Quando alguém adoece e procura o auxílio da medicina, sua esperança é de acolhimento pessoal, alívio da dor e cura do sofrimento. A esperança geralmente está depositada na forma de medicamentos capazes de erradicar em definitivo a doença.


Qualquer que seja a enfermidade, é comum que a pessoa doente fique insatisfeita com uma consulta médica, porque aquele encontro é um momento que tem tudo para dar errado. 


Para começar, se pudéssemos, nem o paciente nem nós, médicos, estaríamos ali, mas num passeio, em férias, ou pescando. No entanto, estamos diante um do outro por razões diferentes: a pessoa por causa de seu sofrimento e o médico porque precisa trabalhar. 


Ao início da consulta, o paciente está cheio de dúvidas sobre sua doença, mas em poucos instantes nós médicos temos várias certezas sobre o paciente.


Antes da consulta somos duas pessoas desconhecidas entre si, mas em poucos minutos, uma delas deverá compartilhar sua intimidade, inclusive expor seu corpo, enquanto a outra permanecerá tecnicamente distante, impessoal e vestida. 


A pessoa doente é despojada de sua identidade ao vestir uma camisola tosca para o exame e se torna vulnerável, mas nós estamos aparamentados por jalecos e insígnias que sacramentam nossa posição de poder e autoridade.


O paciente, em média, é uma mulher, negra ou parda, de baixa renda e com alguns filhos, mas o médico geralmente é um homem, branco, tem uma vida economicamente confortável e sua esposa é quem tem um ou dois filhos. 



A pessoa diante do médico se identifica pelo nome e sobrenome, por exemplo, Ana Maria Soares Lisboa, mas nós nos lembraremos dela pelo laudo do seu exame anatomopatológico: Astrocitoma Pilocítico Grau I da OMS. 


O paciente expressa suas dores em português, mas nós respondemos em latinês misturado com siglas em inglês, o tecnologuês: por exemplo, Tomo de tórax multislice, Dopller scan de carótida ou PET CT com 18 FDG. 


O paciente não sabe o que o tem e imagina que o médico saiba, mas nós imaginamos muito mais do que sabemos, de fato, sobre a doença que acomete o paciente, especialmente quando se trata de uma doença rara.



A pessoa levou às vezes oito anos para desenvolver sua doença, tempo médio, por exemplo, para o diagnóstico da neurofibromatose do tipo 2, mas nós demoramos poucos segundos para interromper seu relato espontâneo, pois já fizemos o seu diagnóstico, não obrigatoriamente correto.

O paciente tem medo de desagradar o médico e tenta responder aquilo que acha que queremos ouvir, mas interrogamos o paciente com rigor para descobrir contradições, porque há uma lenda entre os estudantes de medicina que todo paciente mente ao seu médico.

Então, a palavra do paciente é sempre questionável e colocada entre parênteses (sic), mas a nossa opinião ganha força de lei depois de assinada e carimbada: desde os atestados e receitas até o parecer técnico concedendo o afastamento do trabalho ou aposentadoria.

Com o tempo, a pessoa com dor e limitações físicas desenvolve também sofrimento psicológico, que pode vir a se tornar sua queixa principal, mas, com pouco tempo para ouvir, pensamos que a ansiedade do paciente nos atrapalha na avaliação correta do seu problema físico real. 


Algumas vezes o doente gostaria de ouvir de nós que ele não está doente, que tudo não passou de uma indigestão, mas nós precisamos demonstrar a ele que somos competentes e temos toda certeza sobre sua doença e seu futuro.


Às vezes a pessoa não sabe as causas de suas dores e pede esclarecimentos, mas nós indicamos exames e tratamentos sem explicação, porque pensamos que as decisões são nossas e nosso conhecimento não precisa ser compartilhado democraticamente.

O doente está diante de nós temendo perder sua vida, mas nós estamos diante dele ganhando a nossa, construindo uma carreira, comprando uma casa, planejando uma viagem. Ele tem medo da morte, mas nós estamos cheios de coragem e dispostos a enfrentar a morte… do outro.

As pessoas procuram na internet informações médicas para tentar compreender seus sintomas, mas mesmo sabendo que há informações úteis na internet nós as desprezamos por serem feitas por leigos e nos sentimos ofendidos quando elas contrariam as nossas ideias bem estabelecidas.

Nós estudamos anatomia e sabemos onde fica a retina e o tumor no quiasma óptico, mas as pessoas podem achar que o tal glioma óptico é uma couve flor maligna que devora seu cérebro. Há um abismo entre o que os médicos visualizam e o que as pessoas imaginam sobre uma doença qualquer.


Nós confiamos nos medicamentos que os laboratórios nos convenceram a usar, mas as pessoas podem não saber as diferenças entre droga, medicamento e veneno, entre vitamina e suplemento, entre placebo e marca registrada e entre dose e preço.

Em caso de sucesso, as pessoas religiosas costumam agradecer a Deus e depois aos médicos, mas nossa vaidade se incomoda com esta hierarquia, porque afinal o trabalho foi todo nosso. Em caso de fracasso, pensamos que o paciente é que não respondeu bem ao nosso tratamento.

Indicamos uma internação hospitalar com naturalidade, porque geralmente nos sentimos à vontade no ambiente de um hospital, mas os pacientes desconhecem a rotina de um hospital tanto quanto desconhecemos o funcionamento de uma prisão.

O médico afinal estabelece um diagnóstico e encontra para ele um número no Código Internacional de Doenças, mas o paciente sai da consulta com uma espécie de tatuagem permanente: CID Q 085-0. 



Para nós, a doença é apenas uma denominação, mas para o paciente ela pode vir a substituir seu nome, separá-lo das demais pessoas, tornar-se discriminação. Quem se lembra dos manicômios, leprosários e internações forçadas de mulheres por histeria?

Para nós, cada doença é um caso que encontramos por acaso na rotina de nossa profissão, mas para o paciente seu diagnóstico pode se tornar uma espécie de destino, condicionando seus hábitos de vida e suas relações sociais.



Se a pessoa é atendida pelo SUS, desconfia que seria melhor se possuísse um plano privado; se pagou por um plano privado, acha que seria melhor se pagasse por uma consulta particular; se está pagando particular, suspeita que o médico está interessado apenas no seu dinheiro. 

Em qualquer destas situações o médico pode achar que está recebendo menos do que merecia pelo seu trabalho.


Infelizmente, o distanciamento emocional entre médicos e o cidadão doente é tão grande que nós apenas começamos a compreender os sentimentos dos doentes quando nós mesmos adoecemos.




Apesar de estarem em posições opostas, médicos e doentes se assemelham como seres humanos inseridos e pressionados por um sistema de atendimento à saúde, que é determinado à nossa revelia pela estrutura social e econômica da civilização atual, que nos retira do papel de sujeitos.

A complexidade desta estrutura é que faz com que o médico e o cidadão doente jamais se encontrem sozinhos na privacidade da sala de consulta, porque há câmeras escondidas observando se ambos cumprem seu devido papel dentro do Sistema Único de Saúde, dos Planos Privados de Saúde, da Indústria Farmacêutica e de Equipamentos Médicos, do Conselho Federal de Medicina, do Ministério da Saúde, da ANVISA, do Imposto de Renda e da divisão de classes na sociedade capitalista.


Apenas numa coisa médicos e doentes concordam: ambos gostaríamos de voltar para casa como sujeitos melhores e mais felizes.







Palestra apresentada no Workshop em Sociologia do Diagnóstico
Universidade Federal Fluminense – Niterói – RJ – Abril de 2017

Agradecimentos pelas leituras e sugestões por ordem cronológica:

Thalma de Oliveira Rodrigues

Romeu Cardoso Guimarães

Nilton Alves de Rezende

Jorge Bezerra Cavalcante Sette

Luíza de Oliveira Rodrigues

Bruno Cezar Lage Cota

Leonardo Maurício Diniz

Rogério Lima Barbosa

Juliana Ferreira de Souza

Ernesto Carneiro Rodrigues

As indústrias farmacêuticas Novartis, Labofarma, Smith-Glaxo-Evans, Astra Zeneca, Novafarma, Medley, etc, etc…
NÃO patrocinaram este trabalho.



  

“Tenho 48 anos e NF1, tenho pouca massa muscular e isso desencadeia muita flacidez, tenho vontade de tomar colágeno, mas tenho medo que piore os neurofibromas, qual a melhor solução? Posso tomar colágeno? ” EM, de local não identificado.

Cara E, obrigado pela sua pergunta, porque ela nos permite conversar sobre alguns assuntos importantes para as pessoas com NF1.

Primeiro, devemos lembrar que a maioria das pessoas com NF1 apresenta menor força e menor tônus musculares. A menor força faz com que se movam mais lentamente e se sintam mais cansadas do que as pessoas sem NF1 durante atividades físicas. O menor tônus faz com que a postura das pessoas com NF1 tenha uma aparência de desânimo (por exemplo, face tristonha, ombros caídos, coluna inclinada, pés planos), o que diminui também sua coordenação motora. Por isso, a maioria das pessoas com NF1 tem pouca habilidade esportiva.

Por outro lado, com ou sem NF1, o passar dos anos leva a uma redução da massa e do tônus musculares, fazendo com que a aparência da maioria dos idosos seja também de cansaço e desânimo (face tristonha, lentidão, ombros caídos, coluna inclinada, menor habilidade motora, etc.). 

Assim, se juntarmos a NF1 e o envelhecimento, uma pessoa com NF1 pode aparentar ser um pouco mais velha do que ela realmente é, o que talvez explique sua percepção de maior “flacidez” aos 48 anos.

Sabemos que o melhor que podemos fazer para envelhecer mais devagar é manter um bom estilo de vida: alimentos naturais não processados, pouco açúcar e doces, muitas frutas e verduras, exercícios prazerosos regulares, não fumar, não abusar do álcool e, se fosse possível, escolher bem os genes que herdamos dos nossos pais, porque uma parte do ritmo de envelhecimento depende de nossa herança genética.

Muitas pessoas gostariam de ouvir que existem medicamentos eficazes para modificar a rapidez do nosso envelhecimento ou mesmo parar de envelhecer. Apesar dos investimentos bilionários da indústria farmacêutica em busca da pílula da juventude ou da vida eterna, a maioria dos resultados em animais de laboratório até agora produziu mais cânceres do que evitou o envelhecimento ou prolongou a vida.

Portanto, não podemos nos esquecer da regra básica para proteger a nossa saúde que é evitar medicamentos desnecessários e usar apenas aqueles nos quais a relação entre os benefícios e os danos seja favorável à pessoa e não aos laboratórios farmacêuticos.

Neste sentido, não conheço qualquer evidência científica que indique o uso de colágeno para tratar “flacidez”, em pessoas com ou sem NF1.

Portanto, vamos aproveitar a força que temos a cada idade para vivermos com bom estilo de vida aquilo que a vida nos oferece.

Recebi do amigo Elcio Neves da Silva, que está organizando a associação de apoio às pessoas com doenças raras em Vitória (ES), as informações abaixo referentes a um Projeto de Lei Complementar (PLC) que envolve as doenças raras, entre elas as neurofibromatoses.

Dividi o tema em partes e transcrevo abaixo (em azul) a notícia como está na página do Senado (Fonte: informações da Agência Câmara e Agência Senado)

Em seguida, acrescento (em verde) os comentários sobre esta notícia que foram realizados a meu pedido pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (foto acima), médica clínica e dedicada a aplicar a medicina baseada em evidências nas novas tecnologias em saúde, incluindo medicamentos. 
Além de sua especialidade atual, a Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues já cuidou de muitas pessoas com neurofibromatoses e estudou alguns aspectos da NF1 durante seu mestrado em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (ver AQUI o artigo publicado com os resultados de sua pesquisa).

Parte 1

“A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) analisa projeto que cria a Política Nacional para Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta (PLC 56/2016) define como doença rara aquela que afeta até 65 em cada 100 mil pessoas.

O senador Romário (PSB-RJ) foi designado relator do texto, que após análise da CDH seguirá para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Pelo projeto, a política deverá ser implantada em até três anos, tanto na esfera nacional, como na estadual e na municipal, com o objetivo de estabelecer uma Rede Nacional de Cuidados ao Paciente com Doença Rara. A proposta estabelece as competências de cada um dos entes federativos (municípios, estados e União) na execução da política.

O Ministério da Saúde, de acordo com o projeto, será obrigado a fornecer medicamentos para o tratamento de doenças graves e raras, ainda que eles não constem na relação de remédios disponibilizados gratuitamente pelo SUS.

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

Pelas leis atuais, nenhum medicamento fora da lista do SUS (incluindo os de alto custo) é fornecido pelo Estado.

As listas do SUS são compostas por medicamentos que foram previamente registrados na Anvisa e avaliados pelas agências responsáveis para incorporação às listas do SUS (como o CONITEC). Estas avaliações consideram eficácia, segurança e custo-efetividade de um medicamento. Dessa maneira, fazer o Estado fornecer medicamentos que não passaram por essas etapas de avaliação pode colocar a saúde do usuário em risco, além de poder comprometer a sustentabilidade do sistema de saúde.

A via judicial, de acordo com uma discussão do STF,1 só deveria ser acionada quando houvesse demora excessiva (acima de 365 dias) na apreciação do medicamento pelos órgãos competentes, dentro de determinadas circunstâncias. Eu cito:

“O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, sem eficácia e segurança comprovadas, em nenhuma hipótese. Já em relação a medicamentos não registrados na Anvisa, mas com comprovação de eficácia e segurança, o Estado somente pode ser obrigado a fornecê-los na hipótese de irrazoável mora da agência em apreciar o pedido de registro (prazo superior a 365 dias), quando preenchidos três requisitos: 1) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil; 2) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e 3) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.”

Pois, como avalia o ministro Luís Roberto Barroso, “o Poder Judiciário não é a instância adequada para a definição de políticas públicas de saúde”.

Na perspectiva das doenças raras, de fato, há poucas alternativas terapêuticas, mas aumentar o acesso a tratamentos sem comprovação mínima de eficácia e segurança não vai resolver essa questão.

São mais necessários os incentivos à pesquisa clínica nacional de qualidade, o que permitirá oferecer tratamentos inclusive experimentais, de forma mais segura e controlada.

Voltando ao texto do Senado:

Parte 2

Atenção básica e especializada

A política será implementada tanto na chamada atenção básica à saúde, quanto na atenção especializada.

Na atenção básica (Unidades Básicas de Saúde e Núcleo de Apoio à Saúde da Família), serão identificados os indivíduos com problemas relacionados a anomalias congênitas, erros inatos do metabolismo, doenças geneticamente determinadas e doenças raras não genéticas. A ideia é que os portadores de doenças raras sejam identificados precocemente, no pré-natal ou ainda recém-nascidos, e que recebam o tratamento adequado desde a primeira infância. A política prevê ainda o suporte às famílias dos pacientes com doenças raras.

Já na atenção especializada (Unidades de Atenção Especializada e Reabilitação e Centros de Referência), serão realizados o acompanhamento especializado multidisciplinar e os demais procedimentos dos casos encaminhados pela atenção básica.

Centros de referência

Conforme o projeto, cada estado deverá estruturar pelo menos um Centro de Referência, que deve, na medida do possível, aproveitar a estrutura já existente em universidades e hospitais universitários.

A proposta determina ainda que os estabelecimentos de saúde habilitados em apenas um serviço de reabilitação passarão a compor a rede de cuidados à pessoa com doença rara. O objetivo é dar assistências aos pacientes sem tratamento disponível no âmbito do SUS. A ideia é que esses centros possam se articular com a rede do SUS, para acompanhamento compartilhado de casos, quando necessário.

Medicamentos órfãos

A política reconhece o direito de acesso dos pacientes diagnosticados com doenças raras aos cuidados adequados, o que inclui a provisão de medicamentos órfãos (aqueles destinados ao diagnóstico, prevenção e tratamento de doença rara).

Pelo texto, a necessidade de utilização desses medicamentos órfãos deverá ser determinada pelos centros de referência do SUS e reavaliada a cada seis meses.
Segundo o projeto, a incorporação do medicamento órfão pelo SUS deverá ser considerada sob o aspecto da relevância clínica, e não sob o aspecto da relação custo-efetividade. 

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

A relevância clínica de um medicamento vem de sua eficácia em desfechos de interesse à saúde do paciente, comprovada em estudos de qualidade. O simples fato de um medicamento ter sido avaliado em um ensaio clínico não é um atestado de sua relevância clínica. Para tanto, o medicamento tem que demonstrar, de forma clara, benefícios consistentes em desfechos importantes, como qualidade de vida, mortalidade, etc. E, de preferência, de forma comparativa a outro tratamento sabidamente ativo na doença.

No entanto, a própria definição de medicamento órfão implica em medicamento direcionado ao tratamento de doenças raras, sobre as quais é difícil conduzir estudos de boa qualidade metodológica.

Os estudos (científicos) com portadores de doenças raras geralmente incluem poucos participantes e não conseguem comparar outros tratamentos, portanto, nestes estudos a eficácia ou a relevância clínica geralmente não são claramente demonstradas.

Numa sociedade como a nossa, cada vez mais medicalizada,2 os potenciais benefícios de um medicamento costumam ser superestimados e seus riscos subestimados. É cada vez mais difícil aceitarmos, enquanto sociedade, o fato de que em muitos casos, o melhor tratamento (ou seja, aquele que produzirá melhores efeitos em aspectos da saúde de interesse ao paciente) não é um medicamento experimental ou de relevância clínica incerta, mas o melhor cuidado de suporte ou cuidados paliativos.3

A custo-efetividade, por outro lado, é uma análise econômica, que tenta calcular o preço de cada ano de vida ajustado para qualidade (QALY) supostamente ganho com o uso do medicamento. Seu cálculo, no entanto, depende de modelos complexos (como os modelos de Markov4) que, por sua vez, dependem de dados robustos de ensaios clínicos randomizados (os quais raramente estão disponíveis para medicamentos e doenças órfãos), para que possamos estimar o impacto do medicamento no sistema de saúde que o financiará (SUS ou Saúde Suplementar).

Assim, muitas vezes são desenvolvidos remédios muito caros, mas com relevância clínica incerta (ou por terem efeitos demonstrados em poucos pacientes do estudo, ou pelos efeitos serem somente em aspectos indiretos da doença ou por serem muito tóxicos). A custo-efetividade deste remédio certamente será desfavorável (custo muito alto para uma efetividade baixa).

Em países (como o Reino Unido e o Canadá, por exemplo) onde os sistemas públicos de saúde utilizam sistematicamente a análise de custo-efetividade para decisões de incorporação, são definidos os limiares de custo, acima dos quais um tratamento não pode ser incorporado. Para doenças raras e cuidados de fim de vida, o limiar de custo-efetividade costuma ser maior, ou seja, o preço que o sistema de saúde se propõe a pagar por cada QALY ganho é maior. Mas, no Brasil não temos esses limiares definidos. Assim, as análises econômicas em saúde, no Brasil, ainda não têm força regulatória suficiente, o que ameaça gravemente a sustentabilidade do SUS.

Por isso, a relevância clínica, apesar de ser muito importante para o usuário, não pode ser o único parâmetro para as decisões de incorporação e financiamento de medicamentos, pois a custo-efetividade é uma ferramenta importante para decisões que envolvem recursos finitos. Essa é uma preocupação mundial e envolve também os países com sistemas de saúde com mais recursos do que o nosso.5

Do ponto de vista das doenças raras, dado que os recursos são finitos, me parece mais custo-efetivo (ou seja, algo que produzirá efeitos melhores em aspectos de interesse à saúde do paciente – como qualidade de vida e tempo de vida – para um número maior de pessoas com a doença) buscar a garantia de financiamento de uma rede de cuidados multiprofissionais para diagnosticar, tratar e/ou prevenir as manifestações e complicações das doenças (muitas vezes incuráveis) do que buscar a garantia de financiamento de medicamentos caros e de relevância clínica incerta.


Parte 3

A proposta no Senado diz ainda que os medicamentos órfãos destinados ao tratamento de doenças raras terão preferência na análise para concessão de registro sanitário junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e estabelece algumas regras para facilitar o registro.”

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

Segundo a própria Agência:

“O registro de medicamento é o ato por meio do qual a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a comercialização deste produto, mediante “avaliação do cumprimento de caráter jurídico-administrativo e técnico-científico relacionada com a eficácia, segurança e qualidade destes produtos”.”

Entendo que o registro tem seus prazos determinados pelo volume de demanda e pela necessidade de análises técnicas das solicitações de registros. Facilitar esses registros pode comprometer a seriedade das análises, que já são bastante flexíveis do ponto de vista da Avaliação de Tecnologias em Saúde, dado que diversos medicamentos são aprovados mesmo tendo sido avaliados somente em estudos de menor qualidade metodológica (do tipo ensaio clínico de fase II).

Já existem normas para solicitar priorização nestas análises.6 No entanto, as análises, reitero, não dizem respeito à custo-efetividade ou às indicações clínicas baseadas em evidências comparativas ou ao impacto do medicamento no sistema de saúde. O registro da ANVISA é o que permite a comercialização do medicamento no país.

Já o papel da CONITEC, segundo a própria CONITEC:

“(…) difere bastante do papel da Anvisa na avaliação das tecnologias. A Anvisa realiza uma avaliação de eficácia e segurança de um medicamento ou produto para a saúde visando à autorização de comercialização no Brasil. No entanto, para que essas tecnologias possam ser utilizadas na rede pública de saúde (SUS), além de receber o registro da Anvisa, elas precisam ser avaliadas e aprovadas pela CONITEC, que considerará a análise da efetividade da tecnologia, comparando-a aos tratamentos já incorporados no SUS. Caso a nova tecnologia demonstre superioridade em relação às tecnologias já ofertadas no SUS, serão avaliados também a magnitude dos benefícios e riscos esperados, o custo de sua incorporação e os impactos orçamentário e logístico que trará ao sistema.”7

Portanto, penso que acelerar a aprovação na Anvisa não tem impacto direto na cobertura obrigatória pelo SUS ou pela Saúde Suplementar. É o CONITEC (para o SUS) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que têm esse papel. Mas, tendo a aprovação da Anvisa para a droga ser comercializada em território nacional, a judicialização se torna possível (ou seja, obtenção do medicamento por via judicial).

No entanto, como já comentamos, o Poder Judiciário não é a instância adequada para se decidir políticas de saúde. Especialmente quando o foco é a melhora dos aspectos de interesse à saúde do paciente, o que raramente é obtido com os medicamentos modernos.

Dr LOR pergunta: em resumo, podemos dizer que este projeto de lei tem como objetivo principal facilitar a venda de medicamentos sem evidência comprovada para pessoas com doenças raras?

Resposta da Dra. Luiza O Rodrigues:

Não sei se é o objetivo principal, mas, de fato, este projeto de lei, se aprovado dessa maneira, facilitaria a venda de medicamentos (geralmente muito caros e tóxicos) sem eficácia demonstrada, para pessoas com doenças raras que, não raramente, têm poucas opções terapêuticas, fazendo com que estejam mais dispostas a tentar esses tratamentos incertos.

Dessa maneira, isso pode fazer com que outros tratamentos, inclusive não-medicamentosos, com maior comprovação de eficácia em melhorar aspectos de interesse à saúde do paciente, ou menores riscos, não sejam tentados ou sejam abandonados por possibilidades incertas, de alto custo e com efeitos colaterais potencialmente graves.

Referências

1. STF. Pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo por via judicial. 2016. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326275 .

2. Brito MA de. Medicalização da vida: ética, saúde pública e indústria farmacêutica. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2554-2556. doi:10.1590/S1413-81232012000900036 .

3. INCA. Cuidados paliativos. 2017. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/cancer/site/tratamento/cuidados_paliativos .

4. Sato RC, Zouain DM. Modelos de Markov aplicados a saúde. Einstein. 2010;8(3 Pt 1):376-379. http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n3/pt_1679-4508-eins-8-3-0376.pdf .

5. Sullivan R, Peppercorn J, Sikora K, et al. Delivering affordable cancer care in high-income countries. Lancet Oncol. 2011;12:933-980. doi:10.1016/S1470-2045(11)70141-3 .

6. ANVISA. Priorização de análise de medicamentos. 2017. http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=2708799&_101_type=content&_101_groupId=3 .

7. CONITEC. Perguntas frequentes. 2017. http://conitec.gov.br/perguntas-frequentes .

8. Wise PH. Cancer drugs, survival, and ethics. BMJ. 2016:i5792. doi:10.1136/bmj.i5792 .

O workshop “Sociologia do Diagnóstico: conceitos e aplicações” será realizado neste mês de abril (25 a 27) no Instituto de Biomedicina da Universidade Federal Fluminense, em parceria com a Universidade de Exeter da Inglaterra.

Tenho a satisfação de ser um dos palestrantes com o tema “A representação social do diagnóstico: impacto, medos e tabus”.

Haverá a participação de cientistas de diferentes países e de familiares de pessoas com doenças raras e doenças genéticas.

O workshop tem como um de seus objetivos a realização de um documento participativo entre os presentes. 

Acredito que a temática seja interessante para todas as pessoas que estão envolvidas com as doenças raras e as genéticas. 


As pessoas interessadas podem encontrar mais informações e a ficha de inscrição aqui.

Abaixo, um texto preliminar enviado pelo doutorando Rogério Lima Barbosa.

Sociologia do Diagnóstico 

Em 1978, Mildred Blaxter chamou a atenção dos cientistas sociais para prestarem mais atenção ao diagnóstico médico, tanto como uma categoria quanto como um processo. Mais de trinta anos mais tarde, ela publicou um trabalho autobiográfico que refletiu criticamente sobre o caminho do diagnóstico que levou à identificação de seu próprio câncer, (Blaxter, 2009). 

Suas percepções sobre as nuances dos processos dos diagnósticos dentro do sistema de saúde fornecem pistas importantes para as áreas que exigem atenção em relação ao diagnóstico. Apesar de seu chamado anterior, e seu eco subsequente, através do trabalho de Phil Brown (1995), é só muito recentemente que a sociologia do diagnóstico finalmente começou a tomar forma e despertar o interesse. 

Jutel (2009) publicou um artigo de revisão e elaborou os argumentos em seu livro Putting a Name to it: Diagnosis in Contemporary Society (2011). Com Nettleton, ela editou uma edição especial das Ciências Sociais e Medicina intitulada “A Sociology of Diagnosis” (Jutel e Nettleton, 2011), que atraiu várias dezenas de submissões. 

Embora subjacente à sociologia médica, este subcampo baseia-se em campos de estudo relacionados, incluindo os estudos de ciência e tecnologia, antropologia médica, sociologia organizacional, política de saúde, economia, bioética e debates políticos sobre novos movimentos sociais. A perspectiva da sociologia do diagnóstico pode trazer importantes contribuições para o atendimento pela atenção primária e a própria implantação do SUS, no Brasil. 


Por isso, esse workshop possui não somente apresentar a perspectiva teórica da temática como, também, conseguir contribuições das pessoas participantes em um processo onde a teoria e prática se entrelaçam para construção de algo que possa trazer benefícios concretos para os usuários do SUS. 

Coordenação:
Profa. Dra. Jacqueline de Souza Gomes
Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense. Membro Permanente do Programa de Pós-graduação em Ensino da UFF. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos, 
Ética Aplicada e Educação. Pós doutora em Bioética pelo PPGBIOS. Doutora em Filosofia pela UFRJ.
Email: jsgomes@id.uff.br

e

Profa. Dra. Susan Kely
Professora do Centre for Genomics in Society (Egenis)/ University of Exeter Diretora dos estudos de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia, Filosofia e Antropologia da Universidade de Exeter/Inglaterra

Email: s.e.kelly@exeter.a.uk

“Meu filho apresenta Neurofibromatose do Tipo 1, dificuldade de aprender e problemas de comportamento. Um médico achou que ele tem autismo e ele já usou vários medicamentos que nada adiantaram. Estamos perdendo as esperanças. Há alguma coisa que possamos fazer? ”. VVJR, de São Paulo.

Cara V
, obrigado por compartilhar suas preocupações. Vou resumir abaixo os principais problemas que você relatou no seu e-mail detalhando as dificuldades do seu filho de 12 anos (que vamos chamar de José) na escola e no ambiente da família, porque elas são dificuldades comuns a muitas crianças com NF1.

1) José apresenta desordem do processamento auditivo (escuta bem mas entende mal as palavras e os conceitos, não entende ironia nem humor, não percebe indiretas e dicas);

2) José possui pouca capacidade de armazenar informações que se sucedem no tempo e para prestar atenção em determinada atividade.

3) Ele apresenta dificuldade para realizar as tarefas que dependem de orientação visual, assim como tem pouca memória e linguagem, o que pode resultar em baixo desenvolvimento da escrita, da leitura e da matemática.

4) José apresenta planejamento insuficiente, pouca capacidade de organização e de controle temporal, além de dificuldades de absorver e integrar novas informações.

5) Ele mostra pouca coordenação motora, mas também flexibilidade exagerada das articulações, o que o atrapalha nas atividades físicas e esportivas.

6) Além disso, como a maioria das pessoas com NF1, José tem dificuldade para entender ironia, sarcasmo e piadas.

7) José também apresenta comportamentos que são denominados “dentro do espectro do autismo”, como dificuldade de empatia, ou seja, de perceber as emoções e os desejos dos outros, costuma se envolver em atividades repetitivas e compulsivas, e também apresenta agressividade com os membros da família, com atitudes de desafio permanente.

Todas estas alterações cognitivas e comportamentais apresentadas pelo José são suficientes para dificultar o seu processo de aprendizagem escolar e de inserção social. Por isso, creio que o José necessita de apoio pedagógico na escola e que sua família precisa de suporte psicológico para enfrentar o grande sofrimento que é oferecer amor a uma criança que devolve pouco afeto e, pelo contrário, que se torna agressiva frequentemente contra os próprios pais.

Como já tenho informado neste blog, até o presente, não há medicamentos que sejam comprovadamente eficazes para o tratamento das dificuldades de aprendizado e comportamentais na NF1. 


Diante disso, são necessários todos os apoios possíveis de familiares e das instituições escolares (maior paciência com as dificuldades, explicar com mais clareza na pronúncia das palavras, dar mais tempo para seu aprendizado, reduzir as pressões por desempenho, enfatizar a socialização mais do que o conhecimento) para que as crianças com NF1 atinjam seu potencial humano.

Diante do sofrimento do José e de sua família, assim como de milhares de famílias com crianças com NF1 com comportamentos parecidos, começamos a discutir em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses uma nova pergunta: brincar com LEGO® poderia ser útil a estas crianças?

Tenho acompanhado o grande interesse pelos brinquedos LEGO® demonstrado pelos meus netos e netas, assim como por milhões de crianças pelo mundo. Além disso, minha filha mais velha, Ana de Oliveira Rodrigues, que é engenheira com doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais, hoje se dedica a ensinar programação para crianças em sua escola chamada Just Coding (ver AQUI ) e temos conversado sobre os benefícios de atividades de programação, montagem de robôs e brinquedos LEGO para todas as crianças, inclusive aquelas no chamado “transtorno no espectro do autismo” (TEA).

Sabendo que uma em cada três crianças com NF1 também apresenta TEA (ver AQUI), começamos a nos perguntar se os brinquedos LEGO® poderiam ser úteis às crianças com NF1 e TEA.

Nosso primeiro passo foi verificar se algum grupo de cientistas já havia estudado os efeitos dos brinquedos LEGO® em crianças com NF1 e nada encontramos nos bancos de dados mundiais. Por outro lado, descobrimos um estudo que mostrou benefícios clínicos com o uso de brinquedos LEGO® em crianças com TEA (ver AQUI) outro que mostrou uma tendência para melhora psicológica (ver AQUI), um estudo que não encontrou qualquer efeito (ver AQUI) e outro que comparou o LEGO a outro brinquedo (ver AQUI).

Em outras palavras, por enquanto, tanto nas crianças com NF1 quanto naquelas apenas com TEA ainda não temos informações seguras sobre os efeitos cognitivos e comportamentais das atividades com os brinquedos LEGO®.

Ouvimos também a opinião da psicóloga e neurocientista Danielle de Souza Costa, que tem estudado crianças e adultos com NF1 (ver AQUI) sobre nossa dúvida a respeito do LEGO® e ela nos respondeu que também ela não conhece trabalhos publicados sobre efeitos dos brinquedos LEGO® em pessoas com NF1, mas que seria uma ideia importante a ser investigada cientificamente.

Danielle acrescentou que “as crianças com TEA comumente têm uma atenção mais voltada para aspectos particulares das coisas e uma menor visão do todo e isso faz do LEGO uma das coisas favoritas deles. Na clínica, é incrível como as mães sempre reportam que o que as crianças mais gostam são LEGO e miniaturas, por exemplo. Como possuem interesses restritos, usar as coisas que eles gostam para motivá-los a aprender novas habilidades é um caminho muito interessante! “.

Considerando as afirmações acima, decidimos iniciar um estudo científico sobre esta pergunta: atividades com brinquedos LEGO® podem trazer melhora cognitiva e comportamental para crianças com NF1, em especial aquelas com transtorno no espectro do autismo?

Enquanto vamos montando nosso projeto de pesquisa sobre esta questão, convido as famílias com crianças com NF1 para que me enviem seus relatos de como suas crianças com NF1 brincam com os LEGO®.

Para os pais e mães que ainda não brincaram de LEGO® com suas crianças com NF1, Ana elaborou algumas orientações abaixo. 


Sugerimos que você compre uma caixa de LEGO® apropriada para a idade de sua criança e brinque com ela e depois de uns dois a três meses de brincadeiras, envie-me seu relato do que aconteceu com vocês. Suas informações serão muito úteis neste projeto e as identidades serão mantidas no anonimato, como sempre, é claro.

Importante: eu e a Ana, assim como a Just Coding e o nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC-UFMG, não temos nenhum interesse comercial ou qualquer vínculo com os brinquedos LEGO®.


Sugestão de utilização dos blocos LEGO®:

Brincar diariamente (sem limite de horário):

– Oferecer à criança para que ela crie os modelos apresentados no manual.

– Oferecer à criança para que ela crie livremente com as peças.

A cada dois dias, por meia hora, de preferência sempre no mesmo horário:

1 – Um dos pais/cuidadores/responsável brincará com a criança.

2 – Separar as peças, o manual e um relógio.

3 – Explicar para a criança as regras do jogo

(REPITA as regras todos os dias e peça que ela repita de volta para você, até ela ser capaz de falar todas as regras sozinha no início do jogo):

Regra 1 – AVISE a criança que se ela gritar, brigar ou jogar as peças, o jogo acabou e ela só poderá brincar novamente no dia seguinte.

Regra 2 – escolher um modelo para ser montado.

Regra 3 – uma pessoa é o Fornecedor e o outro é o Montador.

Regra 4 – o papel do Fornecedor é encontrar as peças e entregar para o Montador.

Regra 5 – o papel do Montador é montar as peças.

Regra 6 – a cada 5 minutos ou 10 minutos, inverter os papéis: o Fornecedor se torna o Montador, o Montador se torna o Fornecedor.

Regra 7 – ao terminar o modelo escolhido, pode montar livremente até o final do tempo de 30 minutos.

4 – Este deve ser um momento de amor incondicional. ELOGIAR cada passo feito corretamente, de maneira honesta, sem exagero:

– “Muito bem, você encaixou a peça certa. ”

– “Parabéns, está ficando muito bom. ”

– “Obrigada, você achou a peça correta. ”

5 – NUNCA criticar a criança por ter montado ou separado blocos incorretamente. Faça perguntas e deixe que ela encontre o erro:

– “Você acha que esta peça está correta? ”

– “Eu não consigo encaixar esta peça. Será que esta peça que você montou pode ser montada de outro jeito? ”

6 – Se a criança se irritar demais, brigar, jogar as peças, ou gritar, fale CALMAMENTE que ela descumpriu a regra e só poderá brincar novamente no dia seguinte.

Peça a ela que explique PORQUE ficou irritada, para que vocês possam evitar que isto aconteça na próxima vez.

Vamos tentar?


Foi publicado na última semana (30/3/2017) na revista científica internacional American Journal of Medical Genetics Part A o nosso artigo intitulado “Bilateral second toe superposition associated with neurofibromatosis type 1 and NF1 whole gene deletion” (tradução: Superposição bilateral do segundo dedo dos pés está associada à deleção completa do gene NF1 – ver a referência do artigo em inglês AQUI)

Esta publicação numa revista de alta qualidade científica nos traz mais segurança para orientarmos as famílias com este sinal (ver a figura), cerca de 10% das famílias com NF1, no sentido de procurarmos a confirmação da deleção por meio de teste genético (MPLA), uma vez que esta forma da NF1 requer alguns cuidados especiais.

(Ver aqui AQUI excelente revisão científica recente, de 2017, sobre os aspectos clínicos e genéticos das deleções do gene NF1).

Este estudo científico foi realizado pelos pesquisadores do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Luiz Rodrigues, Juliana Souza, Luíza Rodrigues e Nilton Rezende), em colaboração com pesquisadores do Laboratório Hermes Pardini (Frederico Malta, Juliana Rodrigues e Patricia Couto), sob a orientação do médico pioneiro das Neurofibromatoses o Dr. Vincent Riccardi, do The Neurofibromatosis Institute, La Crescenta, Califórnia, Estados Unidos.

Em resumo, a American Journal of Medical Genetics Part A publicou as informações a seguir.

Em alguns indivíduos atendidos no CRNF com o diagnóstico de NF1 notamos a superposição do segundo dedo sobre o terceiro de ambos os pés. Chamamos a este sinal anatômico de Superposição do Segundo Dedo (em inglês a sigla ficou STS) (outras imagens do STS depois do texto abaixo).

Numa etapa seguinte, nós perguntamos por meio de um questionário especial a 445 pessoas com NF1 atendidas e diagnosticadas no nosso CRNF quem possuía o STS. Entre as 162 que responderam ao questionário, 11,9% delas confirmaram a presença da superposição do segundo dedo.

Baseados nestas observações anteriores, nós fotografamos os pés de 187 pessoas COM NF1 e 194 SEM NF1 e as fotografias foram avaliadas por 3 examinadores independentes, que não sabiam quem tinha ou não NF1. O resultado mostrou que o STS estava presente em 8% das pessoas com NF1, ausente em 80,2% e indeterminado em 11,8% delas. Na população controle (isto é, sem NF1), o STS estava presente somente em 0,5%, ausente em 95,4% e indeterminado em 4,1% delas. Ou seja, o STS foi 16 vezes mais presente na NF1 do que nas pessoas sem NF1, o que foi estatisticamente significativo (P<0,0001).

O passo seguinte foi analisarmos a presença da deleção completa do gene NF1 por meio de um teste laboratorial denominado Multiplex Ligation-dependent Probe Amplification (MLPA), o qual foi realizado em 28 pessoas com NF1, entre as quais encontramos 8 delas com a deleção completa e 7 delas apresentam o sinal do segundo dedo dos pés. As demais pessoas com NF1 não apresentavam nem a deleção nem o sinal do dedo.

As análises estatísticas destes resultaram mostraram que a relação entre o sinal do dedo e a deleção foi altamente significativa (P=0,00007). Ou seja, ao encontramos uma pessoa com NF1 e o STS devemos pensar imediatamente na possibilidade de ela apresentar também a deleção completa do gene NF1.

Além disso, todas as pessoas com deleção completa do gene NF1 nesta amostra são do sexo feminino e também são uma mutação nova na família. Ainda não sabemos com segurança o significado deste achado, que será estudado a seguir.

Nossa conclusão é de que o STS é um sinal precoce das manifestações clínicas da NF1 e pode ser útil no diagnóstico e acompanhamento das pessoas que o apresentam.

Agradeço a todas as pessoas que contribuíram para que este conhecimento tenha sido construído em nosso CRNF, em especial às famílias que autorizaram as fotos e coletas de sangue para que o estudo pudesse ser realizado. Vocês contribuíram para que a NF1 seja um pouco mais bem conhecida em todo o mundo a partir desta semana.

 
Abaixo, mais algumas fotos de pessoas com o STS e deleção completa comprovada pelo MPLA.