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Minha filha AC, de 9 anos, já atendida no CRNF, tem neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Por causa da irritabilidade acentuada e agressividade um neurologista sugeriu risperidona. Ela não apresenta dificuldade em aprender, já sabe ler desde os 6 anos, mas não quer estudar, porque acha tedioso e só quer brincar. Quando tem foco em algo que gosta é impressionante a rapidez com que aprende. Pode me orientar? M.I, de João Pessoa.

Cara M.I., obrigado pelo seu relato, que abriu uma oportunidade para falarmos sobre algo muito importante: a autonomia das crianças.

Antes, quero lembrar que muitas crianças com NF1 apresentam TDAH e alguma agressividade. A AMANF acaba de publicar uma cartilha com orientações para mães, pais, educadoras e educadores de crianças com NF1 e problemas de comportamento. Clique aqui para obter a cartilha.

Antes de qualquer medicação, acho que todas as pessoas cuidadoras de sua filha devem tentar seguir a nossa cartilha por algumas semanas ou meses.

Se, ao final, a cartilha não for suficiente para melhorar a qualidade de vida de vocês, então os medicamentos podem ser pensados.

Quando há hiperatividade, o medicamento metilfenidato pode ser uma opção ( prescrita pela neurologia) a ser experimentada com a finalidade de diminuir a impulsividade – ações realizadas de forma impensada e às vezes contra a vontade consciente da pessoa. A impulsividade gera ansiedade que contribui para a irritabilidade e, como consequência, para aumentar a agressividade.

Quando não há hiperatividade, mas apenas desatenção, ainda não estou convencido de que o metilfenidato seja eficiente nas crianças com NF1.

Se houver hiperatividade e mesmo com o uso do metilfenidato ainda persistir a agressividade, pode ser experimentada a risperidona sob a orientação da psiquiatria psiquiatra infantil ou neurologia infantil.

 

Mas vamos pensar numa coisa importante, que você falou: sua filha aprende rapidamente quando quer.

 Acho que ela tem razão.

 Acho que todos nós aprendemos de fato somente aquilo que nos interessa.

E talvez qualquer pessoa fique irritada e agressiva se for obrigada a fazer coisas que não deseja, não é?

Há cerca de 50 anos, fiquei impressionado por um experimento educacional famoso na Inglaterra, chamado Summerhill, que deu origem às escolas democráticas, no qual as crianças podiam escolher quando brincar ou estudar. Mesmo as crianças com problemas comportamentais (a maioria naquele colégio especial) acabavam aprendendo aquilo que precisavam para seguirem suas vidas com autonomia quando adultas.

Clique aqui para conhecer mais sobre as escolas democráticas inspiradas em Summerhill.

Talvez a escola convencional atual seja mesmo muito entediante para crianças com hiperatividade.

Talvez possamos ajudar as crianças a se encontrarem e a realizarem seus desejos e sua formação humana por meio de brincadeiras criativas.

Brincar é o jeito mais alegre e eficiente de aprender sobre tudo: sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre os afetos. Sobre como viver.

 

Eu, no lugar da sua filha, gostaria de estar numa escola onde brincar fosse levado muito a sério.

Vamos ouvir o que sua filha quer fazer?

Dr. Lor

 

 

 

A Children’s Tumor Foundation (CTF), a principal organização norte-americana envolvida na divulgação de informações sobre as neurofibromatoses, lançou em setembro de 2017 uma nova cartilha chamada “Como ajudar crianças com dificuldades de aprendizado associadas com a Neurofibromatose do tipo 1”. Leia mais

As alterações comportamentais são uma das complicações da NF1 e ainda não temos um tratamento específico, seguro e eficaz para este problema. Por isso, alguns estudos laboratoriais tentam encontrar um medicamento capaz de melhorar a vida das pessoas com NF1. Um destes estudos [1] foi realizado na Universidade de Radboud na Holanda e foi apresentado pela Dra. Michaela Fenckova no Congresso de 2017, que traduzi e adaptei para este blog.

“A “habituação” é uma capacidade mental de suprimir nossa reação diante de um estímulo que sugere perigo, quando este estímulo se repete sem nos causar danos. A habituação é uma aquisição importante no processo de aprendizado. Ela serve para filtrar informações que não são relevantes e representa uma habilidade necessária para o desenvolvimento de funções cognitivas mais complexas.

Dificuldades de habituação têm sido relatadas em diversas doenças que apresentam problemas cognitivos e comportamentais, incluindo os transtornos no espectro do autismo.

Para determinar as bases genéticas da habituação e sua relevância para estudos em seres humanos, o grupo de pesquisadores estuda a habituação das moscas de banana (Drosophila) com genes alterados para determinadas funções neurais. Os genes alterados estão relacionados com o processo de aprendizado nestes animais e em também seres humanos.

Eles encontraram mais de 100 genes relacionados com a dificuldade de habituação da Drosophila que também estão presentes no transtorno no espectro do autismo e suas alterações comportamentais. Além disso, vários destes genes se caracterizam por uma ativação excessiva de um processo bioquímico nas células nervosas (uma via chamada Ras-MAPK) que também acontece nas pessoas com NF1 e outras doenças do grupo denominado de “rasopatias”.

Os pesquisadores verificaram que a dificuldade de habituação na NF1 e nas rasopatias parece estar ligada a esta via superativada num grupo de neurônios chamados “gabaérgicos”. Verificaram também que esta superativação dos neurônios pode ser parcialmente corrigida com um medicamento chamado Lamotrigina, que corrigiu as dificuldades de aprendizado em camundongos geneticamente modificados para NF1. Depois destes resultados animadores com os camundongos a Lamotrigina está sendo estudada em seres humanos (um projeto chamado NF1-EXCEL). 

Ver AQUI mais informações sobre esta pesquisa que está sendo realizada na Holanda (em inglês).

O grupo de pesquisadores concluiu que seu modelo de estudo de habituação em Drosophila está pronto e é altamente eficaz para ser usado no esclarecimento das dificuldades de aprendizado na NF1 e para testar novos medicamentos. Seus resultados até agora sugerem que a dificuldade de habituação seja um dos mecanismos fundamentais nas dificuldades cognitivas e comportamentais na NF1.

Seu projeto seguinte é avaliar a habituação em pessoas com NF1 para poderem transportar os dados dos estudos com a Drosophila para seres humanos. “

Estes estudos apresentam uma nova promessa para um futuro breve o alívio desta complicação tão frequente entre as pessoas com NF1, até porque a Lamotrigina é um medicamento relativamente bem conhecido, uma vez que já é usado no tratamento das convulsões.

[1] Título: Aprendizado da habituação em Drosophila: uma plataforma para identificar drogas que melhoram a cognição e os problemas comportamentais na NF1 e outras rasopatias.


Nos últimos dias, a partir do relato de RK, de Santa Catarina, sobre alguns comportamentos do seu filho, tenho falado sobre o que acredito que deveria ser o papel da educação (oferecida pela família e pela escola): criar oportunidade para o desenvolvimento do potencial de cada pessoa usufruir uma vida feliz.

Comentei que a criatividade é ferramenta fundamental para enfrentarmos as novidades de cada dia, já que nada podemos afirmar com certeza sobre como será o amanhã. Vimos que o desenvolvimento da criatividade da criança necessita de liberdade de escolha, de atenção e presença, de estímulo da curiosidade e da autonomia e de acolhimento afetivo. Mas o mundo em que vivemos permite este ambiente adequado ao desenvolvimento da criatividade?

Mesmo sem a NF1, a maioria das crianças vem sendo condicionada numa vida de restrições progressivas, mesmo aquelas que dispõem de recursos financeiros. Estão progressivamente confinadas em ambientes fechados, limitadas à distração permanente pelos meios eletrônicos e impedidas de explorar o mundo criativamente por causa da estrutura urbana violenta e insegura em que vivemos.

Entre os resultados deste modo de vida inadequado, encontramos o aumento das alterações de comportamento, como os chamados transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e do preocupante uso de medicamentos psiquiátricos em crianças, como nos mostra o pediatra Daniel Becker (VER AQUI uma de suas excelentes palestras).

Numa cartilha produzida pela Sociedade Mineira de Pediatria (encampada e divulgada também pela Sociedade Brasileira de Pediatria) resumimos as grandes dificuldades que todas as crianças enfrentam para viverem uma vida saudável e sem obesidade (ver a cartilha AQUI ).

Então, se para as crianças sem NF1 já está difícil viver com criatividade, liberdade, atenção, estímulo e acolhimento, podemos imaginar que o problema específico do desenvolvimento neurológico modificado pela NF1 talvez dificulte ainda mais a socialização das crianças acometidas pela doença.

Acreditamos (o Dr. Vincent Riccardi e nós do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais) que a principal alteração comportamental das pessoas com NF1 seja uma redução, em maior ou menor grau, da sua capacidade de perceber indicadores sociais e ambientais. Ou seja, a NF1 provocaria uma dificuldade na percepção global sobre todos os eventos que estão acontecendo ao redor (ver um post anterior em que entrei em detalhes sobre esta questão AQUI ).

Assim, se para uma criança sem NF1 a sociedade urbana e competitiva atual já dificulta a sua socialização, podemos antecipar que o desenvolvimento social da criança com NF1 deverá ser pior. Mesmo que as crianças com NF1 não possuam quaisquer deformidades visíveis, o que poderia segregá-las como “diferentes”, as dificuldades cognitivas que são muito comuns na NF1 por si já atrapalham a integração social das crianças afetadas pela neurofibromatose do tipo 1. Por exemplo, as alterações da voz e da fala, os movimentos corporais mais lentos, a desordem do processamento auditivo, a timidez e o medo aumentam a distância dos colegas de idade, o que acaba por gerar discriminação social, a qual, num círculo vicioso, agrava o isolamento e as dificuldades cognitivas da criança.

Certamente, não é uma tarefa fácil criar novas condições sociais para que as crianças, com ou sem NF1, desenvolvam seu potencial humano de felicidade, vivendo em liberdade, aumentando sua criatividade, sendo devidamente estimuladas e acolhidas pelas famílias, pela escola e pela sociedade. Mudar nossas ideias atuais de educação, significa mudarmos a sociedade que desejamos no futuro.

No entanto, podemos, de imediato, especialmente para as crianças com NF1, recusar a ditadura da competição como método, recusar a divisão das pessoas em “normais” e “doentes”, recusar a medicalização da vida e a distração eletrônica como controle da insatisfação social, recusar o modo fast-food na educação e na alimentação e recusar o ideal de sucesso econômico individual como o único objetivo da vida.

Em seu lugar, podemos tentar promover a cooperação como método, a inclusão das diferenças pessoais como norma, a mudança dos hábitos de vida no lugar dos medicamentos, do fast-food e da educação castradora da criatividade, e transformarmos a felicidade de todos no único objetivo da vida.

Podemos começar hoje, RK, com seu filho com NF1, aceitando seus comportamentos aparentemente diferentes da média como manifestação de desejos legítimos e confiando que ele será capaz de, no seu devido tempo, com sua criatividade, inventar a própria felicidade, aquela que for possível no mundo em que vivemos.

Hoje continuo a conversar sobre algumas ideias de como imagino que podemos conviver com crianças com comportamentos diferentes causados pela NF1. 

Ontem falei sobre a ideia de que a única ferramenta que dispomos para enfrentar o futuro é a criatividade. Isto me parece verdade desde o nível da genética, onde as mutações novas podem ser a solução diante das mudanças do ambiente, até o nível das complexas relações sociais que nós, seres humanos desenvolvemos, onde comportamentos diferentes podem ser a saída para dificuldades nos relacionamentos. Isto me parece verdade para crianças com e sem NF1.

Para mim, o desenvolvimento da criatividade depende de quatro condições importantes: primeiro, liberdade para ousar, para experimentar, para errar, para fazer diferente, para não fazer agora e fazer quando quiser, para fazer e desmanchar, para fazer pela metade e parar, para fazer e esconder, para fazer copiando, para fazer inventando.

Liberdade, enfim, para a criança fazer o que deseja dentro dos limites de sua segurança física, limites, os quais, aliás, ela descobre muito rapidamente se for permitido a ela descobri-los aos poucos.

Segundo, precisamos prestar atenção ao que a criança está fazendo, mesmo que não estejamos participando diretamente. Quando a criança nos chama para brincar, ela não espera que sejamos a parte ativa e racional na brincadeira, mas que sigamos a sua trilha da imaginação, por mais absurda que possa parecer para o olhar adulto. Muitas vezes a criança quer apenas que estejamos ali, ao seu lado, olhando para ela enquanto ela brinca (e não vale checar o celular, porque ela percebe que você não está mais COM ela). 


Terceiro, podemos estimular a criatividade se permitirmos que nossa própria curiosidade brote durante a brincadeira e, embalados na fantasia inicial da criança, deixarmos a nossa própria imaginação sugerir novas alternativas na brincadeira, sem medo de parecermos tolos e infantis. O que a criança deseja é exatamente que sejamos infantis como ela, especialmente porque para ela não existe diferença entre brincar e viver.

Minha neta Rosa, de 3 anos, gosta de brincar que eu sou o marido e ela é a marida. Por que eu deveria corrigi-la com as palavras esposa ou mulher, se ela não percebe ainda a diferença? Não começaria nesta minha “lição” uma reafirmação das diferenças (especialmente de direitos) entre homens e mulheres, que ela, certamente, já está descobrindo cotidianamente que, infelizmente, existem? Se deixarmos que ela, pela sua própria maneira (perguntando), vá compreendendo, na medida de sua capacidade, a existência do machismo dominante, quem sabe suas conclusões futuras venham a trazer uma maneira nova de enfrentarmos a desigualdade social entre homens e mulheres?

O acolhimento, acredito, é aceitar a criança como ela é, sem julgamentos morais ou éticos, sem lições de moral, como se da nossa palavra dependesse o caráter futuro daquela pessoa. A complexidade da personalidade de uma pessoa depende de fatores muito complexos, que vão desde as características genéticas, à situação familiar, aos exemplos da comunidade, às oportunidades sociais e econômicas e a todo um espírito de época, numa mistura orgânica para a qual não existe receita pronta.

Ignorando esta complexidade, nossa tendência é corrigir moralmente a fantasia da criança, sem tentar entender os significados das palavras para ela. Uma vez, a Ana, minha filha mais velha, na época com 3 anos, perguntou-me sobre um bichinho caído no chão. Respondi que era um besourinho morto. Thalma, sua mãe que estava por perto, querendo evitar o assunto “morte”, disse: Não, filhinha, ele está dormindo! Ana olhou para mim e indagou: Ele está dormindo? Constrangido, concordei sem convicção. Ana completou: Então, vamos matar ele?

O que sabemos nós sobre o significado para uma criança de 3 anos de “estar morto”? Qual seria o tamanho daquele besourinho em sua mente? Qual a diferença entre morrer e dormir? Qual é o sentimento desencadeado pelo poder de matar um pequeno animal terrivelmente ameaçador? Por que podemos matar o mosquito ou a galinha para comer e o besourinho, não?

Então, liberdade, atenção, estímulo e acolhimento são para mim os fundamentos da criatividade, a ferramenta essencial para uma pessoa conseguir a carteira de habilitação para o futuro.

E como fica a criatividade nas crianças com NF1? Como devemos nos comportar quando uma criança se apega a determinados comportamentos que fogem ao padrão geral considerado “normal”? Amanhã volto a falar sobre como imagino que podemos tentar ver o mundo com os olhos das crianças.

A propósito, hoje usei para ilustrar este post um desenho que meu neto de 3 anos, o Antônio, me deu de presente. Você viu os olhos brilhantes do peixe? E as escamas verdes com as nadadeiras fazendo Tziiiz? E o rabo cinza se mexendo? E a água azul da praia de Recife?

Pois ele viu.

Meu filho com NF1 tem 1 ano e 6 meses e apresenta alguns comportamentos e por isso o neuropediatra recomendou uma ressonância magnética da cabeça (que vai precisar de sedação) e um exame do olho. Estou esperando o SUS chamar para a realização dos exames. Segundo o mesmo médico, meu filho apresenta boa cognição no geral. Os sintomas que ele apresenta (abaixo) justificam o risco da anestesia para fazer a ressonância? RK, de Santa Catarina.

Ficou sentado na cama com 1 ano e 4 meses quando começou a fazer fisioterapia e começou a engatinhar de bunda com 1 ano e 5 meses; não engatinha de quatro, só em lugares macios como colhão/colchonete…

Não gosta de os brinquedos só de garrafas tampas de garrafas e coisas pequeninas como grãos e sementes;

Atira todos os objetos ao chão (quando está sentado em lugares altos ou no colo);

Não fala nem uma palavra, não aponta para objetos;

É muito temeroso, tem medo de ruídos fortes, como máquina de cortar grama… quando está no chão gosta de ficar junto ao pai ou mãe (nunca sozinho no quarto, por exemplo);

É observador e tem a visão e audição aguçadas (tapa os olhos com a mão ao se expor ao sol);

É extremamente sentimental e carente de afeto, quer colo O DIA TODO;

Não é muito curioso por abrir gavetas ou descobrir o desconhecido dentro de casa;

Não sabe segurar os talheres, não come com a própria mão e nunca segurou a mamadeira;

Nunca frequentou a creche ou teve contato prolongado com crianças, mas interage melhor com crianças maiores que ele – de 3 a 5 anos;

Quando confrontado ou agredido por outra criança, deseja sair do locar imediatamente, caso contrário, estará com febre pouco tempo depois;

Gosta muito de água e de brincar com coisas roliças.

Cara R, obrigado pela sua descrição minuciosa daquilo que você relatou como “sintomas neurológicos” em seu filho com NF1. Tomei a liberdade de reproduzir todos, porque isto poderá ser útil a outras famílias.

Primeiramente, devo lembrar que em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais não solicitamos ressonâncias magnéticas “de rotina” ou SEM sintomas a serem esclarecidos. Há crianças com NF1 que acompanho há mais de dez anos para as quais nunca houve a necessidade de pedir uma ressonância magnética.

Além disso, na NF1 a ressonância magnética do encéfalo não costuma mostrar qualquer alteração que explique problemas de aprendizado ou comportamento: há pessoas com grandes alterações nas imagens, mas sem problemas cognitivos e, ao contrário, graves problemas mentais em nenhuma alteração visível na ressonância magnética comum. Por favor, comente isto com o médico de seu filho (se ele quiser, peça a ele para ver este ARTIGO clicando aqui ).


Você me enviou a lista de alterações de comportamento observadas em seu filho, que, claro, têm origem no estágio de desenvolvimento neurológico, e que muitas delas são comuns nas crianças com NF1.

Não sou especialista em desenvolvimento cognitivo de crianças, mas tentarei aproveitar suas informações para aumentarmos nosso conhecimento sobre a NF1 de um modo geral. Aliás, se leitoras ou leitores mais capacitados em psicopedagogia desejarem completar ou corrigir minhas observações, por favor, ajudem-nos.

Revendo os comportamentos de seu filho de 1 ano e 6 meses, um olhar clínico mais flexível poderá considerar que ele está dentro da margem de tolerância em torno do desenvolvimento médio das crianças sem NF1. O que provavelmente deve ter sido a impressão do neuropediatra que afirmou que seu filho possui boa cognição no geral.

Com um olhar um pouco mais rigoroso e sabendo que as crianças com NF1 tendem a prolongar alguns destes atrasos cognitivos ao longo do seu desenvolvimento, minha tendência é considerar que há, sim, sinais de problemas cognitivos relacionados com a NF1, até porque sabemos que 100% das pessoas com NF1 apresentam algum grau de déficit cognitivo e a média da capacidade intelectual das pessoas com NF1 está um pouco abaixo da população em geral.

Alguns dos comportamentos do seu filho apontam na direção do espectro do autismo (ausência de fala, retraimento social, medo generalizado e de ruídos, envolvimento com objetos pequenos e água), enquanto outros contrariam as características autistas (desejo de contato, colo e proximidade com os pais, sentimentalidade). 


Por isso, por causa de comportamentos semelhantes ao do seu filho, 1 em cada 3 crianças com NF1 são consideradas autistas nos testes especializados, outro terço fica no limite do diagnóstico e o restante das crianças não apresenta traços autistas. Mas, é importante frisar, a NF1 não causa o verdadeiro autismo (ver livro interessante sobre isto AQUI ). O que acontece é apenas uma superposição de alguns sintomas que as duas doenças têm em comum (ver post anterior sobre isto AQUI ).

Portanto, creio que seu menino apresenta comportamentos comuns às demais crianças com NF1 (ver post anterior AQUI), e não espero que a ressonância magnética do encéfalo venha a trazer qualquer esclarecimento neste sentido. 


Nem mesmo o exame oftalmológico comum, que foi solicitado, costuma ser confiável nesta idade, a não ser que seu filho pudesse realizar um exame complementar relativamente simples (porém não disponível ainda para todos pelo SUS), chamado de Tomografia de Coerência Óptica. Ele pode ser feito por oftalmologistas especializados e traz boas informações sobre a visão nas crianças pequenas com NF1.

Finalmente, você deve estar perguntando: e o que podemos fazer com estes comportamentos de seu filho que estão um pouco abaixo da média? Na próxima semana voltaremos a este assunto. Até lá.


Desde 2005, o grupo de pesquisadores coordenados pelo Dr. Alcino J. Silva, do Departamento de Neurobiologia da Universidade da Califórnia nos Estados Unidos, tem estudado os efeitos da Lovastatina sobre as dificuldades de aprendizado nas pessoas com NF1. Primeiro, eles estudaram camundongos geneticamente modificados com NF1 (estes animais apresentam dificuldades cognitivas semelhantes às nossas) e recentemente a pesquisadora Carrie E. Bearden, sob a orientação do Dr. Alcino, concluiu mais um estudo com Lovastatina em seres humanos com NF1.

Os resultados foram publicados recentemente ( VER AQUI o artigo completo), e reforçam um pouco mais nossa sugestão de tratamento experimental com Lovastatina para algumas pessoas com NF1 e com dificuldades importantes de aprendizado. Em 2015, publicamos uma justificativa para este tratamento experimental, que está em documento disponível neste blog (VER AQUI).

O estudo da Dra. Bearden durou 14 semanas e começou com 44 voluntários com NF1, com a média de idade de 26 anos, sendo metade homens e metade mulheres. As pessoas com NF1 foram divididas por sorteio entre dois grupos: o grupo que recebeu a Lovastatina e o outro grupo que recebeu cápsulas semelhantes, mas que continham apenas amido (placebo).

Nem os voluntários com NF1, nem os médicos e nem as pessoas encarregadas de realizarem os testes cognitivos não sabiam quem recebia Lovastatina ou placebo. Somente ao final do estudo os códigos foram revelados para se saber quem usou o medicamento e quem pertenceu ao grupo controle.

A dose de Lovastatina usada foi de 80 mg por dia para adultos e 40 mg por dia para crianças. Quero chamar a atenção para estas doses porque elas são muito maiores do que a dose de 20 mg por dia que temos usado em crianças e adultos em nosso tratamento experimental.

Todos foram submetidos a testes antes e depois de 14 semanas de uso de Lovastatina ou placebo. Os testes mediram principalmente o aprendizado não-verbal e a memória de trabalho, mas também foram avaliados os níveis de atenção, a memória verbal e relatos pessoais ou dos pais sobre problemas comportamentais.

Além disso, os voluntários foram submetidos a uma ressonância magnética funcional que permite medir a atividade neurológica em diferentes áreas do cérebro.

Ao final das 14 semanas 12 voluntários haviam desistido (8 no grupo placebo e 4 no grupo Lovastatina). A Lovastatina foi bem tolerada, sem efeitos colaterais importantes. Curiosamente, o grupo placebo (que estava ingerindo apenas amido) apresentou mais efeitos colaterais leves do que o grupo que recebeu Lovastatina.

Os resultados mostraram que a Lovastatina melhorou a memória de trabalho, a memória verbal e os problemas comportamentais, mas não afetou o aprendizado não-verbal. Além disso, a ressonância magnética funcional mostrou aumento da atividade mental, do grupo que usou Lovastatina, na área frontal e de forma correlacionada com os efeitos verificados nos testes.

Em conclusão, os autores consideram que estes resultados (que eles definem como preliminares) sugerem um efeito benéfico da Lovastatina sobre algumas funções do aprendizado e da memória, assim como na redução de problemas de comportamento em pessoas com NF1.

Eles lembram também que já estamos acumulando evidências de que as estatinas (grupo ao qual a Lovastatina pertence) exercem efeito protetor em outros problemas neurológicos, como Alzheimer, doenças neuroinflamatórias e esclerose múltipla.

Apesar de ser um número relativamente pequeno de pessoas com NF1 que concluíram o estudo (apenas 17 receberam a Lovastatina durante 14 semanas), esta pesquisa foi realizada de forma cuidadosa por cientistas respeitados entre aqueles que trabalham com as NF. 

Creio que seus resultados nos chegam mais próximos do momento em que haverá consenso na comunidade científica internacional de que a Lovastatina deve ser experimentada em pessoas com NF1 com problemas de aprendizado e de comportamento.

Além de dizer se a Lovastatina deverá ser usada ou não, precisaremos estabelecer a idade ideal para o início do tratamento, assim como a melhor dose diária.

Vamos torcer para este dia chegar.

Alguns pais têm perguntado sobre o uso de medicamentos, chamados de moduladores do humor, para os problemas de comportamento em crianças com NF1. 

Veja alguns alguns comentários neste blog sobre os problemas de comportamento na NF1, que são bastante comuns.
Hoje, trago minha preocupação com um dos medicamentos que têm sido receitados para algumas crianças com NF1, a PAROXETINA.

Creio que o e-mail abaixo da Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, que é médica e também minha filha, enviado por ela para diversas pessoas, traduz a minha opinião a respeito da PAROXETINA, pois sou contrário ao uso deste medicamento em crianças com NF1. 

Os comentários em itálico são meus, para ajudar a compreensão das pessoas que não são formadas em medicina.
“Caros,
Trabalhando com Avaliação de Tecnologias em Saúde, frequentemente me deparo com o uso indevido da “Medicina Baseada em Evidências” para vender remédios. 

Este caso da PAROXETINA (receitada) para adolescentes e crianças é um exemplo (ver:aqui

(Há 15 anos foi publicada uma pesquisa que indicou o uso de PAROXETINA para problemas de humor em crianças e adolescentes)

Demorou quase 15 anos para se conseguir publicar um estudo com análise metodologicamente correta dos dados coletados, o qual concluiu (exatamente) O OPOSTO do que fora publicado originalmente.

Foram 15 anos vendendo um remédio que não funciona e que oferece mais riscos. E o estudo original (errado) não foi retirado de circulação!

Nas minhas análises críticas, toda vez que incluo “o financiamento do fabricante” como um tipo de erro no método científico e, portanto, um fator importante de redução da qualidade da evidência (ou seja, da confiança que podemos ter nos resultados) especialmente em oncologia, sou duramente criticada:

– Mas não há grandes estudos clínicos sem o financiamento da indústria!

Ao que eu respondo:

– Portanto, não há evidência (científica) de qualidade.

O exemplo da PAROXETINA acima ilustra o quanto é necessário sermos mais rigorosos com os atuais produtores de “evidências”.
A própria Cochrane (um sistema internacional que divulga conhecimentos médicos baseados em evidências científicas) tem utilizado dados publicados (e não mais os dados individuais, pois a indústria não mais os fornece) para realizar suas metanálise (um tipo de estudo que reúne pesquisas realizadas por grupos diferentes de cientistas) de certas drogas.
Por exemplo, o medicamento bevacizumabe (foi avaliado pela Cochrane por meio de metanálises para) o tratamento do câncer de cólon (ver:aquifoi retirado da lista do orçamento do sistema de saúde da Inglaterra neste ano (ver aqui:aqui e aqui)_. Portanto, este acontecimento reduz a qualidade da “evidência” que havia antes.
É reconfortante para todos acharmos que a prática da medicina hoje em dia é sustentada por evidências científicas sólidas.

Infelizmente, a verdade é que a maior parte desta evidência é frágil, quando não deliberadamente fraudulenta para vender remédios e equipamentos.”
Deixo então para todos, especialmente para os profissionais da saúde, estas palavras da Luíza para nossa reflexão neste final de semana.
Podemos confiar na indústria de medicamentos e equipamentos médicos?
Pessoalmente, defendo que precisamos nos organizar melhor para cobrarmos do estado um maior controle de todas as atividades que geram lucros às custas das doenças das pessoas.

Meu sonho é o seguinte: a saúde não deve ser produto, a saúde não deve ser comércio, a saúde não pode dar lucro: a saúde é direito de todos.
Olá, doutor. Tenho um filho de 7 anos com NF1 e há dois anos atrás foi diagnosticado com autismo de auto funcionamento. Mas aconteceram coisas no último ano que ainda estamos em dúvidas quanto ao diagnóstico. Na escola ele parece ter surtado, de lá para cá, ele está numa escola especial que fica com crianças assim, porque ele fica muito agitado, não para na sala, agride e xinga professores. Em casa ele começou a dizer que eu que sua mãe o estava envenenando, fala muito em matar, em faca, sangue, e diz que quando crescer vai me matar, cortar em pedacinhos, mas depois ele muda fica calmo e diz que, me ama, estamos preocupados, pois um médico nos acenou com a possibilidade de ser ou estar psicótico e virar esquizofrenia no futuro. Fomos a dois neurologistas e o último falou em transtorno de conduta e de comportamento. Não sabemos mais o que pensar e como tratar, querem dar risperidona, mas ainda não dei. O que o doutor pode me dizer? 0brigada. SE, de localidade não identificada.
Cara SE. Compreendo sua angústia diante destas alterações no comportamento de seu filho. Numa postagem anterior já comentei sobre algumas das alterações de comportamento mais comuns na NF1 (clique aqui).
Hoje vou acrescentar algumas opiniões sobre esta questão. No relato, você comentou duas coisas que me chamaram a atenção: que seu filho, uma criança de 7 anos, passa por momentos em que imagina que sua própria mãe o está envenenando e que colegas médicos indicaram o uso de risperidona, um medicamento usado para tratar tanto algumas formas de psicose quanto o autismo.
Nenhuma das formas de psicose parece ser mais comum nas pessoas com NF1 do que na população em geral, no entanto, uma pessoa com NF1 não está protegida contra as psicoses. Assim, é uma possibilidade a ser investigada se seu filho apresenta NF1 e também alguma forma de psicose, o que pode ser melhor avaliado por um (a) psiquiatra pediatra.
Além disso, nos testes especializados, um terço das crianças com NF1 poderia ser considerada autista, outro terço ficaria perto do diagnóstico e apenas o terço final não apresenta qualquer traço de autismo. É preciso dizer que não há provas científicas de que os problemas comportamentais da NF1 sejam exatamente a mesma doença dos autistas. Portanto, não sabemos se os medicamentos usados para os autistas sem NF1 são eficazes para as crianças com comportamentos com NF1 e comportamentos parecidos com os autistas.
Aliás, não existem ainda quaisquer medicamentos comprovados que sejam específicos para os problemas da NF1, sejam os neurofibromas, os gliomas, os plexiformes, as displasias, as dificuldades de aprendizado e os problemas de comportamento.

Em conclusão, acredito que uma boa avaliação por um pediatra especializado em psiquiatria infantil seria o caminho mais seguro para seu filho e sua família.
Tenho recebido perguntas de alguns pais de crianças com NF1 e problemas de comportamento, para as quais foram receitados medicamentos psiquiátricos, como ansiolíticos, antidepressivos e medicamentos para transtorno bipolar. Os pais desejam saber se estes medicamentos são úteis para as pessoas com NF1.



Inicialmente, é preciso ficar claro que as pessoas com NF1 também estão sujeitas a problemas psiquiátricos e neurológicos independentes da NF1 e que elas podem necessitar de tratamento específico para estas outras doenças.
Devo lembrar também que não existem ainda quaisquer medicamentos comprovados que sejam específicos para os problemas da NF1, sejam os neurofibromas, os gliomas, os plexiformes, as displasias, as dificuldades de aprendizado e os problemas de comportamento. Dois medicamentos utilizados para outras finalidades, Lovastatina e Cetotifeno, têm sido submetidos a estudos para sabermos se eles têm ou não efeitos específicos na NF1, mas ainda não existe um consenso sobre isto.
No entanto, algumas cautelas podem ser recomendadas aos profissionais da saúde no diagnóstico dos problemas de comportamento das crianças com NF1. Sabemos que algumas características de comportamento, como retraimento social, agressividade, falta de flexibilidade nas condutas, timidez e outras, são comuns entre as crianças com NF1 e estes comportamentos podem confundir o diagnóstico com outras doenças psiquiátricas.
Por exemplo, entre as crianças com NF1, cerca de 30% delas apresentam sinais e sintomas compatíveis com o diagnóstico de autismo e outras 30% apresentam quadros próximos ao autismo, segundo o grupo da Dra. Susan Huson (Ver artigo aqui), que torna mais difícil o diagnóstico diferencial entre a NF1 e as doenças psiquiátricas.
Também do ponto de vista neurológico, entre as pessoas com NF1, há maior incidência de distúrbios do sono, dor de cabeça crônica, epilepsia, Doença de Parkinson e Esclerose Múltipla (Ver artigo aqui). Estes problemas neurológicos podem necessitar de medicação específica e serem confundidos com sintomas da própria NF1 ou com doenças psiquiátricas.

Em conclusão, é possível que medicamentos usados para outras doenças (neurológicas e psiquiátricas) sejam necessários para pessoas com NF1. No entanto, um cuidado maior deve ser tomado pelos profissionais da saúde na hora do diagnóstico: é preciso distinguir sinais e sintomas próprios da NF1 (e para os quais ainda não temos medicamentos) de outros problemas de saúde para os quais há medicamentos disponíveis.