Dificuldades de aprendizado
VEJA TEXTO DE 2024 da Dra. Danielle Souza Costa e colaboradores AQUI
VEJA NOVA CARTILHA PARA PAIS E EDUCADORES LANÇADA EM FEVEREIRO DE 2022 CLIQUE AQUI
Tem sido observado que dificuldades de aprendizado escolar e social, chamados de déficits cognitivos, são comuns na NF1, podendo afetar cerca de 50% a 80% das pessoas com NF1, embora alguns estudos não encontrem esta dificuldade (ver aqui).
Estas pessoas com NF1 e problemas de aprendizado apresentam dificuldades com as tarefas visuais, assim como nas habilidades de memória e linguagem, o que pode resultar em baixo desenvolvimento da escrita, leitura e matemática.
As crianças podem exibir planejamento insuficiente, pouca capacidade de organização e de controle temporal, além de dificuldades de absorver e integrar novas informações, o que as atrasam na escola e no desenvolvimento social de um modo geral.
Pouca coordenação e força muscular e flexibilidade exagerada das articulações também podem impedir que indivíduos com NF1 se desempenhem como os colegas em atividades físicas, como brincadeiras e esportes, ou em atividades cotidianas como andar de bicicleta, amarrar os sapatos ou segurar corretamente a caneta.
Além disso, as pessoas com NF1 têm dificuldade para entender ironia, sarcasmo e piadas. Isto pode ser causa de discriminação social.
Em nosso meio verificamos que a maioria dos pacientes apresenta distúrbios da voz e do controle motor oral e possivelmente 100% das pessoas com NF1 apresentam desordem do processamento auditivo (DPA), ou seja, ouvem normalmente, mas não entendem bem o que ouvem. Verificamos também que a DPA está correlacionada com as dificuldades de aprendizado em pessoas com NF1. Veja uma cartilha excelente sobre este problema : CLIQUE AQUI
Até o presente, não há medicamentos que sejam comprovadamente eficazes para o tratamento das dificuldades de aprendizado na NF1.
O fundamental, o mais importante é o apoio de familiares e das instituições escolares (maior paciência com as dificuldades, explicar com mais clareza na pronúncia das palavras, dar mais tempo para seu aprendizado, reduzir as pressões por desempenho e enfatizar a socialização mais do que o conhecimento ou a competição) para que as crianças com NF1 atinjam seu potencial humano.
As crianças com problemas mais graves de aprendizado podem ser beneficiadas pelas leis que estendem a elas os direitos das pessoas com necessidades especiais (ver neste site em Leis).
Dificuldades de comportamento
Embora os problemas de comportamento sejam independentes das dificuldades cognitivas, estas duas complicações da NF1 estão relacionadas entre si: quanto maior a dificuldade cognitiva, maior o problema comportamental e vice-versa.
Os problemas de comportamento na NF1 podem ser:
1) dificuldades de sono (para começar a dormir, acordar frequente, dormir pouco e sonolência fora de hora);
2) diminuição da capacidade de socialização (vida retraída com poucos amigos, amizade apenas com crianças menores);
3) pouca capacidade de perceber as circunstâncias sociais (dificuldade para entender quando alguém está sendo irônico, as dicas das pessoas, entender piadas e metáforas);
4) baixa autoestima em decorrência do isolamento social e discriminação pelos colegas. Este conjunto de dificuldades pode contribuir e ser agravado para que algumas crianças com NF1 apresentem comportamentos semelhantes aos autistas.
Cerca de metade das crianças com NF1 apresentam em algum grau um tipo de de comportamento semelhante ao descrito como “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade” (conhecido como TDAH). Para mais informações sobre este problema CLIQUE AQUI
Em nosso Centro de Referência, consideramos que os problemas cognitivos e comportamentais são a maior causa de redução da qualidade de vida das pessoas com NF1.
Além dos problemas cognitivos e comportamentais, sobre os quais falamos acima, algumas dificuldades psicológicas são comuns entre as pessoas com NF1. Elas são obrigadas a enfrentar o fato de que possuem uma doença que é:
1) Genética – o que traz muitas vezes conflitos de culpa, medo de transmissão para os filhos e netos, preconceitos sociais;
2) Crônica – os achados e complicações da NF1 estão presentes desde o nascimento e podem ocorrer ao longo da vida;
3) Incurável – apesar de diversos tratamentos poderem melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1, não existe qualquer tratamento cirúrgico ou medicamentoso que possa acabar com a doença de uma vez;
4) Variável de uma pessoa para outra – como a NF1 se manifesta de forma completamente diferente de uma pessoa para outra, torna-se difícil conhecermos a evolução natural da doença;
5) Imprevisível – é muito difícil saber o que vai acontecer com determinada pessoa num dado momento;
6) Sem representação social – ou seja, a sociedade desconhece a doença, as suas causas, o significado do seu nome, as suas consequências e assim não sabemos o que sentir diante de uma pessoa com NF1;
7) Que pode causar discriminação social – seja pela aparência dos neurofibromas e outras lesões, seja pelas dificuldades de aprendizado, ou pelos problemas cognitivos e comportamentais, as pessoas com NF1 têm muitas chances de serem incompreendidas e sofrerem discriminação na comunidade em que vivem.
Por tudo isso, as pessoas com NF1 apresentam maior número de casos de ansiedade, medo, baixa autoestima e falta de sucesso profissional, o que afeta também a sua família.
Uma ampla faixa de sintomas psicossociais pode estar presente nas crianças e adolescentes com NF1, como imaturidade emocional, incompetência social, timidez excessiva, limitações para entrar no mercado de trabalho e dificuldades para desenvolver relações amorosas.
Apesar de tudo isto, surpreendentemente, as próprias pessoas com NF1 se avaliam de forma mais positiva do que seus pais e professores, o que aumenta a nossa preocupação em não superprotegê-las, mas, ao contrário, tentarmos garantir a realização do potencial humano de cada uma delas.
As intervenções profissionais direcionadas aos aspectos psicossociais das pessoas com NF1 devem ser baseadas em quatro aspectos:
1) Facilitar o acesso e a transferência de informação sobre a NF1 entre os profissionais que cuidam da pessoa com NF1 (professores, profissionais da saúde) e a família, acompanhando de que maneira ela compreende e adota as informações disponíveis;
2) Ajudar o desenvolvimento de estratégias para a pessoa com NF1 lidar com problemas, relacionados ou não à NF1, estimulando os sentimentos positivos e a aceitação da doença;
3) Auxiliar o desenvolvimento de um plano de vida profissional e afetivo para a pessoa com NF1 e fornecer aconselhamento genético;
4) Mediar as relações entre a pessoa com NF1 e sua família com as instituições de saúde (públicos ou planos de saúde, seguridade social).
Tratamentos
É importante lembrar que o principal tratamento para as dificuldades de aprendizado e comportamentais é o suporte social da família e da sociedade, que envolve tanto os aspectos de saúde quanto problemas sociais e econômicos.
Para saber mais sobre medicamentos relacionados com as dificuldades de aprendizado e comportamentais entre na caixa de perguntas neste site.
AUTISMO OU NF1?
Temos atendido crianças com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) que também nos chegam com o diagnóstico de Transtorno no Espectro do Autismo (TEA) em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
As famílias querem saber se devem tratar suas crianças como TEA ou não.
Temos respondido que as pessoas com NF1 podem apresentar sintomas parecidos com os sintomas do TEA, mas que estes sintomas são causados pelo desenvolvimento inadequado do sistema nervoso.
Alguns problemas cognitivos acontecem porque a variante genética que ocorreu no DNA produz deficiência de uma proteína (chamada neurofibromina), a qual é fundamental para o desenvolvimento neurológico especialmente na vida intrauterina (ver revisão de 2022 sobre este tema clicando aqui – em inglês).
Nossa opinião tem sido que a maioria destas pessoas com NF1 tem sintomas parecidos com TEA, mas não possuem TEA.
Um estudo científico publicado em 2020 (ver abaixo), reforça nossa opinião, embora apresente limitações (ver abaixo).
O estudo sugere que:
- Não houve mais diagnóstico de TEA em pessoas com NF1 do que na população em geral (cerca de 2%).
(Notar que o diagnóstico de TEA foi relatado a partir dos registros médicos e a população comparada foi a dos Estados Unidos)
- Alguns sintomas de TEA estavam presentes em pessoas com NF1, mas não eram suficientes para o diagnóstico de TEA por meio de testes validados para a pesquisa de autismo.
(Ou seja, as crianças com NF1 pontuaram nestes testes um pouco mais do que as crianças sem NF1 e sem TEA)
- A presença do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em pessoas com NF1 pode explicar uma certa confusão entre os diagnósticos de NF1 e TEA
(Quando estes diagnósticos são feitos por meio de questionários respondidos por pais e professores, alguns sintomas do TDAH se assemelham a alguns sintomas de TEA e podem gerar falsos diagnósticos de TEA)
- Os comportamentos das crianças com NF1 mostraram uma socialização normal, apesar da menor capacidade de comunicação.
O estudo foi realizado em Portland (Oregon, Estados Unidos) e intitulado “Transtornos do Autismo e do Déficit de Atenção e Hiperatividade e sintomas em crianças com Neurofibromatose do Tipo 1” e publicado por Hadley Moroti e colaboradores, um grupo de especialistas em psicologia, psiquiatria e desenvolvimento infantil, na revista científica Developmental Medicine & Neurology (ver aqui o artigo completo – em inglês).
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
A equipe de cientistas reconhece que algumas características do estudo limitam a capacidade de extrair conclusões definitivas sobre o assunto, uma vez que o mesmo foi feito com poucas pessoas com NF1 (apenas 45 pessoas examinadas diretamente) e sem acompanhamento ao longo do tempo.
Além disso, a equipe não possuía informações clínicas sobre as variantes genéticas e a gravidade da NF1 nas crianças avaliadas.
Finalmente, foram avaliadas apenas crianças na idade escolar, portanto, os resultados podem não se aplicar a adolescentes e adultos com NF1.
Apesar de suas limitações, o estudo traz outras informações importantes sobre este tema, as quais resumirei a seguir.
TEA É MAIS COMUM DO QUE NF1
A equipe de cientistas lembra que na população em geral a NF1 é considerada uma doença rara (1 em cada 3000 crianças). Por outro lado, quando o TEA é diagnosticado por especialistas (e não por pais ou professores), sua incidência é de cerca de 1 em cada 50 pessoas (1 a 2%), ou seja, o TEA é 60 vezes mais comum do que a NF1.
CAUSAS DA NF1 E DO TEA
A NF1 é uma doença de causa bem conhecida, provocada por variantes genéticas patogênicas no gene NF1, que alteram a produção de uma proteína (neurofibromina), a qual regula o crescimento dos tecidos, especialmente o sistema nervoso. A deficiência da neurofibromina produz diversos problemas no desenvolvimento neurológico.
O TEA parece ter causas genéticas (90% – com variantes localizadas em múltiplos genes) e ambientais (ver artigo interessante e bastante compreensível do Dr. Dráuzio Varela sobre as causas do TEA, clicando aqui). A explicação mais aceita é de que variantes genéticas patogênicas em genes responsáveis pela produção de algumas proteínas dos neurônios afetariam o aprendizado, a linguagem, a comunicação social e a memória.
Mas o gene da NF1 não parece estar entre os genes causadores do TEA.
SINTOMAS PARECIDOS
A NF1 pode causar problemas no desenvolvimento cognitivo, dificuldades de aprendizado, atraso motor, limitação das habilidades sociais, descontrole emocional, ansiedade e sintomas de desatenção e hiperatividade.
Estes mesmos problemas e sintomas também podem ocorrer em crianças diagnosticadas com TEA. Por isso, alguns estudos anteriores, realizados com critérios diagnósticos de TEA menos rigorosos (baseados apenas nos relatos de pais e professores), mostraram que cerca de metade das crianças com NF1 teriam TEA (ver aqui o estudo realizado na Inglaterra em 2013).
Sabendo que o TEA é 60 vezes mais comum do que a NF1, é possível que as famílias, escolas e profissionais da saúde estejam mais familiarizados com o TEA do que com a NF1. Então, é mais comum enquadrar os problemas cognitivos, comportamentais, motores e sociais das crianças com NF1 no TEA, do que reconhecer que são problemas causados pela própria NF1 e não pelo TEA.
Além disso, têm sido propagados tratamentos para os sintomas do TEA (que ainda precisam ser comprovados: ver aqui – em inglês), mas ainda não existem tratamentos propostos para os transtornos cognitivos específicos para a NF1.
Assim, o diagnóstico do TEA acaba por se tornar aparentemente mais útil para as famílias com NF1 do que o diagnóstico da própria NF1. Porque as famílias e os profissionais da saúde ficam com a impressão de que poderemos oferecer mais recursos de tratamento para o TEA, mas não para a NF1.
SINTOMAS DE TDAH PODEM PARECER TEA
Este estudo também sugere que o diagnóstico de TDAH foi mais comum (8,8%) nas pessoas com NF1 do que na população em geral (5%).
Vários comportamentos do TDAH podem se assemelhar a comportamentos de crianças com TEA, assim, a maior presença de TDAH entre pessoas com NF1 (do que na população em geral) pode induzir ao falso diagnóstico de TEA nelas.
Para conhecer melhor os sintomas de TDAH visite nossa cartilha sobre dificuldades cognitivas nas pessoas com NF1 clicando aqui.
CONCLUSÃO
Diante de uma pessoa com diagnóstico de NF1 e com problemas cognitivos e/ou comportamentais, devemos procurar a ajuda de especialistas na psicologia e psiquiatria que possam realizar com segurança a distinção entre TEA ou TDAH.
Achamos que será útil levar ao/a profissional que irá avaliar a criança com NF1 os resultados encontrados neste estudo que acabamos de comentar.
Mas, independentemente da criança com NF1 ter ou não o TEA, se ela apresentar problemas e sintomas que prejudiquem seu desenvolvimento e sua socialização, há diversas maneiras de ajudá-la.
Ela precisa contar com o investimento amoroso e paciente de sua família, sua escola, sua comunidade de forma geral, e sua rede de profissionais da saúde, que devem estar bem informados e integrados entre si.
A redação deste documento foi feita pelo Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr. Lor) e pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues e contou com a aprovação do Dr. Nilton Alves de Rezende e do Dr. Renato de Souza Viana.
Setembro 2022