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Para finalizar esta semana, na qual abordamos alguns aspectos relacionados à Neurofibromatose do tipo 2, vou relatar a história de uma pessoa que vem sendo acompanhada no Hospital das Clínicas há vários anos, e que é bastante ilustrativa das dificuldades que enfrentamos para oferecer atendimento adequado às pessoas com NF2. São dificuldades técnicas (médicas), sociais (nível de informação e cooperação familiar), institucionais (baixo acesso aos equipamentos de saúde) e políticas (redução dos recursos públicos investidos em saúde).

Em 2009, o menino MFO de 7 anos de idade foi atendido pela oftalmologia do Hospital das Clínicas por causa de um estrabismo e submetido a uma cirurgia. Naquela época, não foi encontrada uma causa para o seu estrabismo e o grupo que o atendeu publicou um artigo sobre o caso na revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia (CLIQUE AQUI ).

MFO passou os 7 anos seguintes clinicamente estável, sem outros sintomas, mas aos 14 anos apresentou paralisia a mão esquerda e tumores cutâneos. Em seguida, começou a perder a audição e a ressonância magnética mostrou que ele tinha schwannomas nos nervos vestibulares de ambos os lados do cérebro. Diante deste quadro, MFO foi encaminhado aos 17 anos ao nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses, quando realizamos o diagnóstico clínico de NF2.

Embora a NF2 seja uma doença que se manifesta principalmente na vida adulta (ver posts anteriores), ela é genética e, portanto, está presente na infância e pode gerar sintomas como aqueles apresentados pelo MFO. No entanto, o seu diagnóstico nem sempre é fácil, entre outras causas, pela raridade da doença (1 em cada 20 mil pessoas). Além disso, os casos com sinais e sintomas mais precoces (oculares, como o estrabismo e motores, como a paralisia da mão esquerda do MFO) são geralmente mais graves do que aqueles com sintomas iniciados apenas na vida adulta (surdez, zumbido).

Quando foi examinado pela primeira vez em nosso Centro de Referência, MFO apresentava sinais de compressão de tronco cerebral por causa do crescimento do schwannoma vestibular direito (taquicardia, instabilidade da pressão arterial). Indicamos a cirurgia imediatamente e ele foi operado no Hospital das Clínicas, sendo retirado parte do tumor, o que causou perda total da audição na direita, mas redução do seu risco de morte e recuperação de sua capacidade para a vida cotidiana.

Em seguida, foi realizada a reavaliação oftalmológica de MFO. Verificamos que ele tem baixa acuidade visual no olho esquerdo desde criança, usa óculos desde um ano de idade e vinha sendo acompanhado no setor de estrabismo desde 6 meses de idade, tendo feito três cirurgias para correção no olho esquerdo, a última cirurgia aos 7 anos de idade, quando foi operada também a sua pálpebra.

Por causa da paralisia facial direita, atualmente seu olho direito apresenta ceratite importante, que precisa ser tratada rigorosamente para que ele não perca a visão que lhe resta. Além disso, na Tomografia de Coerência Óptica apresenta um dos sinais típicos das formas mais graves da NF2, a chamada membrana epirretiniana na mácula do olho direito. Após o diagnóstico de NF2 e a reavaliação oftalmológica, comunicamos estas informações numa carta enviada para a mesma revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia (CLIQUE AQUI), esclarecendo o diagnóstico ainda desconhecido naquela publicação de 2009.

Em 2016, a equipe de cirurgia neurológica pediu nossa avaliação sobre MFO, que atualmente está com 19 anos de idade. Para isso, revimos todas as ressonâncias magnéticas do encéfalo e da coluna vertebral desde 2011, realizadas em doze datas diferentes, numa tentativa de obtermos uma visão de conjunto da sua evolução clínica.

Nossa primeira conclusão foi que, infelizmente, as ressonâncias magnéticas realizadas por profissionais diferentes, e com técnicas e aparelhos muito distintos, geraram relatórios muito diferentes entre si. Alguns trazem as medidas dos tumores e sua localização precisa, outros apenas citam a presença de lesões, algumas delas são percebidas num exame e noutros não. Assim, apesar do grande número de exames, não foi possível medirmos com segurança o crescimento tumoral de todas as lesões apresentadas pelo MFO.

Portanto, somente foi possível traçar um crescimento aproximado dos schwannomas vestibulares, embora as medidas estáveis possam corresponder à falta de relato numérico nos relatórios. No gráfico acima, percebemos o crescimento acelerado do schwannoma vestibular direito (azul), que foi parcialmente ressecado em 2014 pela equipe cirúrgica do HC. Enquanto isso, observa-se a estabilidade do schwannoma vestibular esquerdo (laranja).

Em relação aos demais tumores típicos da NF2, as ressonâncias apresentam diversos tumores intracerebrais, intramedulares, paravertebrais e no trajeto de nervos, que podem ser meningiomas, schwannomas e ependimomas. No entanto, dada às diferenças no formato dos relatórios, não é possível caracterizar de forma objetiva o seu provável tipo ou crescimento.

Diante disso, informamos à equipe cirúrgica de que a maioria dos tumores apresentados por MFO ou permanecem estáveis ou estão com crescimento discreto. Portanto, para todos os tumores, inclusive o schwannoma vestibular esquerdo restante, sugerimos que a conduta (cirúrgica ou não) deva ser decidida com base nos sintomas e sinais clínicos e não no tamanho dos tumores. No momento, MFO está estável, praticando atividades físicas regularmente e nossa maior preocupação imediata é sua córnea do olho direito.

Em conclusão, este caso ilustra as dificuldades próprias da doença (NF2 grave, precoce, com múltiplos tumores e de difícil diagnóstico), outras dificuldades decorrentes do nível sócio econômico da família (que possui baixa escolaridade e não adere perfeitamente aos tratamentos propostos), assim como os problemas decorrentes da grande precariedade e falta de padronização do atendimento médico nos serviços do Sistema Único de Saúde.

Cada centavo que é desviado do SUS, da educação e das pesquisas científicas torna-se uma dificuldade a mais na vida de MFO e de milhares de outros como ele.

Além disso, como lembra a Dra. Luíza Rodrigues, além disso, os recursos, mesmo se não fossem desviados, são menores do que deveriam ser e ainda há setores do atual governo que pretendem reduzir ainda mais o financiamento do SUS.

Até a semana que vem.


“Sou mãe de BC, que tem NF2 (…seguem diversas informações sobre o estado de saúde da menina). Fazemos parte de um grupo no Facebook de neurofibromatose 2, e ficamos sabendo do tratamento com Avastin. Fomos no Dr. X, do centro de oncologia da rede de dor, que faz esse tratamento. O plano não aceitou, e no momento estamos entrando na justiça. Minha dúvida é com relação ao tratamento adequado, e se o Avastin é o caminho correto. Tem como nos ajudar nesse sentido? ” EM, de local não informado.

Cara E., obrigado pelo seu contato e confiança no nosso trabalho.

Você relatou diversos aspectos da doença de sua filha (NF2) sobre os quais não posso opinar diretamente sem examiná-la pessoalmente, e para isto estou à sua disposição pelo SUS, e basta agendar uma consulta pelo e-mail: adermato@hc.ufmg.br

Vejamos, então, sua pergunta sobre a indicação ou não do medicamento Avastin® (a substância bevacizumabe) para a redução dos tumores na NF2.

Considerando os comentários que já fiz sobre este medicamento neste blog (ver AQUI e AQUI e AQUI ), percebemos que não há ainda consenso internacional de que o bevacizumabe deva ser prescrito para todas as pessoas com NF2, pois os riscos prováveis ainda não superam os benefícios incertos.

Diante disso, minha impressão é de que entrar com um processo na justiça para obter um medicamento, sobre o qual não há ainda a comprovação de seus benefícios, pode se transformar num esforço familiar muito grande, gerando grandes expectativas sem o respectivo sucesso terapêutico tão desejado.

Talvez, toda esta energia da família pudesse trazer maior satisfação se vier a ser empregada nos cuidados gerais que sua filha necessita, incluindo os tratamentos fonoaudiológicos, reabilitação motora e acompanhamento médico, além do apoio pessoal, carinho e atenção que ela sempre irá precisar, pois a NF2 continuará a fazer parte de sua vida, com ou sem o tratamento com o bevacizumabe.


Até a próxima semana.

“Sou mãe de um jovem de 23 anos que possui neurofibromatose.
Aos 12 anos teve que passar por uma cirurgia para retirar um tumor que crescia muito rápido e estava alojado na parte direita do crânio. Deste então fazemos ressonância e exames diversos com receio. Contudo e apesar de todo o cuidado, recentemente tendo que retirar o dente do siso, perceberam que havia algo errado, procuramos um cirurgião buco maxilar que através de exames nos alertou que Lucas tem um tumor alojado na parte de baixo do maxilar. E isso não é novo, disseram eles, apesar de não conseguir mensurar. Toda a parte óssea está comprometida e sempre que procuramos uma especialista nada de concreto nos falam, preciso de ajuda pois alguns dizem que tem que mexer, outros dizem que melhor não mexer. Ajude-me por favor.” E, de local indeterminado.

Cara E. Obrigado pela confiança. Compreendo sua angústia, mas procure manter a calma para poder ajudar seu filho. Tentei responder seu e-mail diretamente para você, mas como ele retornou, farei alguns comentários publicamente. Espero que você os veja.

Como não examinei seu filho pessoalmente, não posso afirmar nada sobre ele diretamente. Assim, estamos à sua disposição para vê-lo pelo SUS no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Basta ligar e agendar: (31) 3409 9560 ou enviar um e-mail para adermato@hc.ufmg.br . Não esqueça de trazer o cartão do SUS na primeira consulta.

O que eu posso fazer hoje neste blog é dar algumas informações gerais, as quais podem ou não ser úteis no caso de seu filho, mas que nos ajudam a pensar de um modo mais organizado sobre as neurofibromatoses. Leve estas informações ao (à) médico (a) que está cuidando dele.

Você diz que ele tem neurofibromatose, mas não posso saber com segurança qual tipo: tipo 1 ou tipo 2? Porque ambos os tipos podem causar tumores no cérebro (astrocitomas na NF1 e meningiomas e schwannomas na NF2).

Como você disse a palavra “crânio”, tanto na NF2 quanto na NF1 podemos encontrar tumores na parte interna ou na externa da cabeça. Na NF1, os tumores internos geralmente são astrocitomas (chamados de gliomas) e na parte externa geralmente são neurofibromas. Na NF2, os tumores mais comuns na parte interna são os schwannomas (no nervo vestibular) e os meningiomas. Na parte externa, na NF2 também podemos encontrar schwannomas.

Você teria algum laudo de biópsia daquele tumor que foi retirado aos 12 anos de idade? Isto nos ajudaria muito.

Por falar em 12 anos, naquela idade é pouco comum a manifestação da NF2, portanto, minha tendência é pensar que seu filho teria a NF1 e o tumor operado teria sido um glioma.

Estes tumores na NF1, os gliomas, apresentam uma evolução muito benigna e geralmente não produzem danos, podendo ser observados ao longo da vida. Em nosso Centro de Referência, seguindo os padrões internacionais de tratamento das neurofibromatoses, nós raramente indicamos quimioterapia, rarissimamente indicamos cirurgia e NUNCA indicamos radioterapia para estes gliomas que acontecem na NF1.

Imaginando que seu filho tenha NF1, o tumor percebido na região da boca poderia ser um neurofibroma chamado plexiforme, que também é um tumor benigno e que costuma estar presente desde a vida intrauterina.

Em 85% das vezes, estes tumores não se transformam em malignos, mas numa pequena parte deles sim, e esta transformação pode ser anunciada por dor persistente e forte, associada a crescimento e endurecimento do tumor. Por isso ficamos atentos aos plexiformes, especialmente aqueles muito grandes e profundos.

Veja neste blog, na caixa ao lado de busca de assuntos, outras informações importantes sobre o tratamento dos plexiformes.

Até segunda feira.

Foi com grande satisfação que recebemos ontem a comunicação da comissão julgadora do Prêmio Varilux de Oftalmologia dizendo que a Dra. Vanessa Waisberg conquistou o primeiro lugar na categoria Sênior seu estudo sobre a tomografia de coerência óptica na neurofibromatose do tipo 2.

O Prêmio Varilux de Oftalmologia é promovido há muitos anos pela Sociedade Brasileira de Oftalmologia e tem o objetivo de fomentar pesquisas no setor oftalmológico que tragam benefícios à população. 

As premiações são divididas em três categorias: Master, Sênior e Incentivo à Pesquisa Clínica-Refração. A Dra. Vanessa Waisberg concorreu na 44ª edição e receberá seu prêmio durante a cerimônia de abertura do próximo Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Oftalmologia.

O estudo da Dra. Vanessa Waisberg foi realizado numa parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular e o Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação da Dra. Débora Marques de Miranda e do Dr. Márcio Bittar Nehemy.

Este estudo e seu merecido prêmio foram possíveis porque várias pessoas com Neurofibromatose do tipo 2 dispuseram-se a colaborar e tornaram-se voluntárias no mestrado da Dra. Vanessa Waisberg.

Já comentei neste blog os resultados (VER AQUIque a Dra. Vanessa Waisberg obteve, e como eles já estão nos ajudando a cuidar melhor das pessoas com NF2.

Sabemos que a tomografia de coerência óptica também é muito útil na NF1 e esperamos que no seu doutorado a Dra. Vanessa Waisberg dê continuidade à sua pesquisa estudando outras pessoas com neurofibromatoses.

Parabéns, Dra. Vanessa Waisberg: seu conhecimento médico, dedicação aos pacientes e criatividade científica foram reconhecidos pela comunidade oftalmológica brasileira.

Nós, do Centro de Referência em Neurofibromatoses, ficamos honrados pela sua participação em nossos trabalhos.

No início de 2016, a oftalmologista Vanessa Waisberg concluiu sua pesquisa e foi aprovada na defesa de sua Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

Vanessa estudou nove pessoas com neurofibromatose do tipo 2 (e algumas com NF1) utilizando um equipamento relativamente novo chamado Tomografia de Coerência Óptica da Retina (em inglês OCT). A OCT utiliza luz no espectro do infravermelho para produzir imagens em três dimensões da retina, com definição menor do que 10 mícrones.

Este estudo da Vanessa foi o que examinou o maior número de pessoas com NF2, até o momento, utilizando esta nova técnica, e ela contou com a segura orientação da professora Débora Marques de Miranda e do professor Márcio Bittar Nehemy, além da colaboração da Dra. Maria Frasson, Dr. Yehuda Waisberg e minha.

Já se sabia que as pessoas com NF2, além dos tumores no nervo vestibular (schwannomas) e no cérebro (meningiomas), podem apresentar alterações oculares, como a chamada catarata juvenil (opacidades das camadas posterior subcapsular ou capsular do cristalino), pigmentação da retina, hamartomas da retina e membrana epirretiniana, além de estrabismo paralítico e meningiomas do nervo óptico.

No entanto, Vanessa demonstrou a presença de uma alteração muito típica da NF2, um espessamento da retina (membrana epirretiniana) em forma de chama de vela (ver indicação da seta na figura na tela da ilustração).

Comparando os casos de diagnóstico ou de aparecimento dos sintomas antes dos 20 anos de idade com aqueles de diagnóstico ou sintomas depois dos 20 anos de idade, Vanessa concluiu que o espessamento da retina pode ajudar os médicos e a família a conhecerem o prognóstico da NF2, permitindo distinguir os casos de evolução mais rápida e precoce dos outros de evolução mais lenta.

A OCT é um exame relativamente simples, rápido e feito de forma não invasiva, e que pode ser aplicado em crianças pequenas sem necessidade de sedação, portanto, pode ser muito útil em casos de suspeita de NF2 em algum parente de primeiro grau, como filhos, filhas e irmãos, os quais podem ser esclarecidos com a realização deste exame complementar.

Durante seu estudo, Vanessa examinou diversas pessoas também com NF1 e realizou nelas a tomografia de coerência óptica. Suas observações oftalmológicas ajudaram-me na condução de diversos casos com gliomas ópticos e outros problemas oftalmológicos relacionados tanto com a NF1 quanto com a NF2.

Minha impressão é que a tomografia de coerência óptica deve ser realizada em todas as pessoas com NF2 e seus familiares de primeiro grau que desejarem obter mais informações sobre sua doença, para assim poderem acompanhar de forma mais segura a sua evolução, orientar o momento de cirurgias e realizar o aconselhamento genético.

Além disso, é possível que num futuro breve as informações sobre a retina das pessoas com NF1 também venham a ser úteis no seu acompanhamento clínico.

Parabéns, Dra. Vanessa Waisberg, pelo seu trabalho inovador, conduzido de forma ética, cuidadosa, dedicada e com grande envolvimento afetivo com as pessoas com NF1 e NF2.

Depois de ler este post, Dra. Vanessa comentou:


“Acho interessante acrescentar que a OCT tem se mostrado uma ferramenta útil para acompanhar a evolução de gliomas ópticos através da medida da espessura da camada de fibras nervosas da retina; e que a OCT pode ajudar no diagnóstico de pacientes com NF1 através da identificação de nódulos de coróide. Parece que estes nódulos estão presentes em uma grande porcentagens de pacientes com NF1 (em um estudo que avaliou 95 pacientes com NF1, os nódulos estavam presentes em 82% dos pacientes com NF1 e apenas em 7 % dos controles). Os autores sugerem que os nódulos de coróide sejam considerados um novo critério diagnóstico (para NF1). A importância da OCT atualmente está mais estabelecida para pacientes com NF1 do que pacientes com NF2 já que os estudos com NF2 envolvem um número muito pequeno de pacientes. Será muito interessante fazer a correlação fenótipo-genótipo dos achado na OCT em pacientes com NF1.”
Diante disso, refiz o título do post. Obrigado Vanessa.






Se você tem NF1, já mediu sua pressão arterial este ano?
Continuando a resposta de ontem, apresento a seguir um resumo dos estudos científicos que verificaram o efeito do bevacizumabe (Avastin®) sobre schwannomas vestibulares.
A indicação de bevacizumabe vem aumentando e parece-me apoiada numa revisão feita pelo grupo do Dr. Plotkin, de Boston, Estados Unidos (ver aqui, em inglês)

Em 2012, eles reviram um total de 31 pessoas com NF2 e schwannomas vestibulares que receberam bevacizumabe como opção de tratamento.
Vejamos abaixo algumas características das pessoas tratadas, as quais receberam o medicamento durante cerca de 14 meses (6 meses para o tratamento mais curto e 41 meses para o mais longo).

A idade mediana das pessoas foi de 26 anos, no entanto, havia pessoas de 17 e de 73 anos, o que me deixa um pouco na dúvida se haveria entre elas algumas pessoas com schwannomas vestibulares, mas sem NF2.

A taxa média anual de crescimento dos tumores antes do bevacizumabe era de 64% de aumento, ou seja, um tumor de 2 cm havia passado para um pouco mais de 3 cm em um ano.

Depois de pelo menos 3 meses de tratamento com o bevacizumabe, a melhora na audição aconteceu em 13 de 23 pessoas (57%), ou seja, antes de começar o tratamento a chance do bevacizumabe funcionar seria mais ou menos como jogar uma moeda para cima e escolher cara ou coroa.

Da mesma forma, a redução (20%) do tamanho dos schwannomas na ressonância magnética aconteceu em 17 de 31 pessoas (55%), ou seja, antes do tratamento temos a metade da chance de dar certo.

Mesmo assim, a pequena redução do volume (20%) pareceu mais relacionada com o edema (líquidos ao redor do tumor) do que com a diminuição da parte sólida do schwannoma.

Depois de um ano do tratamento, 90% das pessoas tratadas permanecia com a audição estável. Não entendi bem como compararam com a possibilidade de,se não fossem tratadas, como estaria a audição?

Segundo os autores da pesquisa, o medicamento havia sido “bem tolerado” pelas pessoas.
No entanto, o tratamento com o bevacizumabe não é simples e seus efeitos colaterais podem ser importantes. Por isso, por exemplo, na Inglaterra, duas equipes médicas independentes entre si devem atestar que a pessoa precisa do tratamento com bevacizumabe para que ele seja iniciado.
O bevacizumabe deve ser administrado às pessoas por infusão venosa a cada 15 dias em ambiente hospitalar, o procedimento dura algumas horas e não pode ser dado a pessoas um mês antes ou depois de uma cirurgia ou durante a gravidez e amamentação.
  
A ressonância magnética do cérebro deve ser repetida a cada 3 meses para controle.
Dias ou semanas depois de iniciado o tratamento, podem acontecer quaisquer destes sinais e sintomas: náuseas, febre, alergia cutânea, inchação dos lábios e obstrução da garganta, falta de ar, tontura, tosse contínua, dor no peito e em diversas partes do corpo, fadiga geral, perda do apetite, diarreia ou constipação, aumento da pressão arterial, úlceras na boca, dificuldade de cicatrização, sangramento, embolia pulmonar, baixa resistência às infecções, insuficiência cardíaca, problema no funcionamento renal e infertilidade.
A minha conclusão é que, infelizmente, o bevacizumabe ainda não é uma BOA opção de tratamento. Por enquanto, creio que devemos seguir o tratamento padrão (ver o post de ontem) e torcer para que outra alternativa melhor seja descoberta.
Outras informações podem ser obtidas em inglês sobre schwannomas (aqui) e ineficácia do bevacizumabe em diminuir os meningiomas (aqui) em pessoas com NF2.

Bom final de semana.
Tenho a NF2. Faço acompanhamento com um neurologista no Rio, Dr. JGD. Em nosso último encontro ele me falou sobre o Avastin ®. O que o senhor tem a me dizer sobre o remédio? Sei que tenho que conseguir a receita e ser assistida por um oncologista. Aqui na minha microrregião não consegui, por desconhecerem sobre NF e sobre o uso de tal medicamento, que ainda não é regulamentado. Aí em BH alguém faz uso? Senhor teria algum oncologista para me indicar? PCSM, da Zona da Mata, MG.
Cara P, obrigado pela sua pergunta.
Como você disse que tem NF do tipo 2, imagino que seu neurologista esteja pensando em utilizar o medicamento bevacizumabe (Avastin ®) para tentar reduzir ou parar o crescimento de seus tumores benignos localizados nos nervos vestibulares (schwannomas vestibulares) de ambos os lados da cabeça.
De fato, o bevacizumabe é um agente quimioterápico que tem sido testado, especialmente na Inglaterra, em pessoas com NF2 e com schwannomas vestibulares que, por alguma razão, NÃO PODEM SE SUBMETER AO TRATAMENTO PADRÃO.
Então, vamos lembrar que o tratamento padrão é o acompanhamento clínico para se decidir o momento mais adequado para a redução cirúrgica de um dos tumores e, depois de avaliado o resultado da primeira cirurgia, a redução ou não do segundo tumor.
É fundamental lembrar que nas neurofibromatoses NÃO RETIRAMOS TUMORES APENAS PORQUE ELES EXISTEM: é preciso haver uma indicação de que o resultado da cirurgia será melhor do que a convivência com o tumor.
E quais são os critérios clínicos para indicarmos a redução cirúrgica? A sociedade Brasileira de Pesquisas em Neurofibromatoses publicou em 2015 uma orientação sobre a conduta nos schwannomas vestibulares da NF2 que você pode encontrar clicando aqui.
Resumidamente, realizamos o acompanhamento clínico anual (ou semestral, se surgirem novos sinais ou sintomas) e indicamos a cirurgia quando há evidências de que a qualidade de vida da pessoa está piorando: 1) sua audição está reduzindo rapidamente, 2) aparecem novos sinais ou sintomas neurológicos, como desequilíbrio, (especialmente aqueles sugestivos de compressão do tronco cerebral) e 3) um ou ambos os schwannomas vestibulares estão crescendo mais rapidamente do que 1 milímetro por ano.
Se estas condições forem preenchidas e a pessoa deseja ser operada, deve ser tentada a redução do tamanho de um dos schwannomas (geralmente o menor), sem o objetivo de remover radicalmente todo o tumor, para se evitar a perda auditiva total e a lesão do nervo facial. O nervo acústico e o nervo facial devem ser monitorizados continuamente por meio de sensores eletrofisiológicos para que seja evitada a sua lesão.
Quando as pessoas não podem ser submetidas a esta redução cirúrgica, na Inglaterra tem sido testado o medicamento bevacizumabe em pessoas com taxa de crescimento do schwannoma geralmente acima de 50% em um ano.
O bevacizumabe é um quimioterápico do grupo dos anticorpos monoclonais, ou seja aqueles que se ligam a determinadas partes das células, aumentando a possibilidade de reação imunológica contra o tumor. No caso do bevacizumabe, ele foi desenvolvido para inibir o crescimento de novos vasos sanguíneos num tumor que está aumentando rapidamente, o que reduz o suprimento de oxigênio e nutrientes para o tumor e ele acaba encolhendo.
Geralmente, o objetivo do tratamento tem sido reduzir o tamanho do tumor em pelo menor 20% e melhorar a audição.

Amanhã veremos se este resultado está sendo atingido e quais os efeitos colaterais do bevacizumabe.
Como posso saber mais sobre a NF2, já que seus posts só falam sobre NF1. Tenho muitas dúvidas sobre o futuro. AH de Canoas, RGS.





Cara AH, de fato você tem razão em perceber que a maioria das respostas do meu blog são sobre NF1, porque a NF1 é 8 vezes mais comum que a NF2, o que faz com que, naturalmente, tenhamos mais perguntas sobre NF1.

Sabendo que a prevalência de NF2 na população é de 1 pessoa com NF2 para cada 25 mil pessoas sem a doença, deveríamos ter no nosso Centro de Referência entre as cerca de 800 famílias atendidas pelo menos 100 pessoas com NF2. No entanto, temos apenas 16, ou seja, somos menos procurados pelas pessoas com NF2 ou menos indicados pelos colegas médicos.

Tenho a impressão de que isto acontece porque a maioria dos diagnósticos iniciais da NF2 são feitos diretamente por neurologistas (ou otorrinolaringologistas que encaminham as pessoas aos neurocirurgiões), os quais costumam adotar condutas mais cirúrgicas do que clínicas, o que torna o acompanhamento da NF2 mais restrito aos neurologistas.

No entanto, lamentamos que isto esteja acontecendo, porque que a complexidade da evolução da NF2 precisa muito mais de acompanhamento clínico do que cirúrgico (clique aqui para ver guia de manejo clínico de 2015 publicado na revista Arquivos de Neuropsiquiatria).

Você tem razão também em ficar apreensiva quanto ao futuro, porque embora a NF2 geralmente seja de lenta evolução, esta evolução é imprevisível. Por exemplo, o tempo para um tumor (um schwannoma vestibular, por exemplo) dobrar de tamanho tem sido calculado entre 0,3 e 70 anos, segundo o excelente livro editado pelos médicos Mauro Geller e Aguinaldo Bonalumi Filho, “Neurofibromatose – Clínica, genética e terapêutica” publicado pela Guanabara Koogan no Rio de Janeiro, em 2004.

No entanto, apesar da imprevisibilidade e da ausência de cura definitiva para a NF2, há tratamentos e condutas que podem melhorar qualidade de vida. A expectativa de vida das pessoas com NF2 foi calculada em cerca de 62 anos, mas esta idade foi calculada há mais de uma década com dados antigos e os recursos terapêuticos atuais devem ter melhorado esta expectativa.
Assim, tentarei apresentar abaixo algumas orientações básicas para alguém com o diagnóstico de NF2.
É importante ser avaliado regularmente por médicos (as) com experiência em NF2, porque eles sabem que na NF2 não se deve retirar um tumor apenas porque ele está lá, mas quando existem determinadas razões clínicas para isto (ver guia de condutas da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses aqui).

É essencial saber se outras pessoas na família também têm NF2. Identificar quem é portador na família pode ser uma tarefa difícil porque algumas pessoas têm sentimentos de raiva ou vergonha por terem uma desordem genética e outras podem ter sinais pouco evidentes da doença.
Apesar desta dificuldade familiar, existem boas razões para saber se alguém mais na família tem NF2, porque todos podem usar estas informações para fazer um planejamento da saúde familiar.
A aceitação de que alguém na família tem NF2 pode levar algum tempo e é importante entender isto. Muitas outras famílias passam por problemas similares e assim os grupos de apoio podem ser uma boa fonte de ajuda. Já existem grupos de suporte em alguns estados brasileiros, como a AMANF em Minas Gerais. Eles são formados por pais ou portadores com o objetivo de oferecer apoio, conselhos e informações para enfrentar as neurofibromatoses.
No entanto, nestas associações de apoio, percebemos que as pessoas com NF1 e NF2 possuem problemas muito diferentes e por isso tenho sugerido que as reuniões sejam separadas para que as demandas de cada grupo sejam melhor discutidas.
As pessoas com NF2 precisam de exames médicos regulares para verificar o estado geral de saúde e acompanhar o crescimento dos tumores, a audição, o equilíbrio e avaliar se surgiram novos problemas. Quaisquer mudanças devem ser notificadas imediatamente ao médico, mesmo antes do prazo para o retorno anual.
Exames de ressonância magnética do cérebro devem ser pedidos por médicos experientes com a NF2 e podem ser necessários no acompanhamento.
A NF2 pode afetar sua audição nos dois lados, por isso você deve estar aberto para todos os meios de comunicação. A leitura dos lábios é uma alternativa interessante para as pessoas com NF2. A linguagem de sinais também abre muitas oportunidades para os deficientes auditivos. Estas condutas são mais úteis quando toda a família aprende os sinais.
As pessoas com NF2 podem precisar de cirurgias complicadas em mais de uma ocasião. Pelo fato de algumas cirurgias poderem levar a deficiências permanentes, como perda de audição, a programação de cirurgias deve ser considerada cuidadosamente. As cirurgias devem ser realizadas por profissionais com experiência em NF2, pois podem levar a complicações.
Em alguns casos, a cirurgia deve ser adiada, pois alguns tumores podem mostrar um crescimento muito pequeno através dos anos e podem ser observados cuidadosamente.
Terapeutas treinados, fonoaudiólogos e oftalmologistas são essenciais no processo de acompanhamento e reabilitação.

Finalmente, é preciso evitar qualquer tratamento não reconhecido pela medicina científica. 
Na última reunião da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) um casal trouxe a questão se a fé religiosa poderia afetar o desenvolvimento da doença.



Sabemos que boa parte da população brasileira tem algum tipo de fé religiosa e a maioria é formada por cristãos (católicos, protestantes, evangélicos e espíritas), portanto, esta é uma pergunta importante e deve ser considerada. No entanto, é interessante notar que em mais de uma década de participação nestas reuniões mensais da AMANF é a primeira vez que me recordo deste tema ter sido colocado em discussão.
A possibilidade de a fé religiosa afetar a nossa saúde tem sido defendida por pessoas que acreditam que existe algo além da vida material. Por causa disso, alguns cientistas já tentaram estudar de forma objetiva se a fé, orações e procedimentos rituais religiosos poderiam mudar o curso das doenças. Os estudos científicos que pude ler até hoje não conseguiram demonstrar qualquer efeito físico (benéfico ou maléfico) sobre doenças objetivamente diagnosticadas como cânceres, por exemplo.
Por outro lado, não conheço qualquer estudo científico sobre os benefícios ou prejuízos da religiosidade de uma pessoa sobre a evolução natural da sua neurofibromatose, portanto, não posso responder com segurança sobre essa questão que nos interessa mais de perto.
Considerando as doenças em geral, sabe-se que ser diagnosticado com uma doença que ameaça a vida (como um câncer) causa grande estresse emocional e diminui a qualidade de vida. Há evidências de que o estresse excessivo leva a resultados piores no tratamento, por isso, reduzir o estresse mental é um dos objetivos dos tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Algumas técnicas alternativas (yoga, meditação, etc.) também podem ser utilizadas. No entanto, uma revisão recente destas práticas alternativas para reduzir o estresse mental não incluiu as atividades religiosas entre elas (ver aqui artigo completo).

Por outro lado, considerando os problemas de comportamento (na NF1, especialmente), podemos indagar se a religiosidade teria algum papel nas doenças mentais. Outra revisão recente publicada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ver aqui o artigo completo) examinou os resultados de mais de 3 mil artigos científicos sobre as relações entre religiosidade e saúde mental. Os autores afirmam que há uma relação complexa entre religiosidade e saúde mental e que não podemos concluir de forma simplificada se a fé é “boa” ou “má”. Eles dizem que uma parte dos pacientes se beneficia enquanto outra parte piora em função sua religiosidade. Ou seja, a preocupações religiosas e espirituais podem tanto fazer parte do tratamento quanto do problema. Eles concluem que são necessários mais estudos científicos para se ter uma visão segura do assunto.
Em nosso Centro de Referência, parece-me que a maioria das pessoas com fé religiosa aceita como “vontade de Deus” o fato de possuírem uma das formas de neurofibromatose. Mesmo que não compreendam e/ou não questionem o motivo divino para terem “recebido” a doença, reagem positivamente na busca de melhor qualidade de vida, seguem os tratamentos necessários e não se culpam demasiadamente.
Outras pessoas com algum tipo de religiosidade percebem a doença como um castigo divino, perguntam-se o que fizeram de errado e acreditam que somente as orações e a fé poderão “resolver” o problema “quando Deus quiser”. Já ouvi, inclusive, a justificativa de que a neurofibromatose seria o resultado de erros em vidas passadas e a reencarnação com aquela doença seria uma forma de expiação do pecado original cometido.
Infelizmente, estas crenças fatalistas, deixando tudo “nas mãos de deus”, têm sido responsáveis por algumas famílias descuidarem do acompanhamento clínico de doença, às vezes perdendo-se o momento certo para fazer intervenções que poderiam modificar a qualidade ou mesmo salvar a vida da pessoa com neurofibromatose.
Como sou ateu, acredito na vida como uma grande maravilha da natureza, onde surgimos como seres humanos que precisam viver em sociedades, para os quais a solidariedade e o respeito ao próximo são fundamentais. Eu acredito que existe vida antes da mortee por isso deve ser vivida hoje, aproveitada para construir um amanhã melhor e respeitada sempre.
Penso, portanto, que os direitos de todos que devem ser garantidos, inclusive o direito de acreditar ou não em religião. Minha função no Centro de Referência e neste blog é apenas a de aconselhar e oferecer informações sobre as neurofibromatoses, e por isso respeito as escolhas de cada pessoa sobre o que deseja fazer com sua própria vida.
No entanto, especialmente quando se trata de crianças, as quais ainda não alcançaram a maturidade para escolher se querem ou não acreditar numa determinada religião, tenho a esperança de que a fé dos seus pais ajude a medicina a cuidar delas e não seja um obstáculo para sua felicidade.