Olá, há uns 3 meses notei um caroço em minha nádega esquerda. Hoje fui ao dermatologista que examinou e disse que provavelmente seria um neurofibroma isolado, e que eu deveria procurar um cirurgião caso ele estivesse me incomodando. Eu pedi que ele solicitasse um ultrassom para tentar confirmar. 

Agora acessando o site e vendo os sintomas, percebi que não me encaixo neles, pois não tenho manchas e nenhum dos outros sintomas e já tenho 26 anos. 

A minha pergunta é: Existe essa possibilidade de ter apenas um neurofibroma isolado? Grata. KRS do Rio de Janeiro.

Cara K. Sim, é possível uma pessoa apresentar apenas um ou dois neurofibromas isolados sem ser neurofibromatose, desde que não haja nenhum dos demais critérios diagnósticos, que podem ser vistos no quadro abaixo. 

No entanto, se o neurofibroma for do tipo plexiforme (você não forneceu este detalhe), a chance de ser neurofibromatose é muito maior, pois este tipo de neurofibroma ocorre de forma quase exclusiva na neurofibromatose do tipo 1.

Por isso, é importante que seja feito o estudo histológico do neurofibroma depois de retirado cirurgicamente.
Aproveitando que falamos recentemente sobre atividades físicas para pessoas com NF1, apresento hoje uma entrevista que realizei para este blog com a Dra. Juliana Ferreira de Souza, a qual já realizou seu mestrado e seu doutorado estudando algumas questões relacionadas com as neurofibromatoses no nosso Centro de Referência do HC-UFMG. 

(Na foto acima, Dra. Juliana Ferreira de Souza e Dr. Vincent Riccardi, durante congresso sobre NF nos Estados Unidos, em 2013).

No próximo semestre a Dra. Juliana dará continuidade à sua pós-graduação no laboratório Neuroscape da Universidade da Califórnia em São Francisco (Estados Unidos), com a equipe liderada pelo Professor Adam Gazzaley, sob a orientação do Dr. Joaquin Anguera Singla (Ver aqui a página do laboratório ).

O Neuroscapelab se propõe a avaliar ao mesmo tempo a cognição e a aptidão física em indivíduos que apresentem problemas cognitivos e de aptidão física, como observado pela Juliana nas pessoas com NF1.

Dr LOR: Dra. Juliana, qual será sua pesquisa sobre NF1 que fará nos Estados Unidos a partir do próximo semestre?

Dra. Juliana Souza: Nossos estudos anteriores mostraram as pessoas com NF1 apresentam menor aptidão física, ou seja, menor capacidade para realizar atividades físicas como no trabalho, no esporte e no lazer.

As causas exatas da menor aptidão física nas pessoas com NF1 ainda são desconhecidas. Imaginamos que os mesmos problemas neurológicos relacionados com as dificuldades de aprendizado possam estar envolvidos na menor coordenação dos músculos. Mas pode haver causas musculares também, como a capacidade de utilizar energia.

Um estudo publicado pelo grupo do Neuroscapelab na NATURE, uma das revistas científicas mais importantes do mundo (ver aqui o artigo na Nature) mostrou que uns videogames especiais criados por eles melhoravam a cognição em algumas doenças neurológicas em adultos. Isto despertou minha curiosidade: será que a tecnologia que eles usam poderia ser útil também para as pessoas com NF1?

Montamos um projeto, me candidatei e fui entrevistada no Neuroscapelab para realizar um período de um ano de pós-doutorado e fui aceita. Com bolsa do Programa Ciência Sem Fronteiras e CNPq, começarei a pesquisa no próximo semestre.

Dr LOR: E como será a sua pesquisa, em linhas gerais?

Dra. Juliana Souza: Nosso projeto se propõe a avaliar e treinar pessoas com NF1 em alguns indicadores cognitivos e de aptidão física ao mesmo tempo. O laboratório Neuroscape desenvolveu um programa de treinamento cognitivo/físico (videogame de treinamento corpo e mente), implantado no dispositivo Microsoft Kinect®. Este programa envolve um regime de treinamento cognitivo incorporado dentro de um videogame que permite avaliação cinemática de corpo inteiro, onde os indivíduos têm de responder às tarefas cognitivas executando movimentos corporais.
O treinamento consiste em atividades que aumentam a complexidade dos desafios cognitivos para manter os níveis de interesse e capacidade devidamente ajustadas para cada indivíduo.

Nossa perspectiva é de que as técnicas utilizadas para medir o esforço físico possam ser posteriormente incorporadas ao videogame, e utilizadas como uma forma de aumentar ainda mais a adaptabilidade associada ao treinamento cognitivo.

Dr LOR: Então, será medir e treinar pessoas com NF1 em tarefas mentais de atenção, coordenação e decisão que envolvam movimentos musculares?

Dra. Juliana: Sim, e de forma adaptativa de tal forma que a melhora do desempenho resulte em um aumento da dificuldade da tarefa a ser executada, para se manter um nível constante de desafio e maior engajamento no treinamento. Os programas de treinamento cognitivo que empregam um componente adaptativo mostram maiores benefícios terapêuticos do treinamento.

No entanto, faltam programas que associem ao treinamento cognitivo intervenções que incluam a aptidão física como um componente também adaptável. Possivelmente devido, em grande parte, à falta de tecnologia apropriada para medir a aptidão física em tempo real, durante o treinamento.

Ao unir a proposta pioneira de avaliação e intervenção cognitiva ao controle de variáveis que traduzam as adaptações fisiológicas (em tempo real) ao treinamento simultâneo cognitivo/físico, espera-se produzir um instrumento que seja útil para intervenção simultânea em indivíduos que apresentam simultaneamente comprometimento cognitivo e da aptidão física.

Dr LOR: Como será seu trabalho na Universidade da Califórnia em São Francisco?

Dra. Juliana: Estarei integrada numa equipe de pesquisadores que inclui especialistas em engenharia de multimídia, videogame design, formação cognitiva e fisiologia do exercício, bem como a colaboração com engenheiros responsáveis pelos sensores de pulso. Trabalhando juntos, vamos desenvolver a tecnologia que vai permitir que os sinais fisiológicos possam ser incorporados ao videogame de treinamento.

Vamos determinar a abordagem cognitiva apropriada para o nosso treinamento, observar as adaptações fisiológicas consequentes ao treinamento, titular a intensidade e o tempo envolvidos na adaptação cognitiva e de aptidão física, identificar as medidas de resultado comportamental e fisiológica adequadas, e então começar a avaliar as variáveis fisiológicas mais adequadas para manipular a porção cognitiva da intervenção.

Nossa esperança é criarmos um efeito de sinergia positiva entre o treinamento cognitivo e físico e podermos melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1.
Na última parte de sua pergunta, LC de Cataguases, MG, diz que está usando uma vitamina, e que ganhou peso e quer saber se deve usar outros suplementos.
Inicialmente, preciso lembrar que qualquer vitamina somente deve ser ingerida quando for comprovada a sua deficiência. Quando ingerimos vitaminas sem precisarmos, elas são eliminadas nas fezes e na urina e junto com elas vai o dinheiro que você gastou na compra destes medicamentos desnecessários.
Infelizmente, há muita propaganda de laboratórios interessados no seu dinheiro e não na sua saúde.
O remédio que está usando é uma mistura de uma vitamina (B12) e um anti-histamínico (ciproeptadina). Não há efeitos comprovados de que aumentar a ingestão de Vitamina B12 aumente a formação de proteínas (especialmente nos músculos, como você desejaria).
Por outro lado, o uso de anti-histamínicos (os mesmos que são usados para alergias), pode causar efeitos colaterais importantes e prejudicar sua capacidade de atenção, inclusive para dirigir veículos.
Finalmente, uma das características comuns da maioria das pessoas com NF1 é apresentarem peso abaixo da média, assim como estatura menor do que outras pessoas de mesmo sexo e idade. Este corpo menor faz parte da NF1 e não deve ser tratado com hormônios e vitaminas suplementares.
E por que fazemos estas tentativas de modificação do nosso corpo, às vezes prejudiciais à nossa saúde? Parece-me que é para atingirmos um ideal de corpo imposto pela sociedade de consumo, que estabelece certos padrões de beleza, desrespeitando as diferenças naturais entre as pessoas.
Quanto sofrimento inútil para tentarmos nos transformar em Bobs e Barbies.

Caro LC, minha sugestão é que você faça suas atividades físicas regularmente, de preferência todos os dias, em ambientes abertos com Sol, e alimente-se de forma saudável e natural, evitando açúcar em excesso e os suplementos vitamínicos e anabolizantes.  
Completando minha resposta para LC de Cataguases, comentarei as atividades físicas para pessoas com NF1.




Antes de tudo, esta é uma recomendação para TODAS as pessoas, com ou sem NF:  para sermos saudáveis devemos praticar atividades físicas de forma regular (mínimo de 5 vezes por semana), com duração suficiente (mínimo de 30 minutos por dia) e em intensidade capaz de produzir modificações no nosso corpo (acelerar o coração, produzir suor, aumentar a respiração).
Isto porque somos seres ativos, surgimos no mundo a partir da seleção natural que nos selecionou para vivermos ativamente buscando nosso alimento, caminhando e correndo cerca de 20 a 30 quilômetros por dia.
Sempre que ficamos sedentários, nos tornamos doentes de alguma maneira: surgem menor capacidade física, mais quedas, menor tolerância a infecções, mais diabetes e doenças cardiovasculares, ossos mais fracos e outros problemas.
Na NF1, onde já existe redução da força muscular, maior número de quedas e maior fragilidade dos ossos, temos muito mais motivos para a prática de atividades físicas de forma regular. Assim, recomendamos a prática de atividades para todas as pessoas com NF.

É claro que, aquelas pessoas com problemas mais graves causados pela NF1 (cifoescoliose, displasias ósseas, neurofibromas plexiformes, gliomas ópticos com manifestações visuais, alterações de comportamento e outras) precisam de orientação de fisioterapeuta com experiência com as neurofibromatoses.

No último blog (sexta passada), comecei a responder as perguntas do LC de Cataguases, MG. Uma das informações que repassei foi sobre a necessidade de níveis adequados de Vitamina D nas pessoas com NF1.

Para nos compreendermos melhor como podemos obter uma dieta saudável para manter os níveis adequados de Vitamina D, pedi ajuda ao nutricionista Marcio Leandro Ribeiro de Souza, que está fazendo seu doutorado sobre questões nutricionais nas pessoas com NF1, sob orientação do Dr Nilton Alves de Rezende, diretor do nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG.


Caro Márcio, poderia nos ajudar a entender melhor o que seria uma alimentação boa para que as pessoas com NF1 tenham níveis adequados de Vitamina D?

Dentre as principais fontes alimentares de vitamina D, temos os óleos de fígado de peixes, como o óleo de fígado de bacalhau, que hoje em dia é facilmente encontrado como suplemento, além de estar presente em peixes, ovos e fígado. Leites e derivados enriquecidos também podem ser considerados fontes de vitamina D.

Pensando no melhor aproveitamento dessa vitamina D, alguns cuidados nutricionais são importantes. Como é uma vitamina lipossolúvel, ou seja, que depende de uma fonte de gordura para ser absorvida, é importante que esses alimentos fontes sejam consumidos junto com uma fonte de gorduras boas, como azeite extra-virgem, óleo de coco, óleo de abacate. Ao consumir o ovo, por exemplo, é interessante comer a gema, já que na gema temos gorduras boas chamadas fosfolipídios, que facilitarão a absorção da vitamina D.

Se o alimento está sendo consumido pensando na vitamina D, ou na forma de suplemento, não é bom que este seja consumido junto com grandes fontes de fibras, como aveia, linhaça, produtos integrais, pois as fibras ajudam a eliminar gorduras pelas fezes, e junto com essa gordura podemos ter perdas de vitamina D. O mesmo vale para medicamentos e suplementos que inibem a absorção de gordura: basta consumir os alimentos fontes de vitamina D longe desses produtos.

Refeições com muito ferro, por exemplo, refeições que tenham muita carne, também diminuem um pouco a absorção da vitamina D, então se for necessário fazer uso do suplemento, não ingerir o suplemento próximo dessas refeições.

E outro ponto importante para comentar é que idosos apresentam menor eficiência na síntese da Vitamina D, então nesses indivíduos a atenção precisa ser redobrada.

A época do ano também é importante, pois no inverno, a síntese de vitamina D é diminuída, e as deficiências dessa vitamina aumentam, reforçando o cuidado com o consumo dos alimentos fontes, principalmente nessa época.
A recomendação de vitamina D, segundo as DRIs (Dietary Reference Intakes), é de 15 microgramas por dia para adultos e crianças a partir de 9 anos. Para idosos acima de 70 anos, essa recomendação é de 20 microgramas por dia. Essas são as recomendações propostas pelo Instituto de Medicina dos Estados Unidos.

Como a maioria dos suplementos são apresentados em UI (unidades internacionais), a regra para conversão é de 1 UI = 0,025 microgramas de vitamina D3, logo 40 UI = 1 microgramas de D3.
Para exemplificar, um ovo cozido tem em média 0,65 mcg de vitamina D. Já um salmão e outros peixes tem em média 3,5 mcg. O fígado de galinha tem em média 1,1 mcg. O óleo de fígado de bacalhau tem em média 34 mcg em uma porção de 13,5g, o que já seria acima da recomendação.


Quando os níveis estão muito baixos, a suplementação pode ser necessária. Para isso, é necessária a opinião de um (a) médico (a) ou nutricionista.

Sou portador da Neurofibromatose Tipo 1, tenho 23 anos e sempre fui bastante magro, raramente consegui o meu peso ideal. Com a academia que fazia na adolescência, consegui resultados satisfatórios, porém revolvi parar e fui perdendo o que ganhei. Recentemente descobri um medicamento de nome Cobavital®, que além de estimular o apetite, apresenta em sua fórmula um composto anabólico, ganhei em poucos meses quase 10 quilos, o que nunca consegui antes e melhorei relativamente a aparência. Bom, a minha dúvida seria se o uso desse medicamento de alguma forma pode aumentar o número de neurofibromas pelo corpo e gostaria de saber também em que fase da vida normalmente surge a indisposição ao esporte, pois sinto que estou cada dia mais indisposto ao esporte. Nesse caso o que fazer, tomar, etc. para reverter esse cansaço físico que parece aumentar com o passar do tempo. Obrigado. LC, Cataguases

Caro LC. Você trouxe um conjunto de perguntas muito importantes para todos nós e para responder cada uma delas, sem sobrecarregar os leitores, darei minhas respostas em dias diferentes.
Primeiro, vou lembrar o que já sabemos: comparadas com as pessoas da mesma idade e sexo, mas sem a NF1, as pessoas com NF1 têm menos força muscular (clique aqui para ver o trabalho da Juliana Souza e colaboradores 2009), o que pode ser uma das causas de suas quedas mais frequentes (resumo da Maria Helena no Congresso de Neurologia de Poços de Caldas em 2011), e também têm menor capacidade física (clique aqui para ver o trabalho da Juliana Souza em 2012), o que pode ser a causa da pouca afinidade e habilidade com os esportes.
Sabemos também que uma parte das pessoas com NF1 apresenta ossos mais fracos (o que chamamos de osteopenia), além de alguns casos de problemas mais graves nos ossos, felizmente mais raros, chamados de displasias (cifoescoliose da coluna vertebral, pseudoartrose da tíbia e outros ossos longos e displasia de um osso da cabeça, chamado esfenoide).
Além disso, há uma suspeita de que as pessoas com NF1 apresentem níveis mais baixos de Vitamina D, uma vitamina que sabemos ser necessária para a formação de ossos fortes e outros aspectos da saúde. Uma dieta saudável deve conter alimentos que fornecem a base da Vitamina D, que é então formada na pele e ativada nos rins. Para que a pele forme a Vitamina D. é preciso que a pessoa seja exposta ao Sol durante algum tempo todos os dias.
Assim, estas informações acima reunidas indicam que as pessoas com NF1 deveriam adotar uma alimentação saudável e praticar atividades físicas diariamente ao Sol. No entanto, a maioria das pessoas com NF1 adota dietas não muito adequadas (clique aqui para ver o trabalho de Márcio de Souza e colaboradores, 2015), não pratica atividades físicas em quantidade recomendada pelas instituições de saúde e não toma banhos de Sol regularmente.
Como enfrentar estes desafios?
Hoje, para começar, apresento apenas uma Tabela que criamos para os banhos de Sol, em função da cidade onde você está e da sua cor da pele, pois sabemos que as pessoas com a pele mais escura (mais melanina) precisam de mais tempo de exposição ao Sol para sintetizar a Vitamina D que necessitam diariamente.

Seu tipo de pele e de cabelos
Quando você toma Sol, geralmente:
Minutos de exposição ao Sol que você precisa:
Pele branca, sardas, cabelos loiros ou ruivos, olhos azuis
Queima facilmente, nunca bronzeia
4 a 20
Pele branca, sardas, cabelos loiros ou ruivos, olhos azuis ou verdes
Queima facilmente, bronzeia com dificuldade
5 a 25
Pele morena clara ou amarela
Queima moderadamente, bronzeia aos poucos
6 a 30
Pele morena escura, cabelos pretos
Raramente queima, geralmente bronzeia com facilidade
9 a 43
Pele negra mais clara, cabelos
anelados 
Muito raramente queima, bronzeia muito facilmente 
12 a 55
Pele negra muito pigmentada
Nunca queima
20 a 86
Esta Tabela pode ser útil nas seguintes condições brasileiras:
1) Regiões entre Maceió (Alagoas) e Caxias do Sul (Rio Grande do Sul). Quanto mais perto de Maceió, menor o tempo do banho de Sol; quanto mais perto de Caxias do Sul, maior o tempo do banho de Sol).
2)    Para o ano inteiro, (quanto mais perto de dezembro, menor o tempo do banho de Sol; quanto mais perto de junho, maior o tempo do banho de Sol).
3)    Horário do dia ideal: 10:30 da manhã (quanto mais próximo do meio dia menor o tempo necessário).
4)    Céu limpo, sem nuvens. Quanto maior a nebulosidade e a poluição nas grandes cidades, maior o tempo do banho de Sol necessário.

Amanhã volto às outras partes desta importante questão.
Boa Tarde Dr. Fiz o exame de ressonância magnética da minha filha LESS e o resultado foi:
“Conclusão: Imagens ovoides de dimensões variadas, difusamente distribuídas no tronco cerebral, cerebelo e globos pálidos, atribuídas à displasia mielínica frequentemente observadas na síndrome NF1 podendo aumentar em número e dimensões até o final da primeira década, com involução progressiva até o final da primeira década, com involução progressiva até o final da segunda década de vida. Leve intumescimento do complexo amídalo-hipocampal à direita, sugerindo hamartoma. Pequeno cisto de aracnoide à esquerda, sem conotação clínica”.
Dr LOR, estou desesperada. Ela convulsionou há mais ou menos 45 dias e sei que esse exame fecha o diagnóstico de neurofibromatose, mas estou disposta a ir em qualquer lugar do mundo para minha filha ter uma vida melhor, a neurofibromatose acaba com a vida da pessoa. Por favor, me responda o que realmente esse exame quer dizer e o que pode ser feito. Obrigada. Desculpa o desabafo de uma mãe desesperada.
Cara RS. Compreendo sua aflição, mas procure ficar tranquila, pois sua filha precisa de sua tranquilidade para que ela possa ser ajudada.
Os resultados desta ressonância magnética que me enviou são bastante comuns nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1. 
Elas são alterações geralmente benignas, sem qualquer repercussão conhecida e importante sobre as funções neurológicas de sua filha.
Houve uma época em que se suspeitou que estas alterações que ela apresentou na ressonância estivessem relacionadas com as dificuldades de aprendizado que podem acontecer na NF1. No entanto, isto ainda não foi definitivamente provado.
Quanto ao episódio de convulsão que ela apresentou, isto também é um pouco mais comum nas crianças com NF1 do que nas outras sem a doença. No entanto, geralmente as convulsões são mais benignas nas pessoas com NF1 do que na população em geral, mas devem ser tratadas da mesma maneira.
Quanto à sua impressão de que a NF destrói a vida das pessoas, não posso concordar com ela, porque a maioria das pessoas com NF1 leva uma vida normal. É verdade que uma parte das crianças com NF1 já nasce com formas mais graves da doença, o que as torna pessoas com necessidades especiais. Mas, garanto-lhe que é possível ser feliz, mesmo com NF1, pois as pessoas são maiores do que suas doenças.
E qual é o melhor lugar do mundo para levar sua filha?
Creio que será a sua própria casa, onde ela pode encontrar acolhimento, compreensão, amor e ajuda em alguma eventual necessidade para enfrentar sua doença e desfrutar de todo o seu potencial humano.
Sei que não é muito longe de onde você está.

Conte conosco para continuarmos conversando.
Olá, doutor. Tenho um filho de 7 anos com NF1 e há dois anos atrás foi diagnosticado com autismo de auto funcionamento. Mas aconteceram coisas no último ano que ainda estamos em dúvidas quanto ao diagnóstico. Na escola ele parece ter surtado, de lá para cá, ele está numa escola especial que fica com crianças assim, porque ele fica muito agitado, não para na sala, agride e xinga professores. Em casa ele começou a dizer que eu que sua mãe o estava envenenando, fala muito em matar, em faca, sangue, e diz que quando crescer vai me matar, cortar em pedacinhos, mas depois ele muda fica calmo e diz que, me ama, estamos preocupados, pois um médico nos acenou com a possibilidade de ser ou estar psicótico e virar esquizofrenia no futuro. Fomos a dois neurologistas e o último falou em transtorno de conduta e de comportamento. Não sabemos mais o que pensar e como tratar, querem dar risperidona, mas ainda não dei. O que o doutor pode me dizer? 0brigada. SE, de localidade não identificada.
Cara SE. Compreendo sua angústia diante destas alterações no comportamento de seu filho. Numa postagem anterior já comentei sobre algumas das alterações de comportamento mais comuns na NF1 (clique aqui).
Hoje vou acrescentar algumas opiniões sobre esta questão. No relato, você comentou duas coisas que me chamaram a atenção: que seu filho, uma criança de 7 anos, passa por momentos em que imagina que sua própria mãe o está envenenando e que colegas médicos indicaram o uso de risperidona, um medicamento usado para tratar tanto algumas formas de psicose quanto o autismo.
Nenhuma das formas de psicose parece ser mais comum nas pessoas com NF1 do que na população em geral, no entanto, uma pessoa com NF1 não está protegida contra as psicoses. Assim, é uma possibilidade a ser investigada se seu filho apresenta NF1 e também alguma forma de psicose, o que pode ser melhor avaliado por um (a) psiquiatra pediatra.
Além disso, nos testes especializados, um terço das crianças com NF1 poderia ser considerada autista, outro terço ficaria perto do diagnóstico e apenas o terço final não apresenta qualquer traço de autismo. É preciso dizer que não há provas científicas de que os problemas comportamentais da NF1 sejam exatamente a mesma doença dos autistas. Portanto, não sabemos se os medicamentos usados para os autistas sem NF1 são eficazes para as crianças com comportamentos com NF1 e comportamentos parecidos com os autistas.
Aliás, não existem ainda quaisquer medicamentos comprovados que sejam específicos para os problemas da NF1, sejam os neurofibromas, os gliomas, os plexiformes, as displasias, as dificuldades de aprendizado e os problemas de comportamento.

Em conclusão, acredito que uma boa avaliação por um pediatra especializado em psiquiatria infantil seria o caminho mais seguro para seu filho e sua família.
Eu gostaria de saber se tenho NF1 ou NF2? JFS, de Sabará MG.
Caro JFS, obrigado pela sua pergunta. De fato, a maioria das pessoas, inclusive profissionais da saúde, pode se confundir com os nomes destas duas doenças, pensando que elas seriam estágios ou níveis de gravidade diferentes de uma mesma doença. Esta confusão é, pelo menos em parte, justificada pelo fato de que até a década de 90 a NF1 e a NF2 faziam parte de uma única doença conhecida como Doença de von Recklinghausen.
No final dos anos oitenta, as mutações responsáveis pelas duas doenças foram identificadas em genes diferentes: no cromossomo 17, para a NF1, e no cromossomo 22 para a NF2. Desde então, sabemos que são doenças completamente diferentes entre si, mas que possuem em comum algumas coisas:
1) Ambas apresentam tumores benignos múltiplos no sistema nervoso ou na pele e manchas cutâneas.
2) Ambas são de origem genética, podendo tanto ser herdadas ou como resultado de mutações novas, e se manifestam de forma autossômica, dominante e com penetrância completa (ver outras postagens sobre isto).
Para começar, é importante reafirmar que: 
1) a NF1 não se transforma na NF2 ou vice-versa; 
2) a chance de uma pessoa possuir as duas doenças, NF1 e a NF2, é remotíssima (não conheço nenhum relato de um caso como esse até hoje).
Vejamos as principais diferenças nas formas mais comuns de NF1 e NF2. Não podemos esquecer que ambas as doenças se manifestam em casos mais raros de maneira muito variável e há casos nos quais somente uma pessoa experiente pode saber se é uma ou outra doença. Por isso, os exames médicos são necessários para o diagnóstico com segurança.
A NF1 geralmente se manifesta desde o nascimento ou nos primeiros anos de vida, enquanto a NF2 se manifesta geralmente no final da segunda ou na terceira década de vida.
Na NF1, as manchas café com leite são mais comuns, maiores e em maior número do que na NF2, que pode nem apresentar manchas café com leite.
Na NF1, a queixa mais comum é a dificuldade de aprendizado e alterações de comportamento na infância, enquanto na NF2 não ocorrem dificuldades de aprendizado ou alterações de comportamento e a queixa mais comum é a diminuição da audição de um ou dos dois lados da cabeça.
Na NF1, os tumores mais comuns são os cutâneos a partir da adolescência, chamados de neurofibromas, enquanto na NF2 os tumores característicos da doença são chamados de schwannomas e ocorrem no nervo vestibular (ligado ao equilíbrio) em ambos os lados em 95% das pessoas.
Outros tumores comuns na NF1 são os neurofibromas plexiformes (35 a 60% das pessoas) e os gliomas ópticos (15 a 20% das pessoas). Já na NF2, outros tumores comuns são os meningiomas (50% das pessoas) e os schwannomas subcutâneos (60% das pessoas).
Na NF1, podem ocorrer alterações ósseas (alterações no crescimento, chamadas de displasias, e na coluna vertebral, chamadas de escoliose e cifoescoliose). Na NF2 não há problemas ósseos.
Na NF1, pode haver alterações nos olhos sem qualquer repercussão clínica, os chamados Nódulos de Lisch, que são pequenas saliências arredondadas na íris. Na NF2, pode haver catarata juvenil e alterações da retina, com efeitos indesejáveis sobre a visão.
Do ponto de vista prático, o quadro abaixo orienta para o diagnóstico simplificado da maioria das pessoas com uma das neurofibromatoses dos tipos 1 e 2 (ver em outras postagens os diagnósticos diferenciais com Síndrome de Legius e Schwannomatose).
Sinais
NF1
NF2
Manchas café com leite
5 ou mais
Menos de 5
ou ausentes
Sardas axilares e/ou inguinais
2 ou mais
Ausentes
Neurofibromas
Sim
Não
Dificuldade de aprendizado
Sim
Não
Schwannomas
Não
Sim
Diminuição da audição
Não
Sim
Problemas ósseos
Sim
Não
Nódulos de Lisch
Sim
Não
Catarata juvenil
Não
Sim

Para informações mais detalhadas para o diagnóstico diferencial entre NF1 e NF2, ver o artigo publicado em 2014 pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses (Clique aqui).


Cara A, de São Luís, no Maranhão. Continuo respondendo ao seu e-mail anterior.
Você estranhou que eu tenha dito que as dificuldades de aprendizado são muito comuns nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), porque tanto você quanto seu pai, ambos com NF1, não apresentaram dificuldades e foram capazes de realizar dois cursos superiores, além de levarem uma vida normal neste sentido.

De fato, você tem razão em chamar a atenção para estas diferenças de evolução da doença, porque a NF1 se caracteriza exatamente pela grande diversidade de manifestações entre as pessoas, até mesmo entre gêmeos univitelinos que compartilham a mesma mutação. Há alguns anos temos atendido no nosso ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC da UFMG (CRNF) quatro pares de pessoas gêmeas (3 femininos e um masculino) com NF1, nos quais a doença se manifestou de formas muito diferentes no mesmo par univitelino (“idêntico”).
Por outro lado, temos dito neste blog e em outras situações (ver aqui artigo da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses 2015), que a maioria (até 80%) das pessoas com NF1 apresenta dificuldade de aprendizado, variando de leve até retardo mental, quando são submetidas aos testes psicológicos e cognitivos aplicados durante estudos científicos em diversas partes do mundo, inclusive no nosso CRNF.
Estas dificuldades se manifestam principalmente nas habilidades de percepção visual e especial, no processamento da fala, no controle motor fino, no domínio da linguagem e nas funções executivas. Além disso, em nossa experiência, 100% das pessoas com NF1 apresentam alteração do processamento auditivo, ou sejam, escutam bem mas entendem mal (ver artigo da Pollyanna Batista aqui) . 

Tomados em conjunto, todos estes problemas cognitivos fazem com que a média geral do chamado quociente intelectual (QI) das pessoas com NF1 seja em torno de 90, ou seja, no limite inferior da média considerada “normal”. É claro que, como se trata de uma média, haverá metade das pessoas com NF1 acima deste valor e outra metade abaixo.
No entanto, você tem razão, repito, não posso afirmar com certeza que TODAS as pessoas com NF1 terão problemas de aprendizado. Assim pode ter acontecido com você e seu pai, que, apesar da NF1, levam uma vida produtiva e sem dificuldades intelectuais. Mas gostaria de contar um caso interessante que sua pergunta me lembrou.
Num dos congressos sobre NF nos Estados Unidos, eu conversava com o Dr. Vincent M. Riccardi, pioneiro mundial no atendimento às pessoas com NF, sobre nossa impressão de que as pessoas com NF1 em geral não são habilidosas com instrumentos musicais ou para cantar (ver pesquisa em andamento do Dr. Bruno Cota já comentada neste blog), quando ele me contou uma de suas inúmeras experiências ilustrativas.
Numa visita à Espanha, diante de um médico interessado em NF, o Dr Riccardi comentara que ele não conhecia nenhuma pessoa com NF1 que fosse um bom músico. Então, o colega espanhol disse que, ao contrário, ele conhecia um bom músico com NF1 e dias depois o trouxe à presença do Riccardi, quando a pessoa executou algumas músicas de Mozart ao piano. Riccardi, que tem conhecimentos musicais, achou o desempenho do pianista de pouca qualidade, correto, mas abaixo da média.
Riccardi, então, concluiu para mim: – Descobri que o médico espanhol não entendia bem de piano, mas fiquei imaginando como seria aquele pianista se ele não tivesse a NF1? Seria um gênio? Um Mozart?
Então, AK, este caso ilustra o que desejo dizer a você. Sabemos que a inteligência humana é o resultado complexo de muitos fatores biológicos, sociais e culturais. Entre os fatores biológicos, sabemos que o desenvolvimento cerebral inadequado causado pela NF1 pode prejudicar a inteligência. Talvez você e seu pai fossem ainda mais desenvolvidos intelectualmente se não tivessem a NF1, mas isto é apenas uma suposição.

De qualquer forma, existe a possibilidade de que uma pessoa com NF1 poderia ter sido mais capacitada intelectualmente sem a NF1, mesmo quando ela consegue levar uma vida normal. Este possível prejuízo cognitivo deve ser levado em conta entre os danos causados pela NF1 e se constitui em mais um argumento para que nossos esforços sejam dirigidos no sentido de criarmos condições educativas que permitam o desenvolvimento do potencial humano de cada pessoa com NF1.