Problemas ósseos nas pessoas com NF1 (atualizado 2022)
Atualizado em 2022 após reunião da equipe médica do CRNF: Bruno Cezar Lage Cota, Juliana Ferreira de Souza, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, Luíza de Oliveira Rodrigues, Nilton Alves de Rezende e Renato de Souza Viana.
A maioria das pessoas com Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1) apresenta um ou mais problemas no seu desenvolvimento ósseo, que podem causar transtornos na função de um ou mais órgãos.
Mais da metade das pessoas com NF1 apresenta baixa estatura, maior perímetro da cabeça (macrocrania) e ossos mais fracos (osteopenia) ou mesmo osteoporose.
Uma em cada 10 apresenta problemas na coluna vertebral: escoliose, cifoescoliose e lordoses.
Uma em cada 20 apresenta displasias de ossos longos (especialmente da tíbia) com ou sem pseudoartrose.
Uma em cada 50 apresenta displasia da asa menor do esfenoide.
Além disso, pectus excavatum, cistos ósseos e assimetria de membros ou facial e outras deformidades ósseas menores são mais comuns nas pessoas com NF1 do que na população em geral.
Apesar de comuns, algumas podem ser complicações de difícil tratamento, necessitando do cuidado de especialistas experientes em ortopedia e NF1.
A conduta geral para as pessoas com NF1 e com deformidades ósseas são:
1) Avaliações periódicas da densidade óssea (quando houver dois ou mais fatores de risco aumentado para osteoporose – ver Tabela 1)
2) Cuidados nutricionais (especialmente Cálcio, Ferro e Vitamina D)
3) Atividades físicas regulares para fortalecimento muscular.
Veremos a seguir algumas recomendações para as principais alterações ósseas nas pessoas com NF1.
1) Baixa estatura
As pessoas com NF1 apresentam em geral a estatura abaixo da média para a população em geral.
Esta tendência é percebida desde a infância, quando a criança se desenvolve nas faixas de percentis menores do que 50%.
A baixa estatura nas pessoas com NF1 não é o mesmo que nanismo.
A causa desta baixa estatura é a deficiência da neurofibromina decorrente da mutação no gene NF1.
O mecanismo desta baixa estatura ainda não é bem compreendido, mas NÃO É A DEFICIÊNCIA DE HORMÔNIO DO CRESCIMENTO.
Portanto, por enquanto, o tratamento consiste em adaptar socialmente a criança para sua estatura e o uso de Hormônio do Crescimento está CONTRAINDICADO pela possibilidade de desenvolvimento dos neurofibromas e outros tumores.
2) Macrocrania
As pessoas com NF1 apresentam a circunferência da cabeça acima da média geral da população.
Como a baixa estatura, esta tendência é percebida desde a infância e decorre da deficiência de neurofibromina.
A macrocrania não causa qualquer problema de saúde, mas pode ser motivo de discriminação social.
A macrocrania não está relacionada com tumores cerebrais nem com hidrocefalia.
Até o momento não há necessidade clínica nem tratamento a ser realizado, apenas o apoio psicológico e esclarecimento público quando necessário.
3) Osteopenia
Pelo menos 30% das pessoas com NF1 apresenta densidade óssea menor do que o normal, ou seja, possuem ossos mais fracos, uma situação chamada de osteopenia e, quando mais grave, de osteoporose.
Esta fraqueza óssea é causada pela deficiência de neurofibromina e pode ser agravada pela falta de Vitamina D.
A osteopenia e a osteoporose facilitam as fraturas, inclusive espontâneas, ou seja, sem trauma associado, e dificultam a cicatrização óssea.
Por isso, o acompanhamento clínico requer as medidas da densidade óssea, dos níveis de Vitamina D (mínimo de 30 ng/mL) e do Hormônio da Paratireoide no sangue.
O tratamento consiste em cuidados nutricionais para garantir a ingestão adequada de nutrientes essenciais aos ossos (cálcio e precursores da Vitamina D) e banhos de sol diariamente (ver neste site a Tabela de Banhos de Sol).
No Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, para as pessoas com NF1, adotamos o nível mínimo de 30 ng/ml de Vitamina D no sangue para indicarmos a reposição oral ou a presença de fatores de risco para osteoporose apresentados na Tabela 1 abaixo.
Tabela 1 – Fatores de risco para osteoporose (Adaptado de Ferner, Huson e Evans, 2011).
Observar, em destaque, algumas situações comuns nas pessoas com NF1.
1 | Sexo feminino |
2 | História familiar de osteoporose (parentes de primeiro grau) |
3 | Menarca atrasada (primeira menstruação depois dos 16 anos) |
4 | Menopausa precoce (antes dos 40 anos) |
5 | Anticoncepcionais injetáveis com progesterona |
6 | Tratamento prolongado com cortisona |
7 | Tratamento com anticonvulsivantes |
8 | Doenças crônicas (renais, hepáticas, intestinais, da tireoide e da paratireoide, artrite reumatoide, anorexia) |
9 | Mobilidade restrita (exemplo, esclerose múltipla) |
10 | Cirurgia para escoliose com fixadores (instrumentação) |
11 | Fratura ocorrida mesmo com baixo impacto |
12 | Fratura vertebral |
13 | Dieta pobre em cálcio |
14 | História de tabagismo |
15 | Ingestão aumentada de bebidas alcoólicas |
16 | Baixo Índice de Massa Corporal (IMC) |
O tratamento consiste em tentar corrigir dos fatores de risco passíveis de serem corrigidos e ver com o (a) médico (a) responsável a dose exata da reposição de Vitamina D e cálcio quando necessárias.
4) Problemas na coluna vertebral
Os principais problemas na coluna vertebral das pessoas com NF1 são a escoliose, a cifose e a cifoescoliose (ver figura e radiografia mostrando escoliose torácica).
Estas alterações podem ser do tipo distrófico (ou seja, no qual há deformidades na estrutura óssea das vértebras – ver figura abaixo) ou do tipo não-distrófico (sem deformidades na estrutura óssea das vértebras).
As deformidades na estrutura das vértebras (distrofia) fazem com que elas não consigam suportar o peso da coluna ou se desenvolvam de forma anormal, desviando o alinhamento da coluna, causando assim:
a escoliose (desvio para um dos lados),
ou a cifose (desvio para frente)
ou a cifoescoliose (desvio para os lados e para a frente)
ou, mais raramente, a lordose (desvio para trás).
As deformidades da coluna nas pessoas com NF1 podem acontecer nas regiões cervical, torácica, lombar ou sacral.
Algumas vezes, a presença de neurofibromas (especialmente neurofibromas plexiformes) nas proximidades da coluna vertebral (ver figura abaixo) pode ser a causa da deformidade da coluna nas pessoas com NF1.
Idade do aparecimento
As deformidades da coluna nas crianças com NF1 geralmente aparecem entre 6 e 10 anos de idade e a progressão da tortuosidade pode acontecer em poucos meses (ver figura abaixo, a tortuosidade aumentando em poucos anos).
Nas fases de maior taxa de crescimento da criança e do adolescente a deformidade da coluna pode se agravar, mas tende a se estabilizar a partir dos 18 anos.
Gravidade
As deformidades da coluna podem ser leves, moderadas, graves ou muito graves.
Quanto menor o ângulo do desvio da coluna, menos grave;
Quanto menor a rotação e deformidade da vértebra, menos grave;
Quanto menor a cifose, menos grave;
Quanto maior a idade da criança no momento do diagnóstico da deformidade, menos grave.
As deformidades da coluna de gravidade leve (não-distróficas) podem não causar sintomas nem complicações importantes e a pessoa levar uma vida normal, sem necessidade de tratamento cirúrgico.
No entanto, as formas moderadas e graves (distróficas) podem necessitar de tratamento cirúrgico por causa dos seguintes problemas:
- Grande deformidade corporal;
- Compressão da medula espinhal causando dor e/ou perda da função neurológica;
- Diminuição da força muscular, podendo haver paralisia;
- Dificuldade respiratória por diminuição do volume pulmonar (no médio prazo);
- Sobrecarga do coração (no longo prazo).
Tratamentos
As deformidades leves (ângulos do desvio menores do que 20 graus e sem sintomas) podem não necessitar de nenhum cuidado adicional, além de acompanhamento clínico a cada seis meses.
As deformidades moderadas devem ser avaliadas semestralmente (ou antes se surgirem sintomas) e utilizarem colete ortopédico.
As deformidades moderadas e graves são de tratamento complexo e de difícil, mesmo para equipes especializadas.
O Quadro abaixo nos ajuda a compreender as diferentes gravidades e suas relações com os possíveis tratamentos.
Sintomas | Ângulo do desvio | Distrofia | Gravidade | Tratamento |
Ausentes | Menor que 20 graus | Ausente | Leve | Cuidados gerais e acompanhamento semestral |
Ausentes | Entre 20 e 40 graus | Escoliose | Moderada | Acrescentar fisioterapia e colete ortopédico |
Presentes (dor, disfunção) | Entre 20 e 40 graus | Escoliose e pouca rotação | Grave | Acrescentar cirurgia de fixação posterior |
Limitantes
(dor, paralisia) |
Maior que 50 graus | Escoliose e cifose | Muito grave | Acrescentar cirurgia de fixação anterior e manter colete pós-operatório |
A decisão cirúrgica nas deformidades moderadas e graves da coluna em pessoas com NF1 é sempre muito difícil, porque a cirurgia é complexa e de alto risco, com longo período de hospitalização e imobilização. Também requer uma equipe cirúrgica e hospitalar com experiência em NF1 e sua fragilidade óssea.
Além disso, os resultados não são muito bons (rigidez da coluna e dor crônica) com possibilidade de retorno do problema (recidiva e pseudoartrose) com a necessidade de novas cirurgias.
Em conclusão, diante de uma pessoa com NF1 e alterações da coluna vertebral devemos analisar cuidadosamente caso a caso os benefícios e os riscos de uma intervenção cirúrgica.
5) Displasia da tíbia
Cerca de 5% das crianças com NF1 apresenta displasias de ossos longos (especialmente da tíbia), que são problemas CONGÊNITOS, ou seja, já estão presentes na vida intrauterina e podem ser diagnosticados no momento do nascimento (tortuosidade da perna) ou nos meses seguintes. Se não forem percebidos no primeiro ano de vida, não aparecerão depois.
A displasia é um crescimento anormal do osso, no qual ele se presenta mais fino, praticamente sem a medula óssea e quebradiço, com grande dificuldade de cicatrização naquele ponto depois de uma fratura.
Geralmente, apenas uma das pernas é acometida e o osso apresenta-se na radiografia com sua parte média mais fina e densa (como se não tivesse medula óssea), podendo estar desviada para dentro e, muitas vezes, já com fraturas (ver setas brancas na parte esquerda da figura acima, que indicam a mesma tíbia fraturada de frente e de lado).
As fraturas ocorrem espontaneamente, ou seja, sem qualquer trauma ou apenas com a sustentação do peso da criança.
Quando isso acontece e a perna faz um ângulo, que chamamos de pseudoartrose, ou seja, como se houvesse ali uma falsa articulação.
Por enquanto, não existe um medicamento que cure definitivamente a pseudoartrose da NF1, mas dispomos de tratamentos para melhorar a qualidade de vida das crianças, que buscam torná-las capazes de realizar suas tarefas do dia a dia.
Por exemplo, se a displasia for identificada antes que ocorra a primeira fratura, pode-se tentar aparelhos ortopédicos que procuram proteger o osso frágil.
Depois, quando ocorrem a primeira ou a segunda fraturas espontâneas, podem ser realizadas cirurgias de reparação com enxertos ósseos para a formação de uma estrutura mais firme para o osso, assim como fixadores metálicos para que a fratura cicatrize.
O tratamento destas fraturas (ver abaixo ilustração com a Classificação de Paley) requer cirurgias complexas, muitas vezes repetidas, que tentam fixar os ossos, colocando hastes de metal e incluindo enxertos de fragmentos ósseos retirados de outras partes do esqueleto.
Infelizmente, a maioria destas tentativas não resolve o problema. Assim, a recorrência das fraturas espontâneas acaba fazendo com que a criança seja submetida a internações repetidas, à colocação de aparelhos ortopédicos que causam dor e limitam suas atividades, ao afastamento das outras crianças e da escola, levando a grande sofrimento da criança e sua família.
Mesmo nos centros especializados (por exemplo, o Paley Orthopedic and Spine Institute, West Palm Beach, FL 33407, USA), os procedimentos cirúrgicos podem não dar certo e a fratura pode ocorrer de novo apesar de todo o cuidado.
As figuras abaixo são ilustrações da técnica de Paley (ver aqui artigo recente sobre este tema: Cross-Union Surgery for Congenital Pseudarthrosis of the Tibia, Claire E. Shannon, Aaron J. Huser and Dror Paley. Children 2021, 8, 547. https://doi.org/10.3390/children8070547).
No entanto, para a maioria das pessoas com NF1 e pseudoartrose da tíbia, novas tentativas cirúrgicas são feitas, os períodos de internação são prolongados, repetidos e acompanhados de limitações de movimentos durante meses ou anos, além de infecções, inflamações e dor.
Devido ao frequente insucesso destas cirurgias, muitos especialistas diante de pessoas com NF1 e pseudoartrose desistem depois de duas ou três cirurgias e optam pela colocação de próteses como solução definitiva. A substituição daquela parte da perna por uma prótese mecânica tem mostrado que em pouco tempo a criança está adaptada e com mais liberdade e menos sofrimento para viver.
Sabemos que é tremendamente difícil para os pais aceitarem a amputação de parte da perna de sua criança querida, mas a qualidade de vida imediata e a longo prazo pode compensar os sofrimentos repetidos que a criança teria com múltiplas cirurgias ineficazes.
Novos tratamentos estão sendo estudados, como, por exemplo, o desenvolvimento de uma proteína que aumente a formação do osso, mas todos eles ainda precisam de comprovação de que funcionam de fato.
6) Displasia do osso esfenoide
A outra displasia típica, embora também rara (cerca de 3 a 11%) encontrada nas pessoas com NF1 é aquela que acontece na asa menor do osso esfenoide, um osso plano que forma o fundo da órbita dos olhos.
Observe a seta azul na imagem ao lado, que indica uma parte escura que é onde falta um pedaço do crânio – compare com o outro lado da cabeça da criança, que está correto, onde há apenas uma fenda inclinada por onde passa o nervo óptico, artérias e veias.
A displasia do esfenoide é uma complicação grave da NF1, porque ela permite que o volume do cérebro em crescimento, que seria contido pelo osso que não foi formado na vida intrauterina, possa empurrar o globo ocular para a frente, causando deformidade facial importante, chamada proptose.
Muitas vezes esta displasia está associada a um neurofibroma plexiforme nesta região, o que complica ainda mais o problema.
Mais uma vez, infelizmente, ainda não temos técnicas cirúrgicas adequadas e comprovadas cientificamente para a reparação deste osso faltante.
Num congresso sobre em NF em Barcelona em 2014, houve um grupo de médicos chineses que apresentou algumas crianças operadas com uma técnica de reparação que eles desenvolveram. A cirurgia é de grande porte, os riscos são grandes, mas o resultado ainda está longe do que desejamos.
O que podemos fazer, no momento, é tentar preservar a visão, evitar tratamentos inúteis, desnecessários e agressivos e oferecer conforto e apoio para a criança conviver com sua deformidade.
7) Pectus excavatum e assimetrias corporais
Outras displasias ósseas podem ser encontradas nas pessoas com NF1, incluindo o pectus excavatum (ver figura), que se constitui num afundamento do tórax desde o nascimento.
Geralmente os pectus excavatum não causam qualquer problema, além do aspecto estético que pode incomodar e causar discriminação social. Alguns raríssimos casos podem necessitar de correção cirúrgica por causa da disfunção respiratória.
Podem ocorrer também assimetrias do tórax e de membros, assim como de outros ossos do corpo, geralmente sem grandes repercussões para a saúde.
8) Cistos ósseos
Raramente podem ocorrer cistos ósseos nas pessoas com NF1, como se fossem bolhas mais escuras na radiografia (ver acima radiografia do fêmur e ressonância magnética mostrando os mesmos cistos). Às vezes pode haver a presença de um neurofibroma plexiforme na proximidade do osso que apresenta o cisto ósseo.
Geralmente eles não causam problemas, mas há suspeita de que possam dar origem a fraturas com mais facilidade. Também podem ser confundidos com tumores ósseos e por isso serem submetidos a tratamentos agressivos desnecessários para a sua remoção.
Para outras informações, na caixa de perguntas, procure pelo assunto “problemas ósseos na NF1”, ou envie-nos sua pergunta, por exemplo: https://amanf.org.br/2016/03/pergunta-201-os-ossos-sao-mais-fracos-nas-pessoas-com-nf1/