“O médico disse que minha filha tem mais neurofibromas internos perto da medula do que externos na pele. O que significa isso? “ BAH, de Portugal.
Cara B., obrigado pela sua pergunta, mas para orientar sua família preciso ver sua filha pessoalmente ou receber um relatório da médica que a está acompanhando. De qualquer forma, responderei em termos gerais sobre este assunto, que são os neurofibromas espinhais ou para espinhais nas pessoas com NF1.
Como já foi comentado aqui, existem quatro tipos de neurofibromas: os cutâneos, os subcutâneos difusos, os subcutâneos nodulares e os plexiformes (ver AQUI aqui a descrição de cada um deles). Os neurofibromas espinhais geralmente são do tipo subcutâneo nodular, embora comumente os neurofibromas prexiformes se iniciem numa raiz nervosa e se propaguem para outras partes do corpo.
Cerca de 30% das pessoas com a forma mais comum da NF1 (que são as mutações pontuais ou dentro do gene) apresentam um ou mais neurofibromas nas raízes dos nervos que saem da medula espinhal. Esta percentagem de neurofibromas espinhais aumenta para 64% nas pessoas com deleção completa do gene NF1 (ver AQUI o que é deleção completa do gene ).
Ao longo da vida, estes neurofibromas geralmente permanecem sem causar problemas ou sintomas, mas em algumas pessoas eles podem aumentar de tamanho e comprimir a medula e os demais nervos e estruturas naquela região, interrompendo a comunicação nervosa entre o cérebro e alguma parte do corpo. Esta compressão pode levar a dor, ou perda de força muscular ou da sensibilidade.
Em algumas pessoas com NF1 os neurofibromas nas raízes dos nervos espinhais também podem danificar os corpos vertebrais causando complicações neurológicas (perda de força e movimentos) e ortopédicas (escoliose), especialmente na região do pescoço e lombo sacral.
Forma espinhal da NF1
Existe também uma forma mais rara da NF1 (1 para 60 mil pessoas), na qual a formação de neurofibromas espinhais ocorre em todas as raízes nervosas em ambos os lados do corpo. Este fenótipo especial chamamos de “forma espinhal” da NF1. Esta forma geralmente aparece em mais de um membro da mesma família (quando a NF1 é hereditária). Além disso, esta forma espinhal acomete os grandes nervos periféricos (como o ciático) e possui maior tendência para transformação maligna de um ou mais destes neurofibromas.
Uma revisão de 2015 ( ver AQUI) estudou um grupo de 98 pessoas com a suposta forma espinhal da NF1, com idades entre 4 e 74 anos. A maioria deles (49) apresentava neurofibromas em todas as raízes nervosas, mas os outros 49 apresentam múltiplos neurofibromas espinhais, mas não em todas as raízes. Além disso, as mutações genéticas mais envolvidas na forma espinhal foram erros de codificação do gene (do tipo missense).
É importante notar que na forma espinhal as outras manifestações da NF1 (como múltiplos neurofibromas cutâneos e plexiformes) geralmente estão ausentes e as manchas café com leite podem ser menos do que 5 e pode não haver efélides. O diagnóstico de certeza da forma espinhal da NF1 requer a ressonância de corpo inteiro.
A forma espinhal pode produzir sintomas em qualquer época da vida, desde a infância e, em especial na adolescência, até a acima dos 50 anos de idade. Recentemente, atendi em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas uma pessoa com 54 anos de idade que, apesar de ter manifestado alguma redução de força nas pernas desde os 18 anos, apenas nos últimos seis anos ele se tornou incapaz de trabalhar como pedreiro e somente nos últimos seis meses houve piora da compressão medular que o obrigou a se tornar cadeirante.
Mais informações (em inglês) sobre a forma espinhal podem ser obtidas AQUI .
Tratamento cirúrgico dos neurofibromas espinhais
O tratamento cirúrgico dos neurofibromas espinhais somente deve ser considerado quando eles produzem sintomas importantes por causa da compressão, como dor forte, perda de função neurológica ou suspeita de malignidade. No entanto, é uma cirurgia demorada, complexa e que tem seus próprios riscos, como hemorragia, infecção do sistema nervoso e instabilidade da coluna vertebral no pós-operatório.
Por isso, a maioria dos neurocirurgiões receia realizar a cirurgia, especialmente na forma espinhal, (que atinge todas as raízes nervosas), na qual a determinação da origem exata dos sintomas é praticamente impossível. Inclusive, um estudo mostrou maior incidência de complicações pós operatórias em pessoas com NF1 do que em outras tratadas para a retirada de tumores para espinhais (ver AQUI ).
Infelizmente, a literatura médica sobre o tratamento destes neurofibromas espinhais é pequena. Uma das revisões sobre o assunto a que tive acesso (gentilmente compartilhada comigo pelo Dr. Vincent M Riccardi) é de 1998 (ver AQUI) . Nesta revisão, a maioria dos casos tratados cirurgicamente apresentou melhora na função neurológica.
Portanto, quando é possível localizar o neurofibroma na raiz nervosa que está causando a dor ou a perda de função, está indicada a realização de uma cirurgia para a descompressão, ou seja, a retirada parcial ou completa do neurofibroma.
Algumas pessoas com NF1 e neurofibromas espinhais na região cervical têm sido operadas em nosso Hospital das Clínicas com resultados animadores até agora. Foram três pessoas com NF1 que chegaram ao nosso Centro de Referência em cadeiras de rodas ou com grave perda da força muscular nas pernas e braços, “desenganadas” pelos cirurgiões em suas cidades de origem, e que hoje estão andando e levando uma vida com melhor qualidade depois da cirurgia realizada pela equipe do neurocirurgião Eric Grossi Morato.
Sua técnica cirúrgica, especialmente destinada a estes neurofibromas em pessoas com NF1, consiste em reduzir o tamanho dos tumores (sem pretender retirá-los completamente) e abrir espaço para que os tumores não comprimam a medula se voltarem a crescer no futuro. Além disso, o Dr. Eric não abre a dura-máter (a membrana que reveste a medula) o que evita a perda de líquido cefalorraquidiano, assim como infecções e fístulas.
Em resumo, cara B., a existência de neurofibromas espinhais é uma das consequências da neurofibromatose do tipo 1, a qual pode ou não causar complicações. Conheço pessoas com NF1 que possuem neurofibromas espinhas há décadas com pouquíssimos ou nenhum sintoma importante, levando uma vida normal. Outras, apresentaram sintomas de compressão da medula na adolescência que exigiram a intervenção cirúrgica. Outras ainda apresentaram sintomas de compressão sem possibilidade de tratamento cirúrgico, mas que controlam seus sintomas com medicamentos. Como sabemos, isto demonstra a grande variabilidade de manifestações da NF1 entre uma pessoa e outra. Cada pessoa é uma história diferente.
Por tudo o que foi dito acima, as pessoas com neurofibromas espinhais necessitam de reavaliações médicas regulares e detalhadas com especialistas em neurofibromatoses.