabilização são complexas e de elevado risco cirúrgico, especialmente aquelas que requerem estabilização anterior e posterior. Além disso, os resultados das cirurgias são insatisfatórios em boa parte dos casos.

Por tudo isso, sabemos que, infelizmente, neste momento, as cifoescolioses distróficas de gravidade 3, 4 e 5 ainda constituem grandes problemas para as pessoas com NF1.

Amanhã comentarei outras complicações ortopédicas na NF1.

“Minha filha com 7 anos foi diagnosticada com escoliose de 4 graus na coluna toracolombar. O médico recomendou natação e reavaliação em seis meses. Qual é o melhor tratamento para os desvios da coluna na NF1? ” VF, de Maracanaú, CE.

Cara V. Obrigado pela sua pergunta pertinente e provavelmente interessante para outras pessoas.

Algum problema na coluna vertebral pode acontecer em cerca de 10 a 30% das pessoas com NF1 e esta variação de dez por cento acontece por causa das diferenças entre os estudos médicos: alguns se dedicam mais a esta questão e registram qualquer alteração na coluna, enquanto outros só consideram os casos mais graves.

Os problemas na coluna vertebral podem ocorrer na região do pescoço (cervical), nas costas (torácica) ou na região lombar. Quando o ângulo principal acontece numa destas regiões, as outras se inclinam no sentido contrário para compensar e tentar manter a cabeça na posição correta.

Quando a curvatura da coluna acontece para a frente, chamamos de cifose, quando é para trás, chamamos de lordose e quando é para um dos lados, chamamos de escoliose. A escoliose é o desvio mais comum encontrado nas pessoas com NF1. Quando há uma mistura de duas curvaturas anormais, por exemplo para frente e para um lado, chamamos de cifoescoliose.

Na NF1 também podemos encontrar algum grau de retificação daquelas curvaturas normais da coluna, por exemplo, da lordose natural do pescoço, da cifose natural das costas ou da lordose natural da coluna lombar.

Os desvios da coluna vertebral nas pessoas com NF1 podem ser de três tipos: 1) funcional (causado por algum problema externo à coluna), 2) não-distrófico (sem deformidade do corpo vertebral) ou 3) distrófico (quer dizer com problemas no desenvolvimento ósseo do corpo vertebral).

No tipo não distrófico, o mais comum, os corpos vertebrais mantêm a sua forma normal e a coluna se inclina de forma suave e a curvatura envolve 8 a 10 corpos vertebrais (ver figura A).

No tipo distrófico, que acontece em cerca de 1% das pessoas com NF1, um ou dois corpos vertebrais apresentam problemas estruturais que levam a deformidades produzindo ângulos agudos que mudam subitamente a inclinação da coluna, seja para um lado (ver figura B), seja para a frente e para um lado (ver na figura a cifoescoliose).

No tipo funcional, problemas externos encontrados na NF1 podem ser a causa dos desvios na coluna: perda da força ou contratura muscular de um dos lados, membros inferiores de comprimento diferentes ou tumores (como os neurofibromas plexiformes) comprimindo a coluna.

A gravidade dos desvios da coluna na NF1 pode ser considerada LEVE (geralmente o tipo funcional), MODERADA (geralmente retificações e escolioses distróficas) ou GRAVE (geralmente a cifoescoliose distrófica).

A classificação da gravidade do desvio da coluna, portanto, depende do tipo (distrófico ou não), do ângulo da inclinação e dos sintomas que o desvio causa (por exemplo, dor, perda de função, risco de morte).

As condutas médicas em cada caso são diferentes e, para não ficar muito cansativo, falarei sobre elas na semana que vem.

Bom final de semana.


Muitas pessoas perguntam se por terem nascido com neurofibromatose tem direito à aposentadoria por invalidez. Esta é uma pergunta importante e precisa ser respondida tendo em vista as leis existentes.

Por exemplo, ontem comentei sobre o Projeto de Lei Federal que está tramitando no Congresso Nacional em relação às pessoas com neurofibromatoses, encaminhado por um deputado federal pelo Espírito Santo, Sergio Vidigal (PDT). É um projeto bastante semelhante à lei que já está em vigor em Minas Gerais, segundo a qual as pessoas acometidas por neurofibromatoses já são consideradas portadoras de necessidades especiais (Lei 21.459, de 2014, fruto do PL 3.037/12, sancionada pelo governador de Minas Gerais em 2014).

A Lei mineira “inclui no grupo de pessoas com deficiência aquelas acometidas com neurofibromatose, doença incurável e degenerativa, também chamada de síndrome de Von Recklinghausen, que causa dores crônicas e desfiguração de partes do corpo. A norma assegura às pessoas com neurofibromatose os direitos e benefícios previstos na Constituição e na legislação estadual para a pessoa com deficiência, desde que ela se enquadre no conceito definido na Lei 13.465”.

Nesta semana, o professor Élcio Neves da Silva, uma pessoa que está exercendo grande liderança na organização da associação capixaba de apoio às pessoas com neurofibromatoses, também me informou que foi publicada uma nova Lei no Estado do Espírito Santo, semelhante à de Minas Gerais, que reconhece as necessidades especiais das pessoas com neurofibromatoses.

A nova Lei, de autoria do deputado estadual Doutor Homero (PMDB), recebeu o número 10.490/2015, e foi publicada no Diário Oficial do Espírito Santo no dia 18 de janeiro de 2016. Ela pretende assegurar a todas as pessoas com NF os cuidados diferenciados garantidos pela Constituição Estadual e demais legislações em vigor.

Estas leis e o projeto federal têm alguns pontos em comum, sobre os quais precisamos conversar. Primeiro, quero deixar claro que entendo que as pessoas que propuseram estas leis buscam a melhoria das condições de saúde das pessoas com neurofibromatoses. No entanto, alguns conceitos incluídos no texto das leis podem causar dificuldades na sua aplicação.

Primeiro, tanto a lei estadual como o projeto federal se destinam ao benefício de pessoas com o que eles denominam de Síndrome de Recklinghausen. É importante lembrar que os conhecimentos modernos sobre as neurofibromatoses não utilizam mais a denominação de Síndrome (ou Doença) de Recklinghausen desde o início da década de 90 no século passado.

Não é apenas uma questão de troca de nomes, mas já se decorreram mais de 26 anos desde o consenso internacional alcançado depois das descobertas dos genes causadores das neurofibromatoses. A partir daquela data, toda informação científica vem sendo construída dentro de um novo modelo científico, o qual não mais confunde as neurofibromatoses com a Doença de von Recklinghausen e nem com os sete tipos de NF propostos pelo Professor Riccardi.

Segundo, as leis dão a entender “A” neurofibromatose é uma doença genética rara que se manifesta por volta dos 15 anos e provoca o crescimento anormal de tecido nervoso pelo corpo, formando pequenos tumores externos chamados de neurofibromas.

Então, mais uma vez, para evitar confusões, é preciso lembrar que todas AS neurofibromatoses já estão presentes ao nascimento (nos genes) e que podem se manifestar em qualquer época da vida, desde os primeiros anos de idade (geralmente a NF1), no começo da vida adulta (geralmente a NF2) ou depois dos 30 anos (geralmente a Schwannomatose).

Terceiro, as leis mencionam que as pessoas acometidas têm de conviver com dores crônicas ou “desfiguramento” de partes do seu corpo, o que causa grande sofrimento ao indivíduo e a seus familiares.

De fato, para algumas pessoas, o principal problema de sua doença são as dores, como na Schwannomatose. No entanto, geralmente dor não é a principal queixa das pessoas com NF1 e NF2. Além disso, é preciso esclarecer, porque isso assusta e faz sofrer muitas famílias, que algum tipo de deformidade corporal pode acontecer em menos de 10% das pessoas com NF1 e praticamente estas complicações estão ausentes na NF2 e Schwannomatose.

Numa nota de divulgação da nova Lei no Espírito Santo, a Sra. Luísa Bustamante finaliza dizendo: “A intenção é chamar a atenção das autoridades para o problema. São inúmeras pessoas que estão nessa condição e que são perfeitamente capazes; porém, não são aproveitadas pelo mercado de trabalho pelo fato de terem essa patologia. Além da luta pela vida, o preconceito por causa das mudanças no corpo também é um desafio para quem tem essa doença incurável”.

Concordo plenamente que estas propostas são humanitárias e buscam o reconhecimento das neurofibromatoses por parte da sociedade e das autoridades.

No entanto, talvez seja interessante esclarecer a questão da capacidade ou não para o trabalho.

Existem pessoas com neurofibromatose que são capazes e outras que são incapazes para o trabalho. O simples fato de nascer com a doença não significa que haverá impedimento de sua capacidade funcional, mas serão certas eventuais complicações, que podem ou não ocorrer ao longo da vida, é que levarão ou não uma determinada pessoa às necessidades especiais.

Assim, temos que ver as limitações e potencialidades de cada caso, para não tornarmos incapaz uma pessoa produtiva ou não reconhecermos as necessidades especiais de alguém limitado pela doença. Não podemos tratar pessoas desiguais da mesma forma, assim como não podemos tratar pessoas semelhantes de forma desigual.

Parabéns Élcio e demais companheiros por mais este passo dado em mais um Estado brasileiro e contem com nosso apoio do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.


Ontem recebi uma publicação eletrônica chamada “Alta Complexidade”, um instituto privado que se propõe a levar informações para as pessoas com problemas de saúde que requerem cuidados mais sofisticados, complexos e de alto custo.

A publicação trazia a notícia de que a “Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados aprovou, com emenda, proposta que equipara a neurofibromatose (Síndrome de Von Recklinghausen) às outras deficiências físicas e intelectuais para garantir os mesmos direitos e benefícios sociais determinados na Constituição. ”

No entanto, a publicação ilustrou a reportagem com uma foto de um homem adulto com milhares de neurofibromas por todo o corpo. Esta foto, sem nenhuma legenda que a explicasse ou a justificasse, dá a entender que a “neurofibromatose” se manifesta daquela forma grave ou então que as pessoas com NF1 acabarão tendo aquela aparência.

A foto causa tanto espanto que não permite a simpatia por aquela pessoa doente. Eu não recomendo, mas se você deseja ver a imagem clique AQUI .

Imediatamente enviei à Alta Complexidade meu protesto contra a utilização daquele tipo de imagem numa publicação oficial, porque ela NÃO CORRESPONDE a aquilo que acontece com a maioria das pessoas com neurofibromatose (do tipo 1, no caso). Disse também que aquela foto poderia causar muito sofrimento aos milhares de brasileiros com NF e que não ela não aumentaria a empatia das outras pessoas para com a causa das neurofibromatoses.

Nossa experiência no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, atualmente com mais de 900 famílias com neurofibromatoses já cadastradas, indica que apenas menos de 1% das pessoas com NF1 atinge um estágio de tamanha gravidade como este. E por que?

Primeiro, porque existem grandes variações na apresentação da NF1, como já comentamos tantas vezes neste blog, mesmo entre pessoas com a mesma mutação no gene dentro de uma mesma família ou entre irmãos gêmeos univitelinos. Ou seja, há pessoas que apresentam mais neurofibromas cutâneos, outras menos.

Por exemplo, hoje mesmo acabo de receber um e-mail de E.M., de 48 anos, que teve seu diagnóstico de NF1 realizado somente este ano, quando entrou na menopausa, e alguns neurofibromas cutâneos começaram a aparecer somente agora. Ou seja, a gravidade do seu caso é mínima, pois levou uma vida normal até este momento sem nem mesmo saber que tinha NF1. O caso de E.M. representa cerca de 1 em cada 4 que tem NF1.

Segundo, porque há falta de médicos disponíveis para a população brasileira. Além de serem poucos profissionais disponíveis no Sistema Único de Saúde (por restrições financeiras do governo federal, dos estados e municípios), muitas pessoas que conseguem ser atendidas por cirurgiões para retirar seus neurofibromas, infelizmente escutam deles algumas frases como:

– Não adianta tirar, porque volta. Não vale a pena. (O que não é verdade, porque outro neurofibroma na região da cicatriz é um NOVO neurofibroma que iria crescer de qualquer forma).

– Quanto mais mexer, pior fica. (Embora o Professor Riccardi suspeite que os traumas físicos possam ter um papel no desenvolvimento dos neurofibromas, isto não está comprovado).

– Aqui no hospital público eu só posso retirar 6 neurofibromas, mas na minha clínica particular posso retirar mais. (São casos verídicos relatados por pessoas atendidas no nosso Centro de Referência, que me entristecem profundamente pela conduta antiética destes colegas).

– Você vai trocar um problema (neurofibroma) por outro (cicatriz), vai ficar feio da mesma forma. (Raramente as outras pessoas perguntam sobre uma cicatriz, mas sempre olham com medo para um neurofibroma e algumas expressam o seu medo: Isso pega?).

– Isso é benigno, não se preocupe, não precisa tirar porque não tem cura. (O velho conceito que confunde tratamento com cura, e tumor benigno na biópsia com efeitos “malignos” importantes dos neurofibromas sobre a qualidade de vida das pessoas com NF1).

E por aí afora vão certas respostas indelicadas de alguns médicos que não percebem o grande impacto que os neurofibromas trazem na vida das pessoas com NF1. Felizmente, há outros colegas que compreendem a importância da retirada dos neurofibromas cutâneos e ajudam as pessoas com NF1 a viver melhor e a evitar que cheguem à gravidade da foto em questão.

Terceiro, há pessoas com NF1 que, mesmo podendo, não querem retirar os neurofibromas por diversos motivos: 1) há os que acreditam que os neurofibromas são um castigo divino e que somente irão melhorar com a ajuda de orações (ver o caso do homem que foi beijado pelo Papa); 2) há os que procuram tratamentos alternativos sem comprovação científica e insistem neles por anos a fio até quando os neurofibromas já estão enormes; e 3) há os que não se preocupam com sua aparência, por levarem uma vida solitária em virtude da timidez e retraimento causados pela doença, algumas vezes bastante acentuado.

Portanto, se alguém quiser representar pessoas com neurofibromatose, sugiro que use a foto abaixo, realizada durante uma reunião da Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses. Nesta foto há várias pessoas com NF.

Veja como é difícil saber quais são elas.



“Sobre o meu neurofibroma na coxa, que é muito doloroso, para o qual o senhor pediu e foi feito o exame PET CT, que deu no limite da normalidade (algum risco de transformação maligna), o cirurgião acha que se retirar o neurofibroma eu perderei alguns movimentos. O que devo fazer? ” THS, Indaiatuba, SP.

Cara T. Obrigado pelo retorno e pela confiança na minha opinião.

De fato, muitas pessoas com neurofibromas nodulares (abaixo da pele, ovoides, firmes e muitas vezes dolorosos) têm dúvidas parecidas com a sua. Vou tentar explicar porque podemos retirar alguns destes neurofibromas sem perder os movimentos musculares.

Olhando para a figura acima, você percebe que o neurofibroma está localizado num ramo de um nervo (número 1) onde há fibras nervosas sensitivas (azuis), ou seja, que levam a sensibilidade da pele para o cérebro (veja as setas pretas) onde ela será percebida de forma consciente. Observe que, ao lado do nervo 1 com o neurofibroma, existe outro nervo sadio, que também leva sensibilidade para o cérebro (nervo 2).

Acontece que quando o neurofibroma se forma, o nervo fica impedido de funcionar, portanto, o nervo 1 já está sem função desde o início do crescimento do neurofibroma. 


Como existem nervos ao redor da região inervada pelo nervo 1, que estão funcionando normalmente (como o nervo 2), a sensibilidade da pele não é muito alterada e a percepção da região inervada pelo neurofibroma geralmente não faz falta.

Já os movimentos, eles são realizados pelos músculos estimulados por nervos chamados motores (nervo 3). Geralmente eles não são afetados pelos neurofibromas que estão por perto. Por isso, se retirarmos apenas o neurofibroma sem tocarmos nos nervos motores, não haverá perda de movimentos. O nervo 1, que já estava inativo, não fará nenhuma falta depois da cirurgia.

No entanto, a maioria dos médicos procura retirar bastante tecido ao redor de qualquer tumor, com o receio natural de deixar alguma parte de um tumor maligno e ele voltar a crescer depois da cirurgia. Por isso, mesmo diante de um neurofibroma benigno, eles costumam ampliar a margem da cirurgia, o que pode atingir nervos sadios, inclusive nervos motores, o que pode resultar em perda de movimentos.

Por isso, temos pedido aos colegas cirurgiões que realizem apenas a remoção do neurofibroma que apresenta aumento do metabolismo no PET CT (como é o seu caso), tomando cuidado para não machucar os nervos vizinhos. Não há necessidade de retirar também linfonodos e outras estruturas próximas.

Então, qual seria a conduta mais adequada nestes casos? Abre-se a pele até atingir o neurofibroma, disseca-se apenas o neurofibroma e retira-se apenas ele. Como medida de segurança, pode-se fazer um corte do neurofibroma retirado (pelo método do congelamento) e examinar a lâmina no laboratório para ver se há sinais de malignidade.

Confirmando-se a benignidade (ou, no máximo, a forma chamada “atípica”, que acredito que deva ser seu caso, pelos exames clínicos e de imagem que já fizemos), simplesmente encerra-se a cirurgia. Se, numa eventualidade, ficar claro que há sinais de malignidade, a cirurgia pode se estender a outros tecidos nas proximidades do neurofibroma e que pareçam suspeitos aos olhos do cirurgião.

Compreendo que é difícil para os cirurgiões lidarem desta forma menos agressiva com os neurofibromas nas pessoas com NF1, porque no seu cotidiano eles estão acostumados a operar tumores mais invasivos e que precisam ser completamente removidos para que haja a cura da doença.

Espero que a pessoa que for realizar sua cirurgia possa ler este comentário e concordar com estas recomendações, as quais não são apenas minhas, mas dos especialistas em neurofibromatoses. Caso haja alguma dúvida, estou à disposição dela para uma conversa por telefone ou e-mail.


Na semana passada, revi um artigo da JOAN ABLON, pesquisadora do Programa de Antropologia Médica da Universidade de São Francisco, na Califórnia, publicado no ano 2000, mas que me parece perfeitamente atual (quem desejar ver o artigo original em inglês, clique aqui).

Como nos é dada e como recebemos a notícia de que alguém da nossa família está com neurofibromatose?

De um modo geral, a partir dos relatos que recebo em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG, podemos dizer o primeiro diagnóstico costuma demorar anos para ser feito e, quando ele surge, a notícia é comunicada pelos médicos de forma pouco habilidosa. Além disso, a percepção das famílias sobre aquele momento é de um trauma inesquecível.

A Dra. Ablon estudou esta questão a fundo e trouxe muitas luzes para todos nós, como pais e como profissionais da saúde envolvidos com as neurofibromatoses. Ela entrevistou detalhadamente 18 famílias que receberam o diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), gravando seus depoimentos e analisando o que eles tinham em comum.

O primeiro resultado da Dra. Ablon, foi que das 18 famílias entrevistadas 16 ficaram chocadas, com raiva e posteriormente deprimidas com a maneira traumática com que o diagnóstico de NF1 foi apresentado a elas. Aquele momento foi tão marcante em suas vidas que os pais eram capazes de recordar o sofrimento com grande intensidade muitos anos depois.

As famílias relataram que o diagnóstico de NF1 foi feito de forma desastrada durante um exame médico, no qual os profissionais demonstraram desconhecimento da doença e enfatizaram os aspectos mais graves e raros, além de insistirem no erro histórico de que a NF1 é a Doença do Homem Elefante.

Muitos médicos afirmaram às famílias que nada podia ser feito pela criança (confundindo cura com tratamentos), que ela viveria pouco tempo (contrariando as estatísticas científicas reais) e que, caso sobrevivesse, ficaria deformada como aquelas fotos que então lhes eram mostradas em livros de medicina, incluindo enormes tumores plexiformes deformantes, (o que acontece em raros casos), e que, por fim a criança seria como o Homem Elefante (que, na verdade, tinha outra doença, completamente diferente, chamada de Síndrome de Proteus).

Mesmo quando o diagnóstico de NF1 não incluía estes erros acima mencionados, ele era feito pelo médico de forma despreparada, pois eram incapazes de perceber que a família mal havia entendido o nome da doença, portanto seria muito difícil para ela compreender outras informações técnicas.

Em conclusão, a Dra. Ablon lembra que a NF1 é uma doença “sem parâmetros” por causa da grande variabilidade das manifestações clínicas (mesmo em gêmeos univitelinos) e da imprevisibilidade de sua evolução ao longo dos anos. Esta impossibilidade de prevermos o que vai acontecer retira das mãos dos médicos e da família qualquer controle efetivo sobre o destino das crianças, gerando grande ansiedade e apreensão.

Lembro-me de quando o diagnóstico de minha filha foi feito, por um colega muito delicado e atencioso, pelo fato de ser médico fui em busca das informações disponíveis naquela época (1981) e encontrei os mesmos terríveis prognósticos para meu bebê que, naquele momento apenas apresentava as manchas café com leite, a voz anasalada e algumas dificuldades cognitivas. Tristeza, desespero e aflição tomaram conta do meu coração por muitos e muitos anos. Somente depois que passei a participar das reuniões da Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF), em 2002, é que comecei a aprender sobre as neurofibromatoses e a viver um pouco mais em paz e serenidade com relação à minha filha, hoje com 38 anos.

O artigo da Dra. Ablon reforçou em mim a necessidade de muito cuidado, de máxima atenção, de grande paciência e de extrema delicadeza no momento de comunicarmos à família o diagnóstico.

Compreendo hoje que uma única conversa, no dia do primeiro diagnóstico, não é capaz de abordar todas as implicações emocionais, cognitivas, familiares e sociais que a doença passará a ter na vida daquela família. Por isso, a partir desta semana, além do relatório de atendimento que costumo enviar por escrito pelo correio, acho necessário reagendar uma nova conversa com a família dentro de poucas semanas, para voltarmos a conversar sobre como estão indo as coisas, quais são as dúvidas, quais são os medos e sofrimentos.

Nós médicos, precisamos admitir nosso desconhecimento sobre imensa maioria das doenças raras (são mais de 5 mil!) e pedir o apoio de colegas especializados para darmos as informações necessárias às famílias. 


Sem esquecer que por trás de todo diagnóstico há pessoas, sofrimentos e uma incertezas sobre a vida.

Quem sabe assim, no futuro, o diagnóstico de NF seja menos traumático para muitas famílias.


Comentário 15/03/2016

É isso mesmo: o que a Ablon viu no EUA, você percebe no Brasil e eu vejo na Inglaterra e Portugal. Com as poucas entrevistas que eu tive por aqui, uma das hipóteses de minha pesquisa, que o contexto social poderia influenciar no entendimento da doença, vai por água abaixo.
O sofrimento é o mesmo (nas diferentes classes).
E tem uma coisa que a Ablon não coloca e eu estou tentando investigar: os médicos assassinam o futuro que os pais imaginavam e restringem o futuro dos pacientes, colocando nos genes a bola de cristal do determinismo.
Não é a doença genética que temos medo, é o medo de nossas crianças não terem futuro ou o futuro que passamos a ver, nos assustar de uma maneira tão forte que, não raro, ouvimos relatos de mães, principalmente, falando sobre o suicídio.
É o medo dos sintomas que na NF podem ser muitos ou poucos, graves ou leves.
Por isso, penso em discutir o conceito de doença.
Entendo toda a necessidade de encontrar a doença porque, aí, encontramos a cura. Mas quando não existe esse link (entre diagnóstico e cura)?
Quando a condição é a própria pessoa?
Que chave é essa que a pessoa passa, de uma (hora) para a outra, ser doente/paciente?
Dessas questões, você deve imaginar como anda (cheia) a minha cabeça.
Abraço

Rogério Lima Barbosa

Obs: Parênteses meus – Lor