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Recentemente, nosso grupo de pesquisa no CRNF publicou 3 artigos científicos, que fazem parte da pesquisa de doutorado do nutricionista Márcio Leandro Ribeiro de Souza.

Desde 2012, nosso grupo de pesquisa realiza pesquisas na área de Nutrição na NF1, tentando entender características nutricionais que possam contribuir para uma melhor qualidade de vida e saúde dos indivíduos com NF1.

Um desses trabalhos publicados agora em maio de 2020 na Revista da Associação Médica Brasileira avaliou as características ósseas na NF1 (densidade mineral óssea e conteúdo mineral ósseo). Foi o primeiro estudo brasileiro a investigar os aspectos ósseos em indivíduos brasileiros com a doença.

Os autores observaram que indivíduos com NF1 apresentaram menor massa óssea e menor altura quando comparados com indivíduos sem a doença. Além disso, a densidade mineral óssea no corpo total e na coluna também foram menores nos voluntários com NF1. A prevalência de indivíduos com massa óssea abaixo do esperado para a idade foi maior na NF1 (34,6%) do que na população sem a doença (7,7%). Esses dados confirmam as observações de estudos internacionais que demostraram que a NF1 pode afetar as características ósseas.

Ainda nesse estudo, nosso grupo de pesquisa avaliou se essas alterações ósseas poderiam estar associadas com o consumo alimentar. Hoje em dia sabemos que mais de 20 nutrientes são importantes para a saúde óssea, como cálcio, vitamina D, magnésio, vitamina K, entre outros. Os voluntários com NF1 da pesquisa apresentaram menor consumo de cálcio, ferro e vitamina A, e um consumo maior de sódio e ômega 6, todos nutrientes importantes para a saúde óssea quando consumidos em quantidades adequadas. Porém em nosso estudo não houve associação entre o consumo de nutrientes com a massa óssea ou com a densidade mineral óssea na NF1.

Veja o estudo completo no link a seguir:

https://www.scielo.br/pdf/ramb/v66n5/1806-9282-ramb-66-5-0666.pdf

Além disso, a pesquisa de doutorado do nutricionista Márcio Souza avaliou o gasto energético de repouso usando a calorimetria indireta e a composição corporal através da absorciometria com raios-X de dupla energia (DXA), considerados os métodos padrão-ouro para essas avaliações. Esse estudo foi publicado na Clinical Nutrition ESPEN em 2019. Veja o estudo no link a seguir:

https://clinicalnutritionespen.com/article/S2405-4577(19)30135-4/pdf

Porém, como esses métodos padrão-ouro apresentam custo mais elevado, nosso grupo de pesquisa buscou comparar esses métodos com outros de acesso mais fácil, com o objetivo de avaliar o melhor método para ser usado na prática clínica em indivíduos com NF1, facilitando a assistência aos indivíduos com a doença. Ambos os estudos foram publicados na Journal of Human and Clinical Genetics.

O primeiro estudo comparou o gasto energético de repouso, ou seja, a energia que nosso corpo gasta para manter suas funções vitais, através da calorimetria indireta com 8 equações preditivas comumente usadas por profissionais de saúde para estimar o gasto energético. Todas as equações testadas subestimaram o verdadeiro gasto energético de repouso em indivíduos com NF1, o que demostra que essas equações precisam ser usadas com cautela nessa população. O estudo pode ser acessado através do link abaixo.

https://www.humangeneticsjournal.com/articles/resting-energy-expenditure-in-neurofibromatosis-type-1-indirect-calorimetry-versus-predictive-equations.pdf

O outro estudo comparou o percentual de gordura dos indivíduos com NF1 avaliados através da DXA (considerado o melhor método para essa avaliação) com 4 equações usando a bioimpedância elétrica e 5 equações usando as dobras cutâneas avaliadas com o adipômetro. O estudo mostrou que o uso da bioimpedância elétrica é melhor na NF1 do que as dobras cutâneas, principalmente para os homens com NF1. O estudo pode ser acessado através do link abaixo:

https://www.humangeneticsjournal.com/articles/assessment-of-adiposity-in-neurofibromatosis-type-1-comparison-between-dual-energy-x-ray-absorptiometry-and-conventional-methods.pdf

Ainda sabemos menos do que gostaríamos sobre os aspectos da Nutrição na NF1, mas aos poucos vamos conhecendo algumas características importantes na doença que podem estar associadas com a Nutrição.

Dr. Márcio Ribeiro de Souza

Nutricionista

Texto adaptado para a página da AMANF a partir da edição especial da NEUROLOGY por Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e Sara de Castro Oliveira.

Aparecimento dos NFc

Os NFc geralmente se tornam visíveis após a puberdade, mas há grandes variações na sua manifestação entre diferentes pessoas com NF1, as quais possuem diferentes mutações no gene NF1.

Além de as pessoas com NF1 apresentarem mutações diferentes entre si, cada pessoa (portanto com uma determinada mutação no gene NF1) pode apresentar diferentes tipos de neurofibromas, desde neurofibromas plexiformes até NFc, além de variados tipos de NFc.

Uma das explicações para esta variedade de tipos e comportamentos dos neurofibromas numa mesma pessoa (ou entre pessoas da mesma família com a mesma mutação) é que a segunda mutação necessária para a formação do NF seria diferente entre cada um dos tumores e ela ocorreria em cada NFc em momentos distintos da vida. Ou que fatores aleatórios ainda desconhecidos influenciariam o desenvolvimento dos NFc.

Em outras palavras, durante um exame clínico, ainda não sabemos se um pequeno NFc se desenvolverá da mesma forma que um grande NFc ao seu lado (ou seja, seriam NFc semelhantes, mas apenas em fases diferentes), ou se cada um deles terá um curso diferente pois seriam tumores distintos.

Tamanho e quantidade de NFc

    

Figura 4 –  Variação da quantidade de neurofibromas cutâneos (NFc) nas costas de pessoas com NF1. Esquerda: poucos pontos marcados; Direita: muitos pontos marcados. (Fotos: Dra. Sara Castro de Oliveira).

Os NFc variam muito em tamanho (desde milímetros a centímetros – ver escala nas laterais da Figura 4) e quantidade (desde poucos até milhares) entre as pessoas com NF1, podendo surgir em qualquer parte do corpo, com preferência pelo tronco. Ver foto de NFc de tamanhos variados aqui .

Não há nenhum fator identificado que possa prever a quantidade de NFc que uma pessoa apresentará ao longo da vida, com apenas duas exceções: as microdeleções (perda completa de um dos alelos do gene NF1) que se caracterizam por maior número de NFc e pelo seu aparecimento precoce na infância; e, ao contrário, há dois tipos de mutação (em p.Met992del e em p.Arg1809) que apresentam pouquíssimos ou mesmo nenhum NFc ao longo da vida.

Conhecer melhor estas duas mutações com poucos NFc (que são indistinguíveis da Síndrome de Legius) poderá trazer informações valiosas para a compreensão da formação e tratamento dos NFc.

Fora estas exceções acima, não foi possível estabelecer qualquer relação genótipo-fenótipo na formação dos NFc. O que se espera agora é que nos próximos estudos sejam encontradas correlações entre as diferentes estruturas da neurofibromina produzida pelas mutações e o número e tamanho dos NFc.

Idade e NFc

Nas demais pessoas com NF1, o número de NFc aumenta com a idade, de tal forma que pessoas mais velhas apresentam mais NFc (ver Figura 4). No entanto, eles crescem mais lentamente depois dos 35 anos e variam o crescimento nas diferentes áreas do corpo.

A taxa de crescimento dos NFc observada num estudo pioneiro realizado durante 8 anos (ver  AQUI ) foi um crescimento médio mensal de aproximadamente 1,7 a 2,7% no volume dos NFc da seguinte forma: nas costas: 0,37 mm3, no abdome: 0,28 mm3 e nos braços e pernas: 0,21 mm3.

O número de novos NFc em 8 anos foi de 3,1 nas costas, 1,7 no abdome e 0,4 nas pernas e braços (por área de 100 cm2).

Nenhuma involução, ou seja, nenhum desaparecimento de NFc foi verificado.

Figura 5 – Número de neurofibromas cutâneos (NFc) ao longo da vida. Observa-se que abaixo de 10 anos de idade as pessoas com NF1 apresentam apenas 0 a 1 NFc (barra preta). Ao contrário, acima dos 60 anos de idade cerca de 60% delas apresentam mais de 100 NFc (barra laranja). Adaptado de Duong e col. 2011 (ver aqui: AQUI)

Neste momento, novos estudos sobre o crescimento dos NFc estão em andamento, inclusive o que está sendo realizado pela Dra. Sara Castro de Oliveira no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Hormônios e NFc

Uma das ideias mais frequentemente encontradas é de que a gestação e fases de modificação hormonal causariam aumento dos NFc. Alguns estudos sugerem que o número de NFc aumentam durante a gravidez, mas não foram afetados pelo uso de anticoncepcionais hormonais. No entanto, estes estudos são inconclusivos pois foram retrospectivos e subjetivos.

Estudos em laboratório e em animais sugerem efeitos hormonais no crescimento dos neurofibromas.

Curiosamente, homens apresentam mais NFc numa mesma idade que as mulheres, mas o número de NFc depois dos 40 anos é semelhante entre homens e mulheres independentemente do número de gestações que elas tenham tido.

A conclusão atual é de que os hormônios podem ter um papel na história natural dos NFc, mas não parecem ser a causa e nem o fator mais importante. Estudos prospectivos são fundamentais para esclarecermos esta questão.

 

Vitamina D e NFc

Observou-se também que pessoas com NF1 e com muitos NFc apresentam baixos níveis de Vitamina D no plasma, mas ainda não está definido se estes dois achados são causa entre si ou apenas coincidência.

 

No próximo post falaremos do comportamento clínico dos neurofibromas cutâneos.

Reproduzo abaixo a conversa interessante que tive por e-mail com a leitora SS, de Curitiba, sobre o uso de Vitamina D como possível prevenção do crescimento de neurofibromas em sua filha. Separei o texto por assuntos e irei respondendo passo a passo.

Agradeço à S pela pergunta, pelas questões muito bem ponderadas e pelo artigo que me enviou sobre Vitamina D.

Atraso no desenvolvimento?

“Há algum tempo atrás você me respondeu algumas perguntas sobre a NF1, que descobrimos em minha filha quando ela tinha uns 10 meses (que dias de aflição, meu deus). Atualmente ela está com 1 ano e 10 meses e por enquanto parece estar tudo bem. A única coisa que ainda me incomoda é a fala. As palavras que ela diz são: mamãe, papai, aqui, esse, au-au, mimi (o nome dela), mamá, papá, abi (abre), pepê (chupeta). A neuro nos disse que isso ainda não é motivo de preocupação, então continuamos estimulando. Ela se comunica bem, nos entende e se faz entender, mas falar mesmo, ainda não está lá essas coisas. Outra coisa que noto é que ela parece ser mais bebezinha do que as crianças da idade dela: ela é um pouco menos ágil: por exemplo, uma criança da idade dela já consegue pular e fazer movimentos mais rápidos, mas a M. parece não ter a mesma capacidade. Ela se ergue devagar, por exemplo. Ela não engatinhou e andou com 1 ano e 3 meses (e ambos os casos eu sei que não dá para considerar categoricamente como atraso no desenvolvimento). É difícil isso, não saber se essas constatações são fruto da NF1 ou se simplesmente são “o tempo dela”.

Resposta: Cara S, você descreveu um conjunto de manifestações frequentemente encontradas nas crianças com NF1, ou seja, um certo atraso no desenvolvimento psicomotor em relação às outras crianças da mesma idade. Independentemente da causa, nossa impressão é de que devemos oferecer apoio pedagógico adicional para estas crianças, como fonoterapia e terapia ocupacional (integração sensorial – VER AQUI) para que elas alcancem o seu potencial humano. Além disso, estimular em casa com brincadeiras que envolvam atividades físicas com ritmo, dança, cantos e equilíbrio.

 

Revelar ou não a doença?

“Ontem estivemos na escola para conversar sobre a mudança de turma. M. nasceu em outubro e por ser menorzinha, a diretora optou por mantê-la na turminha do berçário em lugar de passá-la para a próxima turma (nós não contamos à escola sobre a NF1, porque não queremos que ela seja tratada de forma diferente. Queremos ver como a escola vê o desenvolvimento dela sem saber de sua condição, já que sabendo, poderiam ser sugestionados e enxergar problema onde talvez não exista)”.

Resposta: Concordo com você, porque revelar a doença antes que ela seja evidente pode trazer tratamentos diferenciados para a criança (VER AQUI). Uma boa estratégia é oferecer o apoio pedagógico adicional, em paralelo à escola, que já mencionei acima. Se a escola pedir uma avaliação neurológica ou psicológica, será o momento de revelar e informar sobra a NF1.

Qual a turma ideal?

“Aparentemente a escola acredita que a M. tem condições de ir para a próxima turma, onde todas as crianças são maiores que ela. Acreditamos que ali ela vai desenvolver melhor a questão da independência, da convivência, da autodefesa, da linguagem, etc. Aparentemente eles não notaram qualquer problema no desenvolvimento dela, apenas sentem que ela “está no tempo dela”, o que, de alguma forma, é bom. Mesmo crianças sem NF1 não atingem todos os “marcos” no tempo esperado. ”

Resposta: Você tem razão, pois o desenvolvimento de cada criança segue ritmos próprios, apesar de haver uma média geral e limites aproximados. Temos notado que as crianças com NF1 preferem a convivência de outras com idade um pouco menor do que a sua, talvez porque se sintam mais capazes de acompanhar as atividades adequadamente.

Vitamina D e neurofibromas?

“Queria comentar com você é sobre vitamina D. Eu li todas as perguntas no seu blog e já sei que nos estudos que vocês conduziram não foram achadas diferenças significativas na dosagem entre o grupo controle e o NF1, diferente do estudo da Alemanha, no qual foi encontrada relação direta entre o número de neurofibromas e a dosagem da vitamina D. “

Resposta: De fato, observamos que tanto as pessoas com NF1 como as pessoas sem NF1 apresentaram níveis menores (do que o ideal) de Vitamina D nas dosagens que fizemos, mas não houve diferença entre as pessoas com NF1 e sem NF1.

Nosso interesse sobre a Vitamina D se refere à sua possível correlação com o número de neurofibromas, mas também com o desenvolvimento ósseo, pois as pessoas com NF1 apresentam maior tendência para a osteopenia (situação intermediária entre o osso normal e a osteoporose – VER AQUI )

Esclerose múltipla?

“O que me fez escrever foi que eu li bastante sobre o tratamento do Dr. Coimbra para esclerose múltipla que usa doses cavalares de vitamina D, sem os medicamentos que normalmente são prescritos para essa doença. Gosto muito dos relatos dos próprios pacientes. ”

Resposta: Não conheço cientificamente a esclerose múltipla, portanto não posso opinar com segurança sobre esta questão.

 

Qual a dose de suplementação de Vitamina D?

“Lendo sobre a vitamina D (e tentando achar fontes confiáveis), me parece já haver um consenso de que há uma defasagem praticamente mundial nos níveis da população em geral. E também vi um outro estudo (esse honestamente não li inteiro e também não sei o quanto é confiável) que menciona haver um erro estatístico nas doses diárias recomendadas para reposição da vitamina D, que deveriam ser maiores do que aquelas atualmente praticadas. Ei-lo: VER AQUI
Lendo um pouco sobre a relação da vitamina D e tumores e mais muitas e muitas outras condições em que ela tem papel relevante, eu me perguntei se simplesmente aumentar a dose de vitamina D que eu dou para a minha filha não poderia atuar como uma profilaxia para evitar algumas das complicações da NF1 no futuro. Atualmente estamos dando 200u.i. por dia, mas já li que deveria ser 600 ou mais.”

Resposta: Obrigado pelo artigo que enviou, que achei muito interessante. Ele se refere aos níveis de Vitamina D alcançados no sangue com a suplementação e não aos efeitos destes níveis sobre a saúde.

Tenho acompanhado este debate sobre os níveis ideais de Vitamina D para a saúde da população. De um lado, há pesquisadores que insistem em níveis acima de 50 mmol/L e recomendam suplementação diária, mas a maioria dos estudos foi feita em países com pouca radiação solar (o sol é fundamental para a síntese natural da Vitamina D) e alguns destes cientistas estão fortemente ligados à indústria farmacêutica (especialmente o Hollick VER AQUI).

Há também quem recomende a suplementação de Vitamina D em pessoas com NF1 (como VER AQUI) para melhorar a densidade óssea, mas o estudo foi feito pelo grupo do Dr. Mautner, na Alemanha, sabidamente um país com menor radiação solar do que o Brasil, por exemplo.

Por outro lado, há autores que questionam a necessidade de suplementação de Vitamina D, por exemplo, o Dr. Stevenson de Utah, nos Estados Unidos, que não encontrou relação entre Vitamina D e neurofibromas e nem com a densidade óssea em pessoas com NF1 (VER AQUI ).

Outro estudo multicêntrico, incluindo Europa e Estados Unidos, encontrou menor força muscular nas pessoas com NF1 mas sem relação com os níveis de Vitamina D ( VER AQUI ).

Em conclusão, temos recomendado em nosso Centro de Referência que as pessoas com NF1 tomem banhos de sol regularmente e meçam a Vitamina D ocasionalmente. Se os níveis de Vitamina D vierem menores do que 20 mmol/L recomendamos a suplementação com 400 UI diariamente.

 

O que está sendo estudado sobre Vitamina D e NF1?

“Entendo que se eu decidir suplementar diariamente e se por ventura minha filha não apresentar tantos sinais da doença no futuro, não necessariamente isso será por conta da vitamina D, pode ser simplesmente porque a NF1 dela era dos casos “leves”. Assim, pergunto: existe algum estudo sobre suplementação diária de vitamina D, com doses realmente significativas, sendo conduzido ou alguma criança que vocês acompanhem e que esteja recebendo doses de vitamina D como profilaxia (como aquele médico italiano fez com o cetotifeno)? E em relação às pessoas estudadas, as que tinham menos neurofibromas faziam uso de algum suplemento de vitamina D? As pessoas que foram diagnosticadas com casos mais “leves” tem níveis diferentes de vitamina D do que as demais?

Em suma, gostaria de saber se não é interessante a suplementação de vitamina D, em níveis maiores do que os atualmente recomendados, desde a mais tenra idade, como forma de mitigar/atrasar os sinais da NF1 no adulto. Tomar sol aqui em Curitiba não é fácil e essa é uma recomendação que realmente não dá para seguir, por isso, me parece que suplementar é ideal, não só para a NF1, mas para a saúde em geral. Mas quanto?

Resposta: Cara SS, lendo a sua pergunta imagino que tenha uma boa formação científica, pois você mencionou de forma lúcida as principais questões que devem ser levadas em consideração se quisermos responder com uma boa pesquisa experimental sobre os efeitos da Vitamina D sobra as pessoas com NF1.

Não conheço nenhum estudo científico neste momento que preencha todas estas condições que você mencionou. Talvez pelo fato da maioria dos centros de pesquisa em NF que possuem grandes recursos financeiros esteja interessada em outras questões mais urgentes e graves (como plexiformes e transformação maligna, por exemplo).

Nosso grupo de pesquisadores na UFMG está implementando uma técnica desenvolvida pelo grupo do Dr Mauro Geller para contar e medir o tamanho dos neurofibromas cutâneos (VER AQUI). Quem sabe poderemos avaliar os efeitos da Vitamina D num futuro breve? Quem sabe você poderia participar deste estudo?

No entanto, neste momento, não tenho respostas seguras baseadas em evidências científicas para todas as perguntas importantes e inteligentes que me fez.

“Tenho um filho de 6 anos com 4 manchas e outro de 5 meses com 2 manchas desde o nascimento, ambos sem qualquer outro sinal de NF1. Eu sou branca, italiana, mas meu marido tem a pele escura, pois é de origem indiana. Dois médicos aqui em Ruanda e na Itália, disseram que não se trata de NF1 e que a diferença na cor de nossa pele é a causa destas manchas em nossos filhos. Isto é verdade? ” Mensagem em inglês de LF, de Ruanda, África.


Cara L, obrigado pela sua pergunta.
Esta informação, de que a diferença na cor da pele dos pais poderia causar manchas café com leite nos filhos, circula entre pessoas de várias partes do mundo, pois já a ouvi de médicos no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra[1] e agora você me fala dos médicos na África e na Itália.

Primeiramente, preciso deixar bem claro que as manchas café com leite típicas da neurofibromatose NÃO SÃO CAUSADAS pela possível diferença de cor da pele entre os pais, inclusive este esclarecimento já consta de nossa cartilha “As manchinhas da Mariana” (ver AQUI).

No entanto, esta ideia, de que o casamento entre pessoas com diferenças na cor da pele possa causar problemas de saúde, precisa ser melhor compreendida.

Este conceito, que considero equivocado parece-me pertencer às ideias de “pureza racial”, de que existiriam “raças” humanas e que algumas seriam melhores e outras piores e que o casamento (ou a reprodução) entre pessoas de cor de pele diferente levaria a uma “degeneração” da espécie humana. Ver o excelente filme “Loving”, que mostra como a luta de um casal nesta situação levou a mudanças nas leis racistas norte-americanas (ver o trailer AQUI).

Infelizmente, estas ideias de fundo racista continuam a ser defendidas por muitas pessoas, apesar de todas as evidências científicas de que não existem raças humanas no sentido biológico. O que existem são diferenças no campo das ideias, dos costumes, da língua, da música, ou seja, diferentes culturas entre populações que se originaram em regiões climáticas distintas (sobre isto, veja a excelente palestra da socióloga Dorothy Roberts AQUI).

Atualmente (2021), penso que não existem raças biológicas, mas existe racismo, ou seja, os preconceitos contra pardos e pretos (negros) causa profunda desigualdade e injustiça social. Portanto, o problema social é mais importante do que o conceito biológico. O racismo discrimina, fere e mata. Ver aqui um texto sobre quando nos tornamos racistas.

A pele ficou diferente entre populações geográficas distantes entre si porque a maior ou menor exposição destas antigas populações à luz do sol fez com que a espécie humana (sem raças) se tornasse mais ou menos pigmentada para proteger sua saúde. Assim, em regiões de muita radiação ultravioleta, a pele mais escura protege uma vitamina importante no desenvolvimento neurológico, o ácido fólico; ao contrário, em regiões de pouca radiação ultravioleta, a pele mais clara permite a síntese de outra vitamina fundamental no desenvolvimento ósseo, a vitamina D.

Desta forma, as pessoas com pele mais pigmentada tiveram filhos mais saudáveis nos ambientes com muita radiação solar, enquanto as pessoas com pele mais clara tiveram filhos mais saudáveis em ambientes com pouca radiação solar. Ao longo de milhares de anos foram sendo selecionadas populações com diferentes cores de pele para cada uma das regiões climáticas do planeta.

Isto nada tem a ver com calor, nem mesmo com o câncer mais perigoso de pele, o melanoma, que não depende de exposição ao Sol. Também nada a ver com inteligência, caráter ou comportamento. São peles diferentes apenas pelos motivos evolutivos acima descritos. No entanto, a cor da pele tem servido para explicações racistas de afirmam que existem pessoas superiores e pessoas inferiores, explicações estas que são usadas para justificar a escravidão e a exploração das classes econômicas dominantes sobre o restante da população.

Assim, mais luz solar, pele negra; menor luz solar, pele branca. E se o casamento (ou a reprodução) acontecer entre pessoas de pigmentação diferente de pele, então múltiplas e maravilhosas variações na cor da pele surgem e aumentam a diversidade humana, que é a fonte principal de nossa riqueza, inclusive para nossa sobrevivência como espécie (ver o excelente livro de Pascal Picq AQUI ).

Ou seja, no casamento entre pessoas de diferentes cores de pele não há qualquer prejuízo à saúde dos filhos. Ao contrário, haverá maior diversidade biológica, fonte da resistência aos desafios do meio ambiente, ou seja, mais saúde.

Mas a sua pergunta ainda existe: nestes casamentos podem aparecer pequenas manchas atípicas?

Não encontrei qualquer estudo científico que tenha comprovado ou afastado esta ideia. No entanto, atendemos em nosso Centro de Referência uma população formada por cerca de um terço de genes de origem africana, um terço de origem indígena e um terço de origem europeia. Ou seja, somos uma população mestiça, onde há maior chance de casamento entre pequenas variações de cor da pele do que entre os extremos da pigmentação.

Portanto, para responder sua pergunta, teríamos que realizar um estudo científico adotando alguma das classificações de cor da pele e sair investigando todas as pessoas que se casam com outras de cor diferente para saber se em seus filhos aparecem ou não mais manchas cutâneas do que no restante da população. Vamos supor que o resultado mostrasse que sim, que haveria mais manchas ocasionais, qual seria a utilidade deste enorme esforço para a saúde das pessoas?

Não vejo utilidade médica ou clínica nesta divisão das pessoas pela cor da pele, exceto para algumas poucas doenças (como anemia falciforme, por exemplo). Ao contrário, penso que se dermos importância exagerada à cor da pele, além de seus efeitos biológicos de proteção do ácido fólico e da vitamina D, podemos aumentar os preconceitos, o racismo e a cruel divisão social que já existe entre os seres humanos.

[1] Ferner, Huson & Evans: Neurofibromatosis in Clinical Practice, Springer, London, 2011 ver AQUI

 

“Outro dia o senhor falou em fraqueza dos ossos nas pessoas com NF1. Nós temos mais risco de sofrermos osteoporose? ” MCRS, de Olinda, PE.

Cara M, obrigado pela pergunta, que me oferece a oportunidade de aumentar nosso conhecimento sobre a osteopenia (fraqueza nos ossos) nas pessoas com NF1.

Para responder a você, reproduzo abaixo as recomendações das doutoras Rosalie E. Ferner (Londres), Susan M. Huson e do doutor David Gareth R. Evans (Manchester) para as pessoas com NF1, que devem procurar ajuda de especialistas em prevenção de osteoporose de acordo com orientações abaixo.

Quanto maior o número de condições que você preencher na relação abaixo, mais motivos você terá para procurar ajuda especializada (as marcadas em vermelho são mais comuns nas pessoas com NF1 do que na população em geral).

1. Sexo feminino;

2. História familiar de osteoporose;

3. Dieta pobre em cálcio e em alimentos precursores da Vitamina D;

4. Hábito de fumar;

5. Alcoolismo;

6. Baixa massa corporal (relação peso/altura); 

7. Tratamento com anticonvulsivantes;

8. Menarca atrasada (primeira menstruação tardia, depois dos 14 anos); 

9. Cirurgia para escoliose com implantação de hastes de suporte;

10. Menopausa precoce (antes dos 45 anos);

11. Anticoncepcionais injetáveis (contendo progesterona);

12. Tratamento prolongado com corticoides;

13. Doenças crônicas que retiram cálcio do organismo ou dificultam a sua absorção intestinal (doenças renais, doenças hepáticas, doença inflamatória intestinal, doença celíaca, hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, artrite reumatoide, anorexia nervosa);

14. Doenças que restringem a mobilidade (por exemplo, esclerose múltipla, derrames cerebrais);

15. Fraturas causadas por pequenos traumas;

16. Qualquer fratura vertebral

Espero que estas orientações sejam úteis. Espero também que você tenha poucos dos fatores acima, e então mantenha sua atividade física regular, sua dieta adequada e seus banhos de sol.

“Minha filha com NF1 está na Ginástica Acrobática. Ela gosta muito, está super bem e feliz. Na sua voz: Lá eu consigo fazer tudo o que os outros conseguem! Temos que ter alguma preocupação com esta atividade? Ela não apresenta qualquer problema, mas como não possui exames para avaliar os neurofibromas internos e a história do garoto que veio a ter problemas da coluna “após uma queda de cavalo” me alertam. Como pai, acho que não é preciso preocuparmos, mas, considerando as tantas variáveis da NF, fico a pensar se devemos tomar algum cuidado. ” RBL, de local não identificado.

Caro R, obrigado pela sua mensagem, que nos ajudará a entender melhor o significado dos problemas de coluna nas pessoas com NF1.

Parece-me que você entendeu que eu afirmei que a queda do cavalo teria provocado a cifoescoliose naquele menino, cuja história contei no post chamado “Um tio querido” (ver AQUI). Na verdade, a família relatou que a queda do cavalo teria causado o problema na coluna do menino, mas, na minha impressão, a causa da deformidade na coluna do garoto provavelmente já estava presente antes da queda, mas ainda não havia sido percebida.

A deformidade da coluna vertebral descoberta naquele menino é um dos problemas ortopédicos que acontecem em cerca de 10% das pessoas com NF1. Podemos encontrar tanto a escoliose (inclinação para um dos lados), quanto a cifose (inclinação para a frente), ou a lordose (retificação da coluna torácica ou aumento da curvatura da coluna lombar e cervical) ou combinações destas alterações chamadas cifoescolioses (inclinação e curvatura com rotação das vértebras) – ver figura acima.

Sabemos que a maioria das deformidades na coluna das pessoas com NF1 é benigna, chamada de forma “idiopática” (palavra que significa: sem causa conhecida), que apresenta apenas inclinações mais suaves da coluna, sem alterações nos ossos e sem complicações importantes. Geralmente são escolioses isoladas, cifoses isoladas ou lordoses isoladas e não precisam de tratamentos na maioria das vezes.

Por outro lado, algumas pessoas com NF1 apresentam as formas mais graves de deformidades na coluna vertebral, que chamamos de forma “distrófica” (palavra que significa: crescimento anormal do tecido, no caso, os ossos). Geralmente são diagnosticadas na infância (entre 6 e 10 anos), envolvendo 4 a 6 segmentos da coluna (corpos vertebrais) e localizadas na parte inferior do pescoço ou na parte superior do tórax. Raramente são diagnosticadas depois dos 10 anos de idade.

A escoliose e a cifoescoliose distróficas são causadas pela fragilidade acentuada de alguns dos ossos da coluna, os quais não suportam o peso do corpo acima de um certo ponto e desabam parcialmente, ficando deformados e causando desequilíbrio e tortuosidade da coluna. Estas são complicações funcionais importantes, por isso precisam ser corrigidas com coletes ortopédicos e cirurgias.

Esta fragilidade nos ossos geralmente é congênita, ou seja, está presente desde a vida intrauterina e está relacionada com a falta (ou insuficiência) da proteína neurofibromina em decorrência da mutação genética que causa a NF1 (ver AQUI). Algumas vezes a cifoescoliose distrófica está associada à presença de um neurofibroma plexiforme na raiz dos nervos que saem da coluna, e os plexiformes também são congênitos, ou seja, são formados durante a gestação.

Assim, a maior probabilidade é de que o menino com NF1 que caiu do cavalo naquela história que relatei já possuísse a fragilidade óssea antes da queda, mas o trauma pode, talvez, ter funcionado como o agente capaz de acelerar o problema, tornando-o evidente.

Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 também apresentam osteopenia (palavra que quer dizer fraqueza nos ossos), por causa da redução na estrutura mineral (menos cálcio) dos ossos. Há uma possibilidade de que esta fraqueza óssea facilite a osteoporose e as fraturas, por isso recomendamos que as pessoas com NF1 tomem banhos de sol, realizem uma dieta rica em precursores de Vitamina D e controlem anualmente os níveis de Vitamina D em seu sangue, realizando a reposição medicamentosa se necessário.

Por outro lado, também sabemos que as pessoas com NF1 sofrem quedas mais frequentemente do que a população em geral, provavelmente causadas por menor coordenação motora, menos força muscular e menor capacidade de atenção. Uma recomendação que vem sendo estudada cientificamente (ver AQUI) é de que exercícios regulares podem melhorar estas pequenas deficiências motoras das pessoas com NF1.

Portanto, viva a alegria de sua filha com a ginástica, que são exercícios regulares.

“Tenho NF e muitas manchas efélides pelo corpo. Estava olhando sobre “Luz intensa pulsada” e também cremes “despigmentantes”. Eles funcionam em quem tem NF?” F. de Boa Esperança, Minas Gerais.

Caro F. Obrigado pela sua pergunta que tem sido feita de outras formas por diversas pessoas: é possível tratar as manchas café com leite e as efélides?

Sabemos que as manchas café com leite e as sardas (efélides) fazem parte das neurofibromatoses e especialmente na neurofibromatose do tipo 1 (NF1) elas se apresentam em maior número. Sabemos que cinco ou mais manchas café com leite maiores do que meio centímetro indicam a probabilidade de 95% de chance de serem causadas pela NF1. Se associadas a duas ou mais efélides, o diagnóstico de NF1 está praticamente confirmado.

As manchas café com leite estão presentes ao nascimento ou aparecem logo em seguida e depois não aumentam mais em quantidade, e apenas crescem de acordo com o crescimento do corpo da criança. Elas são congênitas e não dependem da luz solar.

As efélides podem aparecer um pouco mais tarde e continuarem a aumentar durante a vida em algumas pessoas. As efélides na NF1 ocorrem em regiões que geralmente não recebem a luz solar (axilas, região inguinal de debaixo das mamas), enquanto as “verdadeiras” efélides (sardas) dependem da luz solar. Na NF1, as efélides podem ás vezes surgir ao redor da boca e dos olhos e causar preocupação estética.

Nem o tamanho e nem a quantidade ou localização das manchas e das efélides tem qualquer relação com a gravidade da NF1 ou com o aparecimento de neurofibromas a partir da adolescência.

Por outro lado, dependendo de sua quantidade, tamanho e localização as manchas café com leite são motivo para discriminação social, o que gera sofrimento nas pessoas com NF1 e, por isso, algumas delas gostariam de se livrar destas marcas da doença.

De início, podemos compreender que realizar cirurgias para retirar as manchas café com leite e as efélides seria trocar um pequeno problema por outro maior, que seriam as cicatrizes. Assim, a alternativa imaginada para a cirurgia seria o uso de alguma substância, algum creme ou produto que fizesse desaparecer ou diminuir as manchas.

Sabe-se que na NF1 as manchas são causadas pelo aumento da produção de melanina, um pigmento que dá cor à pele. A maior pigmentação da pele é uma adaptação natural da nossa evolução humana, porque nossos antepassados surgiram na África, onde muita radiação solar (contendo raios ultravioleta) poderia danificar uma vitamina essencial para a formação dos espermatozoides e para o desenvolvimento neurológico do bebê: o ácido fólico. Assim, nossa sobrevivência naquele ambiente depende de maior pigmentação da pele com melanina justamente para proteger o ácido fólico.

Por isso, as mulheres brancas gestantes que vivem em regiões ensolaradas devem acrescentar ácido fólico na sua dieta para seus bebês nascerem saudáveis.

Quando algumas populações humanas migraram para regiões com menos radiação solar, como o norte da Europa, a pele escura (originada na África) protegia tanto a pele que os raios ultravioleta não conseguiam ativar outra vitamina: a Vitamina D. A falta da Vitamina D causa raquitismo e osteoporose. Assim, apenas sobreviveram naquelas regiões as pessoas com a pele mais branca, ou seja, com menos melanina na pele.

Por isso que as pessoas negras que vivem em regiões menos ensolaradas, na Inglaterra, por exemplo, precisam acrescentar Vitamina D na sua dieta para manterem seus ossos saudáveis.

Voltando às manchas café com leite e efélides, elas são áreas de maior produção de melanina causada pela insuficiência da neurofibromina na NF1 desde a vida intrauterina. Assim, a solução de fornecer neurofibromina para aquelas células da pele se torna mais complicada, como já comentei neste blog (VER AQUI).

Outra possibilidade seria evitar o sol com protetores solares somente nas manchas e efélides e apenas e tomar sol nas demais áreas do corpo, na tentativa de se igualar a tonalidade da pele. Não conheço algum estudo científico neste sentido, mas não me parece uma alternativa muito prática.

De qualquer forma, supondo que mais Vitamina D disponível nas pele evitaria a formação de melanina, foi realizado um estudo num pequeno grupo de pessoas com NF1, no Japão (VER AQUI), aplicando-se sobre a pele pulsos de luz de alta frequência combinados com cremes contendo Vitamina D. Segundo os autores os resultados foram médios ou bons em 75% das pessoas.

Minha impressão é de que são necessários mais estudos científicos sobre esta possibilidade, para sabermos se o benefício estético compensa os custos, em termos do tempo gasto, do equipamento necessário e do produto utilizado.

Lembrando que as pessoas com NF1 apresentam mais displasias ósseas do que a população em geral, suspeitamos que a causa das displasias poderia estar relacionada com a falta da neurofibromina, mas também com deficiência de Vitamina D e de cálcio.

Além disso, há alguns anos, um grupo de pesquisadores da Alemanha publicou um estudo no qual as pessoas com NF1 apresentaram mais deficiência de Vitamina D do que os controles sem NF1. Além disso, quanto menor o nível de Vitamina D no sangue, mais neurofibromas cutâneos (clique AQUI para ver o trabalho). 

Este estudo despertou grande interesse em todos que trabalham com as neurofibromatoses, pois levantava uma hipótese de que a falta da Vitamina D poderia participar do crescimento dos neurofibromas cutâneos, um problema que traz sofrimento a tantas pessoas com NF1.

No entanto, a Alemanha fica localizada numa região do planeta onde há menor incidência de raios solares do que no Brasil, e nós sabemos que os níveis de Vitamina D dependem da quantidade de radiação solar que a pessoa recebe, além da cor da sua pele e da sua dieta. Por isso, resolvemos repetir o estudo sobre os níveis de Vitamina D em pessoas com NF1 no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nossos resultados foram apresentados pelo Dr. Nilton Rezende e pela Dra. Juliana Souza no Congresso sobre Neurofibromatoses realizado em Oregon, nos Estados Unidos em 2009 (Children’s Tumor Foundation NF Conference). Verificamos que os níveis de Vitamina D de 28 pessoas com NF1 não foram diferentes daqueles medidos em 20 voluntários sem NF1, que foram convidados a participar de tal forma que os dois grupos (NF1 e não-NF1) eram semelhantes quanto à idade, ao sexo e local de residência. Curiosamente, ambos os grupos, com e sem NF1, apresentavam níveis de Vitamina D abaixo do ideal. Esta pesquisa foi repetida em 2010, com um grupo maior de pessoas com NF1, e os resultados se repetiram.

Interpretamos nossos estudos pensando que a radiação solar em Minas Gerais é maior do que na Alemanha e os brasileiros usam menos roupas, o que poderia anular as diferenças observadas pelos alemães, pois eles suspeitaram que as pessoas com NF1 teriam vergonha de expor seu corpo ao sol em ambientes abertos por causa dos neurofibromas. Em nenhum dos nossos estudos contamos ou medimos o tamanho dos neurofibromas, por causa das dificuldades técnicas para esta medida, como já comentei anteriormente (ver AQUI).

No entanto, nas pesquisas anteriores havíamos encontrado níveis de Vitamina D abaixo do ideal, por isso um novo estudo realizado pelo doutorando Marcio de Souza em nosso Centro mostrou que as pessoas com NF1 apresentam, em média, ingestão menor de Vitamina D do que as recomendações internacionais para uma dieta saudável (ver o artigo publicado AQUI).

Além disso, mesmo que os níveis de Vitamina D das pessoas com NF1 não sejam diferentes das pessoas sem NF1, perguntávamos: e se as pessoas com NF1 têm menos receptores nas células, ou seja, haveria Vitamina D circulando no sangue, mas os seus ossos, por exemplo, não seriam capazes de usar esta vitamina e assim ficariam mais fracos?

Por falta de condições técnicas, não pudemos responder a esta pergunta e por isso foi com grande satisfação que encontrei o excelente estudo realizado pelo grupo de Porto Alegre, sob a orientação da Dra. Patrícia Ashton-Prolla (ver AQUI o artigo completo) do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A Dra. Larissa Bueno e colaboradores também não encontraram níveis mais baixos de Vitamina D nas pessoas brasileiras com NF1, ao contrário de estudos europeus e norte-americanos (ver aqui os artigos dos grupos do MAUTNER e do STEVENSON). Além disso, as pesquisadoras gaúchas (9 mulheres e 3 homens no grupo – tenho que respeitar a maioria) não observaram relação entre variações genéticas nos receptores de Vitamina D e a NF1.

Portanto, apesar de ainda haver alguma controvérsia internacional sobre os níveis de Vitamina D nas pessoas com NF1, minha impressão atual é de que a causa das displasias ósseas não parece depender da Vitamina D, mas sim da falta da neurofibromina na vida intrauterina. 

Por outro lado, considerando que mesmo nas pessoas sem NF1 a Vitamina D é necessária para a saúde dos ossos, podemos supor que nas pessoas com NF1 (que apresentam tantas displasias ósseas) níveis ideais de Vitamina D seriam ainda mais necessários.

Em conclusão, recomendamos a todas as pessoas com NF1 que tomem banhos de sol, façam exercícios regulares e, para aquelas pessoas com NF1 e história de quedas frequentes, sugerimos acompanhamento inicial pela fisioterapia. Finalmente, uma dieta saudável deve fazer parte da alimentação de todos (ver AQUI sugestões de vida saudável para pessoas com NF1).

Para terminar, como já sabemos, o exame clínico anual da coluna e dos ossos é fundamental, especialmente no período de crescimento, e, se possível, acompanhado da medida dos níveis sanguíneos de Vitamina D, cálcio e hormônio da paratireoide. Caso necessária, a reposição diária de Vitamina D pura pode ser recomendada.

 

Nos últimos dias venho respondendo diversas perguntas sobre problemas ósseos que ocorrem com mais frequência nas pessoas com NF1 do que na população em geral.

 

Já comentei sobre dois grupos de problemas mais graves, os desvios da coluna (escoliose e cifoescoliose) e as displasias (da tíbia e da asa menor do esfenoide). Hoje veremos outros problemas ósseos relacionados com a NF1, que apesar de menos graves podem causar alguns transtornos na vida das pessoas que nasceram com eles.

De um modo geral, a NF1 reduz a resistência dos ossos, tornando-os mais fracos (a chamada osteopenia) e menos calcificados (osteomalácia), uma situação intermediária entre o osso normal e a osteoporose e até mesmo a osteoporose verdadeira (ver trabalho do grupo do Peltonen.

Estes problemas aparecem nas radiografias como ossos menos densos, menos mineralizados e com alterações no seu desenvolvimento e formato normais. A osteopenia, a osteomalácia e a osteoporose contribuem para as dificuldades de tratamento nas escolioses e na displasia da tíbia.

As pessoas com NF1 apresentam também menor força muscular e coordenação motora (ver AQUI o trabalho realizado em nosso Centro de Referência), o que as torna mais vulneráveis a quedas. Estas quedas mais frequentes associadas aos ossos menos resistentes fazem com que a chance de fraturas ósseas aumente nas pessoas com NF1. 


Outro problema encontrado em grande parte das pessoas com NF1 é a baixa estatura, o que significa que o esqueleto se desenvolve abaixo do tamanho médio da população, considerando a idade e o sexo da criança. Não sabemos ainda a causa da baixa estatura na NF1, mas sabemos que ela não responde bem aos tratamentos hormonais e por isso o hormônio do crescimento é contraindicado como tentativa de aumentar a estatura pelo risco colateral deste medicamento desenvolver tumores nas crianças com NF1.

Além da osteopenia e da baixa estatura, as pessoas com NF1 podem crescer com outras displasias ósseas menos graves do que da tíbia e do esfenoide, como o aumento da circunferência da cabeça, chamada de macrocrania (macro – grande, crania – crânio). A macrocrania é apenas um aumento do crânio e do cérebro um pouco além do desenvolvimento normal, que é mais acentuado nos meninos do que nas meninas, e que não causa problemas para a saúde.

A macrocrania não tem nenhuma relação com hidrocefalia, como infelizmente muitas pessoas e profissionais da saúde pensam, pois a macrocrania na NF1 acompanha o desenvolvimento da criança e não é causada por aumento da pressão dentro do cérebro. Não há necessidade de qualquer tratamento para a macrocrania na NF1.

Outras displasias ósseas congênitas mais comuns nas pessoas com NF1 do que na população em geral são algumas deformidades no tórax, como uma depressão na região do esterno (pectus excavatum) ou assimetria e elevação do esterno (pectus carinatum). Algumas destas displasias podem causar limitações para a saúde e seu tratamento requer cirurgia (ver AQUI uma revisão sobre o assunto).

Diante de todas estas alterações ósseas (desvios na coluna, displasias, macrocrania, baixa estatura e osteopenia), compreendemos porque é necessário o exame clínico anual da coluna e dos ossos das pessoas com NF1. Ocasionalmente, se algum novo problema é encontrado, pode ser necessária a realização de radiografias, da medida da densidade óssea e dos níveis sanguíneos de Vitamina D, cálcio e hormônio da paratireoide.

Por falar em Vitamina D, amanhã comentarei a suspeita de que as pessoas com NF1 apresentam deficiência de Vitamina D.

 

Minha filha K. hoje com 5 anos está com suspeita de ter a NF, pelo que ando me informando seria a tipo1. Por enquanto, tem manchas pelo corpo todo e algumas são grandes, tem falta de Vitamina D, está no mínimo do peso e do comprimento é uma criança totalmente saudável, esperta, hiperativa. Mas tenho medo do futuro pois as informações que temos são muito assustadoras. Gostaria de saber se ela pode acontecer de ter somente essas manchinhas e ser magra e baixinha sem ter aqueles outros sintomas da doença? E teria alguma coisa que ela possa tomar para crescer e engordar? JR de Santa Catarina.

Cara JR, você tocou em diversos assuntos que preocupam muitas famílias: o futuro das crianças e seu desenvolvimento corporal.

Comentei recentemente que uma das maneiras de enfrentarmos nossas angústias sobre o futuro das nossas crianças é procurar viver o presente da melhor forma possível, buscando a felicidade delas hoje, de forma a tornar o amanhã melhor ainda.

Quanto ao desenvolvimento corporal, de fato, as crianças com NF1 geralmente apresentam baixa estatura e baixo peso, o que comentei neste blog recentemente ao falarmos sobre o uso de hormônio do crescimento (clique aqui).

Lembro então que, por enquanto, não há nenhum medicamento ou dieta conhecida e comprovados cientificamente que possam modificar estas características das crianças com NF1, seja seu peso, sua estatura e a chance de desenvolverem os neurofibromas cutâneos (85%) a partir da adolescência.

Também já temos conversado aqui sobre as dificuldades motoras, que são fundamentais para a as habilidades esportivas, atrapalham a socialização das crianças das crianças com NF1, pois geralmente elas têm baixo desempenho nos jogos, nos esportes e nas brincadeiras que dependam da força muscular, agilidade e rapidez de movimentos.

Por causa disso, os (as) colegas preferem outras crianças mais ágeis e habilidosas para brincar, gerando discriminação e isolamento. Principalmente nos esportes, que são praticados para se estimular o espírito da competição, onde ganhar, infelizmente, se torna mais importante do que brincar. Tristemente constatamos que aqueles que são menos habilidosos costumam ficar de fora.

Tomando estas duas questões em conjunto, a pergunta que fazemos é: então insistir com as crianças com NF1 na prática de esportes poderia ser útil para o seu desenvolvimento corporal e social?
Por enquanto, sabemos que a força muscular e a capacidade aeróbica das pessoas com NF1 está diminuída (clique aqui), o que, provavelmente reduz, em termos gerais, sua chance de serem bons atletas. 

No entanto, ainda são poucos os estudos envolvendo treinamentos físicos especiais para pessoas com NF1 (ver o projeto de pós-doutorado da Dra. Juliana F de Souza neste blog clicando aqui) e no futuro saberemos se elas aumentam sua capacidade física de forma semelhante às demais crianças.

Por enquanto, minha sugestão é que devemos descobrir as atividades físicas que dão prazer às crianças com NF1 e que permitam a elas brincarem com crianças mais novas do que elas mesmas, porque as mais novas não percebem os atrasos cognitivos e motores das crianças com NF1.

Mais do que competir, ganhar ou ficar com o corpo forte, o mais importante é ser feliz no encontro com outras crianças, criando laços sociais e amorosos.

PS:  você mencionou que sua filha tem baixa de vitamina D. Então, recomendo para ela uma dieta adequada, atividades físicas realizadas no sol e/ou banhos de sol diariamente (clique aqui) e se ainda assim as novas dosagens de Vitamina D no plasma continuarem baixas, consulte o pediatra sobre a necessidade de suplementação de Vitamina D (clique aqui).