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“Minha filha com NF1 está na Ginástica Acrobática. Ela gosta muito, está super bem e feliz. Na sua voz: Lá eu consigo fazer tudo o que os outros conseguem! Temos que ter alguma preocupação com esta atividade? Ela não apresenta qualquer problema, mas como não possui exames para avaliar os neurofibromas internos e a história do garoto que veio a ter problemas da coluna “após uma queda de cavalo” me alertam. Como pai, acho que não é preciso preocuparmos, mas, considerando as tantas variáveis da NF, fico a pensar se devemos tomar algum cuidado. ” RBL, de local não identificado.

Caro R, obrigado pela sua mensagem, que nos ajudará a entender melhor o significado dos problemas de coluna nas pessoas com NF1.

Parece-me que você entendeu que eu afirmei que a queda do cavalo teria provocado a cifoescoliose naquele menino, cuja história contei no post chamado “Um tio querido” (ver AQUI). Na verdade, a família relatou que a queda do cavalo teria causado o problema na coluna do menino, mas, na minha impressão, a causa da deformidade na coluna do garoto provavelmente já estava presente antes da queda, mas ainda não havia sido percebida.

A deformidade da coluna vertebral descoberta naquele menino é um dos problemas ortopédicos que acontecem em cerca de 10% das pessoas com NF1. Podemos encontrar tanto a escoliose (inclinação para um dos lados), quanto a cifose (inclinação para a frente), ou a lordose (retificação da coluna torácica ou aumento da curvatura da coluna lombar e cervical) ou combinações destas alterações chamadas cifoescolioses (inclinação e curvatura com rotação das vértebras) – ver figura acima.

Sabemos que a maioria das deformidades na coluna das pessoas com NF1 é benigna, chamada de forma “idiopática” (palavra que significa: sem causa conhecida), que apresenta apenas inclinações mais suaves da coluna, sem alterações nos ossos e sem complicações importantes. Geralmente são escolioses isoladas, cifoses isoladas ou lordoses isoladas e não precisam de tratamentos na maioria das vezes.

Por outro lado, algumas pessoas com NF1 apresentam as formas mais graves de deformidades na coluna vertebral, que chamamos de forma “distrófica” (palavra que significa: crescimento anormal do tecido, no caso, os ossos). Geralmente são diagnosticadas na infância (entre 6 e 10 anos), envolvendo 4 a 6 segmentos da coluna (corpos vertebrais) e localizadas na parte inferior do pescoço ou na parte superior do tórax. Raramente são diagnosticadas depois dos 10 anos de idade.

A escoliose e a cifoescoliose distróficas são causadas pela fragilidade acentuada de alguns dos ossos da coluna, os quais não suportam o peso do corpo acima de um certo ponto e desabam parcialmente, ficando deformados e causando desequilíbrio e tortuosidade da coluna. Estas são complicações funcionais importantes, por isso precisam ser corrigidas com coletes ortopédicos e cirurgias.

Esta fragilidade nos ossos geralmente é congênita, ou seja, está presente desde a vida intrauterina e está relacionada com a falta (ou insuficiência) da proteína neurofibromina em decorrência da mutação genética que causa a NF1 (ver AQUI). Algumas vezes a cifoescoliose distrófica está associada à presença de um neurofibroma plexiforme na raiz dos nervos que saem da coluna, e os plexiformes também são congênitos, ou seja, são formados durante a gestação.

Assim, a maior probabilidade é de que o menino com NF1 que caiu do cavalo naquela história que relatei já possuísse a fragilidade óssea antes da queda, mas o trauma pode, talvez, ter funcionado como o agente capaz de acelerar o problema, tornando-o evidente.

Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 também apresentam osteopenia (palavra que quer dizer fraqueza nos ossos), por causa da redução na estrutura mineral (menos cálcio) dos ossos. Há uma possibilidade de que esta fraqueza óssea facilite a osteoporose e as fraturas, por isso recomendamos que as pessoas com NF1 tomem banhos de sol, realizem uma dieta rica em precursores de Vitamina D e controlem anualmente os níveis de Vitamina D em seu sangue, realizando a reposição medicamentosa se necessário.

Por outro lado, também sabemos que as pessoas com NF1 sofrem quedas mais frequentemente do que a população em geral, provavelmente causadas por menor coordenação motora, menos força muscular e menor capacidade de atenção. Uma recomendação que vem sendo estudada cientificamente (ver AQUI) é de que exercícios regulares podem melhorar estas pequenas deficiências motoras das pessoas com NF1.

Portanto, viva a alegria de sua filha com a ginástica, que são exercícios regulares.

Ontem atendemos [1] uma pessoa, que vou chamar de D e que nos causou grande impressão.

D vivia na zona rural no interior de Minas Gerais com seus outros 8 irmãos e duas irmãs. Em torno dos 7 anos de idade, sofreu uma queda de um cavalo e desde aquela época surgiu um problema em sua coluna, o qual foi se agravando, deixando-o cada vez mais encurvado, até que os médicos concluíram que não havia recursos médicos na sua região para o tratamento adequado do problema. [2 – ver esclarecimento abaixo sobre a queda e o problema da coluna]

Diante disso, os pais de D venderam a pequena propriedade e vieram com todos os filhos para Belo Horizonte, onde passaram a viver, procurando ajudar o irmão com o problema na coluna. Apesar dos esforços, D continuou com a coluna torta, o que provocava discriminação por parte dos colegas de escola, à qual ele reagia com brigas frequentes. Sem contar com apoio por parte dos professores, ele acabou por sair da escola e não aprendeu a ler nem escrever, embora tenha adquirido habilidades em matemática.

Chegando à vida adulta, D trabalhou por vários anos como trocador de ônibus e desenvolveu grande conhecimento da cidade, o que o transformou numa espécie de guia urbano para sua grande família, que, a esta altura, já havia crescido muito à medida que os irmãos e irmãs foram se casando e os sobrinhos se transformaram num grande grupo formado por 13 meninas e 15 meninos, incluindo duas crianças adotadas. Hoje, a maioria destes sobrinhos já são pais e mães.

Enquanto isso, D permanecera solteiro, depois de se relacionar apenas com uma namorada, e continuaria vivendo com seus pais, até que o pai e em seguida a mãe faleceram com mais de setenta anos. Desde então, D se sustenta de sua aposentadoria de um salário mínimo e mora uns tempos com uma das irmãs, depois com um dos irmãos e assim vai alternando sua residência entre os membros da família. Uma de suas irmãs, que o acompanhava à consulta conosco, disse que ele é extremamente querido por todos e estão preparando uma grande festa para comemorar o aniversário de sessenta anos de D nas próximas semanas.

D foi encaminhado ao nosso ambulatório pela Dra. Mônica Ramos e nos apresentou um relatório médico detalhado e muito bem feito pelo Dr. Antônio Pedro Vargas, ambos colegas da Rede Sarah de Belo Horizonte, onde D tem recebido um atendimento excelente desde 2001, em virtude do agravamento de seu problema na coluna e do aparecimento de curtos períodos de ausência. Hoje, D sabe que não foi a queda de cavalo a causa de sua cifoescoliose, mas a neurofibromatose do tipo 1, a doença que apenas ele apresenta em sua numerosa família.

Apesar da cifoescoliose, que o obrigou a usar bengalas nos últimos anos, de alguns neurofibromas cutâneos, da dificuldade de aprendizado e das convulsões controladas com medicamentos, D nos pareceu uma pessoa muito feliz, amada por sua família e satisfeita com a vida. Ficou evidente para mim e para o Anderson o grande carinho, amizade e intimidade demonstrados por sua irmã que o acompanhava na consulta, fazendo-nos crer que D possui, de fato, uma verdadeira rede social.

De onde veio tanto acolhimento para D? Parece-me que há um gesto fundamental em sua história que marcou todos os irmãos: a decisão radical de seus pais de mudarem de vida para ajudarem o irmão doente, a mudança para Belo Horizonte em busca de ajuda médica. Ao fazer isto, seus pais estavam dizendo a todos: D é importante para nós. E a família toda seguiu o exemplo dos pais.

Parabéns pelo seu aniversário, D. Desejo-lhe muitos anos a mais de convivência com esta família solidária na qual você teve a sorte de nascer.

Até a próxima semana.



[1]Eu e o Anderson Silva, um estudante de medicina que está acompanhando nosso ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

[2] Meses depois de ter postado este texto, um leito entendeu que eu afirmei que a queda do cavalo teria provocado a cifoescoliose no menino. Na verdade, a família relatou que a queda do cavalo teria causado o problema na coluna do menino, mas, na minha impressão, a causa da deformidade na coluna do garoto provavelmente já estava presente antes da queda, mas ainda não havia sido percebida.

A deformidade da coluna vertebral descoberta naquele menino foi um dos problemas de coluna que acontecem em cerca de 10% das pessoas com NF1. Podemos encontrar tanto a escoliose (inclinação para um dos lados), quanto a cifose (inclinação para a frente), ou a lordose (retificação da coluna torácica ou aumento da curvatura da coluna lombar e cervical) ou combinações destas alterações chamadas cifoescolioses(inclinação e curvatura com rotação das vértebras).
Sabemos que a maioria das deformidades da coluna nas pessoas com NF1 é benigna, chamada forma “idiopática” (palavra que significa: sem causa conhecida), que apresenta apenas inclinações mais suaves da coluna, sem alterações nos ossos e sem complicações importantes. Geralmente são escolioses isoladas, cifoses isoladas ou lordoses isoladas e não precisam de tratamentos na maioria das vezes.
Por outro lado, algumas pessoas com NF1 apresentam as formas mais graves de deformidades da coluna vertebral, que chamamos de “distrófica” (palavra que significa: crescimento anormal do tecido, no caso, os ossos). Geralmente são diagnosticadas na infância (entre 6 e 10 anos), envolvendo 4 a 6 segmentos da coluna (corpos vertebrais) e localizadas na parte inferior do pescoço ou na parte superior do tórax. Raramente são diagnosticadas depois dos 10 anos de idade.
A escoliose e a cifoescoliose distróficas são causadas pela fragilidade acentuada de alguns dos ossos da coluna, os quais não suportam o peso do corpo acima de um certo ponto e desabam parcialmente e ficam deformados, causando desequilíbrio e tortuosidade da coluna, trazendo complicações funcionais importantes, por isso precisam ser corrigidas com coletes ortopédicos e cirurgias.
Esta fragilidade nos ossos geralmente é congênita, ou seja, está presente desde a vida intrauterina e está relacionada com a falta (ou insuficiência) da proteína neurofibromina em decorrência da mutação genética que causa a NF1 (ver https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3897656/ ). Algumas vezes a cifoescoliose distrófica está associada à presença de um neurofibroma plexiforme na raiz dos nervos que saem da coluna, e os plexiformes também são congênitos, ou seja, foram formados durante a gestação.
Assim, a maior probabilidade é de que o menino com NF1 que caiu do cavalo já possuísse a fragilidade óssea antes da queda, mas o trauma pode, talvez, ter funcionado como o agente capaz de acelerar o problema, tornando-o evidente.
Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 também apresentam osteopenia (palavra que quer dizer fraqueza nos ossos), por causa da redução na estrutura mineral (menos cálcio) dos ossos. Há uma possibilidade de que esta fraqueza óssea facilite a osteoporose e as fraturas, por isso recomendamos que as pessoas com NF1 tomem banhos de sol, realizem uma dieta rica em precursores de Vitamina D e controlem anualmente os níveis de Vitamina D em seu sangue, realizando a reposição medicamentosa se necessário.
Por outro lado, também sabemos que as pessoas com NF1 sofrem quedas mais frequentemente do que a população em geral, provavelmente causadas por menor coordenação motora, menos força muscular e menos atenção. Uma recomendação que vem sendo estudada cientificamente (ver https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22466394 ) é de que exercícios regulares podem melhorar estas pequenas deficiências motoras das pessoas com NF1.


Continuando minha resposta à pergunta da semana passada, veremos hoje em linhas gerais como são tratados os desvios da coluna, embora cada caso tenha suas características e as manifestações da doença nunca são as mesmas em duas pessoas com NF1.


Gravidade 1 – Começo com os casos menos graves, que são os desvios funcionais (clique aqui para ver a resposta 198) e as escolioses (distróficas ou não distróficas) com ângulo menor do que 20 graus.

Para estes casos é necessária a revisão clínica de 6 em 6 meses até os doze anos de idade. Além disso, recomendamos exercícios regulares e livres e medir periodicamente os níveis cálcio, de Vitamina D e de hormônio da paratireoide e manter uma dieta adequada ou mesmo reposição destes fatores quando necessário.

É claro, banhos de sol para todos, de acordo com a cor da pele, época do ano e localização da cidade onde mora a criança (ver a Tabela disponível clicando aqui).

Gravidade 2 – Em seguida, aumentando em gravidade, temos as escolioses não distróficas com ângulo entre 20 e 35 graus, que devem realizar fisioterapia e usar coletes ortopédicos. Neste grupo também podem ser incluídas as cifoescoliose distróficas com ângulo menor que 50 graus, mas sem sintomas importantes, as quais também devem realizar fisioterapia e usar o colete ortopédico.

Gravidade 3 – Aqui encontramos as escolioses não distróficas com ângulo maior do que 35 graus e escolioses distróficas com ângulo entre 20 e 40 graus, as quais precisam de cirurgia de estabilização realizada pela parte posterior da coluna.

Gravidade 4 – Casos ainda mais graves são as escolioses e as cifoescoliose distróficas com ângulo maior do que 50 graus, porque ambas necessitam de cirurgia para estabilização anterior e posterior da coluna.

Gravidade 5 – Cifoescoliose distrófica com ângulo maior do que 70 graus, que precisam, mesmo depois da cirurgia de estabilização anterior e posterior, do uso de colete ortopédico.

É preciso dizer que as cirurgias de estabilização são complexas e de elevado risco cirúrgico, especialmente aquelas que requerem estabilização anterior e posterior. Além disso, os resultados das cirurgias são insatisfatórios em boa parte dos casos.

Por tudo isso, sabemos que, infelizmente, neste momento, as cifoescolioses distróficas de gravidade 3, 4 e 5 ainda constituem grandes problemas para as pessoas com NF1.

Amanhã comentarei outras complicações ortopédicas na NF1.

“Minha filha com 7 anos foi diagnosticada com escoliose de 4 graus na coluna toracolombar. O médico recomendou natação e reavaliação em seis meses. Qual é o melhor tratamento para os desvios da coluna na NF1? ” VF, de Maracanaú, CE.

Cara V. Obrigado pela sua pergunta pertinente e provavelmente interessante para outras pessoas.

Algum problema na coluna vertebral pode acontecer em cerca de 10 a 30% das pessoas com NF1 e esta variação de dez por cento acontece por causa das diferenças entre os estudos médicos: alguns se dedicam mais a esta questão e registram qualquer alteração na coluna, enquanto outros só consideram os casos mais graves.

Os problemas na coluna vertebral podem ocorrer na região do pescoço (cervical), nas costas (torácica) ou na região lombar. Quando o ângulo principal acontece numa destas regiões, as outras se inclinam no sentido contrário para compensar e tentar manter a cabeça na posição correta.

Quando a curvatura da coluna acontece para a frente, chamamos de cifose, quando é para trás, chamamos de lordose e quando é para um dos lados, chamamos de escoliose. A escoliose é o desvio mais comum encontrado nas pessoas com NF1. Quando há uma mistura de duas curvaturas anormais, por exemplo para frente e para um lado, chamamos de cifoescoliose.

Na NF1 também podemos encontrar algum grau de retificação daquelas curvaturas normais da coluna, por exemplo, da lordose natural do pescoço, da cifose natural das costas ou da lordose natural da coluna lombar.

Os desvios da coluna vertebral nas pessoas com NF1 podem ser de três tipos: 1) funcional (causado por algum problema externo à coluna), 2) não-distrófico (sem deformidade do corpo vertebral) ou 3) distrófico (quer dizer com problemas no desenvolvimento ósseo do corpo vertebral).

No tipo não distrófico, o mais comum, os corpos vertebrais mantêm a sua forma normal e a coluna se inclina de forma suave e a curvatura envolve 8 a 10 corpos vertebrais (ver figura A).

No tipo distrófico, que acontece em cerca de 1% das pessoas com NF1, um ou dois corpos vertebrais apresentam problemas estruturais que levam a deformidades produzindo ângulos agudos que mudam subitamente a inclinação da coluna, seja para um lado (ver figura B), seja para a frente e para um lado (ver na figura a cifoescoliose).

No tipo funcional, problemas externos encontrados na NF1 podem ser a causa dos desvios na coluna: perda da força ou contratura muscular de um dos lados, membros inferiores de comprimento diferentes ou tumores (como os neurofibromas plexiformes) comprimindo a coluna.

A gravidade dos desvios da coluna na NF1 pode ser considerada LEVE (geralmente o tipo funcional), MODERADA (geralmente retificações e escolioses distróficas) ou GRAVE (geralmente a cifoescoliose distrófica).

A classificação da gravidade do desvio da coluna, portanto, depende do tipo (distrófico ou não), do ângulo da inclinação e dos sintomas que o desvio causa (por exemplo, dor, perda de função, risco de morte).

As condutas médicas em cada caso são diferentes e, para não ficar muito cansativo, falarei sobre elas na semana que vem.

Bom final de semana.