Agradeço a uma colega oncologista (Dra. Fernanda Tibúrcio do HC-UFMG) que nos apresentou uma adolescente com Neurofibromatose do Tipo 1, cujo principal problema parece ser um grande neurofibroma plexiforme (NP) na região pélvica, aparentemente envolvido em crises de cólicas abdominais atribuídas à compressão do tumor sobre as alças intestinais.
Este caso nos permite compreender diversas questões importantes sobre os NP, que são uma das principais complicações de um terço das pessoas com NF1.
Há alguns anos, numa das crises de dor abdominal, desconhecendo a natureza congênita e não maligna dos NP – por causa da raridade da doença, – uma equipe médica realizou uma intervenção cirúrgica na adolescente que resultou em colostomia permanente, sem, no entanto, alterar o padrão das cólicas e dos demais sintomas. A colostomia trouxe grande transtorno físico e psicológico para a família, que sofre em busca de uma solução cirúrgica ou medicamentosa para o NP. Considerando que estes tumores (especialmente os grandes e profundos) apresentam uma tendência (entre 15 e 30% deles) para se tornarem malignos ao longo da vida, realizamos uma tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET CT), que mostrou baixa captação da glicose radioativa de forma homogênea e não sugestiva de malignização em curso. Portanto, a conclusão é que, no momento, o NP não ameaça a vida da paciente e, portanto, não haveria indicação para uma tentativa de remoção do NP, até porque ele não pode ser completamente removido cirurgicamente devido à sua natureza ramificada e difusa. Diante disso, a colega oncologista levantou a possibilidade da utilização de Sirolimo (um medicamento quimioterápico para alguns cânceres) ser útil na redução do NP.
Com o auxílio da Doutora Luíza de Oliveira Rodrigues, realizamos
uma revisão nas bases de dados com informações disponíveis (PubMed, Uptodate, DynaMed, Lilacs, Bireme e Cochrane) que pudessem ser úteis no presente caso.
Inicialmente, devemos lembrar que o Sirolimo (ou Sirolimus) inibe uma enzima chave na progressão do ciclo de reprodução celular (a proteína mTOR) e por isso é usado como imunossupressor e antineoplásico, diminuindo a ativação e proliferação dos linfócitos, da Interleucina 2 e outros receptores do crescimento celular. Por sua ação biológica, apresenta toxicidade hematológica, que resulta em infecções, infestações e anemia, além de outros efeitos colaterais.
Encontramos apenas 3 estudos diretamente relacionados com a questão do uso de Sirolimo nos NP da NF1:
Um estudo em andamento (Fase II) sobre Sirolimo como tratamento de neurofibromas plexiformes progressivos e inoperáveis foi realizado por Weiss e colaboradores, entre eles pesquisadores conhecidos do nosso grupo brasileiro, como David Viskochil, Bruce Korf e Dave Gutmann. Os resultados foram publicados em 2015 (ver o artigo aqui)) e eles concluíram que o retardo no crescimento dos NP em quatro meses justificaria o uso de Sirolimo em casos específicos, porque observaram poucos efeitos colaterais.
No entanto, outro estudo do mesmo grupo de pesquisadores (ver o artigo aqui)) já havia concluído em 2014 que o estudo de imagem nos mesmos pacientes não mostrara qualquer benefício do Sirolimo na redução do tamanho dos neurofibromas plexiformes.
Pensando em nossa paciente brasileira, não nos parece que ela seja um destes casos específicos com indicação para o Sirolimo, pois não apresenta no momento crescimento progressivo e inoperável do NP.
Outro estudo, de 2014, de Hua e colaboradores (ver o artigo aqui), avaliou o tratamento com Sirolimo em três adolescentes com neurofibromas plexiformes inoperáveis e dor contínua neuropática. Eles observaram que os tumores não diminuíram de tamanho, mas a dor foi aliviada em duas pessoas ao longo de seis meses de tratamento e que, considerando a toxicidade do medicamento, ele somente deveria ser usado em casos extremos.
Pensando novamente em nossa paciente brasileira, ela não tem necessitado de analgésicos de forma contínua, exceto nas crises ocasionais de cólicas, que são aliviadas com antiespasmódicos e medidas de esvaziamento intestinal.
Além disso, na falta de outros estudos, com maior número de pessoas em uso de Sirolimo para neurofibromas plexiformes, também pesquisamos sobre um medicamento semelhante ao Sirolimo, que é o Everolimo, também inibidor da mTOR. Não há ensaios clínicos com o everolimo para o tratamento de neurofibromas plexiformes e as evidências são frágeis e não favoráveis à incorporação do uso do Everolimo para o tratamento de outros tumores (como os neuroendócrinos e o câncer de mama), devido à ausência de benefícios do Everolimo em sobrevida global ou qualidade de vida e à alta toxicidade do mesmo, com efeitos colaterais potencialmente fatais.
Assim, em resumo, até o presente momento, continua sob estudos o uso do Sirolimo no tratamento dos neurofibromas progressivos e inoperáveis, mas não há evidência de que o Sirolimo deva ser recomendado no caso da adolescente em discussão e muito menos que seja recomendado de forma ampla na neurofibromatose do tipo 1. O Everolimo ainda não foi estudado em pacientes com neurofibromatose do tipo 1 e também não pode ser recomendado.