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É bastante comum que as pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) sofram com a possibilidade de surgirem novas complicações da doença ao longo do tempo. De fato, algumas complicações podem surgir, mas outras não, dependendo da situação de cada pessoa em particular.

Por isso, hoje vou tentar mostrar algumas manifestações da NF1 que estão presentes desde o nascimento e outras que se NÃO estiverem presentes nos primeiros meses de vida, ou depois de uma certa idade, NÃO aparecerão depois.

Para isso, vamos rever abaixo cada uma das possíveis manifestações da NF1 que são critérios diagnósticos e algumas complicações mais frequentes.

 

Critério diagnóstico 1 – Manchas café com leite (MCL)

As MCL são manchas homogêneas (ver mais detalhes AQUI) com mais de meio centímetro de diâmetro nas crianças abaixo de dez anos e com mais de um centímetro e meio nas pessoas com mais de dez anos de idade.

As MCL são congênitas, ou seja, já estão presentes na criança desde o nascimento e se tornam visíveis após os primeiros banhos de sol.

O número de MCL de uma pessoa com NF1 é fixo, ou seja, não surgirão novas MCL com o passar dos anos.

Assim, se uma pessoa apresenta 9 MCL ao primeiro exame clínico, ela permanecerá apenas com estas 9 MCL para o resto da vida.

O número e o tamanho das MCL não indicam gravidade e as MCL não se transformam em tumores.

 

Critério diagnóstico 2 – Efélides (ou sardas axilares e inguinais)

As efélides são semelhantes às manchas café com leite, como se fossem pontos marcados com caneta (ver mais detalhes AQUI ), mas vão surgindo aos poucos, ao longo dos anos em áreas que não tomam sol, como debaixo dos braços e na região da virilha.

Algumas pessoas com NF1 podem desenvolver efélides em várias partes do corpo.

O número e a localização das efélides não indicam gravidade e elas não se transformam em neurofibromas.

Nem as MCL nem as efélides são causadas pelo sol e as pessoas com NF1 DEVEM TOMAR BANHOS DE SOL.

 

Critério diagnóstico 3 – Nódulos de Lisch

Os nódulos de Lisch são pequenos nódulos na íris (ver mais detalhes aqui) que não causam qualquer alteração visual, mas que são muito típicos da NF1, ou seja, a presença de dois ou mais nódulos indica que a pessoa certamente tem a doença.

A chance dos nódulos de Lisch estarem presentes varia de acordo com a idade, aumentando aproximadamente 10% ao ano, ou seja, uma criança de 5 anos com NF1 tem 50% de chance de apresentar nódulos de Lisch. Depois dos dez anos de idade, praticamente todas as pessoas com NF1 têm nódulos de Lisch.

 

Critério diagnóstico 4 – Neurofibromas

Os neurofibromas cutâneos geralmente aparecem a partir da adolescência, embora alguns casos mais graves apresentem neurofibromas um pouco mais cedo.

Os neurofibromas cutâneos nunca se tornam malignos.

Os neurofibromas plexiformes, como as manchas café com leite, são congênitos, ou seja, estão presentes desde o começo da vida ainda que de forma pouco visível e que precisam do olhar do especialista em neurofibromatoses para serem percebidos.

Os neurofibromas plexiformes podem ser externos ou internos (ver mais detalhes AQUI ).

Se uma pessoa não apresenta neurofibromas plexiformes externos nos primeiros meses de vida, geralmente NÃO APRESENTARÁ depois.

Os neurofibromas plexiformes internos podem demorar alguns anos para se manifestarem, podendo crescer na infância e se tornarem percebidos no exame clínico, num ultrassom ou numa ressonância magnética.

Os neurofibromas plexiformes apresentam uma chance de transformação maligna em torno de 10% ao longo de toda a vida. Ou seja, uma pessoa com NF1 e um plexiforme tem 90% de chance de NÃO apresentar transformação maligna daquele tumor.

 

Critério diagnóstico 5 – Gliomas

Os gliomas são tumores benignos do sistema nervoso central (ver mais detalhes AQUI ) que também são provavelmente congênitos, apesar de seu diagnóstico acontecer entre 2 e 7 anos de idade.

Se uma pessoa não desenvolver glioma nos primeiros anos de vida, a chance de apresentar gliomas depois dos 12 anos de idade é muito pequena e depois dos 20 anos é praticamente semelhante às pessoas sem NF1, ou seja, uma incidência muito rara.

No entanto, gliomas em adultos com NF1, embora seja uma situação rara, constitui uma situação de maior gravidade do que na infância.

 

Critério diagnóstico 6 – Displasias ósseas

Duas displasias (deformidades no crescimento) ósseas são típicas da NF1: a displasia da tíbia e a displasia da asa menos do esfenoide (ver mais detalhes AQUI).

Ambas as displasias são congênitas, ou seja, se não estiverem presentes no momento do nascimento, não aparecerão depois. O olhar do especialista em neurofibromatose pode identificar estas displasias precocemente.

Os problemas da coluna vertebral podem acontecer nas pessoas com NF1, apesar de não fazerem parte dos critérios diagnósticos. Geralmente se manifestam na infância até o começo da adolescência. Se não surgir antes da adolescência não há mais o risco do aparecimento de escoliose ou cifoescoliose nas pessoas com NF1.

 

Critério diagnóstico 7 – Parente de primeiro grau com NF1

A NF1 pode ser resultante de uma mutação nova ou ser herdada de um dos pais que já possui a doença.

O fato de ser mutação nova ou herdada não influencia na gravidade ou nas manifestações da doença.

A gravidade da NF1 em um dos pais não indica qual será a gravidade da doença nos seus filhos. Cada pessoa apresenta a doença de forma diferente e isso acontece até mesmo os gêmeos univitelinos (ou idênticos).

 

Algumas complicações mais comuns da NF1

Diversos problemas de saúde são mais comuns em pessoas com NF1, mesmo que não façam parte dos critérios diagnósticos.

 

Dificuldades cognitivas

Talvez as dificuldades do desenvolvimento neurológico sejam os problemas mais importantes e mais comuns nas pessoas com NF1.

Eles podem se manifestar na forma de atraso para andar ou falar, dificuldade na coordenação motora, problemas de aprendizado na escola, pouca interação social, distúrbios emocionais e comportamentais, desordem do processamento auditivo, hiperatividade e desatenção, timidez excessiva e problemas no relacionamento afetivo.

As dificuldades cognitivas estão presentes desde os primeiros momentos de vida e parecem permanecer ao longo da vida sem agravamento posterior, ou seja, não pioram, mas apresentam novos desafios como na adolescência, por exemplo (ver aqui mais detalhes).

 

Hipertensão arterial

A pressão arterial alta pode acontecer em cerca de 20% das pessoas com NF1 e dentre estas 4% são hipertensão causada por displasia da artéria renal ou feocromocitomas (ver aqui para mais detalhes).

A pressão alta pode acontecer em qualquer idade nas pessoas com NF1, por isso insistimos na medida da pressão arterial em todas as reavaliações anuais.

 

Convulsões

As convulsões podem acontecer em cerca de 10% das pessoas com NF1 e geralmente ocorrem na infância. Possuem um caráter geralmente benigno, respondendo bem ao tratamento com medicamentos. Costumam não continuar precisando de tratamento na vida adulta.

 

Transformação maligna

As pessoas com NF1 tem uma chance maior de apresentarem tumores malignos do que a população em geral, inclusive câncer de mama, câncer gástrico e leucemia mieloide juvenil.

No entanto, a maioria destes tumores malignos nas pessoas com NF1 acontece pela transformação de um neurofibroma plexiforme em tumor maligno da bainha do nervo periférico.

Outros tumores malignos mais raros podem surgir em pessoas com NF1, como feocromocitoma e glioblastoma.

 

Câncer de mama

O INCA diz que são cerca de 66 mulheres a cada 100 mil que desenvolvem câncer de mama no Brasil. Sabemos que nas mulheres com NF1 a incidência de câncer de mama é cerca de 4 vezes maior, portanto, 240 mulheres a cada 100 mil com NF1 desenvolverão câncer de mama. Assim, a prevenção deve se iniciar mais cedo, em torno dos 30 anos.

 

Conclusão

Sabendo que cada pessoa apresenta a NF1 de forma muito especial, não há regra geral que possa ser aplicada a todas as pessoas com NF1. Por isso, as reavaliações individuais anuais (ou em menor tempo se surgirem novos sinais ou sintomas) são úteis para que profissionais da saúde com experiência em NF possam acompanhar a evolução clínica e perceber sinais precoces de alguma complicação.

 

Foi publicado nesta semana o artigo científico da nutricionista Aline Stangherlin Martins e colaboradores com os resultados da pesquisa que ela realizou em seu doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto, sob a orientação da professora doutora Ann Kristine Jansen e do professor doutor Nilton Alves de Rezende.

O artigo tem o título de “Increased insulin sensitivity in individuals with neurofibromatosis type 1” (Sensibilidade aumentada à insulina em pessoas com neurofibromatose do tipo 1) e foi publicado na revista científica Archives of Endocrinology and Metabolism (Arquivos de Endocrinologia e Metabolismo – ver AQUI o artigo completo em inglês  ).

O estudo da Aline partiu de observações clínicas e experimentais realizadas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF). Verificamos que até o momento não encontramos diabetes do tipo 2 (DM2) em pessoas com NF1 no CRNF, o que concorda com outros estudos (ver AQUI ).

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A nutricionista Aline Stangherlin Martins apresentou publicamente as conclusões de sua pesquisa mostrando que a resistência à insulina é menor nas pessoas com Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1), ou seja, elas têm menor chance de se tornarem diabéticas do que a população em geral (ver AQUI a notícia no site da Faculdade de Medicina da UFMG).

A pesquisa é parte do doutoramento da Aline Stangherlin Martins, que foi aprovada na sua defesa, recebendo o título de Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Fizeram parte da banca examinadora pessoas com grande experiência em nutrição, clínica médica, diabetes, neurofibromatose e pesquisa científica, como os professores da UFMG Nilton Alves de Rezende, Ann Kristine Jansen, Maria de Fátima Haueisen Sander Diniz e Henrique Oswaldo da Gama Torres, a professora Karin Gonçalves Soares Cunha da Universidade Federal Fluminense, a professora Joana Ferreira do Amaral da Universidade Federal de Ouro Preto, o professor Bruno de Melo Carvalho da Universidade de Pernambuco e o professor Luiz Guilherme Darrigo Júnior da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.

O trabalho da Aline foi realizado no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG e foi orientado pelo Dr. Nilton Alves de Rezende e pela professora Ann Kristine Jansen.

Em resumo, a Aline lembrou que já se sabe que o diabetes mellitus tipo 2 é a forma mais comum de diabetes na população em geral (90% dos casos) e é uma doença associada à chamada “resistência à insulina”, ou seja, as células do organismo com diabetes têm dificuldade de transportar a glicose da corrente sanguínea para dentro da célula, onde ela é metabolizada.

Aline partiu de alguns dados clínicos e laboratoriais anteriores à sua tese, os quais levantaram a suspeita de que o diabetes mellitus do tipo 2 ocorreria com menor frequência em pessoas com NF1. Com isto, ela decidiu convidar um grupo de pessoas com NF1 para serem voluntárias em sua pesquisa, na qual ela mediu a resistência à insulina e a glicemia em jejum e estudou outras características metabólicas destes voluntários.

Para comparar com a população em geral, a Aline recorreu a um grupo de pessoas que participam como voluntárias do grande projeto chamado ELSA, as iniciais do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto realizado em conjunto por algumas universidades brasileiras, entre elas a UFMG.

Todos os participantes com e sem NF1 foram submetidos a uma entrevista sobre suas condições de saúde, avaliação nutricional e dietética e coleta de amostras de sangue para medida dos níveis de glicemia, insulina, hemoglobina glicada, perfil lipídico e as substâncias chamadas adipocitocinas.

Foram aplicados em todas as pessoas os três tipos diferentes do teste HOMA (do inglês Homeostasis Model Assessment) que medem a resistência à insulina e a função das células do pâncreas produtoras da insulina. Além disso, outros testes laboratoriais completaram a visão do metabolismo dos voluntários, como a relação entre as substâncias Adiponectina e Leptina.

Os resultados da primeira etapa foram obtidos de 57 pessoas com NF1 e 171 controles do projeto ELSA. Aline encontrou glicemia de jejum menor nas pessoas com NF1 (NF1: 86,0 mg/dL contra 102,0 mg/dL para os controles) bem como uma menor prevalência de diabetes (NF1: 16%; controles: 63%, p < 0,001) e menor chance de desenvolver glicemia de jejum elevada no grupo NF1.

Na segunda etapa, foram avaliados 40 indivíduos com NF1 e 40 controles. O HOMA-AD foi significativamente menor no grupo NF1 (NF1: 1,0 e controle: 1,9; p = 0,003). A Relação Adiponectina e Leptina foi maior no grupo NF1 (NF1: 3,8 e controles:1,2; p = 0,003). Não foram observadas diferenças entre os grupos em relação nos demais testes. Além disso, todas as medidas antropométricas e nutricionais do grupo NF1 foram menores do que nas pessoas sem NF1: peso, estatura, massa livre de gordura, percentual de gordura, massa gorda e a água corporal.

Na discussão, os resultados do estudo sugerem que a menor massa gorda, os menores níveis de glicemia de jejum, de visfatina e HOMA-AD e maiores níveis de adiponectina e da relação Adiponectina/Leptina podem estar relacionadas à menor resistência à insulina e menor ocorrência de diabetes mellitus do tipo 2 em indivíduos com NF1.

Uma parte destes resultados já havia sido publicada na revista científica internacional “Endocrine Connections” (ver AQUI ) e na semana passada a Aline e seus orientadores receberam uma carta da editora da revista agradecendo a publicação e parabenizando os autores pelo artigo ter sido um dos mais lidos no ano de 2016 (968 downloads!) (ver carta abaixo).

Parabéns Aline, Nilton, Ann e demais colaboradores. Fico contente que estejamos dando mais um passo para ajudarmos na compreensão mais ampla dos problemas das pessoas com NF1.

“Dear Dr Rezende,

I am writing to congratulate you as your paper, “Lower fasting blood glucose in neurofibromatosis type 1”, was one of the most read articles during 2016. Endocrine Connections is committed to maximising the dissemination and impact of your work, and throughout the year, your article was downloaded 968 times.

As a thank you, we would like to offer you a ‘Highly Downloaded’ certificate via email. To claim your free certificate, simply reply to this email to let me know.

With an Impact Factor scheduled for 2017, now is a great time to submit your work to Endocrine Connections. What’s more, the Society for Endocrinology and European Society of Endocrinology are pleased to offer free Open Access publishing to their members throughout 2017!

Thank you for your contribution to the journal. I hope you will continue to keep Endocrine Connections in mind as a resource for the latest research and as a home for your future work.

Yours sincerely,

Alison”


Dr. LOR, hoje faço uma pergunta sobre o tema do SELUMETINIBE. Sei que não é possível precisar data. Sabemos que as pesquisas demoram e tem etapas a serem cumpridas. Em medicamento pelo que tenho visto acredito que agora entrará na Fase 2 e depois na Fase 3, para depois ser liberada para produção caso seja aprovado. Quanto tempo deve durar esta Fase 2? E quanto tempo deverá estar disponível caso se mostre eficaz? E depois de quanto tempo liberado nos EUA costuma ser liberado no Brasil? Tem como o senhor fazer uma abordagem sobre este tema? E particularmente, se meu filho tiver a oportunidade de entrar em uma das próximas fases da pesquisa, seria melhor na Fase 2 ou na Fase 3? Ou melhor (esperar) chegar ao comércio? ” FP, de local não identificado.

Caro FP, obrigado pela sua pergunta, que considero muito importante. Para responder, preciso recuperar alguns conhecimentos que já temos discutido neste blog.

Este post ficará um pouco mais longo e por isso dividirei em partes que podem ser lidas aos poucos.

Este post também está disponível em inglês, adaptado pelo Dr. Nikolas Mata-Machado da NF Clinic at Amita Health/St. Alexius, em Chicago, Estados Unidos, no site da associação de apoio às pessoas com NF a Neurofibromatosis Midwest (ver aqui AQUI).

Parte 1 – Diferenças entre os neurofibromas

Para começar, lembro que o estudo com o SELUMETINIBE que nos deu esperança (ver aqui) precisa ser repetido por outro grupo de cientistas independentes da indústria farmacêutica que produz o remédio, para que possamos ter mais segurança de que o medicamento traz mais benefícios do que danos às pessoas.

Além disso, os próximos testes com o medicamento precisam levar em consideração se o SELUMETINIBE funciona da mesma forma para os diferentes tipos de neurofibromas plexiformes, se funciona apenas quando os neurofibromas estão crescendo e se funcionam em qualquer idade das pessoas que apresentam neurofibromas plexiformes.

Isto porque o comportamento dos neurofibromas plexiformes varia muito nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 quanto ao tipo, a taxa de crescimento e a idade das pessoas, como mostrou um estudo muito bem realizado em 2012, na Alemanha, pela equipe do Dr. Victor Mautner (ver artigo completo em inglês AQUI).

Os plexiformes podem ser difusos, ou nodulares, ou mistos e uma mesma pessoa pode apresentar um ou mais de cada um destes tipos. Os diferentes tipos apresentam crescimento e complicações variadas e uma mesma pessoa pode apresentar um plexiforme que está crescendo e outro que permanece do mesmo tamanho (ou até se reduz, veja adiante).

No entanto, no estudo em questão, por meio da ressonância magnética tridimensional de corpo inteiro, a equipe do Dr. Mautner examinou todos os plexiformes em conjunto, sem separar em difusos ou nodulares ou mistos.

Parte 2 – Resultados dos estudos na Alemanha

Segundo o estudo do grupo do Dr. Mautner, cerca da metade das 201 pessoas com NF1 apresentou neurofibromas plexiformes, sendo 40% internos, ou seja, visíveis nos estudos de imagem, e 30% superficiais, ou seja, visíveis no exame clínico.

Os plexiformes geralmente são congênitos, ou seja, já estão presentes no momento do nascimento. No estudo, aquelas pessoas que não possuíam plexiformes no início do estudo, não apresentaram novos tumores. Aquelas outras pessoas que já apresentavam plexiformes, desenvolveram novos tumores ao longo do estudo, numa taxa de 1 novo tumor a cada dois anos.

Este resultado sugere que quem não apresenta um plexiforme até o final da infância, provavelmente nunca desenvolverá este tumor ao longo da vida e esta é uma informação importante para as famílias.

Os pesquisadores também verificaram que os plexiformes podem ser pequenos ou grandes em volume: o tamanho médio encontrado foi de 86 mililitros (ou seja, cerca de quatro colheres de sopa), variando do menor com 5 mililitros ao maior com quase 6 litros.

A taxa de crescimento médio dos plexiformes foi de 3,7% ao ano, e foi influenciada pelo volume do tumor: quanto maior o volume inicial, maior a taxa de crescimento, que variou de -13,4% até + 111% ao ano.

Um achado surpreendente, pelo menos para mim, foi a diminuição de 3,4% do volume do plexiforme por ano em cerca de 35% dos adultos, sem qualquer tipo de medicamento ou cirurgia. Embora os autores tenham levantado a possibilidade de erro de medida, esta redução espontânea (ou erro de medida) precisa ser levada em conta nos estudos que testam medicamentos, como o SELUMETINIBE.

A taxa de crescimento dos plexiformes também variou conforme a idade, sendo maior na infância do que depois dos 18 anos. O mesmo grupo de cientistas já havia observado até 20% de aumento de volume por ano em crianças mais novas (ver AQUI resumo do artigo). Por exemplo, uma criança de 5 anos com um plexiforme com o volume de 200 ml (um copo comum) pode apresentar o tumor com cerca de 240 ml um ano depois.

Em torno dos 25 anos a taxa de aumento dos plexiformes já é bem menor, apenas cerca de 0,5% (meio por cento) ao ano. Ou seja, um adulto com 25 anos com um tumor de 200 ml estaria com um tumor de 201 ml no ano seguinte, ou seja, uma mudança praticamente imperceptível a olho nu.

Parte 3 – Efeitos da cirurgia sobre os plexiformes

Num outro estudo científico publicado no ano seguinte (2013), o mesmo grupo do Dr. Mautner apresentou novas informações sobre o comportamento dos plexiformes após tratamento cirúrgico (ver AQUI).

Estes resultados são fundamentais para compararmos os efeitos da cirurgia com o SELUMETINIBE ou outras drogas.

Os pesquisadores estudaram 52 pessoas com NF1, com a média de idade de 25 anos, que foram submetidas à cirurgia para tratamento de neurofibromas plexiformes por causa de dor (20), ou de deformidade estética (21), ou de déficit neurológico (16) ou por estas causas combinadas.

Os principais resultados da cirurgia foram: resolução completa dos sintomas em 46% das pessoas, resolução parcial em 10% e resultado inalterado em 31% dos casos operados. Os tumores voltaram (ou continuaram) a crescer em 23% das pessoas depois da cirurgia, e a análise mostrou que a cirurgia não interferiu na taxa de crescimento dos plexiformes.

Por outro lado, os efeitos indesejáveis da cirurgia foram complicações agudas, como sangramento, em 10% e dificuldades de cicatrização em 5%. Alguns pacientes (13%) desenvolveram novas queixas depois da cirurgia.

O melhor resultado observado com a cirurgia foi quando os médicos conseguiram remover completamente (a olho nu) os plexiformes e isto aconteceu em 25% dos casos, e estes tumores não voltaram a crescer até o final do acompanhamento (cerca de 3 anos). No entanto, estes tumores que puderam ser completamente ressecados eram os menores e mais superficiais e em pessoas acima dos 18 anos.

Em conclusão, os dois estudos comentados sugerem que as crianças com plexiformes mais volumosos apresentam a maior taxa de crescimento dos tumores e que a cirurgia dos plexiformes apresenta seus piores resultados nos tumores maiores e mais complexos (pescoço e cabeça) justamente nesta população.

Assim, os novos estudos com medicamentos (como o SELUMETINIBE) deveriam focar esta população na qual a cirurgia apresenta seus piores resultados.

Em outras palavras, precisam esclarecer se o medicamento deverá ser usado apenas nas crianças ou também nos adultos. Além disso, deveria ser usado apenas nos tumores que estão crescendo ou em todos eles?

Parte 4 – Então, qual seria a duração das novas fases das pesquisas com o SELUMETINIBE? 

Não sou capaz de responder precisamente sobre este medicamento, o SELUMETINIBE, porque ainda não conheço os detalhes do projeto de pesquisa. No entanto, de um modo geral, se a meta dos novos estudos continuar sendo a de diminuir em pelo menos 20% o tamanho do tumor inicial, será preciso um tempo de estudo suficientemente grande e parecido com o estudo original para este efeito ser observado, que foi de um ano e meio do uso do SELUMETINIBE.

Outro problema na determinação da duração de qualquer estudo com medicamentos é que ele pode ser interrompido quando se percebe que já se tem as respostas antes do prazo marcado, seja para o bem (efeitos positivos sobre a saúde) ou para o mal (efeitos tóxicos ou piora da saúde).

Portanto, de um modo geral, eu imagino que a duração de cada uma destas próximas fases da pesquisa com o SELUMETINIBE será em torno de 2 anos, para que ele seja definido como uma droga adequada ou não para o tratamento dos plexiformes. Isto, no plano das pesquisas científicas. Se o medicamento se mostrar efetivo, deverá ser submetido aos órgãos de vigilância sanitária nos Estados Unidos e no Brasil, o que pode levar mais um tempo que não sou capaz de definir com segurança.

Finalmente, o leitor FP havia perguntado se seu filho teria a oportunidade de entrar em uma das próximas fases da pesquisa ou se seria melhor esperar o medicamento chegar ao comércio.

Minha impressão é que o mais seguro para qualquer pessoa é receber uma medicação que seja adequada ao seu caso e que seja comprovadamente eficaz e somente depois de ter sido aprovada pelos órgãos reguladores, no nosso caso a ANVISA.

 


“Tenho uma irmã com NF1, presença de muitos neurofibromas e dificuldade na aprendizagem. Nossos pais não apresentam nenhuma característica da NF. Nossa mãe relatou ter um primo que disse ter nódulos subcutâneos. Tenho 34 anos e gostaria de saber se é possível avaliar a probabilidade de eu ter filhos com NF. Tenho adiado ser mãe por medo da NF”. TP, de local não informado.

Cara T, obrigado pela pergunta que, provavelmente, interessa a muitas famílias.

Primeiro, devo lembrar que seria necessário um exame médico com uma pessoa experiente em neurofibromatoses para afastar quaisquer sinais discretos de NF1 em você. Bastaria ter apenas mais um dos critérios diagnósticos (ver abaixo), além de um parente de primeiro grau (sua irmã) para você completar seu próprio diagnóstico de NF1.

No entanto, se você não tem manchas café com leite, nem neurofibromas, nem efélides, nem Nódulos de Lisch, nem glioma óptico, nem displasia ósseas (aquelas típicas da tíbia e da asa menor do esfenoide), então você corre o mesmo risco de ter uma criança com NF1 do que qualquer pessoa que não tenha uma irmã com NF1, ou seja, sua chance é de uma em 3000.

Quanto à sua irmã, estamos à disposição pelo SUS em nosso ambulatório no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Basta ligar para 31 3409 9560 (de terça à sexta, de 7 às 10 horas).

Quanto ao seu primo, também precisaria ser examinado clinicamente para esclarecer a origem dos nódulos subcutâneos, se são neurofibromas ou não.

Sobre sua dúvida se deve fazer exames para avaliar a probabilidade de ter filhos com NF1, geralmente o exame clínico com alguém experiente em NF é suficiente. Eventualmente, depois desse exame clínico pode ser necessária a análise do seu DNA, mas esta é uma situação muito rara.

Esta análise que fiz acima não depende do sexo dos parentes, pois as neurofibromatoses são doenças genéticas não relacionadas ao sexo das pessoas. Ou seja, se você não tem NF, mesmo que seu parente de primeiro grau fosse um irmão, ou ao contrário, você fosse um homem e a pessoa com NF1 fosse sua irmã, a probabilidade de seu filho (ou filha) nascer com NF seria a mesma do restante da população: uma em três mil.

Ontem atendemos [1] uma pessoa, que vou chamar de D e que nos causou grande impressão.

D vivia na zona rural no interior de Minas Gerais com seus outros 8 irmãos e duas irmãs. Em torno dos 7 anos de idade, sofreu uma queda de um cavalo e desde aquela época surgiu um problema em sua coluna, o qual foi se agravando, deixando-o cada vez mais encurvado, até que os médicos concluíram que não havia recursos médicos na sua região para o tratamento adequado do problema. [2 – ver esclarecimento abaixo sobre a queda e o problema da coluna]

Diante disso, os pais de D venderam a pequena propriedade e vieram com todos os filhos para Belo Horizonte, onde passaram a viver, procurando ajudar o irmão com o problema na coluna. Apesar dos esforços, D continuou com a coluna torta, o que provocava discriminação por parte dos colegas de escola, à qual ele reagia com brigas frequentes. Sem contar com apoio por parte dos professores, ele acabou por sair da escola e não aprendeu a ler nem escrever, embora tenha adquirido habilidades em matemática.

Chegando à vida adulta, D trabalhou por vários anos como trocador de ônibus e desenvolveu grande conhecimento da cidade, o que o transformou numa espécie de guia urbano para sua grande família, que, a esta altura, já havia crescido muito à medida que os irmãos e irmãs foram se casando e os sobrinhos se transformaram num grande grupo formado por 13 meninas e 15 meninos, incluindo duas crianças adotadas. Hoje, a maioria destes sobrinhos já são pais e mães.

Enquanto isso, D permanecera solteiro, depois de se relacionar apenas com uma namorada, e continuaria vivendo com seus pais, até que o pai e em seguida a mãe faleceram com mais de setenta anos. Desde então, D se sustenta de sua aposentadoria de um salário mínimo e mora uns tempos com uma das irmãs, depois com um dos irmãos e assim vai alternando sua residência entre os membros da família. Uma de suas irmãs, que o acompanhava à consulta conosco, disse que ele é extremamente querido por todos e estão preparando uma grande festa para comemorar o aniversário de sessenta anos de D nas próximas semanas.

D foi encaminhado ao nosso ambulatório pela Dra. Mônica Ramos e nos apresentou um relatório médico detalhado e muito bem feito pelo Dr. Antônio Pedro Vargas, ambos colegas da Rede Sarah de Belo Horizonte, onde D tem recebido um atendimento excelente desde 2001, em virtude do agravamento de seu problema na coluna e do aparecimento de curtos períodos de ausência. Hoje, D sabe que não foi a queda de cavalo a causa de sua cifoescoliose, mas a neurofibromatose do tipo 1, a doença que apenas ele apresenta em sua numerosa família.

Apesar da cifoescoliose, que o obrigou a usar bengalas nos últimos anos, de alguns neurofibromas cutâneos, da dificuldade de aprendizado e das convulsões controladas com medicamentos, D nos pareceu uma pessoa muito feliz, amada por sua família e satisfeita com a vida. Ficou evidente para mim e para o Anderson o grande carinho, amizade e intimidade demonstrados por sua irmã que o acompanhava na consulta, fazendo-nos crer que D possui, de fato, uma verdadeira rede social.

De onde veio tanto acolhimento para D? Parece-me que há um gesto fundamental em sua história que marcou todos os irmãos: a decisão radical de seus pais de mudarem de vida para ajudarem o irmão doente, a mudança para Belo Horizonte em busca de ajuda médica. Ao fazer isto, seus pais estavam dizendo a todos: D é importante para nós. E a família toda seguiu o exemplo dos pais.

Parabéns pelo seu aniversário, D. Desejo-lhe muitos anos a mais de convivência com esta família solidária na qual você teve a sorte de nascer.

Até a próxima semana.



[1]Eu e o Anderson Silva, um estudante de medicina que está acompanhando nosso ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

[2] Meses depois de ter postado este texto, um leito entendeu que eu afirmei que a queda do cavalo teria provocado a cifoescoliose no menino. Na verdade, a família relatou que a queda do cavalo teria causado o problema na coluna do menino, mas, na minha impressão, a causa da deformidade na coluna do garoto provavelmente já estava presente antes da queda, mas ainda não havia sido percebida.

A deformidade da coluna vertebral descoberta naquele menino foi um dos problemas de coluna que acontecem em cerca de 10% das pessoas com NF1. Podemos encontrar tanto a escoliose (inclinação para um dos lados), quanto a cifose (inclinação para a frente), ou a lordose (retificação da coluna torácica ou aumento da curvatura da coluna lombar e cervical) ou combinações destas alterações chamadas cifoescolioses(inclinação e curvatura com rotação das vértebras).
Sabemos que a maioria das deformidades da coluna nas pessoas com NF1 é benigna, chamada forma “idiopática” (palavra que significa: sem causa conhecida), que apresenta apenas inclinações mais suaves da coluna, sem alterações nos ossos e sem complicações importantes. Geralmente são escolioses isoladas, cifoses isoladas ou lordoses isoladas e não precisam de tratamentos na maioria das vezes.
Por outro lado, algumas pessoas com NF1 apresentam as formas mais graves de deformidades da coluna vertebral, que chamamos de “distrófica” (palavra que significa: crescimento anormal do tecido, no caso, os ossos). Geralmente são diagnosticadas na infância (entre 6 e 10 anos), envolvendo 4 a 6 segmentos da coluna (corpos vertebrais) e localizadas na parte inferior do pescoço ou na parte superior do tórax. Raramente são diagnosticadas depois dos 10 anos de idade.
A escoliose e a cifoescoliose distróficas são causadas pela fragilidade acentuada de alguns dos ossos da coluna, os quais não suportam o peso do corpo acima de um certo ponto e desabam parcialmente e ficam deformados, causando desequilíbrio e tortuosidade da coluna, trazendo complicações funcionais importantes, por isso precisam ser corrigidas com coletes ortopédicos e cirurgias.
Esta fragilidade nos ossos geralmente é congênita, ou seja, está presente desde a vida intrauterina e está relacionada com a falta (ou insuficiência) da proteína neurofibromina em decorrência da mutação genética que causa a NF1 (ver https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3897656/ ). Algumas vezes a cifoescoliose distrófica está associada à presença de um neurofibroma plexiforme na raiz dos nervos que saem da coluna, e os plexiformes também são congênitos, ou seja, foram formados durante a gestação.
Assim, a maior probabilidade é de que o menino com NF1 que caiu do cavalo já possuísse a fragilidade óssea antes da queda, mas o trauma pode, talvez, ter funcionado como o agente capaz de acelerar o problema, tornando-o evidente.
Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 também apresentam osteopenia (palavra que quer dizer fraqueza nos ossos), por causa da redução na estrutura mineral (menos cálcio) dos ossos. Há uma possibilidade de que esta fraqueza óssea facilite a osteoporose e as fraturas, por isso recomendamos que as pessoas com NF1 tomem banhos de sol, realizem uma dieta rica em precursores de Vitamina D e controlem anualmente os níveis de Vitamina D em seu sangue, realizando a reposição medicamentosa se necessário.
Por outro lado, também sabemos que as pessoas com NF1 sofrem quedas mais frequentemente do que a população em geral, provavelmente causadas por menor coordenação motora, menos força muscular e menos atenção. Uma recomendação que vem sendo estudada cientificamente (ver https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22466394 ) é de que exercícios regulares podem melhorar estas pequenas deficiências motoras das pessoas com NF1.

“Em janeiro deste ano meu filho de 1 ano e 8 meses foi diagnosticado através de exame genético ser portador da NF1 com deleção de gene, e pelo que tenho lido em seu blog é o caso mais grave, o que me deixa ainda mais desesperado. Desde que fiquei sabendo do resultado minha vida nunca mais foi a mesma, todos os dias fico tenso, preocupado e qualquer problema que ele apresenta já acho que é devido à NF1. Comecei a ler tudo sobre a síndrome e notei que isto estava me fazendo mais mal do que bem, então parei de ver qualquer coisa relacionada a isso. Uma menina que trabalhava comigo comentou que tinha NF1 herdada da mãe e após várias conversas com ela, fiquei um pouco mais tranquilo, até por ver seu desenvolvimento igual ou até melhor que uma pessoa que não tem NF1. Porém, ontem fizemos radiografia de acompanhamento e apontou que ele está com cifose torácica e todo aquele sentimento voltou à tona. Não sei o que fazer, pois ficar apenas acompanhando a evolução é muito pouco para um pai, preciso fazer algo mais por ele. Tenho muito medo que aconteça algo mais grave e sinto que o tempo está passando e não estou fazendo nada para ajudá-lo. O que mais posso fazer? O Dr. vê evolução no sentido de um dia achar a cura para NF1. Acredito que por se tratar de uma doença rara e não gerar benefícios financeiros não há muitos laboratórios interessados em pesquisas. E com relação a tecnologia CRISPR, ela poderá nos ajudar futuramente na cura de doenças genéticas? O Dr. tem uma filha com NF, como lidou com esta situação? Desculpe tantos questionamentos”. EV, de local não identificado.

Caro E, obrigado por ter nos aberto seu coração. De fato, são muitas as suas perguntas, mas começarei por uma das últimas, sobre como lidei com a doença (NF1) de uma de minhas três filhas.

Minha filha Maria Helena tem hoje 38 anos e também é portadora de deleção do gene NF1. Posso mencionar seu nome porque ela assume publicamente sua doença, foi ela quem me levou para a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses, da qual já foi a presidenta por dois anos.

Maria Helena é fisioterapeuta, casou-se e adotou um menino, que hoje tem 4 anos. Ela é uma pessoa feliz (como qualquer pessoa sem NF1) e se sente realizada com a vida que tem vivido. Ela aprendeu, com sofrimento, é claro, a conviver com algumas das limitações que a NF1 lhe trouxe, especialmente a impossibilidade de passar pela experiência da gravidez em decorrência do risco da gestação no seu caso clínico em particular.

No entanto, quando ela era pequena, apesar de ser médico eu dispunha de poucas informações sobre a doença e me desesperei como você. Um dia, minha esposa Thalma trouxe para nossa casa a recomendação da pediatra da Maria Helena, minha querida colega de turma a Cleonice Carvalho Coelho, que disse: “Você precisa manter a calma, para poder ajudar sua filha”. Este pensamento simples foi muito importante para nossa vida e costumo repeti-lo para as pessoas em nosso Centro de Referência.

Hoje, temos mais conhecimentos científicos sobre as neurofibromatoses, podemos evitar muitos dos tratamentos agressivos desnecessários do passado, podemos antecipar algumas complicações comuns e evitar suas consequências. No entanto, é claro, ainda resta muito por alcançar, por exemplo no caso da cifoescoliose distrófica (sem examinar pessoalmente não sei se este é o caso de seu filho) ou nos neurofibromas plexiformes da face, para ficarmos apenas em dois exemplos das complicações mais graves.

Como a evolução da NF1 é imprevisível, tanto poderá haver complicações como também poderá nada acontecer de grave. Em geral, o que podemos esperar com grande probabilidade de acontecer na maioria das pessoas com NF1, por exemplo, é alguma dificuldade de aprendizado e de inserção social.

Não sei se compreendi bem sua frase (acima, sublinhada), mas se por acaso você entendeu que minha recomendação é de ficar apenas acompanhando sem fazer nada, não é esta a nossa postura no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Recomendamos vigilância ativa em todas as pessoas com neurofibromatoses, mas cada caso tem as suas características, as quais somente podem ser percebidas depois de uma avaliação com um de nós, médicos especialistas em NF.

Quanto ao chamado “tratamento CRISPR” veja neste blog a resposta (CLIQUE AQUI).


Espero que meu depoimento pessoal tenha sido útil a você, como pai. Lembre-se da frase da Dra. Cleonice: mantenha a calma para poder ajudar seu filho.

Atividade física em academia afeta desenvolvimento da neurofibromatose? Como o aparecimento de novos neurofibromas por exemplo”. LS, de local não identificado.

Minha primeira resposta ao L. foi sugerir a ele que lesse uma informação que eu havia divulgado anteriormente (CLIQUE AQUI ), mas ele, em seguida, enviou-me outro e-mail:

“Dr. Lor, eu já tenho conhecimento sobre seu blog e, inclusive, li o artigo que o senhor recomendou. Contudo, lhe escrevi justamente por causa do artigo que li. Eu realmente possuo tanto minha função aeróbia quanto a anaeróbia delimitadas em função da NF1, creio eu. E é justamente por isso que pensei em entrar para uma academia e fazer exercícios aeróbicos e anaeróbicos, não quero competir nem nada, apenas quero melhorar minha força e meu fôlego. Possuo poucas manifestações da NF1, apenas alguns poucos neurofibromas e todos superficiais. Meu medo é que com a atividade física – mesmo que moderada e sem usar qualquer tipo de suplementos – a condição da minha doença – principalmente o crescimento de novos neurofibromas – acabe piorando”. LS.

Caro L, obrigado pelo esclarecimento, pois compreendi melhor sua pergunta.

Por enquanto, ainda não temos nenhuma resposta científica para ela, ou seja, nenhum estudo bem controlado foi realizado para saber se atividades físicas regulares e moderadas em intensidade poderiam afetar o crescimento dos neurofibromas.

Veja que foi muito recentemente (2008) que começamos a pensar nas questões relacionadas às atividades físicas (força e capacidade aeróbica) em pessoas com NF1. Portanto, espero que, com a continuidade dos estudos, um dia possamos responder a esta pergunta com dados objetivos, se atividades físicas aumentam, não afetam ou diminuem os neurofibromas.


Até lá, recomendo a prática de atividades físicas para quem tem NF1 dentro do espírito geral de promoção da saúde. Ou seja, as atividades físicas regulares e moderadas ao longo de toda a vida fazem bem à saúde de diversas formas e todo médico deve indicar este tipo de atividade às pessoas em busca de aconselhamento médico.

Por fim, acho importante não confundir esporte com saúde (quem desejar conhecer minha opinião sobre esportes pode ler um texto sobre isto em meu outro blog, como cartunista, CLICANDO AQUI).

“Meu filho tem NF1 e glioma óptico. Por causa das alterações no crescimento dele e no comportamento, o senhor suspeitou de puberdade precoce. O exame de idade óssea deu 12 anos, mas ele tem apenas 8 anos de idade. A endocrinologista quer entrar com a medicação chamada “leuprorrelina” na dose de 3,75 mg por dia. O que o senhor acha? ” PEM, de Uberaba, MG.

Cara P, obrigado pelas informações e pela pergunta.

Sabemos que a complicação endocrinológica mais comum da NF1 é a puberdade precoce, ou seja, o desenvolvimento de características sexuais e mudanças de comportamento compatíveis com a puberdade, mas antes da hora: em meninas abaixo dos 7 anos e em meninos abaixo dos 9 anos de idade.

A puberdade precoce acomete cerca de 1 a 3% das crianças com NF1, mais os meninos do que as meninas, e geralmente está associada com um tumor benigno chamado glioma, que pode atingir o nervo óptico e outras partes do sistema nervoso central.

Já comentei sobre a puberdade precoce neste blog anteriormente (ver AQUI).

Ainda não é bem conhecida a forma como a NF1 provoca a puberdade precoce, mas admitimos que aconteça uma estimulação anormal dos hormônios produzidos em certas regiões do cérebro que estão próximas do nervo óptico, regiões estas chamadas de hipotálamo e hipófise.

É meio complicado, mas podemos tentar entender como acontece.

Em condições normais, à medida que uma criança se aproxima dos 11 anos de idade, sua programação genética começa a produzir alguns hormônios, chamados de Hormônios Liberadores de Gonadotrofinas (gônada é o nome médico para as glândulas sexuais, ovário ou testículo; e trofina quer dizer estimulante do crescimento ou da atividade). A sigla para estes hormônios geralmente é usada em inglês (para sofrimento de todos os povos que falam outras línguas) e nos resultados de exames de laboratório aparecem como GnRH (Gonadotrophin Release Hormone).

Liberadas no hipotálamo, as GnRH estimulam a hipófise a produzir dois outros hormônios que vão para a circulação sanguínea:

1) Um hormônio estimulador do crescimento dos folículos ovarianos (em inglês Folicular Stimulating Hormone, FSH), os quais passam então a amadurecer os óvulos que já haviam sido formados nos ovários das mulheres desde quando elas estavam no útero de suas mães. O mesmo FSH também estimula as células que produzem a formação de espermatozoides nos homens.

2) O outro hormônio produzido na hipófise segue pela circulação até uma parte dos folículos, chamada de corpo lúteo e por isso este segundo hormônio se chama Hormônio Luteinizante (LH em inglês). Estimulados pelo LH, os folículos começam a sintetizar o hormônio estrógeno. Como sabemos, o estrógeno aumentado na circulação produz no corpo das mulheres o aparecimento das características femininas determinadas pelo seu genoma XX.

O mesmo LH nos homens estimula nos testículos a síntese de testosterona, o que irá produzir as características masculinas de acordo com o seu genoma XY.

Portanto, a puberdade é uma consequência final do aumento de liberação cerebral de GnRH, com a produção de FSH e LH, os quais atuam sobre ovários (ou testículos) que passam a sintetizar estrógeno (meninas) ou testosterona (meninos).

Na puberdade, quando estas maiores quantidades de estrógeno (ou de testosterona) circulam no sangue, isto se constitui num sinal para que o crescimento ósseo comece a ser interrompido, ou seja, os hormônios sexuais causam a soldadura das epífises ósseas, aquela camada de tecido ósseo responsável pelo crescimento dos ossos longos. Desta forma, um tempo depois de iniciada a produção de estrógeno (ou testosterona) a pessoa termina o seu crescimento, o que acontece em torno dos 18 aos 20 anos.

Entre as pessoas com NF1, algumas delas parecem produzir certos hormônios hipotalâmicos e hipofisários em maiores quantidades, como o próprio GnRH comentado acima e outros hormônios controladores do crescimento corporal (GH em inglês), da função tireoidiana (TSH, em inglês) e da lactação (a prolactina).

Aparentemente, este descontrole hormonal do GnRH na NF1 seria a causa da puberdade precoce. Por isso o tratamento consiste em aplicar um medicamento cuja estrutura química é semelhante ao GnRH (como a leuprorrelina), o qual se liga de forma duradoura aos receptores do GnRH na hipófise, inibindo assim a produção de FSH e LH, o que interrompe a puberdade precoce e faz com que as características sexuais e comportamentais regridam.

O tratamento geralmente é eficaz, fazendo com que as crianças voltem a crescer normalmente, para retomar sua puberdade na ocasião adequada.