Continuandonossa compreensão da dor neuropática nas neurofibromatoses, retomo a partir do ponto 4, na figura acima.
O ponto 4 refere-se às conexões que existem na medula espinhal, entre os nervos que trazem o estímulo doloroso da periferia do corpo e os nervos que conduzem estes estímulos até os centros superiores no cérebro.
Na medula, pode ocorrer menor inibição da sensibilidade dolorosa, ou seja, o filtro realizado pelos neurônios na medula estariam menos ativos, permitindo a passagem da dor com mais facilidade para os centros superiores. Alguns analgésicos e a cortisona podem agir nestas conexões, reduzindo a dor, como, por exemplo, nos chamados bloqueios com cortisona injetada ao redor da medula.
No ponto 5, novos filtros (modulações) dos estímulos podem ocorrer, aumentando ou diminuindo a sensibilidade dolorosa. Neste ponto, algumas drogas chamadas neurolépticas e os anticonvulsivantes podem ajudar a reduzir a passagem dos estímulos dolorosos.
No ponto 6, sabemos que a dor é modulada, ou seja, aumentada ou diminuída por fatores emocionais e pelo estado de humor. Assim, a mesma lesão física pode parecer muito mais dolorosa à noite, quando nosso humor aumenta as percepções da fadiga, do cansaço e dos perigos, porque somos seres diurnos, selecionados para vivermos durante o dia e repousarmos à noite.
Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor nas neurofibromatoses.
O ponto 7 corresponde às diversas regiões do cérebro onde armazenamos nossas informações sobre aquilo que acontece conosco. Assim, a memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa. Por isso, a psicoterapia, o acompanhamento psicológico e o controle cognitivo podem auxiliar o controle da dor neuropática nas neurofibromatoses.
O ponto 8 corresponde à expressão genética de uma herança com maior ou menor sensibilidade para a dor. Neste sentido, parece que a ausência da neurofibromina na NF1, pelo menos em camundongos de laboratório, aumenta a sensibilidade dolorosa de um modo geral.
É preciso lembrar que deve haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos ainda. Por exemplo, não sabemos exatamente porque os neurofibromas cutâneos (na NF1) raramente são dolorosos e os schwannomas podem ser dolorosos na NF2 e são muito dolorosos na schwannomatose.
Finalmente, também é preciso reconhecer que vários dos mecanismos do ponto 1 ao ponto 8 podem estar atuando ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

Continuando a resposta de ontem, para o tratamento da dor neuropática nas neurofibromatoses, precisamos compreender um pouco mais como agem os medicamentos e cirurgias usados.
A figura acima pode ser útil para compreendermos como surge a dor neuropática nas neurofibromatoses.
Começando de baixo para cima, no ponto 1 temos a terminação do nervo que leva a sensibilidade dolorosa dos tecidos (na pele, por exemplo) até o cérebro. 

Uma lesão no ponto 1, um corte, por exemplo, libera substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas. Assim, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.
No ponto 2, uma compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo contra o osso, causa irritação ou destrói o nervo, o que é percebido como dor. Por isso, a remoção cirúrgica das compressões pode aliviar determinadas formas de dor neuropática.

Por outro lado, a destruição do nervo pode causar a chamada dor fantasma, como nas amputações. Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez.
No ponto 3, a persistência da dor não tratada pode alterar a expressão genética de proteínas que controla a dor, a neurofibromina, inclusive, aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa. 

Ou seja, um pequeno estímulo que não causaria dor, pode se transformar em dor forte por causa deste aumento da sensibilidade. Por isso, não devemos deixar uma pessoa com dor, sem tratamento. Uma dor não tratada hoje é uma dor duplicada amanhã.

Amanhã continuo dos pontos 4 em diante, para não dar dor de cabeça nos leitores.
Olá. Tenho neurofibromatose, com poucos caroços na pele, mas muitos na coluna, de acordo com o resultado da ressonância magnética. Sinto muita dor nos braços e principalmente nas pernas, que não me deixa dormir. O senhor disse que os neurofibromas geralmente não doem. Como explica o meu caso? O que posso fazer? ADN, de Santos, SP.
Caro A. Obrigado pela sua pergunta sobre um assunto que ainda não comentei neste blog. De fato, geralmente, a maioria dos neurofibromas não doem, mas a dor pode ser a queixa principal de cerca de 15% das pessoas com neurofibromatoses.
Como não sei exatamente qual das neurofibromatoses (NF1, NF2 ou Schwannomatose) você apresenta, aproveito para esclarecer algumas diferenças entre elas quanto à dor.
O Quadro abaixo foi adaptado daquele publicado em 2015 pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatose (Clique aqui para ver o artigo completo) e pode ser útil para compreendermos a questão da dor.
Doença
Tipo de dor
Duração
Causa
Tratamento
NF1
Dor de cabeça
Aguda (rara)
Aumento da pressão no cérebro?
Exames de imagem para esclarecer
Crônica (comum)
Desconhecida
Analgésicos comuns
Em outras partes
Aguda (perigosa)
Transformação maligna de um neurofibroma?
Exames de imagem e cirurgia se houver suspeita
Crônica (comum)
Plexiformes
Compressão da medula
Tumor glomus
Cirurgia quando possível e analgésicos, antidepressivos e anticonvulsivantes
NF2
Dor de cabeça
Aguda
Aumento da pressão no cérebro?
Exames de imagem para esclarecer
Crônica
Incomum: buscar outras causas
Analgésicos?
Em outras partes
Aguda ou crônica
Schwannomas em crescimento
Cirurgia quando possível e analgésicos
Schwannomatose
Em outras partes
Aguda ou crônica
Schwannomas em crescimento
Cirurgia quando possível e analgésicos
É preciso lembrar que o tratamento da dor nas neurofibromatoses, especialmente aquela dor crônica e com características que que nós chamamos neuropáticas, não é simples.
A dor neuropática pode ser percebida como uma dor profunda, em queimação, ardência, “como se fosse um choque”, “como se fosse no osso”, “como se estivesse puxando o nervo”, “como dor de dente” e outras formas.
A dor neuropática causa grande desconforto psicológico constante, dificulta ou interrompe o sono, o que resulta em fadiga crônica, cansaço e depressão.
Geralmente, o tratamento da dor neuropática requer o uso prolongado de analgésicos comuns (dipirona e paracetamol) com outros semelhantes à morfina (opioides) e associados a antidepressivos e anticonvulsivantes. Às vezes, injeção de cortisona em determinados locais da coluna podem ser eficazes.
Algumas vezes é possível localizar a origem da dor, um neurofibroma plexiforme, um schwannomas periférico ou um neurofibroma comprimindo a raiz de um nervo na coluna. Nestes casos, é possível a tentativa cirúrgica para remover a causa, embora em alguns casos a dor possa continuar.

Amanhã falo um pouco mais sobre a dor neuropática.

Minha dúvida é: não se sabe mesmo exatamente como a NF evolui em cada pessoa? Porque eu só tenho as manchas e 4 nódulos internos. Já retirei um e pretendo tirar mais outro, mas nenhum deles me causa dor. 



E sobre medicamentos em testes? Existe um tempo certo para saber se serão a solução do tratamento para inibir os neurofibromas? 

Ouvi falar também de tratamento com própolis de uma abelha, não lembro onde, que ajudava a inibir o crescimento e a volta dos neurofibromas. Você sabe de algo sobre isso? KP de São Luís, Maranhão.
Prezada KP. Obrigado pelas suas perguntas interessantes. Vou responder brevemente a algumas, sobre as quais já falei neste blog, e depois me deter na questão da própolis, que ainda não mencionei.
Sim, a neurofibromatose se manifesta de forma diferente em cada pessoa, com diferentes momentos de crescimento dos neurofibromas e eles não costumam causar dor.
Não existe um prazo definido para saber se os medicamentos em teste serão efetivos ou não para o tratamento das neurofibromatoses. Até porque os problemas estudados nestes testes são variados: como reduzir os neurofibromas plexiformes, como melhorar as dificuldades cognitivas, como tratar os gliomas ópticos, etc., e cada um deles tem um curso diferente em momentos distintos das vidas das pessoas.
Própolis
Os produtos das abelhas têm sido usados há séculos em todo o mundo como parte da medicina popular, por causa de possíveis efeitos biológicos, especialmente contra a dor, algumas infecções e inflamações.
Sabemos que na NF1 os neurofibromas não são infecções e não são formados por inflamações, mas sim pelo defeito num gene (localizado no cromossomo 17) que provoca a falta de uma proteína chamada neurofibromina. Esta proteína controla o desenvolvimento normal das células do nosso corpo e quando ela falta as células crescem a mais do que deveriam, formando grupos de células (tumores), chamados neurofibromas.
Também sabemos que na NF2 os tumores chamados schwannomas não são infecções nem são formados por inflamações, mas sim por outro defeito genético (localizado no cromossomo 22) que provoca a falta de outra proteína chamada merlina. Esta proteína controla o desenvolvimento das células de formas diferentes de como age a neurofibromina. Na falta da merlina, são formados os tumores chamados schwannomas.
É muito importante saber que as duas proteínas, neurofibromina e merlina, agem por caminhos diferentes, tanto é assim que as pessoas com NF1 raramente apresentam schwannomas (se é que apresentam) e as pessoas com NF2 raramente apresentam neurofibromas. Portanto, os possíveis e futuros tratamentos que tanto esperamos para estas duas doenças, NF1 e NF2, serão provavelmente diferentes, porque os problemas biológicos que as produzem SÃO DIFERENTES.
Outra informação importante, antes de falar diretamente sobre os produtos das abelhas. Uma das maiores dificuldades no estudo científico dos neurofibromas e dos schwannomas é medir o seu crescimento, porque NUNCA sabemos se eles estão se vão continuar crescendo ou se estão estacionados em seu tamanho. Assim, ao contrário de outros tumores em outras doenças, nas quais SABEMOS que eles vão crescer, na NF1 e na NF2 não podemos dizer com certeza que foi um determinado medicamento parou o crescimento de um neurofibroma ou de um schwannomas.
Bem, tenho procurado em todas as revistas científicas do mundo, acessíveis a mim em português, espanhol e inglês pela internet, qualquer estudo que tenha sido feito com produtos de abelhas em pessoas com neurofibromatoses e até hoje somente encontrei três publicações sobre este assunto.
A primeira delas, de 2009, é assinada por um grupo de pessoas llideradas pelo Dr. Hiroshi Maruta, da Austrália (clique aqui para ver o artigo completo). Neste artigo eles descrevem um estudo sobre os efeitos de uma substância que existiria na própolis (ivermectina) que seria capaz de reduzir o crescimento de células de tumores que foram mantidas em cultura no laboratório. No final do artigo eles fazem propaganda comercial (dão até o preço) do produto Bio 30 (fabricado pela empresa NF Cure, na qual o Dr. Maruta trabalha, ver o endereço para correspondência no próprio artigo). Segundo eles, o Bio 30 poderia reduzir os tumores nas pessoas com NF2, mas não apresentam qualquer prova científica sobre isto.
O segundo artigo é de 2011, do mesmo Dr. Maruta, desta vez escrevendo sozinho (clique aqui para ver o artigo completo). É uma opinião pessoal do Dr. Maruta sobre um suposto mecanismo de ação dos produtos das abelhas em diversos tipos de câncer, entre os quais ele inclui as neurofibromatoses (NF1 e NF2). O Dr. Maruta supõe erroneamente que o mecanismo das duas doenças seria o mesmo: a ativação de uma enzima PAK1 e que ele teria realizado experiências em camundongos e em seres humanos com extratos de própolis, vendidos naquele produto chamado “Bio 30” da empresa NF Cure, que vende também produtos para aumentar o desempenho sexual e outras coisas.
Afirma o Dr. Maruta que o medicamento Bio 30 conteria uma substância que bloquearia a atividade da tal enzima PAK1 e, segundo ele, o resultado teria sido a paralisação do crescimento e até mesmo a diminuição dos tumores nas pessoas com NF1 e NF2, além da redução de gliomas ópticos e de cura num caso de câncer do pâncreas terminal. Mais uma vez, na minha opinião, o Dr. Maruta e seus colaboradores não apresentaram argumentos corretos sobre a causa dos tumores na NF1 e NF2 e não demonstraram de forma científica os experimentos que fizeram com camundongos e seres humanos. Portanto, infelizmente, eu não sinto confiança no que eles dizem.

O terceiro e último artigo, (clique aqui para ver o artigo completo) é de um grupo que pratica a chamada “medicina natural” na Coreia do Sul. Duas vezes por mês, durante cerca de um ano os médicos injetaram veneno de abelha nas bordas de um neurofibroma plexiforme de uma pessoa com NF1, junto com a injeção venosa de uma solução contendo gin-seng da montanha. Eles mostram duas fotos de antes e depois do tratamento (ver imagens no artigo) e concluem que o tratamento “parou” o crescimento do tumor.

Bem, como comentei acima, é muito difícil sabermos se um neurofibroma vai continuar crescendo ou não. Além disso, observando as duas fotos apresentadas por eles, não posso afirmar que o tumor está menor na segunda foto. Finalmente, se, de fato, o crescimento do plexiforme foi interrompido, teria sido o veneno de abelha ou o extrato de gin-seng da montanha?
Em conclusão, infelizmente, me parece que por enquanto, o tratamento seguro e efetivo para os neurofibromas é a cirurgia, quando necessária e possível.
E vamos torcer para que o futuro nos traga resultados confiáveis.

Continuando a resposta para a AH de Canoas, RGS.
Cara AH, as informações que me enviou servirão de base apenas para uma orientação geral que farei a seguir, que pode ser útil a outras famílias, mas somente depois de um exame realizado pessoalmente por alguém com experiência em neurofibromatoses poderia orientar você com segurança.
Você disse que seu filho de 15 anos teria o diagnóstico de NF1, que depois foi modificado para NF2.De fato, algumas vezes isto acontece na prática, inclusive comigo já ocorreu uma vez, porque as manchas café com leite e nódulos subcutâneos nos induzem a pensar que estamos diante de uma pessoa com NF1, que é muito mais comum do que a NF2.
Você disse também que seu filho tem vários schwannomas e tumores espalhados pelo sistema nervoso. De fato, o laudo da ressonância magnética do encéfalo que me enviou apresenta: schwannomas bilaterais em diversos pares cranianos, inclusive no nervo vestibular e um provável meningioma. Além disso, o oftalmologista informou que ele tem catarata, o que, considerando a idade de seu filho, poderia ser, de fato, a catarata juvenil (ou subcapsular posterior). Estas informações seriam suficientes para o diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 2.
Você pergunta se a catarata de seu filho poderia ser tratada e minha resposta é sim, se houver prejuízo bastante da visão que necessite a substituição do cristalino opaco por uma prótese transparente.
A diplopia que ele apresenta pode ocorrer na NF2, inclusive precocemente na infância, por motivos ainda não bem compreendidos, como resultado de menor coordenação dos músculos que movem os olhos. Ainda não tenho certeza se há tratamento específico para este problema na NF2, como fisioterapia especializada, mas continuarei procurando saber.
Por outro lado, você disse que seu filho teria neurofibromas plexiformes. Sabemos que os neurofibromas plexiformes são quase que exclusivos da neurofibromatose do tipo 1. Os neurofibromas plexiformes são congênitos e formam estruturas enoveladas de múltiplos tumores associados em torno de um conjunto de nervos. Assim a minha tendência é achar que houve alguma interpretação anatômica imprecisa dos tumores que ele apresenta, que podem ser os schwannomas múltiplos, os quais poderiam dar a aparência de “plexiformes”. No seu relato inclusive você menciona a expressão “schwannomas plexiformes”, reforçando a minha impressão de que esta questão precisa ser resolvida pessoalmente por um especialista. De qualquer forma, há uma dúvida aqui que precisa ser esclarecida, para a melhor orientação de sua família.
Em seguida você trouxe outras informações sobre seu filho que, geralmente, não fazem parte da NF2. Você disse que ele tem baixa estatura e ausência de espermatozoides no exame de laboratório. Além disso, enviou-me o exame do cariótipo de seu filho (o cariótipo é a análise microscópica dos pares de cromossomos), cujo laudo diz que se trata de um cariótipo 46;XY, ou seja, um número normal de cromossomos de uma pessoa do sexo masculino. No entanto, na cópia do exame que enviou há anotações feitas a caneta, que me parecem de um (a) médico (a), que lançam dúvidas sobre o laudo, sugerindo que haveria dois cromossomos X e não um X e um Y, ou seja, seria o cariótipo de uma menina e não de um menino. Finalmente, você informou que ele tem o “baço comprido”.
As informações sobre seu filho nos fazem pensar sobre uma questão que muitas famílias nos trazem: alguém com NF pode ter outras doenças genéticas ao mesmo tempo? Infelizmente, sim, isto é uma possibilidade. Tomemos, por exemplo, a Síndrome de Kleinefelter, que apresenta dois cromossomos X e um Y, o que causa ausência de espermatozoides e outros problemas. Esta síndrome ocorre em 1 em cada 600 crianças, portanto muito mais comum do que as NF (e por causa dos exames de seu filho, esta possibilidade precisa ser afastada no caso dele). É claro que alguém pode ter a infelicidade de sofrer com os dois problemas genéticos ao mesmo tempo. A chance desta associação ocorrer, NF2 e Kleinefelter, por exemplo, é de 1 em 12 milhões de pessoas. Muitíssimo raro, é verdade, mas infelizmente possível.

Cara AH, concluindo minha resposta, compreendo seu coração apertado de mãe e creio que seu filho precisa ser examinado pessoalmente por alguém com experiência em neurofibromatoses para orientá-la sobre a provável NF2 que ele deve ter e esclarecer os demais problemas que ele apresenta. Para procurar especialistas, veja neste blog “onde tratar”.
Olá. Tenho dois filhos, sendo que o mais velho (com 15 anos) foi diagnosticado já há algum tempo com neurofibromatose do tipo 1, depois… tipo 2…pois além dos neurofibromas plexiforme, também possui schwannomas plexiforme cutâneos e intracerebrais… com vários tumores espalhados pelo sistema nervoso central e periférico. 

Ele tem tido com frequência diplopia, tem estatura baixa, tem azoospermia devido ao seu cariótipo que é 46XX. Tem por característica, segundo médico da época, “baço comprido”. Graças a deus vive normalmente, mas… e amanhã? Como serão seus dias? Será tudo isso consequência das neurofibromatoses? Coração apertado de uma mãe, que percebeu um despreparo muito grande em relação aos profissionais da área da saúde com essa doença devastadora. Se puder ajudar de alguma forma, agradeço. AH, de Canoas, RGS.
Cara AH. Obrigado pela confiança em entrar em contato comigo. Você mencionou diversas questões importantes sobre seu filho, mas as informações que me enviou ainda não são suficientes para que eu possa orientá-la com segurança, por isso pedi-lhe que me enviasse exames complementares, laudos, resultados de biópsias, etc. que ele já tenha realizado, para que eu, quem sabe, possa ajuda-la.
Por hoje, desejo comentar sua angústia diante do despreparo dos profissionais de saúde para lidarem com a doença do seu filho.
De fato, esta é uma reclamação muito frequente entre as pessoas acometidas por qualquer uma das doenças raras. Sabendo que existem cerca de cinco mil doenças raras, podemos compreender que não é possível que todo profissional da saúde tenha conhecimento suficiente sobre todas elas. Eu, por exemplo, tenho estudado as neurofibromatoses, que são apenas 3 doenças, e ainda não me sinto completamente informado sobre elas. No entanto, praticamente nada sei sobre a Síndrome de Down, sobre a Síndrome do X Frágil ou sobre ouras doenças raras e não saberia orientar uma pessoa com uma destas doenças.
Assim, creio que a alternativa seria as famílias e as pessoas com doenças raras se organizarem em associações, como a nossa Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) para educarem os profissionais da saúde sobre nossas necessidades especiais.
As associações de doenças raras podem reunir informações científicas e repassá-las aos profissionais da saúde diretamente em contato com as pessoas acometidas.
Além disso, as associações de doenças raras devem pressionar as autoridades (prefeituras, estados e governo federal) a implementarem os chamados Centros de Referência em Doenças Raras, criados na Portaria do Ministério da Saúde em janeiro de 2014. Infelizmente, estes centros ainda não saíram do papel.

Amanhã darei continuidade à nossa conversa, pois já recebi alguns exames que me enviou sobre seu filho.

Olá, há uns 3 meses notei um caroço em minha nádega esquerda. Hoje fui ao dermatologista que examinou e disse que provavelmente seria um neurofibroma isolado, e que eu deveria procurar um cirurgião caso ele estivesse me incomodando. Eu pedi que ele solicitasse um ultrassom para tentar confirmar. 

Agora acessando o site e vendo os sintomas, percebi que não me encaixo neles, pois não tenho manchas e nenhum dos outros sintomas e já tenho 26 anos. 

A minha pergunta é: Existe essa possibilidade de ter apenas um neurofibroma isolado? Grata. KRS do Rio de Janeiro.

Cara K. Sim, é possível uma pessoa apresentar apenas um ou dois neurofibromas isolados sem ser neurofibromatose, desde que não haja nenhum dos demais critérios diagnósticos, que podem ser vistos no quadro abaixo. 

No entanto, se o neurofibroma for do tipo plexiforme (você não forneceu este detalhe), a chance de ser neurofibromatose é muito maior, pois este tipo de neurofibroma ocorre de forma quase exclusiva na neurofibromatose do tipo 1.

Por isso, é importante que seja feito o estudo histológico do neurofibroma depois de retirado cirurgicamente.
Aproveitando que falamos recentemente sobre atividades físicas para pessoas com NF1, apresento hoje uma entrevista que realizei para este blog com a Dra. Juliana Ferreira de Souza, a qual já realizou seu mestrado e seu doutorado estudando algumas questões relacionadas com as neurofibromatoses no nosso Centro de Referência do HC-UFMG. 

(Na foto acima, Dra. Juliana Ferreira de Souza e Dr. Vincent Riccardi, durante congresso sobre NF nos Estados Unidos, em 2013).

No próximo semestre a Dra. Juliana dará continuidade à sua pós-graduação no laboratório Neuroscape da Universidade da Califórnia em São Francisco (Estados Unidos), com a equipe liderada pelo Professor Adam Gazzaley, sob a orientação do Dr. Joaquin Anguera Singla (Ver aqui a página do laboratório ).

O Neuroscapelab se propõe a avaliar ao mesmo tempo a cognição e a aptidão física em indivíduos que apresentem problemas cognitivos e de aptidão física, como observado pela Juliana nas pessoas com NF1.

Dr LOR: Dra. Juliana, qual será sua pesquisa sobre NF1 que fará nos Estados Unidos a partir do próximo semestre?

Dra. Juliana Souza: Nossos estudos anteriores mostraram as pessoas com NF1 apresentam menor aptidão física, ou seja, menor capacidade para realizar atividades físicas como no trabalho, no esporte e no lazer.

As causas exatas da menor aptidão física nas pessoas com NF1 ainda são desconhecidas. Imaginamos que os mesmos problemas neurológicos relacionados com as dificuldades de aprendizado possam estar envolvidos na menor coordenação dos músculos. Mas pode haver causas musculares também, como a capacidade de utilizar energia.

Um estudo publicado pelo grupo do Neuroscapelab na NATURE, uma das revistas científicas mais importantes do mundo (ver aqui o artigo na Nature) mostrou que uns videogames especiais criados por eles melhoravam a cognição em algumas doenças neurológicas em adultos. Isto despertou minha curiosidade: será que a tecnologia que eles usam poderia ser útil também para as pessoas com NF1?

Montamos um projeto, me candidatei e fui entrevistada no Neuroscapelab para realizar um período de um ano de pós-doutorado e fui aceita. Com bolsa do Programa Ciência Sem Fronteiras e CNPq, começarei a pesquisa no próximo semestre.

Dr LOR: E como será a sua pesquisa, em linhas gerais?

Dra. Juliana Souza: Nosso projeto se propõe a avaliar e treinar pessoas com NF1 em alguns indicadores cognitivos e de aptidão física ao mesmo tempo. O laboratório Neuroscape desenvolveu um programa de treinamento cognitivo/físico (videogame de treinamento corpo e mente), implantado no dispositivo Microsoft Kinect®. Este programa envolve um regime de treinamento cognitivo incorporado dentro de um videogame que permite avaliação cinemática de corpo inteiro, onde os indivíduos têm de responder às tarefas cognitivas executando movimentos corporais.
O treinamento consiste em atividades que aumentam a complexidade dos desafios cognitivos para manter os níveis de interesse e capacidade devidamente ajustadas para cada indivíduo.

Nossa perspectiva é de que as técnicas utilizadas para medir o esforço físico possam ser posteriormente incorporadas ao videogame, e utilizadas como uma forma de aumentar ainda mais a adaptabilidade associada ao treinamento cognitivo.

Dr LOR: Então, será medir e treinar pessoas com NF1 em tarefas mentais de atenção, coordenação e decisão que envolvam movimentos musculares?

Dra. Juliana: Sim, e de forma adaptativa de tal forma que a melhora do desempenho resulte em um aumento da dificuldade da tarefa a ser executada, para se manter um nível constante de desafio e maior engajamento no treinamento. Os programas de treinamento cognitivo que empregam um componente adaptativo mostram maiores benefícios terapêuticos do treinamento.

No entanto, faltam programas que associem ao treinamento cognitivo intervenções que incluam a aptidão física como um componente também adaptável. Possivelmente devido, em grande parte, à falta de tecnologia apropriada para medir a aptidão física em tempo real, durante o treinamento.

Ao unir a proposta pioneira de avaliação e intervenção cognitiva ao controle de variáveis que traduzam as adaptações fisiológicas (em tempo real) ao treinamento simultâneo cognitivo/físico, espera-se produzir um instrumento que seja útil para intervenção simultânea em indivíduos que apresentam simultaneamente comprometimento cognitivo e da aptidão física.

Dr LOR: Como será seu trabalho na Universidade da Califórnia em São Francisco?

Dra. Juliana: Estarei integrada numa equipe de pesquisadores que inclui especialistas em engenharia de multimídia, videogame design, formação cognitiva e fisiologia do exercício, bem como a colaboração com engenheiros responsáveis pelos sensores de pulso. Trabalhando juntos, vamos desenvolver a tecnologia que vai permitir que os sinais fisiológicos possam ser incorporados ao videogame de treinamento.

Vamos determinar a abordagem cognitiva apropriada para o nosso treinamento, observar as adaptações fisiológicas consequentes ao treinamento, titular a intensidade e o tempo envolvidos na adaptação cognitiva e de aptidão física, identificar as medidas de resultado comportamental e fisiológica adequadas, e então começar a avaliar as variáveis fisiológicas mais adequadas para manipular a porção cognitiva da intervenção.

Nossa esperança é criarmos um efeito de sinergia positiva entre o treinamento cognitivo e físico e podermos melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1.
Na última parte de sua pergunta, LC de Cataguases, MG, diz que está usando uma vitamina, e que ganhou peso e quer saber se deve usar outros suplementos.
Inicialmente, preciso lembrar que qualquer vitamina somente deve ser ingerida quando for comprovada a sua deficiência. Quando ingerimos vitaminas sem precisarmos, elas são eliminadas nas fezes e na urina e junto com elas vai o dinheiro que você gastou na compra destes medicamentos desnecessários.
Infelizmente, há muita propaganda de laboratórios interessados no seu dinheiro e não na sua saúde.
O remédio que está usando é uma mistura de uma vitamina (B12) e um anti-histamínico (ciproeptadina). Não há efeitos comprovados de que aumentar a ingestão de Vitamina B12 aumente a formação de proteínas (especialmente nos músculos, como você desejaria).
Por outro lado, o uso de anti-histamínicos (os mesmos que são usados para alergias), pode causar efeitos colaterais importantes e prejudicar sua capacidade de atenção, inclusive para dirigir veículos.
Finalmente, uma das características comuns da maioria das pessoas com NF1 é apresentarem peso abaixo da média, assim como estatura menor do que outras pessoas de mesmo sexo e idade. Este corpo menor faz parte da NF1 e não deve ser tratado com hormônios e vitaminas suplementares.
E por que fazemos estas tentativas de modificação do nosso corpo, às vezes prejudiciais à nossa saúde? Parece-me que é para atingirmos um ideal de corpo imposto pela sociedade de consumo, que estabelece certos padrões de beleza, desrespeitando as diferenças naturais entre as pessoas.
Quanto sofrimento inútil para tentarmos nos transformar em Bobs e Barbies.

Caro LC, minha sugestão é que você faça suas atividades físicas regularmente, de preferência todos os dias, em ambientes abertos com Sol, e alimente-se de forma saudável e natural, evitando açúcar em excesso e os suplementos vitamínicos e anabolizantes.  
Completando minha resposta para LC de Cataguases, comentarei as atividades físicas para pessoas com NF1.




Antes de tudo, esta é uma recomendação para TODAS as pessoas, com ou sem NF:  para sermos saudáveis devemos praticar atividades físicas de forma regular (mínimo de 5 vezes por semana), com duração suficiente (mínimo de 30 minutos por dia) e em intensidade capaz de produzir modificações no nosso corpo (acelerar o coração, produzir suor, aumentar a respiração).
Isto porque somos seres ativos, surgimos no mundo a partir da seleção natural que nos selecionou para vivermos ativamente buscando nosso alimento, caminhando e correndo cerca de 20 a 30 quilômetros por dia.
Sempre que ficamos sedentários, nos tornamos doentes de alguma maneira: surgem menor capacidade física, mais quedas, menor tolerância a infecções, mais diabetes e doenças cardiovasculares, ossos mais fracos e outros problemas.
Na NF1, onde já existe redução da força muscular, maior número de quedas e maior fragilidade dos ossos, temos muito mais motivos para a prática de atividades físicas de forma regular. Assim, recomendamos a prática de atividades para todas as pessoas com NF.

É claro que, aquelas pessoas com problemas mais graves causados pela NF1 (cifoescoliose, displasias ósseas, neurofibromas plexiformes, gliomas ópticos com manifestações visuais, alterações de comportamento e outras) precisam de orientação de fisioterapeuta com experiência com as neurofibromatoses.