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Ontem iniciamos nosso debate sobre transtornos de comportamentos nas crianças e discutimos se estamos vivendo um excesso de diagnósticos de problemas de comportamento.

Hoje, continuamos este assunto perguntando: é possível avaliar a saúde mental das crianças sem envolver sua família e sem levar em conta sua história de vida e a sociedade na qual elas vivem?

Como se diz, é preciso uma vila inteira para criar uma criança.

Sabemos que as doenças mentais são resultado de situações genéticas, sociais, econômicas e históricas. Assim, talvez essas “novas doenças” das crianças sejam um dos resultados das formas de viver que temos adotado, com mais competição, individualismo e todas as pessoas sequestradas pelas telas e redes sociais.

Talvez as crianças estejam percebendo e reagindo subconscientemente à insegurança de um mundo a caminho da crise climática (elas vêem as enchentes trágicas!), com aumento das desigualdades sociais, com menor oportunidade de emprego e ameaçado por guerras nucleares. Será que o caminho para entendermos os problemas de comportamento das crianças pode ser outro, que as ajude a compreender melhor a realidade difícil que estamos vivendo?

É possível esperarmos dos consultórios de neuropediatria e neuropsicologia uma abordagem mais fenomenológica, considerando o comportamento da criança dentro do seu contexto afetivo, familiar e social?

Quem sabe esta abordagem será mais útil, tanto para compreender quanto para tratar os sintomas da desorganização emocional e os transtornos do desenvolvimento das crianças?

Abordagens que incluam olhares mais amplos, para outras formas de lidar com as dificuldades das crianças, assumindo para nós mesmos, enquanto sociedade (família, amigos e amigas, médicos e médicas, escola), a responsabilidade de transformar o entorno da criança em um lugar mais generoso, aberto e divertido, ao invés de somente tentarmos encaixá-la no comportamento que se espera dela.

Amanhã continuaremos a falar de transtornos do comportamento infantil e abordaremos os “rótulos” que têm sido dados às nossas crianças pela medicina e pela psicologia.

 

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

 

 

 

Muitas crianças com NF1 apresentam dificuldades de aprendizado e de comportamento, o que tem merecido nossa atenção, e por isso disponibilizamos uma cartilha sobre este assunto (ver aqui).

Entre os problemas de comportamento, algumas crianças apresentam uma mistura de “mal humor (irritabilidade crônica), desatenção, hiperatividade, surtos de agressividade (verbal ou física) e comportamento desafiador e opositivo, com desobediência e teimosia frequentes”.

Uma destas famílias perguntou-nos se este conjunto de comportamentos seria o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH), um diagnóstico incluído nos manuais psiquiátricos internacionais desde 2013.

Se uma criança está apresentando esses sintomas de forma frequente e intensa, prejudicando o seu bem estar e a integração social, é importante uma avaliação clínica e psicológica para orientar a criança, sua família, a escola e demais pessoas envolvidas.

No entanto, antes de avançarmos na descrição deste novo diagnóstico, queremos levantar 3 perguntas importantes, que discutiremos hoje e nos próximos dias.

 

 

A primeira delas é: será que há um excesso de “diagnósticos” de problemas de comportamento em crianças?

Será que estamos diagnosticando em excesso o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno no Espectro do Autismo (TEA), o Transtorno Desafiador Opositor (TOD), entre outros? (ver aqui um texto sobre isso: está em inglês, mas o tradutor automático do seu navegador de internet pode ser usado).

Há crianças, adolescentes e adultos que, de fato, têm comportamentos que prejudicam sua vida em sociedade (na família, com amigos e amigas, na escola, no trabalho etc.), algumas delas com graves problemas psiquiátricos e neurológicos. Estas pessoas precisam ser compreendidas e tratadas adequadamente, inclusive aquelas com NF1.

Mas, pode estar havendo também um excesso desses diagnósticos, que “explicam” as coisas, que acham uma “causa” (ou um responsável) e oferecem a possibilidade de um “tratamento” (especialmente medicamentoso).

É sobre esses excessos que nós nos interrogamos.

Há profissionais da educação que consideram que o sistema educacional onde estão nossas crianças é organizado para preparar pessoas dóceis e obedientes, para serem os futuros trabalhadores, a serviço da manutenção do funcionamento da nossa sociedade como nós a conhecemos, ou seja, para dar continuidade ao modo de produção no sistema capitalista (ver aqui).

Nesse tipo de escola, prefere-se a obediência, a instrução tecnológica e a restrição dos corpos do que a liberdade e a criatividade cultural. Assim, neste sistema de educação, as crianças mais ativas, independentes, autônomas, que precisam aprender também com a inteligência do corpo (como os atletas), podem ser percebidas como desobedientes, desafiadoras e hiperativas (ver aqui).

Se a obediência for o objetivo da educação (e achamos que ela não deveria ser), a desobediência então se torna um problema. Pense bem: quando você diz a uma criança, por exemplo, para ela calçar seus sapatos (para vocês saírem de casa), e ela se recusa, o objetivo real não é que ela te obedeça, e sim que ela calce os sapatos. Mas nós brigamos com a criança porque ela não nos obedece e deixamos de tentar outras maneiras diferentes de se conseguir esse mesmo objetivo.

Será que um pouco do excesso de diagnósticos médicos e psicológicos vem daí? Pois “tratar” algum “transtorno” nestas crianças seria mais “fácil” do que mudarmos o sistema de ensino das nossas sociedades ou a maneira como criamos nossos filhos e filhas?

Amanhã continuaremos este assunto, lembrando o papel da família nos transtornos de comportamento das crianças.

 Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

Temos atendido crianças com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) que também nos chegam com o diagnóstico de Transtorno no Espectro do Autismo (TEA) em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

As famílias querem saber se devem tratar suas crianças como TEA ou não. 

Temos respondido que as pessoas com NF1 podem apresentar sintomas parecidos com os sintomas do TEA, mas que estes sintomas são causados pelo desenvolvimento inadequado do sistema nervoso.

Alguns problemas cognitivos acontecem porque a variante genética que ocorreu no DNA produz deficiência de uma proteína (chamada neurofibromina), a qual é fundamental para o desenvolvimento neurológico especialmente na vida intrauterina (ver revisão de 2022 sobre este tema clicando aqui – em inglês). 

Nossa opinião tem sido que a maioria destas pessoas com NF1 tem sintomas parecidos com TEA, mas não possuem TEA.

Um estudo científico publicado em 2020 (ver abaixo), reforça nossa opinião, embora apresente limitações (ver abaixo).

O estudo sugere que:

 

  • Não houve mais diagnóstico de TEA em pessoas com NF1 do que na população em geral (cerca de 2%).

 

(Notar que o diagnóstico de TEA foi relatado a partir dos registros médicos e a população comparada foi a dos Estados Unidos)

 

  1. Alguns sintomas de TEA estavam presentes em pessoas com NF1, mas não eram suficientes para o diagnóstico de TEA por meio de testes validados para a pesquisa de autismo.

(Ou seja, as crianças com NF1 pontuaram nestes testes um pouco mais do que as crianças sem NF1 e sem TEA)

 

  1. A presença do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em pessoas com NF1 pode explicar uma certa confusão entre os diagnósticos de NF1 e TEA 

(Quando estes diagnósticos são feitos por meio de questionários respondidos por pais e professores, alguns sintomas do TDAH se assemelham a alguns sintomas de TEA e podem gerar falsos diagnósticos de TEA)

 

  1. Os comportamentos das crianças com NF1 mostraram uma socialização normal, apesar da menor capacidade de comunicação.

O estudo foi realizado em Portland (Oregon, Estados Unidos) e intitulado “Transtornos do Autismo e do Déficit de Atenção e Hiperatividade e sintomas em crianças com Neurofibromatose do Tipo 1” e publicado por Hadley Moroti e colaboradores, um grupo de especialistas em psicologia, psiquiatria e desenvolvimento infantil, na revista científica Developmental Medicine & Neurology (ver aqui o artigo completo – em inglês).

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

A equipe de cientistas reconhece que algumas características do estudo limitam a capacidade de extrair conclusões definitivas sobre o assunto, uma vez que o mesmo foi feito com poucas pessoas com NF1 (apenas 45 pessoas examinadas diretamente) e sem acompanhamento ao longo do tempo.

Além disso, a equipe não possuía informações clínicas sobre as variantes genéticas e a gravidade da NF1 nas crianças avaliadas.  

Finalmente, foram avaliadas apenas crianças na idade escolar, portanto, os resultados podem não se aplicar a adolescentes e adultos com NF1.

 

Apesar de suas limitações, o estudo traz outras informações importantes sobre este tema, as quais resumirei a seguir.

 

TEA É MAIS COMUM DO QUE NF1

A equipe de cientistas lembra que na população em geral a NF1 é considerada uma doença rara (1 em cada 3000 crianças). Por outro lado, quando o TEA é diagnosticado por especialistas (e não por pais ou professores), sua incidência é de cerca de 1 em cada 50 pessoas (1 a 2%), ou seja, o TEA é 60 vezes mais comum do que a NF1

 

CAUSAS DA NF1 E DO TEA

A NF1 é uma doença de causa bem conhecida, provocada por variantes genéticas patogênicas no gene NF1, que alteram a produção de uma proteína (neurofibromina), a qual regula o crescimento dos tecidos, especialmente o sistema nervoso. A deficiência da neurofibromina produz diversos problemas no desenvolvimento neurológico.

O TEA parece ter causas genéticas (90% – com variantes localizadas em múltiplos genes) e ambientais (ver artigo interessante e bastante compreensível do Dr. Dráuzio Varela sobre as causas do TEA, clicando aqui). A explicação mais aceita é de que variantes genéticas patogênicas em genes responsáveis pela produção de algumas proteínas dos neurônios afetariam o aprendizado, a linguagem, a comunicação social e a memória.

Mas o gene da NF1 não parece estar entre os genes causadores do TEA. 

 

SINTOMAS PARECIDOS

A NF1 pode causar problemas no desenvolvimento cognitivo, dificuldades de aprendizado, atraso motor, limitação das habilidades sociais, descontrole emocional, ansiedade e sintomas de desatenção e hiperatividade.

Estes mesmos problemas e sintomas também podem ocorrer em crianças diagnosticadas com TEA. Por isso, alguns estudos anteriores, realizados com critérios diagnósticos de TEA menos rigorosos (baseados apenas nos relatos de pais e professores), mostraram que cerca de metade das crianças com NF1 teriam TEA (ver aqui o estudo realizado na Inglaterra em 2013). 

Sabendo que o TEA é 60 vezes mais comum do que a NF1, é possível que as famílias, escolas e profissionais da saúde estejam mais familiarizados com o TEA do que com a NF1. Então, é mais comum enquadrar os problemas cognitivos, comportamentais, motores e sociais das crianças com NF1 no TEA, do que reconhecer que são problemas causados pela própria NF1 e não pelo TEA. 

Além disso, têm sido propagados tratamentos para os sintomas do TEA (que ainda precisam ser comprovados:  ver aqui – em inglês), mas ainda não existem tratamentos propostos para os transtornos cognitivos específicos para a NF1. 

Assim, o diagnóstico do TEA acaba por se tornar aparentemente mais útil para as famílias com NF1 do que o diagnóstico da própria NF1. Porque as famílias e os profissionais da saúde ficam com a impressão de que poderemos oferecer mais recursos de tratamento para o TEA, mas não para a NF1. 

 

SINTOMAS DE TDAH PODEM PARECER TEA

Este estudo também sugere que o diagnóstico de TDAH foi mais comum (8,8%) nas pessoas com NF1 do que na população em geral (5%).

Vários comportamentos do TDAH podem se assemelhar a comportamentos de crianças com TEA, assim, a maior presença de TDAH entre pessoas com NF1 (do que na população em geral) pode induzir ao falso diagnóstico de TEA nelas.

Para conhecer melhor os sintomas de TDAH visite nossa cartilha sobre dificuldades cognitivas nas pessoas com NF1 clicando aqui

 

CONCLUSÃO

Diante de uma pessoa com diagnóstico de NF1 e com problemas cognitivos e/ou comportamentais, devemos procurar a ajuda de especialistas na psicologia e psiquiatria que possam realizar com segurança a distinção entre TEA ou TDAH.

Achamos que será útil levar ao/a profissional que irá avaliar a criança com NF1 os resultados encontrados neste estudo que acabamos de comentar.

Mas, independentemente da criança com NF1 ter ou não o TEA, se ela apresentar problemas e sintomas que prejudiquem seu desenvolvimento e sua socialização, há diversas maneiras de ajudá-la.

Ela precisa contar com o investimento amoroso  e paciente de sua família, sua escola, sua comunidade de forma geral, e sua rede de profissionais da saúde, que devem estar bem informados e integrados entre si.

 

A redação deste documento foi feita pelo Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr. Lor) e pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues e contou com a aprovação do Dr. Nilton Alves de Rezende e do Dr. Renato de Souza Viana.

Setembro 2022

 

 

 

 

 

 

As neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) podem causar dor forte em cerca de 15% das pessoas com estas doenças.

Nelas, pode ocorrer um tipo de dor, chamada de dor neuropática, que é muito difícil de ser tratada, mesmo com muitos medicamentos, incluindo morfina e outros semelhantes ( VER AQUI).

Além disso, cerca de 20% das pessoas com NF1 apresentam convulsões, algumas vezes de difícil controle ( VER AQUI).

Outro problema frequente também são os sintomas de autismo que acometem mais de um terço das pessoas com NF1 ( VER AQUI).

Recentemente a ANVISA liberou o uso medicinal de extrato da maconha para alguns problemas de saúde, entre eles a dor neuropática, as convulsões graves e sintomas do autismo ( VER AQUI ).

Esta liberação do uso de derivados da maconha para fins medicinais foi um passo inicial, mas insuficiente para permitir o acesso de milhares de pessoas doentes aos benefícios do extrato contendo canabidiol e THC (ver abaixo), pois a ANVISA não liberou o plantio da maconha, o que significa que os laboratórios vão importar o produto, o que será caro para a maioria dos brasileiros.

Em muitos países desenvolvidos cientificamente, uma das possibilidades de tratamento para estes problemas (dor, convulsões, autismo e outras doenças) é o uso de gotas de um extrato da maconha que contém a substância canabidiol (que não causa alteração dos sentidos além de diminuir a ansiedade) e uma pequena quantidade de outro componente chamado THC (tetraidrocanabinol, que causa alterações do estado de consciência).

Esta preparação de canabidiol e THC tem sido recomendada como tratamento compassivo, quer dizer, somente quando outros tipos de tratamento não funcionaram ou quando não há qualquer tratamento disponível.

Para falar sobre este assunto, convidamos o Dr. Leandro Ramires, médico, cirurgião e mastologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, para fazer uma palestra no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses no dia 14 de novembro de 2019.

Dr. Leandro Ramires possui um filho que nasceu com uma doença rara que causa convulsões gravíssimas e que não respondem aos medicamentos (Síndrome de Dravet – para mais informações gerais VER AQUI e para informações científicas VER AQUI ).

Há cinco anos o filho do Dr. Leandro Ramires usa o extrato da maconha e somente com isso conseguiu controlar as crises convulsivas e sobreviver. Por causa de seu filho, Dr. Leandro é um dos fundadores da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, a AMA+ME (conheça a página da associação VER AQUI).

Dr. Leandro Ramires ofereceu-nos um breve e excelente curso, de cerca de 3 horas de duração, sobre a história do uso medicinal da maconha, sobre o sistema de receptores naturais que existe em nosso organismo, chamado endocanabinoide, e nos mostrou os resultados de diversos casos de epilepsia, dor neuropática, autismo, Alzheimer e outras doenças tratadas com o extrato contendo canabidiol.

Um dos estudos publicados pelo Dr. Leandro sobre canabidiol em crianças com autismo mostrou a melhora de diversos sintomas das crianças (VER ARTIGO COMPLETO AQUI ). O resultado desta pesquisa feita no Brasil vem tendo enorme repercussão na imprensa internacional e nas revistas científicas (VER AQUI ).

Ele nos explicou como está funcionando neste momento o sistema de prescrição do extrato de canabidiol e THC no Brasil, assim como os processos judiciais que a AMA+ME iniciou no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na ANVISA e no Supremo Tribunal Federal. Este conjunto de instrumentos legais tem permitido que dentre cerca de 400 famílias associadas 135 recebam o medicamento a preços acessíveis e com qualidade controlada.

Na página da AMA+ME ( VER AQUI ) você encontra muitas das importantes informações que o Dr. Leandro nos passou.

Lembramos que  existem poucos estudos publicados sobre os efeitos da maconha sobre as pessoas com NF1 (como já comentamos  VER AQUI).

Esperamos que a comunidade científica internacional se disponha a compreender melhor os efeitos dos fitocanabinoides sobre a saúde humana.

Esperamos que as autoridades brasileiras permitam o cultivo da maconha para tratamentos médicos, como foi discutido recentemente numa audiência no Congresso, com a presença do ministro da cidadania Osmar Terra ( VER VÍDEO DA AUDIÊNCIA AQUI ).

Um outro vídeo muito interessante, do cientista Johan Hari, nos mostra como estamos no caminho errado na maioria dos países que pregam a Guerra às Drogas, e de como Portugal está conseguindo abrir uma nova direção no enfrentamento das drogas ( VER AQUI ).

Saímos da reunião convencidos de que o extrato de maconha (contendo o canabidiol e THC ) pode ser uma alternativa terapêutica compassiva para determinadas pessoas com NF e dor neuropática intratável. Quem sabe, no futuro, o extrato também possa ser estudado em crianças com NF1 e comportamento semelhante ao autismo?

Obrigado Dr. Leandro pelo seu profundo envolvimento afetivo com a doença de seu filho, que o levou a tentar ajudar outras famílias que sofrem, como as nossas que enfrentam as neurofibromatoses.

Muitas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) podem apresentar a desordem do processamento auditivo, ou seja, escutam bem, mas entendem de forma errada as palavras.

A desordem do processamento auditivo pode atrapalhar o aprendizado, as relações sociais e prejudicar o desenvolvimento das crianças e adolescentes com NF1.

A fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista desenvolveu uma pesquisa científica sobre o tratamento da desordem do processamento auditivo em pessoas com NF1 durante seu doutorado (VER AQUI ) em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Um estudo recente (2021) avaliou as respostas do processamento auditivo em crianças com NF1 e encontrou semelhanças com as crianças autistas (ver aqui estudo completo em inglês: CLIQUE AQUI

Pollyanna disponibilizou em seu blog alguns exercícios que podem ser feitos pelas pessoas com NF1 para melhorar sua desordem do processamento auditivo.

Para receber as informações completas da Pollyanna CLIQUE AQUI

Dê uma olhada lá e mostre para sua fonoaudióloga.

“Meu filho foi diagnosticado com autismo e depois descobrimos que ele tem Neurofibromatose do tipo 1. É possível ter as duas doenças ou o autismo é uma complicação da NF1? ” AGR, de Florianópolis, SC.

Cara A, obrigado pela sua pergunta, pois ela pode ser útil a muitas famílias com pessoas com Neurofibromatose do tipo 1.

O que é o autismo?

O autismo é uma doença que afeta o desenvolvimento global neurológico e se caracteriza por dificuldades na comunicação social e na interação com outras pessoas e por padrões de comportamento repetitivos e restrição dos interesses.

Assim como na NF1, há grande variação nas manifestações clínicas do autismo, por isso hoje adotamos o nome mais abrangente de Transtorno no Espectro do Autismo.

O diagnóstico do autismo vem aumentando: em 2004, a cada 160 crianças que nasciam uma delas era diagnosticada com autismo, mas atualmente para cada 60 crianças nascidas uma delas apresentará o diagnóstico de autismo. Portanto, o autismo é muito mais comum do que a NF1, pois a cada três mil crianças que nascem apenas uma delas apresentará a NF1.

É preciso uma avaliação cuidadosa para termos certeza de que uma criança apresenta mesmo o autismo. Quando se usam questionários respondidos pelos pais, o diagnóstico de autismo é mais frequente do que quando as crianças são avaliadas diretamente por especialistas (psicólogos e psiquiatras).

Com este cuidado em mente, há estudos científicos mostrando que entre 11 e 29% das crianças com NF1 apresentam comportamentos que são parecidos com os comportamentos das pessoas com autismo. É comum na NF1 encontrarmos atrasos na fala, desatenção, impulsividade e dificuldades de comunicação social.

Diagnóstico do autismo

Deve ser feito por psicólogos, psiquiatras e pediatras especializados, que usam testes sobre o funcionamento cognitivo, informações dos pais e cuidadores e observação direta das crianças.

O diagnóstico de autismo na presença de NF1 (e de outras doenças genéticas) pode ser mais difícil porque algumas crianças com NF1 apresentam sinais e sintomas que são muito parecidos com aqueles encontrados nas pessoas com autismo.

Em alguns casos mais raros (cerca de 1 em cada 300 mil pessoas) a criança pode realmente apresentar as duas doenças ao mesmo tempo.

Antes de seguir adiante com a busca por um especialista, podemos lembrar alguns comportamentos que são característicos das crianças com autismo:

  • Dificuldade em manter o contato visual
  • Atraso importante na fala
  • Pouco uso de gestos (não costumam apontar coisas, mostrar objetos, aplaudir ou acenar)
  • Não respondem quando chamadas pelo nome
  • Não chamam a atenção de outras pessoas para objetos
  • Apresentam forte interesse por determinados objetos ou brincam de forma repetitiva com objetos
  • Grande sensibilidade a estímulos (sonoros e outros)

Se você acha que sua criança apresenta vários destes sintomas, você deve procurar um especialista para confirmar ou não o diagnóstico de autismo.

Diferenças entre autismo e NF1

Há poucos estudos científicos sobre autismo e NF1 com crianças muito pequenas, por isso nosso conhecimento ainda é um pouco limitado para os primeiros anos de vida (ver ao final deste texto um estudo realizado na Inglaterra).

As dificuldades sociais das pessoas com autismo estão presentes desde o começo da infância, enquanto as dificuldades sociais das pessoas com NF1 parecem aumentar ao longo da vida, especialmente na adolescência.

Minha impressão pessoal é de que a principal diferença clínica entre NF1 e autismo seria as crianças com NF1 apresentarem maior ligação afetiva com pais e outras pessoas do que as crianças com autismo.

Um estudo recente (2021) investigou as respostas do sistema nervoso de crianças com NF1 (processamento auditivo) e comparou estes resultados com o padrão encontrado em crianças com autismo. Ver aqui estudo completo em inglês: CLIQUE AQUI

Tratamentos

Mesmo que sua criança com NF1 tenha apenas alguns comportamentos parecidos com autismo, ela poderá se beneficiar de alguns tratamentos que são ofertados às crianças com autismo, que buscam melhorar as habilidades cognitivas e sociais.

Mais informações sobre o autismo

Veja a belíssima cartilha feita pelo ZIRALDO sobre o autismo aqui: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/cartilha-ziraldo-autismo-uma-realidade.pdf

Você pode encontrar mais informações sobre o autismo na Associação Brasileira de Autismo: http://www.autismo.org.br/site/#

 

Um estudo importante

Em 2013 foram publicados os resultados de um estudo científico realizado na Inglaterra sob a coordenação da Dra. Susan Huson, intitulado “Neurofibromatose do tipo 1 e desordem no espectro do autismo” (Garg S, Green JLeadbitter KEmsley RLehtonen AEvans DGHuson SM. Neurofibromatosis type 1 and autism spectrum disorder. Pediatrics. 2013;132(6):e1642-8. doi:10.1542/peds.2013-1868).

O estudo procurou determinar a prevalência, ou seja, o número de pessoas afetadas por comportamentos no espectro do autismo (ASD) entre as pessoas com NF1.

Os autores utilizaram todos os casos de NF1 registrados numa área da Inglaterra habitada por uma população de 4,1 milhões de ingleses. De um total de 109 (52,7%) pessoas que responderam ao questionário SRS (Social Responsiveness Scale), elas foram agrupadas como: ASD significativo: 32 pessoas, ASD moderado: 29 pessoas, sem ASD: 48 pessoas.

Uma amostra de cada um destes grupos formados pelo questionário foi examinada pessoalmente para confirmação ou não do ASD por meio de testes e exames realizados por especialistas.

Os resultados finais mostraram que das 47 pessoas que foram submetidas aos testes e especialistas, 29,5% apresentava ASD confirmado, 27,7% apresentava ASD no limite, e 42,5% não apresentava comportamentos no espectro do autismo.

O grupo com ASD confirmado possuía mais meninos do que meninas, mas não apresentava outras diferenças com os demais grupos (inteligência, nível social, padrão de herança da NF1, gravidade da doença, nível educacional).

Em conclusão, os cientistas encontraram uma prevalência na população de cerca de 45% de pessoas com NF1 apresentando algum grau de comportamento no espectro do autismo.

O estudo recomendou novas pesquisas em busca de tratamentos clínicos para estes comportamentos no espectro do autismo para as pessoas com neurofibromatose do tipo 1.

 

 

“Meu filho apresenta Neurofibromatose do Tipo 1, dificuldade de aprender e problemas de comportamento. Um médico achou que ele tem autismo e ele já usou vários medicamentos que nada adiantaram. Estamos perdendo as esperanças. Há alguma coisa que possamos fazer? ”. VVJR, de São Paulo.

Cara V
, obrigado por compartilhar suas preocupações. Vou resumir abaixo os principais problemas que você relatou no seu e-mail detalhando as dificuldades do seu filho de 12 anos (que vamos chamar de José) na escola e no ambiente da família, porque elas são dificuldades comuns a muitas crianças com NF1.

1) José apresenta desordem do processamento auditivo (escuta bem mas entende mal as palavras e os conceitos, não entende ironia nem humor, não percebe indiretas e dicas);

2) José possui pouca capacidade de armazenar informações que se sucedem no tempo e para prestar atenção em determinada atividade.

3) Ele apresenta dificuldade para realizar as tarefas que dependem de orientação visual, assim como tem pouca memória e linguagem, o que pode resultar em baixo desenvolvimento da escrita, da leitura e da matemática.

4) José apresenta planejamento insuficiente, pouca capacidade de organização e de controle temporal, além de dificuldades de absorver e integrar novas informações.

5) Ele mostra pouca coordenação motora, mas também flexibilidade exagerada das articulações, o que o atrapalha nas atividades físicas e esportivas.

6) Além disso, como a maioria das pessoas com NF1, José tem dificuldade para entender ironia, sarcasmo e piadas.

7) José também apresenta comportamentos que são denominados “dentro do espectro do autismo”, como dificuldade de empatia, ou seja, de perceber as emoções e os desejos dos outros, costuma se envolver em atividades repetitivas e compulsivas, e também apresenta agressividade com os membros da família, com atitudes de desafio permanente.

Todas estas alterações cognitivas e comportamentais apresentadas pelo José são suficientes para dificultar o seu processo de aprendizagem escolar e de inserção social. Por isso, creio que o José necessita de apoio pedagógico na escola e que sua família precisa de suporte psicológico para enfrentar o grande sofrimento que é oferecer amor a uma criança que devolve pouco afeto e, pelo contrário, que se torna agressiva frequentemente contra os próprios pais.

Como já tenho informado neste blog, até o presente, não há medicamentos que sejam comprovadamente eficazes para o tratamento das dificuldades de aprendizado e comportamentais na NF1. 


Diante disso, são necessários todos os apoios possíveis de familiares e das instituições escolares (maior paciência com as dificuldades, explicar com mais clareza na pronúncia das palavras, dar mais tempo para seu aprendizado, reduzir as pressões por desempenho, enfatizar a socialização mais do que o conhecimento) para que as crianças com NF1 atinjam seu potencial humano.

Diante do sofrimento do José e de sua família, assim como de milhares de famílias com crianças com NF1 com comportamentos parecidos, começamos a discutir em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses uma nova pergunta: brincar com LEGO® poderia ser útil a estas crianças?

Tenho acompanhado o grande interesse pelos brinquedos LEGO® demonstrado pelos meus netos e netas, assim como por milhões de crianças pelo mundo. Além disso, minha filha mais velha, Ana de Oliveira Rodrigues, que é engenheira com doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais, hoje se dedica a ensinar programação para crianças em sua escola chamada Just Coding (ver AQUI ) e temos conversado sobre os benefícios de atividades de programação, montagem de robôs e brinquedos LEGO para todas as crianças, inclusive aquelas no chamado “transtorno no espectro do autismo” (TEA).

Sabendo que uma em cada três crianças com NF1 também apresenta TEA (ver AQUI), começamos a nos perguntar se os brinquedos LEGO® poderiam ser úteis às crianças com NF1 e TEA.

Nosso primeiro passo foi verificar se algum grupo de cientistas já havia estudado os efeitos dos brinquedos LEGO® em crianças com NF1 e nada encontramos nos bancos de dados mundiais. Por outro lado, descobrimos um estudo que mostrou benefícios clínicos com o uso de brinquedos LEGO® em crianças com TEA (ver AQUI) outro que mostrou uma tendência para melhora psicológica (ver AQUI), um estudo que não encontrou qualquer efeito (ver AQUI) e outro que comparou o LEGO a outro brinquedo (ver AQUI).

Em outras palavras, por enquanto, tanto nas crianças com NF1 quanto naquelas apenas com TEA ainda não temos informações seguras sobre os efeitos cognitivos e comportamentais das atividades com os brinquedos LEGO®.

Ouvimos também a opinião da psicóloga e neurocientista Danielle de Souza Costa, que tem estudado crianças e adultos com NF1 (ver AQUI) sobre nossa dúvida a respeito do LEGO® e ela nos respondeu que também ela não conhece trabalhos publicados sobre efeitos dos brinquedos LEGO® em pessoas com NF1, mas que seria uma ideia importante a ser investigada cientificamente.

Danielle acrescentou que “as crianças com TEA comumente têm uma atenção mais voltada para aspectos particulares das coisas e uma menor visão do todo e isso faz do LEGO uma das coisas favoritas deles. Na clínica, é incrível como as mães sempre reportam que o que as crianças mais gostam são LEGO e miniaturas, por exemplo. Como possuem interesses restritos, usar as coisas que eles gostam para motivá-los a aprender novas habilidades é um caminho muito interessante! “.

Considerando as afirmações acima, decidimos iniciar um estudo científico sobre esta pergunta: atividades com brinquedos LEGO® podem trazer melhora cognitiva e comportamental para crianças com NF1, em especial aquelas com transtorno no espectro do autismo?

Enquanto vamos montando nosso projeto de pesquisa sobre esta questão, convido as famílias com crianças com NF1 para que me enviem seus relatos de como suas crianças com NF1 brincam com os LEGO®.

Para os pais e mães que ainda não brincaram de LEGO® com suas crianças com NF1, Ana elaborou algumas orientações abaixo. 


Sugerimos que você compre uma caixa de LEGO® apropriada para a idade de sua criança e brinque com ela e depois de uns dois a três meses de brincadeiras, envie-me seu relato do que aconteceu com vocês. Suas informações serão muito úteis neste projeto e as identidades serão mantidas no anonimato, como sempre, é claro.

Importante: eu e a Ana, assim como a Just Coding e o nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC-UFMG, não temos nenhum interesse comercial ou qualquer vínculo com os brinquedos LEGO®.


Sugestão de utilização dos blocos LEGO®:

Brincar diariamente (sem limite de horário):

– Oferecer à criança para que ela crie os modelos apresentados no manual.

– Oferecer à criança para que ela crie livremente com as peças.

A cada dois dias, por meia hora, de preferência sempre no mesmo horário:

1 – Um dos pais/cuidadores/responsável brincará com a criança.

2 – Separar as peças, o manual e um relógio.

3 – Explicar para a criança as regras do jogo

(REPITA as regras todos os dias e peça que ela repita de volta para você, até ela ser capaz de falar todas as regras sozinha no início do jogo):

Regra 1 – AVISE a criança que se ela gritar, brigar ou jogar as peças, o jogo acabou e ela só poderá brincar novamente no dia seguinte.

Regra 2 – escolher um modelo para ser montado.

Regra 3 – uma pessoa é o Fornecedor e o outro é o Montador.

Regra 4 – o papel do Fornecedor é encontrar as peças e entregar para o Montador.

Regra 5 – o papel do Montador é montar as peças.

Regra 6 – a cada 5 minutos ou 10 minutos, inverter os papéis: o Fornecedor se torna o Montador, o Montador se torna o Fornecedor.

Regra 7 – ao terminar o modelo escolhido, pode montar livremente até o final do tempo de 30 minutos.

4 – Este deve ser um momento de amor incondicional. ELOGIAR cada passo feito corretamente, de maneira honesta, sem exagero:

– “Muito bem, você encaixou a peça certa. ”

– “Parabéns, está ficando muito bom. ”

– “Obrigada, você achou a peça correta. ”

5 – NUNCA criticar a criança por ter montado ou separado blocos incorretamente. Faça perguntas e deixe que ela encontre o erro:

– “Você acha que esta peça está correta? ”

– “Eu não consigo encaixar esta peça. Será que esta peça que você montou pode ser montada de outro jeito? ”

6 – Se a criança se irritar demais, brigar, jogar as peças, ou gritar, fale CALMAMENTE que ela descumpriu a regra e só poderá brincar novamente no dia seguinte.

Peça a ela que explique PORQUE ficou irritada, para que vocês possam evitar que isto aconteça na próxima vez.

Vamos tentar?

“Meu filho de 9 anos tem NF1 e não gosta de esportes e brincadeiras de meninos. Tenho medo que ele escolheu ser gay. Isso tem a ver com a NF1? ” JCR, do Rio de Janeiro.

Cara J, obrigado pela sua participação com um tema que pode ser útil a outras famílias.

Inicialmente, devo lembrar que as pessoas com NF1 apresentam menos força muscular, menor capacidade aeróbica (para realizar atividades físicas prolongadas), menor tolerância ao calor e mais dificuldades de aprendizado nas atividades esportivas e para dançar e cantar.

Assim, é provável que as crianças com NF1 tenham menos interesse por esportes e se saiam pior nas atividades esportivas e brincadeiras que envolvam força muscular, resistência física, coordenação e habilidades motoras. 

Com o tempo, o menor desempenho nestas brincadeiras acaba discriminando as crianças com NF1 e elas perdem a vontade de participar em esportes e outras ocupações que envolvam vigor físico. Quanto menos participam, menos se saem bem; quanto menos se saem bem, menos são chamadas a participar, fechando o círculo.

Por outro lado, creio que sua pergunta traduz uma preocupação de que o desinteresse de seu filho por certas atividades poderia ser decorrente da possibilidade de ele ser homossexual.

Sabemos que a NF1 pode afetar os aspectos emocionais, inclusive a sexualidade em termos gerais ( ver trabalho do grupo do Dr. Mautner AQUI) e aumentar a preocupação das mulheres com NF1 e NF2 com o próprio corpo (ver estudo do grupo do Dr. Plotkin AQUI). A psicóloga Alessandra Cerello realizou um estudo com voluntários com NF1 no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ver AQUI) que mostrou o impacto da NF1 na vida emocional das pessoas com a doença.

No entanto, estes estudos não avaliaram a frequência da homossexualidade nas pessoas com NF1. Também não conheço ainda nenhuma outra pesquisa científica que tenha analisado de forma cuidadosa a questão da homossexualidade nas pessoas com NF1 ou NF2. Portanto, não posso responder com segurança se haveria maior ou menor número de pessoas homossexuais entre aquelas com a NF1.

Por outro lado, minha impressão, obtida da observação clínica em nosso ambulatório, é de que especialmente os meninos com NF1 seriam menos agressivos, mais dóceis e mais delicados do que outros meninos de mesma idade sem a doença, mas tudo isso pode ser decorrente da redução de sua capacidade física e cognitiva que comentei acima.

Estas características de comportamento de algumas pessoas com NF1, como retraimento social e timidez, fazem com que muitas delas sejam consideradas autistas (ver comentário neste blog AQUI ou artigo publicado (em inglês) sobre este assunto AQUI.

Além disso, parece-me que as pessoas com NF1 estabelecem menor número de relacionamentos amorosos duradouros ao longo da vida e se casam menos e têm menos filhos do que a população em geral.

De qualquer forma, não creio que a nossa sexualidade seja uma escolha. Ao contrário, concordo plenamente com o Dr. Drauzio Varella quando ele diz que “A homossexualidade é um fenômeno de natureza tão biológica quanto a heterossexualidade. Esperar que uma pessoa homossexual não sinta atração por outra do mesmo sexo é pretensão tão descabida quanto convencer heterossexuais a não desejar o sexo oposto” (ver AQUI).

Por outro lado, posso compreender a preocupação dos pais diante da possibilidade de um filho ou filha serem homossexuais, por causa dos riscos para sua segurança e bem-estar num país que trata com desprezo e ódio as pessoas que, por razões biológicas e alheias à sua vontade, nascem com o desejo sexual orientado para pessoas do mesmo sexo.

Todos nós temos responsabilidade na luta permanente contra quaisquer formas de discriminação social que trazem tanta infelicidade à humanidade, com ou sem NF.

Meu filho com NF1 tem 1 ano e 6 meses e apresenta alguns comportamentos e por isso o neuropediatra recomendou uma ressonância magnética da cabeça (que vai precisar de sedação) e um exame do olho. Estou esperando o SUS chamar para a realização dos exames. Segundo o mesmo médico, meu filho apresenta boa cognição no geral. Os sintomas que ele apresenta (abaixo) justificam o risco da anestesia para fazer a ressonância? RK, de Santa Catarina.

Ficou sentado na cama com 1 ano e 4 meses quando começou a fazer fisioterapia e começou a engatinhar de bunda com 1 ano e 5 meses; não engatinha de quatro, só em lugares macios como colhão/colchonete…

Não gosta de os brinquedos só de garrafas tampas de garrafas e coisas pequeninas como grãos e sementes;

Atira todos os objetos ao chão (quando está sentado em lugares altos ou no colo);

Não fala nem uma palavra, não aponta para objetos;

É muito temeroso, tem medo de ruídos fortes, como máquina de cortar grama… quando está no chão gosta de ficar junto ao pai ou mãe (nunca sozinho no quarto, por exemplo);

É observador e tem a visão e audição aguçadas (tapa os olhos com a mão ao se expor ao sol);

É extremamente sentimental e carente de afeto, quer colo O DIA TODO;

Não é muito curioso por abrir gavetas ou descobrir o desconhecido dentro de casa;

Não sabe segurar os talheres, não come com a própria mão e nunca segurou a mamadeira;

Nunca frequentou a creche ou teve contato prolongado com crianças, mas interage melhor com crianças maiores que ele – de 3 a 5 anos;

Quando confrontado ou agredido por outra criança, deseja sair do locar imediatamente, caso contrário, estará com febre pouco tempo depois;

Gosta muito de água e de brincar com coisas roliças.

Cara R, obrigado pela sua descrição minuciosa daquilo que você relatou como “sintomas neurológicos” em seu filho com NF1. Tomei a liberdade de reproduzir todos, porque isto poderá ser útil a outras famílias.

Primeiramente, devo lembrar que em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais não solicitamos ressonâncias magnéticas “de rotina” ou SEM sintomas a serem esclarecidos. Há crianças com NF1 que acompanho há mais de dez anos para as quais nunca houve a necessidade de pedir uma ressonância magnética.

Além disso, na NF1 a ressonância magnética do encéfalo não costuma mostrar qualquer alteração que explique problemas de aprendizado ou comportamento: há pessoas com grandes alterações nas imagens, mas sem problemas cognitivos e, ao contrário, graves problemas mentais em nenhuma alteração visível na ressonância magnética comum. Por favor, comente isto com o médico de seu filho (se ele quiser, peça a ele para ver este ARTIGO clicando aqui ).


Você me enviou a lista de alterações de comportamento observadas em seu filho, que, claro, têm origem no estágio de desenvolvimento neurológico, e que muitas delas são comuns nas crianças com NF1.

Não sou especialista em desenvolvimento cognitivo de crianças, mas tentarei aproveitar suas informações para aumentarmos nosso conhecimento sobre a NF1 de um modo geral. Aliás, se leitoras ou leitores mais capacitados em psicopedagogia desejarem completar ou corrigir minhas observações, por favor, ajudem-nos.

Revendo os comportamentos de seu filho de 1 ano e 6 meses, um olhar clínico mais flexível poderá considerar que ele está dentro da margem de tolerância em torno do desenvolvimento médio das crianças sem NF1. O que provavelmente deve ter sido a impressão do neuropediatra que afirmou que seu filho possui boa cognição no geral.

Com um olhar um pouco mais rigoroso e sabendo que as crianças com NF1 tendem a prolongar alguns destes atrasos cognitivos ao longo do seu desenvolvimento, minha tendência é considerar que há, sim, sinais de problemas cognitivos relacionados com a NF1, até porque sabemos que 100% das pessoas com NF1 apresentam algum grau de déficit cognitivo e a média da capacidade intelectual das pessoas com NF1 está um pouco abaixo da população em geral.

Alguns dos comportamentos do seu filho apontam na direção do espectro do autismo (ausência de fala, retraimento social, medo generalizado e de ruídos, envolvimento com objetos pequenos e água), enquanto outros contrariam as características autistas (desejo de contato, colo e proximidade com os pais, sentimentalidade). 


Por isso, por causa de comportamentos semelhantes ao do seu filho, 1 em cada 3 crianças com NF1 são consideradas autistas nos testes especializados, outro terço fica no limite do diagnóstico e o restante das crianças não apresenta traços autistas. Mas, é importante frisar, a NF1 não causa o verdadeiro autismo (ver livro interessante sobre isto AQUI ). O que acontece é apenas uma superposição de alguns sintomas que as duas doenças têm em comum (ver post anterior sobre isto AQUI ).

Portanto, creio que seu menino apresenta comportamentos comuns às demais crianças com NF1 (ver post anterior AQUI), e não espero que a ressonância magnética do encéfalo venha a trazer qualquer esclarecimento neste sentido. 


Nem mesmo o exame oftalmológico comum, que foi solicitado, costuma ser confiável nesta idade, a não ser que seu filho pudesse realizar um exame complementar relativamente simples (porém não disponível ainda para todos pelo SUS), chamado de Tomografia de Coerência Óptica. Ele pode ser feito por oftalmologistas especializados e traz boas informações sobre a visão nas crianças pequenas com NF1.

Finalmente, você deve estar perguntando: e o que podemos fazer com estes comportamentos de seu filho que estão um pouco abaixo da média? Na próxima semana voltaremos a este assunto. Até lá.

Olá, doutor. Tenho um filho de 7 anos com NF1 e há dois anos atrás foi diagnosticado com autismo de auto funcionamento. Mas aconteceram coisas no último ano que ainda estamos em dúvidas quanto ao diagnóstico. Na escola ele parece ter surtado, de lá para cá, ele está numa escola especial que fica com crianças assim, porque ele fica muito agitado, não para na sala, agride e xinga professores. Em casa ele começou a dizer que eu que sua mãe o estava envenenando, fala muito em matar, em faca, sangue, e diz que quando crescer vai me matar, cortar em pedacinhos, mas depois ele muda fica calmo e diz que, me ama, estamos preocupados, pois um médico nos acenou com a possibilidade de ser ou estar psicótico e virar esquizofrenia no futuro. Fomos a dois neurologistas e o último falou em transtorno de conduta e de comportamento. Não sabemos mais o que pensar e como tratar, querem dar risperidona, mas ainda não dei. O que o doutor pode me dizer? 0brigada. SE, de localidade não identificada.
Cara SE. Compreendo sua angústia diante destas alterações no comportamento de seu filho. Numa postagem anterior já comentei sobre algumas das alterações de comportamento mais comuns na NF1 (clique aqui).
Hoje vou acrescentar algumas opiniões sobre esta questão. No relato, você comentou duas coisas que me chamaram a atenção: que seu filho, uma criança de 7 anos, passa por momentos em que imagina que sua própria mãe o está envenenando e que colegas médicos indicaram o uso de risperidona, um medicamento usado para tratar tanto algumas formas de psicose quanto o autismo.
Nenhuma das formas de psicose parece ser mais comum nas pessoas com NF1 do que na população em geral, no entanto, uma pessoa com NF1 não está protegida contra as psicoses. Assim, é uma possibilidade a ser investigada se seu filho apresenta NF1 e também alguma forma de psicose, o que pode ser melhor avaliado por um (a) psiquiatra pediatra.
Além disso, nos testes especializados, um terço das crianças com NF1 poderia ser considerada autista, outro terço ficaria perto do diagnóstico e apenas o terço final não apresenta qualquer traço de autismo. É preciso dizer que não há provas científicas de que os problemas comportamentais da NF1 sejam exatamente a mesma doença dos autistas. Portanto, não sabemos se os medicamentos usados para os autistas sem NF1 são eficazes para as crianças com comportamentos com NF1 e comportamentos parecidos com os autistas.
Aliás, não existem ainda quaisquer medicamentos comprovados que sejam específicos para os problemas da NF1, sejam os neurofibromas, os gliomas, os plexiformes, as displasias, as dificuldades de aprendizado e os problemas de comportamento.

Em conclusão, acredito que uma boa avaliação por um pediatra especializado em psiquiatria infantil seria o caminho mais seguro para seu filho e sua família.