“Meu filho tem neurofibromatose e sempre foi um pouco retraído, mas se tornou muito solitário, irritado, com comportamentos perigosos e às vezes também agressivos depois que entrou na adolescência. A adolescência é diferente para as crianças com NF1? ” SBS, de Londrina.

Cara S, obrigado pela sua pergunta, que pode ser útil a outras famílias.

A adolescência é reconhecida como um período de grande transformação no comportamento de todas as pessoas, independentemente da presença da neurofibromatose do tipo 1 (NF1).

Por outro lado, há poucos estudos científicos especificamente destinados ao período da adolescência nas pessoas com NF1, portanto nossa informação ainda pode ser insuficiente para orientarmos adolescentes com NF1 de forma satisfatória para elas e eles.

Na nossa experiência clínica no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, a adolescência parece ser um pouco mais difícil para as pessoas com NF1 do que para a população em geral, por causa dos problemas emocionais, cognitivos e comportamentais que as crianças com NF1 apresentam desde o começo da infância.

Em resumo, minha impressão é de que adolescentes com NF1 apresentam mais isolamento social, mais indiferença à vida, mais ansiedade e depressão, mais conflitos familiares e mais agressividade.

Além disso, parece-me que mães, pais e cuidadores avaliam os problemas psicológicos e comportamentais de forma diferente de suas filhas e filhos.

Muito importante, estou convencido de que durante a avaliação médica precisamos ver e ouvir diretamente a pessoa com NF1 na adolescência para tentarmos ajudar na solução de seus problemas comportamentais.

Mais informações 

A seguir apresento algumas informações que podem ser úteis para compreendermos a associação entre puberdade e NF1.

Alguns dados abaixo foram obtidos de uma científica revisão de 2018 sobre este tema (ver aqui artigo original em inglês) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6287491/

Metade dos cuidadores (50%) relatou que seu filho apresentava distúrbio de aprendizagem; trinta e quatro por cento relataram que seus filhos foram diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), 16% com ansiedade e 14% com depressão no ano passado.

As concordâncias cuidador/paciente e prestador/paciente foram bastante fracas.

Quando questionados sobre as causas do sofrimento em cinco domínios:

1) emocional (preocupação/ansiedade, nervosismo, tristeza/depressão, solidão/sentimento de isolamento, tédio/apatia, irritabilidade, raiva),

2) físico (dor, náusea, fadiga, dificuldade para cair). dormir, dificuldade em manter o sono),

3) prático (escola, trabalho, não tomar ou faltar medicamentos), 4) espiritual (sentir-se distante de Deus) e

5) familiar/social (lidar com os pais, lidar com irmãos, questões familiares, lidar com velhos amigos, lidando com novos amigos), surgiram algumas diferenças entre as faixas etárias.

O tédio, a preocupação e o nervosismo/medo foram endossados ​​pelos jovens de 13 a 17 anos e pelos jovens adultos.

No domínio físico, sintomas incluindo dor, fadiga e problemas de sono foram endossados ​​por ambos os grupos de jovens mais velhos; entretanto, 56% da faixa etária mais avançada endossou a dor como causa de sofrimento, contra apenas 37% dos adolescentes.

Ambos os grupos mencionaram a escola como uma fonte de sofrimento (47% dos jovens dos 13 aos 17 anos e 25% dos jovens dos 18 aos 21 anos).

Vinte e três por cento dos adolescentes endossaram a falta de medicamentos como fonte de sofrimento, enquanto apenas 6% dos jovens de 18 a 21 anos endossaram este item.

Outra diferença surgiu no domínio familiar e social; 47% dos jovens de 13 a 17 anos endossaram problemas com irmãos como fonte de angústia, mas apenas 13% dos jovens de 18 a 21 anos endossaram este item ( 2 = 5,4, p < 0,05), e uma proporção maior de o grupo mais jovem endossou problemas em fazer novos amigos (23%) em comparação com o grupo mais velho (13%) (ver na internet a Tabela III).

Outra revisão recente dos problemas comportamentais que acometem as crianças com NF1 foi feita por um grupo de neurocientistas colombianas (VER AQUI). Elas concluíram que as crianças com NF1 possuem:

  • Funcionamento emocional e social abaixo da média e maior internalização ou externalização de seus problemas.
  • Apresentam também menor capacidade de reconhecimento de faces e desatenção, que são ambas habilidades fundamentais para as relações sociais.
  • Além disso, crianças com NF1 vivem mais solitárias, com mais ansiedade e com problemas de sono e participam menos de atividades que requerem habilidades específicas, como atividades físicas.
  • Especialmente as crianças com neurofibromas plexiformes apresentam risco maior de somatização (que significa transferir problemas emocionais para sintomas físicos), déficit de atenção, depressão e faltas escolares.
  • Todas estas características contribuem para que as crianças com NF1 em geral apresentem desempenho cognitivo mais baixo, menor interação social e função emocional inadequada. Por isso, elas necessitam de suporte especializado para sua socialização e aprendizado.

Será que se estes problemas das crianças com NF1 já estiverem presentes quando a sua adolescência iniciar, as dificuldades emocionais da NF1 agravadas pela nova fase em sua vida? Esta é uma pergunta importante que precisa de estudos científicos para ser respondida com segurança.

De qualquer forma, acho interessante lembrarmos o que acontece na adolescência independentemente da presença da NF1.

A adolescência

Os processos de amadurecimento cerebral necessários para atingirmos o comportamento adulto passam por várias fases, que iniciam na vida dentro do útero e podem demorar até os 25 anos de idade para se completarem.

A adolescência, que começa em torno dos 12 anos, é uma época muito importante neste caminho até a maturidade e repleta de acontecimentos marcantes, como a descoberta do amor e do sexo, o despertar dos talentos pessoais, a abertura dos novos horizontes afetivos, a formação das amizades para o resto da vida e a alegria das aventuras inesquecíveis por toda a vida.

Além disso, diversos movimentos liderados por jovens desafiaram estruturas sociais injustas, como o racismo, as guerras coloniais, as ditaduras, a desigualdade econômica e atualmente tentam controlar as armas nos Estados Unidos (VER AQUI )

Por outro lado, a juventude também é uma época de maiores riscos, como veremos adiante.

Para compreendermos melhor o que é a adolescência, vou traduzir (de forma adaptada para nossos leitores) alguns conceitos do excelente livro publicado em 2017 pelo neurocientista Robert M. Sapolsky, chamado “Comportamento” (VER AQUI).

Neste livro ele reúne informações científicas sobre o desenvolvimento mental e cultural dos seres humanos desde a vida adulta até nossas origens evolutivas, na tentativa de entender nossos piores e melhores comportamentos. Há um excelente TED no qual Sapolsky faz um resumo bem-humorado de seu livro (VER AQUI).

Vejamos algumas coisas que ele diz.

Durante a adolescência, algumas partes do cérebro ligadas às emoções, impulsos e instintos (sistema límbico, sistema nervoso autônomo) estão plenamente ativas e influenciadas pelas variações hormonais (sistema endócrino), enquanto as partes cerebrais relacionadas com o controle racional (no córtex frontal) ainda estão sendo desenvolvidas.

Esta defasagem entre os fortes impulsos e emoções e o controle racional ainda imaturo é que torna os adolescentes ao mesmo tempo frustrantes e magníficos, teimosos, impulsivos, inspiradores, destrutivos, autodestrutivos, altruístas, egoístas, impossíveis e transformadores do mundo.

O período da adolescência até o jovem adulto é quando o indivíduo apresenta estatisticamente a maior chance de matar alguém, ser assassinado, abandonar sua casa para sempre, inventar uma forma de arte, derrubar um ditador, cometer um massacre étnico numa vila, dedicar sua vida aos necessitados, se tornar dependente de drogas ou outros vícios, se casar com alguém fora de seu grupo social, transformar a física, vestir-se de forma horrorosa, quebrar seu pescoço durante uma brincadeira, devotar sua vida a Deus, assaltar uma velha senhora, ou ser convencido de que toda a história convergiu para tornar o seu momento o mais importante, o mais repleto de perigos e promessas, o tempo que mais demanda sua participação para fazer a diferença no mundo.

Em outras palavras, para os adolescentes é o tempo para correr riscos, procurar novidades e formar grupos com seus pares.

A adolescência é um período de transformação biológica e também um processo cultural, com menos relevância nas culturas mais coletivistas, nas quais a socialização é mais abrangente. No entanto, mesmo nas culturas individualistas, as pessoas passam pela adolescência de formas diferentes e nem todas consideram o período como uma tempestade existencial.

Durante a adolescência o jovem vai aumentando progressivamente sua memória, a flexibilidade diante das regras, a organização pessoal e a capacidade de mudar de tarefa. Todas estas aptidões melhoram sua precisão nas ações. Além disso, os adolescentes têm dificuldade em perceber ironia, mas aos poucos vão melhorando sua capacidade de entender a perspectiva das outras pessoas.

É preciso lembrar que a imaturidade da parte frontal do cérebro dos adolescentes faz com que tenham dificuldade de recolocar as emoções numa perspectiva mais racional. Por exemplo, diante de uma nota baixa numa prova eles podem pensar “Eu sou burro! ”. E não se lembrarem, por exemplo, que perderam aulas por uma gripe ou a questão principal foi o único assunto que não tiveram tempo para estudar, etc.

Outro aspecto importante é a maior dificuldade que os adolescentes apresentam para avaliarem o risco de um determinado comportamento, especialmente quando estimulados pelos colegas. Adolescentes avaliam para cima suas chances de sucesso em eventos favoráveis (ganhar no jogo de roleta, por exemplo), mas avaliam para baixo as suas chances de fracasso (morrer num acidente de carro, por exemplo).

A dificuldade de avaliar os riscos junto com a curiosidade por novidades e a necessidade extrema de serem aceitos pelo grupo fazem com que muitos adolescentes assumam comportamentos que colocam suas vidas em risco.

Os adolescentes também percebem recompensas de forma diferente dos adultos e das crianças. Quando a recompensa é acima do esperado, os adolescentes sentem muito mais prazer do que adultos ou crianças, mas quando a recompensa é menor do que a esperada, os adolescentes percebem esta situação como punição.

Talvez a característica emocional mais marcante dos adolescentes seja sua necessidade de pertencimento ao grupo social de sua faixa etária, tornando-os vulneráveis às pressões impostas para sua inclusão. É muito importante pensar que a imagem que os adolescentes fazem de si mesmos é aquela que eles acham que o grupo tem a respeito deles.

Os adolescentes não sabem como lidar com a exclusão social pelo seu grupo e sofrem profundamente com as mudanças de hierarquia e camaradagem (Ver aqui o filme Extraordinário). Este comportamento é tão forte que quando surge determinada doença psiquiátrica numa pessoa do grupo (como depressão ou distúrbios alimentares, por exemplo) outras pessoas do grupo de adolescentes são atingidas pela mesma doença como numa epidemia.

Os aspectos éticos e morais são um grande desafio para adolescentes porque geralmente eles pensam de forma egoística e ainda estão desenvolvendo seu senso ético e moral, sua capacidade de empatia e solidariedade.

O final da adolescência e o começo da vida adulta é a época de maior incidência de violência, desde assassinatos impulsivos ou premeditados, brigas com armas frias ou de fogo, solitariamente ou em grupos organizados (com ou sem uniforme) contra pessoas estranhas ou de suas relações. Esta violência ocorre, em parte, por causa das alterações neurológicas típicas da adolescência e por isso as decisões judiciais em diferentes países atribuem menor responsabilidades pelos crimes cometidos por adolescentes.

É preciso levar em conta que Sapolsky nos mostra um retrato mais pesado da adolescência porque seu livro tenta explicar as origens da violência humana. Ele relaciona uma série de dificuldades da adolescência que são partes inevitáveis do crescimento biológico de todos os seres humanos diante da grande complexidade de nossa estrutura social.

Penso que adolescentes devem ser tratados como pessoas enfrentando um difícil processo de transformação pessoal e suas dificuldades não podem ser minimizadas. Suas alegrias, assim como seu sofrimento são reais, assim como são as conquistas que realizam e os danos que podem causar a si mesmo e aos outros. Os adolescentes merecem toda a nossa atenção, como mostra este artigo recente na revista científica Nature (VER AQUI).

Adolescência e NF1

Então, podemos retornar às dificuldades das crianças com NF1 que entram na adolescência. Como deve ser este período das suas vidas? Com mais ou menos dificuldades que as outras pessoas sem NF1?

Precisamos estudar cientificamente este assunto para podermos ajudar melhor nossos adolescentes com NF1.

Atualização em 8/8/2018

Renovamos nosso alerta contra o uso descuidado de antidepressivos em jovens. Ver este excelente artigo sobre os perigos dos antidepressivos em jovens: VER AQUI EM INGLÊS