“… às vezes e tão difícil de conseguir enfrentar tudo sozinha, tenho família, meu esposo mas… parece que fingimos não ter nada, ninguém diz nada e eu, para não preocupar meu esposo que precisa trabalhar, me calo… e os outros cada um ocupado com a correria do dia a dia… Minha filha está com 25 anos e é o motivo da minha grande preocupação, não sei mais o que fazer: olho para ela, cada dia mais crescendo estes carocinhos e seu corpo, está muito visível cada dia mais no rosto, meu coração chega doer vendo as outras jovens de sua idade se preocupando com a pele, celulite, coisas que ficam tão pequenas diante das dificuldades da minha filha… Vejo que ela está sendo cada dia mais prejudicada na vida, parece que ela é invisível aos olhos da humanidade, ela nunca trabalhou devido à dificuldade escolar para escrever, ela troca muitas letras e lê muito mal, amigos quase não tem devido não conseguir ser igual às outras, vive tentando arrumar amigos, mas hoje é tudo moderno e ela muito quietinha logo se afastam… Tinha um namorado desde 16 anos, mas agora, antes de se casar ele foi embora e diz que ela não trabalha para ajudar, diz que ela não faz nada, meu Deus, o que posso fazer para ajudar minha filha, para vê-la feliz… Sei que tem pessoas muito pior que a gente peço perdão a Deus, mas gostaria muito que não fosse assim… Hoje as pessoas dão muita importância para aparência e me preocupo muito. O senhor acha que eu posso conseguir um benefício para ela? ” NJ, de local não identificado.

Cara N, obrigado pela confiança em nós para expor seu coração.

Hoje inverto nossas posições e sou eu quem farei a pergunta: se sua filha vier a receber um benefício financeiro, resolveria os diversos problemas que nos apresentou em seu sofrido depoimento?

Primeiro, vamos ver o auxílio financeiro. É possível? Sim, dependendo do estado geográfico (Minas Gerais e Espírito Santo têm legislações facilitadoras) e do estado de saúde de sua filha (o que tem que ser determinado por exame realizado pela perícia do INSS).

Não duvido que vocês possam precisar de um auxílio financeiro, mas fiquei com a impressão que esta questão seria a ponta do Iceberg da neurofibromatose de sua filha, ou seja, seria a parte menor daqueles enormes pedaços de gelo que flutuam nos mares gelados, dos quais vemos apenas a ponta que fica acima da superfície.

Você nos relatou que sua filha tem grande dificuldade de relacionamento social, poucos amigos e um namorado que a abandonou depois de vários anos. Que ela tem dificuldades de aprendizado que possivelmente a impedem de conseguir um trabalho adequado.

Você percebe que os neurofibromas estão se tornando cada vez mais visíveis e assustada você antecipa o preconceito que teme acontecer “porque as pessoas dão muito valor à aparência”, provavelmente tanto quanto você, que a desejaria “linda” como as demais garotas.

Parece-me que você chega a desejar que ela não tivesse nascido (“gostaria muito que não fosse assim”) e pede perdão a Deus por causa deste sentimento que julga horrível, mas que todos os pais de pessoas com problemas genéticos graves chegam a sentir em algum momento de suas vidas.

Mas o mais importante é que tive a impressão que você tem muita pena de sua filha.

Às vezes confundimos sentir pena com sentir amor. Sentir pena é considerar o outro incapaz de se realizar como pessoa, mas incapaz segundo os nossos padrões, segundo os nossos critérios de felicidade e de sucesso, ou seja, incapaz aos nossos olhos.

O amor, ao contrário, aceita e respeita o outro com suas potencialidades e limitações, do jeito que ele é e reconhece que o outro pode ser feliz, mesmo vivendo de forma diferente do que imaginamos ser uma vida com felicidade.

No seu relato, você revela o desejo de que sua filha seja feliz e aí talvez esteja uma saída. O que seria a felicidade para ela? O que a faria feliz hoje? Pergunte à ela.

Talvez você se surpreenda com o fato de que ela se considera mais feliz do que você imaginava.

Talvez a maior felicidade sonhada por ela seja que sua mãe a aceite do jeito que ela é, com suas limitações, e a ajude a viver com elas, porque a neurofibromatose é permanente, mas é apenas uma parte do que sua filha é. Uma pessoa.

Foi com grande alegria que recebi a notícia de que o Dr. David Viskochil foi o escolhido do ano de 2016 para receber o prêmio Friedrich von Recklinghausen.

O Dr. Viskochil (ao centro na foto com Dr. Nilton Alves de Rezende e Dra. Juliana Ferreira de Souza) vem se dedicando `as neurofibromatose há mais de 30 anos. Ele foi um dos cientistas que primeiro identificou e descreveu o gene da NF1 e, como pediatra, vem prestando atendimento clínico de excelência `a crianças e adolescentes com neurofibromatose no hospital e na clínica de NF da Universidade de Utah, em Salt Lake City, nos Estados Unidos.

Durante meu doutorado tive a oportunidade de acompanhar o atendimento clínico e os trabalhos de pesquisa do Dr. Viskochil na Universidade de Utah (como bolsista do Programa Ciência Sem Fronteiras do CNPq), estreitando laços criados durante sua participação no Segundo Simpósio Internacional em Neurofibromatoses, organizado pelo Centro de Referencia em Neurofibromatose de Minas Gerais na Faculdade de Medicina da UFMG.

Durante seu discurso, no jantar de premiação, o Dr. Viskochil (que é um amante do futebol brasileiro e promotor de jogos entre os participantes das Conferencias em NF) carregou uma bola de futebol com as cores do Brasil e mencionou os amigos pesquisadores brasileiros com palavras de reconhecimento e incentivo aos nossos esforços de cuidado e pesquisa nas neurofibromatoses.

A seguir, mais algumas informações sobre as conferências que participei.

Domingo – 19 de Junho de 2016

1. Sobre a evolução do neurofibroma plexiforme ao tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP) – (Dra. Brigitte Widemann, Dr. David Largaespada, Dr. Ping Chi)

· A Dra. Widemann definiu o TMBNP como um sarcoma de partes moles que na maioria das vezes surge (na NF1) a partir de um neurofibroma plexiforme pré-existente;

· O FDG PET CT [2-deoxy-2-(18F) fluoro-D-glucose (FDG) positron emission tomography (PET)] foi mencionado como exame de fundamental importância para a avaliação de tumores suspeitos de malignidade e identificação dos TMBNP. O FLT CT [3-deoxy-3-18F-fluorothymidine (FLT) positron emission tomography (PET)] está sendo avaliado como uma opção;

· As lesões bem delimitadas, maiores do que 3 cm de diâmetro, dentro ou próximas de um neurofibroma plexiforme, com grande captação do FDG no PET CT podem ser neurofibromas atípicos ou TMBNP. Os neurofibromas atípicos são considerados precursores dos TMBNP;

· A realização longitudinal de RNM de corpo inteiro foi mencionada como uma opção para o acompanhamento da carga tumoral e do crescimento de lesões nodulares assintomáticas (podendo acrescentar informações à avaliação clínica destas lesões)

“A minha impressão é de que no CRNF temos utilizado adequadamente o FDG PET CT para a identificação de neurofibromas atípicos/TMBNP e de que os dilemas, diante de uma lesão como esta são os mesmos para todos nós:

· trata-se de um neurofibroma atípico ou de um TMBNP? Quais os parâmetros (entre tamanho e características da lesão, captação de FDG) permitem prescindir de biópsia?

· Diante do resultado de uma biópsia, como ter certeza de que o “pedaço” do tumor enviado para a análise é representativo de todo o tumor?

· Como diferenciar, à biópsia, um neurofibroma atípico de um TMBNP de baixo grau (já que o pequeno número de mitoses é uma característica comum entre eles)?

· Os tumores passíveis de exérese cirúrgica devem ser encaminhados para o procedimento independentemente do resultado da biópsia? Se sim, como devem ser abordados pelo cirurgião?

Estas e outras questões sobre o tema, seguem, ainda, sem respostas. Assim como vem sendo feito no CRNF, a conduta até o momento é individualizada e deve envolver uma equipe multidisciplinar em busca da melhor decisão para cada caso.”

· Alguns estudos piloto estão em andamento buscando identificar mutações (CDKN2A/2B e CPR2 foram mencionados) e marcadores imunohistoquímicos frequentemente presentes nos neurofibromas atípicos e também nos TMBNP que possam servir como biomarcadores para as lesões “pré-malignas”;

“As indicações são de que há uma tentativa de criar um grande “banco de tumores” e de compilar informações (através da centralização dos dados disponíveis nos diferentes centros de pesquisa do país) que permitam a avaliação genotípica e imunohistoquímica do maior número possível de neurofibromas atípicos e TMBNP, visando a identificação de potenciais biomarcadores que possam apontar os tumores atípicos com maior chance de transformação maligna e auxiliar na resposta às várias perguntas mencionadas acima. Um trabalho hercúleo, sem dúvida, mas que já foi iniciado.”
2. O papel da cirurgia nas Neurofibromatoses (Dr. David Viskochil, Dr. Carol Morris, Dr, Allan Belzberg, Dr. L Randall)

“Infelizmente não pude acompanhar esta discussão mas devo ressaltar que ao final da mesma, uma recomendação unânime foi a de incluir precocemente o cirurgião nas discussões sobre possíveis, prováveis ou potenciais procedimentos cirúrgicos em indivíduos com neurofibromatose, assim como a de encaminhar aqueles com NF1 e suspeita de TMBNP à um centro especializado no tratamento de sarcomas (se este serviço estiver disponível) ou a um cirurgião oncológico experiente (com quem as particularidades referentes aos neurofibromas atípicos e TMBNP devem ser discutidas).”

Sabemos que a neurofibromatose do tipo 1 (NF1) é uma doença genética que produz dificuldades de aprendizagem na maioria das pessoas, mas de forma diferente entre elas: algumas vezes graves deficiências, outras vezes dificuldades pouco percebidas.

Por que estas variações clínicas acontecem?

Primeiro, existem milhares de mutações diferentes do gene NF1 que poderiam afetar a forma como a doença se manifesta clinicamente. Por exemplo, as deleções completas do gene NF1 geralmente estão associadas às formas mais graves de problemas cognitivos e comportamentais. No entanto, a mesma mutação encontrada numa família com NF1 apresenta capacidades intelectuais muito diferentes entre seus membros. Por exemplo, acompanhamos alguns pares de gêmeos univitelinos (com a mesma mutação do gene NF1, portanto) com diferentes dificuldades de aprendizagem entre os dois.

Outra possibilidade para explicar as diferenças de aprendizagem em pessoas com NF1 seriam os chamados efeitos epigenéticos, ou seja, efeitos externos que afetam a expressão dos genes durante o desenvolvimento embrionário e ao longo da vida. Por exemplo, as diferenças no ambiente intrauterino ou no ambiente educacional poderiam afetar a expressão do gene NF1, favorecendo perfis clínicos com maior ou menor dificuldade de aprendizagem.

Além disso, outra explicação provável para as diferenças de dificuldades cognitivas entre as pessoas com NF1 deve ser a presença no seu genoma de variações noutros genes que afetam o desenvolvimento mental. Ou seja, irmãos com o mesmo gene NF1 herdado de um dos pais podem apresentar perfis intelectuais e comportamentais diferentes porque os demais genes que constituem seu genoma apresentam variações decorrentes da recombinação genética no momento da formação dos espermatozoides e dos óvulos.

Foi justamente para estudar esta possibilidade dos efeitos de outros genes sobre as dificuldades de aprendizagem na NF1 que a Dra. Danielle Souza Costa conduziu seu estudo de doutorado em Medicina Molecular na Faculdade de Medicina sob a orientação da Professora Débora Marques de Miranda, o qual foi realizado com 19 crianças e adolescentes e 31 adultos, todos voluntários e voluntárias com NF1 atendidos no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nas pessoas com NF1 a Dra. Danielle mediu a memória de trabalho, que consiste na capacidade de manutenção e atualização de informações, o que é uma função muito importante na capacidade executiva, ou seja, a habilidade para planejar e executar atividades mentais, o que é fundamental no desempenho escolar, por exemplo. Além disso, a Dra. Danielle mediu o quociente de inteligência (QI), o nível socioeconômico das pessoas com NF1 e colheu amostras de sangue para medir as variações noutro gene (COMT), que regula a formação de um neurotransmissor cerebral chamado dopamina, que é essencial para as funções cognitivas.

Os resultados mostraram que as pessoas com mutação no gene NF1 associada a uma das variações no gene COMT (chamada de Met/Met) apresentaram desempenho melhor do que as demais no item memória verbal de trabalho, mas não houve influência significativa sobre as demais funções cognitivas. Ou seja, maior disponibilidade de dopamina resultou em menor dificuldade de aprendizagem, o que reforça a proposta do uso do medicamento metilfenidato em algumas pessoas com NF1.

O trabalho da Danielle Souza Costa acaba de ser publicado (5 de julho de 2016) na revista científica especializada Fronteiras na Neurociência Humana (para ver o artigo completo  CLIQUE AQUI), e foi revisado por Dong-Hoon Lee, da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, e por Dawei Li, da Universidade de Duke, ambas nos Estados Unidos.

São resultados iniciais, inéditos na comunidade científica que estuda a NF1, e que precisam ser confirmados para se tornarem mais uma ferramenta útil no cuidado das pessoas com NF1.

Parabéns à equipe que realizou o estudo, em especial para Dra. Danielle Souza Costa e sua orientadora Dra. Débora Marques de Miranda, e muito obrigado a todos os voluntários e voluntárias que se dispuseram a ajudar neste estudo.

Amanhã continuo o relato da Dra. Juliana Ferreira de Souza sobre o congresso sobre NF deste anos nos Estados Unidos.