Um grande passo de uma fonoaudióloga em benefício das pessoas com NF1

A aspiração de todo cientista na área da Saúde é identificar um problema, descobrir suas causas e mecanismos e testar uma terapia que traga alívio e recuperação para as pessoas acometidas por aquele mal e depois compartilhar com a comunidade científica seus resultados para que mais pessoas em todo o mundo possam se beneficiar do tratamento encontrado.

Foi neste caminho que Pollyanna Barros Batista se empenhou nos últimos anos, trazendo para milhares de pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) informações fonoaudiológicas importantes, as quais podem ajudar estas pessoas a enfrentar um de seus problemas mais comuns: as dificuldades de aprendizado.

A NF1 é uma doença genética autossômica dominante que acontece a uma em cada três mil pessoas em todo o mundo, e que se manifesta com alterações cutâneas e neurológicas, as quais dificultam o aprendizado e a inserção social das pessoas acometidas.

Distúrbios da voz e da fala são frequentes entre as famílias que vem sendo atendidas em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF HC-UFMG) desde 2004. Foi em nosso Centro que Pollyanna Barros Batista iniciou sua trajetória como Bolsista de Iniciação Científica.

Diante de um jovem adulto com NF1 e com grande dificuldade para compreender e se expressar verbalmente, Pollyanna suspeitou que ele pudesse apresentar Desordem do Processamento Auditivo, um problema fonoaudiológico encontrado em diversas doenças que acometem o sistema nervoso central, mas que ainda não havia sido identificada nas pessoas com NF1.

Depois de realizadas as medidas técnicas apropriadas, a jovem iniciante Pollyanna confirmou sua suspeita sobre o provável mecanismo da dificuldade de compreensão e expressão linguística do paciente com NF1: a desordem do processamento auditivo[1].

As pessoas com desordem do processamento auditivo (DPA) escutam normalmente, mas compreendem mal aquilo que escutam e por isso podem entender de forma equivocada o que lhes é dito, como numa sala de aula, por exemplo, onde a professora diz: “usamos a faca para cortar o queijo” e a criança com NF1 pode entender “usamos a vaca para cortar o queijo”, o que atrapalha evidentemente sua compreensão e aprendizado.

A etapa científica seguinte não tardou para a Pollyanna e ela formulou sua nova pergunta: se uma pessoa com NF1 apresenta DPA, outras pessoas com a mesma doença poderiam também sofrer do mesmo problema? Qual seria a incidência da DPA na população com NF1? Este foi seu tema de pesquisa no seu mestrado em Fonoaudiologia, no qual foi orientada pelo professor Dr. Nilton Alves de Rezende (um dos fundadores do CRNF HC-UFMG e especialista em neurofibromatoses) e co-orientada pela professora Dra. Stela Maris Aguiar Lemos (referência em processamento auditivo na UFMG e reconhecida nacionalmente e internacionalmente pelos seus estudos conduzidos na UNIFESP).

Depois de dois anos de estudo e pesquisas, Pollyanna mostrou que praticamente todas as pessoas jovens com NF1 que foram testadas apresentavam a DPA em graus e características variáveis. Ela então publicou seus resultados[2] para a comunidade internacional, que passou a estudar sua descoberta também em outros países[3].

Sua descoberta tem motivado outros estudos em nosso Centro nos quais estamos investigando as causas da DPA na NF1, tendo como principal alvo a displasia congênita do sistema nervoso central, que resulta em falhas na integração das conexões neurais entre diversas partes do encéfalo.

No entanto, descobrir o problema não foi o final do caminho: Pollyanna resolveu testar se os tratamentos utilizados pela fonoaudiologia em pessoas com outras doenças que apresentam DPA poderia também beneficiar os acometidos pela NF1 e este foi o tema de sua pesquisa de doutoramento em Fonoaudiologia. Na foto acima, Pollyanna é a segunda da esquerda para a direita, no dia da defesa de sua Tese de Doutorado, ao lado do Dr. Nilton Alves de Rezende e demais participantes da sua banca as doutoras Carla Menezes, Daniela Gil, Denise Utsch e o doutor Rogério Beato.

Seus resultados mostraram a melhora de diversos indicadores cognitivos e, muito importante, que estes indicadores permaneciam melhores depois de um ano de interrompida a terapia fonoaudiológica[4].

Diante da evidência dos benefícios potenciais da terapia fonoaudiológica para as pessoas com NF1 e DPA, além da comunidade científica especializada, as famílias com NF1 vêm se beneficiando das informações que a Pollyanna vem divulgando em seu blog diário no qual ela já atingiu dezenas de milhares de acessos (ver www.pollyannabatistafonoaudiologa.blogspot.com.br ).

O caminho não está concluído para a Pollyanna, é claro: ela continua em busca de saber as causas e mecanismos da DPA no cérebro das pessoas com NF1, assim como suas manifestações em crianças mais novas com NF1 e DPA: desde quando podemos interferir no aprendizado destas pessoas para que vivam melhor seu potencial humano?

Diante desta trajetória brilhante e reconhecida nos congressos especializados em Neurofibromatoses, tenho a segurança de dizer que a Tese de Doutoramento da Pollyanna Barros Batista é uma das teses mais importantes que já pude acompanhar de perto em toda a minha vida.

Desejo a Pollyanna que seu trabalho continue a ser reconhecido como um passo científico exemplar.

Referências

[1] Batista, P. B.; Silva, C. M., Valentim, H. O., Rodrigues, L. O. C., Rezende, N. A. Avaliação do processamento auditivo na neurofibromatose tipo 1. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (Impresso), v.15, p.604 – 608, 2010.

[2] Batista, P. B., Lemos, S. M. A., Rodrigues, L. O. C., Rezende, N. A. Auditory temporal processing deficits and language disorders in patients with neurofibromatosis type 1. Journal of Communication Disorders., v. 48, p.18-26, 2014.

[3] Barcelos-Corse, LFD. Audiologic phenotype in individuals with neurofibromatosis type 1 [thesis]. Towson: Towson University; 2013.

[4] Batista, PB. Treinamento auditivo acusticamente controlado em pacientes com neurofibromatose tipo 1 [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2016.