Tema 293 – Febre, convulsões e NF

“Meu filho tem NF e apresentou uma crise convulsiva quando tinha 1 ano de idade durante uma febre e depois nunca mais. Ele pode ter epilepsia no futuro? “ EPCR, de Campanha, MG.

Cara E, obrigado pela sua pergunta, bastante útil a muitas outras famílias.

Inicialmente devemos lembrar que cerca de 7% das pessoas com NF1 apresentam convulsões ao longo de sua vida, o que representa uma chance dez vezes maior do que a população em geral. Nas pessoas com NF1, geralmente as convulsões estão associadas a alguma anormalidade no desenvolvimento cerebral e não a tumores cerebrais. Por outro lado, convulsões também podem ocorrer em 8% das pessoas com NF2, mas neste caso podem estar associadas a tumores intracranianos, como os meningiomas.

O início das convulsões nas pessoas com NF1 pode acontecer desde o começo da infância até a vida adulta. A maioria delas é do tipo focal, ou seja, convulsões restritas a uma parte do corpo, e respondem bem ao tratamento medicamentoso, que é semelhante ao tratamento usado nas pessoas sem NF1. Raramente ocorrem as formas mais graves de convulsões nas pessoas com NF1.

Na NF2 as convulsões podem ocorrer a partir da adolescência e vida adulta e a sua gravidade pode ser um dos critérios para a intervenção cirúrgica nos meningiomas ou outros tumores intracranianos.

As chamadas “convulsões febris” são aquelas que surgem associadas à febre em situações em que NÃO há infecções do sistema nervoso central (meningite, por exemplo). Geralmente estão associadas a uma sensibilidade especial do sistema nervoso ao aumento da temperatura causada por fatores genéticos, por alterações no desenvolvimento cerebral ou por alterações metabólicas.

Na população em geral, as convulsões febris geralmente ocorrem entre 2 meses e 5 anos de idade (80% ocorrem em torno de 1 ano e meio de idade) e geralmente apresentam uma evolução benigna. Algumas infecções viróticas parecem causar mais convulsões febris, como o vírus Influenza A.

Segundo a definição internacional, a febre deve ser com temperatura maior ou igual a 38 graus centígrados medida na temperatura timpânica ou na temperatura retal, mas no Brasil geralmente utilizamos a medida da temperatura axilar. Num estudo realizado em 2004 (por Letícia C. Marques sob minha orientação no Laboratório de Fisiologia do Exercício da Universidade Federal de Minas Gerais) observamos que a temperatura axilar foi cerca de meio grau mais baixa do que a retal. Então a temperatura axilar de 37,5 corresponde à temperatura retal de 38 graus centígrados. No entanto, a temperatura axilar é mais sujeita às variações das condições do ambiente e pode não refletir a verdadeira temperatura interna do corpo.

A febre é um sinal de infecção (ou inflamação), uma resposta do organismo que provavelmente surgiu como mecanismo de defesa para dificultar a sobrevivência de alguns tipos de bactérias ao aumentar a temperatura do corpo produzindo mais calor (tremor muscular) e conservando este calor internamente (constrição dos vasos da pele – palidez).

Portanto, a febre não é a causa do problema de saúde, mas apenas um sinal de que o organismo está reagindo a uma infecção (ou inflamação) e não precisa ser tratada por si, embora os sintomas associados (mal-estar, tremor e calafrios) possam ser desconfortáveis e mereçam ser aliviados com medicamentos apropriados.

As convulsões relacionadas à febre são o tipo de convulsões mais comum na espécie humana e ocorrem em cerca de 2 a 6% da população em geral e em 2% das pessoas com NF1. Após uma convulsão febril há uma chance de outro episódio em cerca de 40% das crianças, especialmente nas mais novas abaixo de 1 ano e maio de idade.

É importante registrar que, apesar do pavor que as convulsões febris causam nos pais, não há um único relato na literatura médica de morte causada por convulsões febris (ver revisão recente sobre isto aqui AQUI) .

É preciso identificar a diferença entre uma convulsão febril e um desmaio (síncope por calor ou reflexos intestinais) e outra doença chamada mioclonia febril (contrações involuntárias ocasionais, tiques, geralmente apenas nos membros superiores, sem perda da consciência).

As convulsões febris que afetam todo o corpo, duram menos de 10 minutos e ocorrem apenas uma vez durante uma infecção (uma virose, por exemplo) são chamadas de “simples”. Aquelas que afetam apenas partes do corpo (focais), duram entre 15 e 20 minutos e se repetem durante uma infecção, são chamadas de “complexas”. As crianças com convulsões febris “simples” apresentam uma chance de 3% de apresentarem epilepsia posteriormente. As convulsões febris “complexas” apresentam uma chance maior de até 15% de epilepsia posterior.

O tratamento durante a convulsão febril deve ser direcionado para interromper a convulsão (benzodiazepínicos intravenosos, bucais ou retais). Ao contrário do que nos diz a nossa intuição, os antitérmicos não parecem ajudar, pois demoram mais tempo para fazerem seu efeito do que a própria convulsão (as simples, pelo menos) e não reduzem a chance de novas convulsões. Da mesma forma, molhar o corpo com panos umedecidos com água fria não diminui a temperatura interna, portanto, não atinge o objetivo de reduzir a febre. Álcool jamais deve ser usado nestas compressas.

Após uma convulsão febril, além de afastar a meningite em determinados casos, nenhuma investigação clínica parece necessária ou útil, incluindo eletroencefalograma, tomografia ou ressonância magnética, além daquelas necessárias ou relacionadas com a doença que causou a febre (infecção viral, bacteriana, etc.). Recomenda-se um retorno à clínica médica dentro de uma semana especialmente para que os pais possam se assegurar de que tudo está bem.

A recomendação atual científica é que nenhum tratamento medicamentoso deve ser recomendado para prevenir novas convulsões febris ou mesmo prevenir a epilepsia depois de uma convulsão febril. Caso novas convulsões ocorram sem a presença de febre, então o diagnóstico de epilepsia (chance de 3 a 15%, como vimos acima) deve ser considerado e a medicação apropriada deve ser usada.

Finalmente, a presença de convulsões febris em mais de um parente de primeiro grau sugere a possibilidade de haver na família uma mutação genética dominante que produz uma forma rara de epilepsia (em inglês denominada GEFS+, que significa “Genetic Epilepsy with Febrile Seizure plus”). Nestes casos, a investigação genética pode ser necessária.

Cara E, espero ter respondido sua pergunta. Em breve falarei sobre a diferença entre febre e aumento da temperatura do corpo causada pelo calor e exercício.