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Olá. Meu filho apresenta muita dificuldade em aprender e a escola acha que eu deveria deixa-lo numa escola especial. O que devo fazer? MCVB, de São Paulo, SP.
Caro M, obrigado por tocar nesta questão fundamental, que nos faz pensar sobre o que deveria ser o objetivo fundamental da educação escolar na nossa sociedade moderna.
A sociedade brasileira em que vivemos é complexa e organizada em classes sociais, nas quais a elite (menos de 1%) da população é proprietária de grande parte das riquezas sem precisar trabalhar, enquanto o restante tem que trabalhar para sobreviver.
Como existe mais gente precisando trabalhar do que empregos disponíveis, aqueles que têm que trabalhar são obrigados a lutar entre si numa feroz competição para garantir um salário.
Nesta competição, a alfabetização e os conhecimentos técnicos e científicos são transformados em armas, as quais garantem melhor remuneração e qualidade de vida para quem as possui.
Por outro lado, o maior nível de educação das pessoas permite o desenvolvimento tecnológico da população, o que está associado com o seu crescimento industrial e econômico.
Assim, neste modelo de sociedade, um certo tipo de educação escolar interessa tanto aos patrões quanto aos trabalhadores: a formação de mão de obra baseada na competição e na qualificação técnica. No entanto, os seres humanos são mais do que trabalhadores: somos pessoas com um grande potencial de criatividade, de relações afetivas e de felicidade.
A presença de uma criança com algum tipo de deficiência, como pode ocorrer na NF1, é um grande desafio para aquele tipo de escola baseada na competição e na produtividade, nas provas rigorosas contra o relógio, nos concursos permanentes, nas seleções contínuas, nos melhores isto e melhores naquilo, nos esportes de alto nível, nos para-casas intermináveis, nas agendas de atividades sufocantes e na ideologia do “campeão”.
Aí, vem a criança com deficiência, e ela atrapalha a lógica produtivista das escolas para crianças “normais”.
No entanto, na minha opinião, a inclusão de crianças com deficiência nas escolas comuns traz um grande benefício… para AS OUTRAS CRIANÇAS.
Quem sabe as crianças sem deficiênciaspercebam aliviadas que não precisam competir tanto entre si e no mundo a partir da convivência com o diferente, com aquele que não precisa ser o campeão, com aquele que quer apenas estar junto e ser aceito pelos seus companheiros de idade?
Quem sabe todos cresçam juntos em busca de um outro mundo possível, no qual a competição ceda seu lugar para o afeto, para a cooperação e para a solidariedade? Quem sabe, assim, seremos mais felizes?
Então, vamos lá, ocupar as escolas com nossos filhos e filhas com NF1. Para o bem de todos.


Cara A, de São Luís, no Maranhão. Continuo respondendo ao seu e-mail anterior.
Você estranhou que eu tenha dito que as dificuldades de aprendizado são muito comuns nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), porque tanto você quanto seu pai, ambos com NF1, não apresentaram dificuldades e foram capazes de realizar dois cursos superiores, além de levarem uma vida normal neste sentido.

De fato, você tem razão em chamar a atenção para estas diferenças de evolução da doença, porque a NF1 se caracteriza exatamente pela grande diversidade de manifestações entre as pessoas, até mesmo entre gêmeos univitelinos que compartilham a mesma mutação. Há alguns anos temos atendido no nosso ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC da UFMG (CRNF) quatro pares de pessoas gêmeas (3 femininos e um masculino) com NF1, nos quais a doença se manifestou de formas muito diferentes no mesmo par univitelino (“idêntico”).
Por outro lado, temos dito neste blog e em outras situações (ver aqui artigo da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses 2015), que a maioria (até 80%) das pessoas com NF1 apresenta dificuldade de aprendizado, variando de leve até retardo mental, quando são submetidas aos testes psicológicos e cognitivos aplicados durante estudos científicos em diversas partes do mundo, inclusive no nosso CRNF.
Estas dificuldades se manifestam principalmente nas habilidades de percepção visual e especial, no processamento da fala, no controle motor fino, no domínio da linguagem e nas funções executivas. Além disso, em nossa experiência, 100% das pessoas com NF1 apresentam alteração do processamento auditivo, ou sejam, escutam bem mas entendem mal (ver artigo da Pollyanna Batista aqui) . 

Tomados em conjunto, todos estes problemas cognitivos fazem com que a média geral do chamado quociente intelectual (QI) das pessoas com NF1 seja em torno de 90, ou seja, no limite inferior da média considerada “normal”. É claro que, como se trata de uma média, haverá metade das pessoas com NF1 acima deste valor e outra metade abaixo.
No entanto, você tem razão, repito, não posso afirmar com certeza que TODAS as pessoas com NF1 terão problemas de aprendizado. Assim pode ter acontecido com você e seu pai, que, apesar da NF1, levam uma vida produtiva e sem dificuldades intelectuais. Mas gostaria de contar um caso interessante que sua pergunta me lembrou.
Num dos congressos sobre NF nos Estados Unidos, eu conversava com o Dr. Vincent M. Riccardi, pioneiro mundial no atendimento às pessoas com NF, sobre nossa impressão de que as pessoas com NF1 em geral não são habilidosas com instrumentos musicais ou para cantar (ver pesquisa em andamento do Dr. Bruno Cota já comentada neste blog), quando ele me contou uma de suas inúmeras experiências ilustrativas.
Numa visita à Espanha, diante de um médico interessado em NF, o Dr Riccardi comentara que ele não conhecia nenhuma pessoa com NF1 que fosse um bom músico. Então, o colega espanhol disse que, ao contrário, ele conhecia um bom músico com NF1 e dias depois o trouxe à presença do Riccardi, quando a pessoa executou algumas músicas de Mozart ao piano. Riccardi, que tem conhecimentos musicais, achou o desempenho do pianista de pouca qualidade, correto, mas abaixo da média.
Riccardi, então, concluiu para mim: – Descobri que o médico espanhol não entendia bem de piano, mas fiquei imaginando como seria aquele pianista se ele não tivesse a NF1? Seria um gênio? Um Mozart?
Então, AK, este caso ilustra o que desejo dizer a você. Sabemos que a inteligência humana é o resultado complexo de muitos fatores biológicos, sociais e culturais. Entre os fatores biológicos, sabemos que o desenvolvimento cerebral inadequado causado pela NF1 pode prejudicar a inteligência. Talvez você e seu pai fossem ainda mais desenvolvidos intelectualmente se não tivessem a NF1, mas isto é apenas uma suposição.

De qualquer forma, existe a possibilidade de que uma pessoa com NF1 poderia ter sido mais capacitada intelectualmente sem a NF1, mesmo quando ela consegue levar uma vida normal. Este possível prejuízo cognitivo deve ser levado em conta entre os danos causados pela NF1 e se constitui em mais um argumento para que nossos esforços sejam dirigidos no sentido de criarmos condições educativas que permitam o desenvolvimento do potencial humano de cada pessoa com NF1.
Gostaria de saber quais são as implicações da NF1 e da NF2 para a aprendizagem? O que as/os profissionais da Educação precisam saber? AB de Belo Horizonte, MG.
Cara A. Obrigado por tocar num assunto tão importante para as famílias com neurofibromatoses.
Vou começar pela neurofibromatose do tipo 2 (NF2), porque as pessoas com NF2 geralmente não apresentam dificuldades de aprendizado relacionada com a doença. Além disso, os sintomas que poderiam causar dificuldades de comunicação (baixa audição) também começam a se manifestar habitualmente a partir do final da segunda década de vida. Alguns casos mais graves podem apresentar alguns sinais da NF2 (baixa audição, redução da acuidade visual e outros sintomas) mais cedo e assim, de alguma forma, comprometer o aprendizado.
Por outro lado, na neurofibromatose do tipo 1 (NF1), as dificuldades de aprendizado são a principal queixa das famílias e atingem de forma evidente cerca de 70% das crianças com NF1. Além disso, verificamos que 100% das crianças com NF1 apresentam desordem do processamento auditivo (ver postagens anteriores sobre esta questão). Portanto, a maioria das crianças com NF1 apresentará problemas de aprendizado.
Sabendo que 1 em cada 3 mil crianças nasce com a NF1, os profissionais da Educação têm alguma chance de encontrar um menino ou uma menina que precisa de atenção especial para que possa desenvolver seu potencial humano e ser feliz.
Uma vez que os graus de dificuldade de aprendizado variam muito de uma criança para outra, não há como sugerir uma conduta padronizada para todas as crianças com NF1. No entanto, creio que todas elas têm, pelo menos, dois aspectos em comum: todas precisam de mais tempo para realizarem suas tarefas (paciência na hora do para casa, por exemplo) e todas desempenham abaixo do que poderiam quando submetidas à pressão de tempo (provas, testes, apresentação oral, por exemplo).
Outra questão importante que os educadores podem ficar atentos é quanto aos problemas de comportamento das crianças com NF1. Já comentamos aqui que cerca de 1 em cada 3 crianças com NF1 preencheria os critérios para o diagnóstico de autismo e outro terço delas ficaria bem próximo do mesmo diagnóstico (ver postagens anteriores sobre autismo e NF1).

Estas observações acima indicam que a maioria das crianças com NF1 são pessoas com necessidades especiais que precisam ser atendidas pelos educadores de acordo com o perfil psicológico e cognitivo das crianças com NF1 (ver comentários anteriores sobre dificuldades de aprendizado na NF1).

Conversa com 
o médico e mestrando 
Bruno Cota 
sobre sua pesquisa 
na qual ele estuda 
as habilidade musicais 
e dificuldades de aprendizado 
em pessoas com NF1 e NF2.







1) Bruno, você é médico e músico. Como você se interessou pelas neurofibromatoses?

Em 2013, conheci a professora Ana Lana e a neurocientista Marília Nunes, em um curso na UFMG sobre Neurociência e música, e desde então direcionei meus esforços para também tornar-me neurocientista da música, sempre com o apoio e incentivo de ambas. Através delas conheci a professora Luciana Macedo, que mais tarde tornou-se importante viabilizadora desse sonho, como orientadora do meu projeto de mestrado, que a princípio consistiria em avaliar os efeitos analgésicos da música.

Convidamos para a co-orientação daquele projeto o professor João Gabriel, de quem fui aluno na graduação em medicina e por quem sempre tive grande apreço. O mesmo aceitou o convite com entusiasmo, mas diante das dificuldades técnicas para o desenvolvimento do projeto anterior, sugeriu pensarmos em algo diferente. 

João Gabriel disse-me então que, num encontro casual, você havia comentado com ele sobre a suspeita de um possível comprometimento do processamento musical em pessoas com Neurofibromatose do tipo 1, doença que até então eu só conhecia pelos livros.

Após uma semana de estudo intensivo sobre os assuntos envolvidos, vi que essa suspeita tinha fundamentos que justificariam essa investigação, até então não documentada na literatura. Ao ser recebido de braços abertos por você, pelo diretor do CRNF Nilton Rezende e pela fonoaudióloga Pollyanna Batista, não hesitei em mudar meus planos e definitivamente colocar em prática o novo projeto sobre dificuldades musicais em pessoas com NF1.

E, seja por essas circunstâncias ou por razões que ainda desconheço, apesar do pouco tempo de convivência e atividades no ambulatório, suspeito que as Neurofibromatoses não mais significam para mim somente algumas páginas de um livro na estante: tornaram-se um novo capítulo na minha história de vida, a ser construído com toda a dedicação que cada grande oportunidade merece.

Portanto, interessei-me pelas neurofibromatoses graças à persistência e à sorte, em uma cadeia de eventos, nos quais se incluem ganhos e perdas, realizações e frustrações, mas acima de tudo, pessoas fundamentais.


2) Então qual é a pesquisa que está realizando no CRNF?


A pesquisa tem como título “Amusia como distúrbio auditivo central na Neurofibromatose tipo 1”. A amusia, que consiste na incapacidade parcial ou total de perceber e reproduzir música, será investigada no meu estudo por meio de um teste que avalia algumas habilidades musicais dos participantes. Além desse teste, será realizada uma avaliação básica da audição, através dos exames audiometria e imitanciometria, e um exame eletrofisiológico da audição, que avalia como o som se processa no cérebro.

Todos os testes são confortáveis e não-invasivos, ou seja, não envolvem instrumentos que rompem a pele ou que penetram fisicamente no corpo. Também não emitem radiação, nem colocam em risco a integridade física ou psíquica dos participantes.
O tempo total dos testes é de aproximadamente 2 horas, sendo que os participantes que já se submeteram à avaliação audiológica básica recentemente não precisam repeti-la, reduzindo esse tempo de avaliação para 1 hora e meia, aproximadamente.


3) O que é que espera encontrar na pesquisa, ou seja, qual é sua hipótese?

Nossa hipótese é que a ocorrência de amusia seja maior entre os indivíduos com NF1 do que naqueles que não têm a doença, inclusive não esperamos encontrar a amusia nas pessoas que têm NF2 e audição preservada.  

Acredita-se que a amusia seja decorrente de um transtorno do processamento auditivo central. Isso significa que a forma como o cérebro interpreta a música está alterada nos indivíduos chamados “amúsicos”, apesar de não terem nenhum problema nos ouvidos ou em outras estruturas envolvidas na audição.

Em indivíduos com amusia desde o nascimento, foram observadas importantes alterações localizadas na substância branca cerebral, através de pesquisas com métodos de imagem (ressonâncias magnéticas). Sabe-se também que nas pessoas com NF1 são comuns as alterações na substância branca e há estudos que correlacionam esses achados com algumas desordens de linguagem e de aprendizado, também frequentes na NF1.

Além disso, em recente estudo desenvolvido pela Pollyanna no CRNF, constatou-se, de modo inédito, a existência de importante prejuízo do processamento auditivo em portadores de NF1, os quais também podem estar relacionados às alterações descritas.
Portanto, este conjunto de informações científicas constitui a fundamentação teórica que justifica a nossa investigação da amusia na NF1, reforçada pela opinião clínica de experientes profissionais que lidam com as neurofibromatoses. 



4) Você já tem resultados preliminares?

Na maioria das avaliações realizadas até o momento constatamos algumas alterações importantes no processamento musical nos portadores de NF1, quando comparados aos outros indivíduos sem a doença. Mas ainda estamos na fase inicial. É preciso um número maior de avaliações para concluirmos com segurança, baseada em uma criteriosa análise estatística.

Portanto, precisamos muito da ajuda de todos que tenham disponibilidade em participar da pesquisa, sejam pessoas com NF1 ou não. Cada participação é valiosa, pois esperamos que nossos resultados tragam novos conhecimentos em relação à doença.  Quem sabe, com esse estudo poderemos trazer mais esperança de tratamentos para as pessoas com NF1?

Quem tiver interesse em participar e nos ajudar é só entrar em contato pelo e-mail brucezar@hotmail.com.br ou telefones: 31-8806-3535 (Oi) ou 31-9194-2235 (Claro).  
As avaliações são realizadas na Faculdade de Medicina da UFMG, que fica bem próximo ao ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses. Agradeço desde já a todos que puderem participar desse projeto!   

Ontem, a escola da minha filha de 9 anos nos informou que ela não conseguiu atingir as mesmas competências dos colegas. 

Assim, apesar de transitá-la para o segundo ano, ela continuará com os livros do primeiro. Isso quer dizer que, no segundo ano:
– Ela verá o conteúdo da turma para o segundo ano enquanto ela vê o mais atrasado;
– Sairá de sala de aula para o acompanhamento especial, para a fonoterapia e, talvez, terapia ocupacional. Enquanto está neste atendimento, o restante da turma recebe novos conteúdos.
Não sou pedagogo, mas penso que mesmo com a professora particular acompanhando-a, dificilmente ela conseguirá chegar ao nível da turma.
Você passou por situação semelhante? O que podemos fazer para minimizar o impacto da diferença e ajudá-la no aprendizado?
Uma coisa que eu não consigo entender. Minha filha é muito antenada, entende tudo a sua volta, tem o pensamento rápido, mais até do que os irmãos, mas não consegue assimilar os conteúdos da escola. Será que o conteúdo deve ser dado de uma forma diferente?
Ela possui as manchas no cérebro. Segundo minha esposa, estas manchas são na área do aprendizado, pode ser isso mesmo? BPC, do Rio de Janeiro.
Resposta.
Sim, passei por situação semelhante à sua e creio que as dificuldades de aprendizado na NF1 afetam profundamente inúmeras famílias neste momento. Minha filha com NF1 já está com 36 anos, conseguiu se formar em Fisioterapia e leva uma vida praticamente normal. No entanto, como em grande parte das crianças com NF1, seu processo de aprendizado se deu de forma mais lenta do que para os demais colegas e algumas habilidades específicas ainda não foram alcançadas por ela, como a habilitação para dirigir automóveis.
Por causa das suas dificuldades, especialmente de memória, – e a capacidade de guardar informações é muito cobrada nos sistemas atuais de ensino, – ela repetiu algumas séries, o que acabou por forçá-la a completar o ensino de forma supletiva. Na faculdade (particular) ela continuou com as dificuldades de memória, necessitando de mais tempo do que os (as) colegas para adquirir o conhecimento médio de sua turma.
Então, a segunda questão que você levanta é se o conteúdo poderia ser ensinado de forma diferente. Também não sou pedagogo, mas tenho a impressão que a socialização deveria ser a maior tarefa da escola, ou seja, preparar as novas pessoas para viverem em sociedade, cuidando dos lações afetivos e das relações sociais.
No entanto, a ideologia da escolarização é formar indivíduos produtivos para o mercado de trabalho. Assim, não só para as crianças com NF1, a maneira de ensinar na maioria das escolas é produtivista, pouco interessante, desconectada da vida social real, excessivamente formal e muito baseada na memória, além de estimular de forma doentia a competição, a qual leva a comportamentos individualistas. Veja as crianças japonesas, tão tristes em seu produtivismo, educadas para se matarem de trabalhar e que são modelo para muitos países, inclusive o Brasil.
Minha opinião é de que sim, precisamos lutar por conteúdos escolares diferentes dos atuais, que deveriam ser voltados para o desenvolvimento dos afetos, da socialização, da inclusão de todos e do espírito comunitário e solidário. Menos campeões e mais corações. É difícil? Sim, mas saber que as falhas não estão na sua filha, mas no sistema educacional que a exclui como pessoa, impedindo-a de realizar seu potencial humano.
Concordo com você que os cuidados complementares que sua filha recebe retiram dela uma parte do tempo que poderia ser destinado aos chamados conteúdos escolares. Mas o efeito principal, a meu ver, é que estas atividades terapêuticas a afastam ainda mais da socialização com os colegas e criam uma situação especial, a qual pode, inclusive, ser fonte de discriminação e maus tratos. Portanto, devemos indicar atividades terapêuticas, que sejam cientificamente comprovadas como eficazes na NF1, apenas para os horários fora do período escolar.
Finalmente, sobre as manchas no cérebro, que, provavelmente devem ser hiperintensidades encontradas na ressonância magnética do encéfalo, geralmente decorrentes de pequenos hamartomas inofensivos. Houve uma época em que se suspeitou que estas manchas estariam relacionadas com as dificuldades de aprendizado, mas depois isto não foi comprovado.
Em conclusão, creio que nosso papel, como pais, deva ser a criação de entidades civis de defesa das pessoas com NF e a partir destas associações promovermos mudanças nas estruturas de ensino, tornando-as mais inclusivas, ou seja, menos competitivas e mais amorosas.

Tenho uma filha com 14 anos está cursando o 8º ano em escola particular. Ela faz acompanhamento com neurologista desde pequena, ela tem neurofibromatose. Na escola, minha filha apresenta muita dificuldade de concentração e aprendizado. Faz acompanhamento com professores particulares, mas mesmo assim apresenta muita dificuldade e não melhora as notas. Quero dizer, não consegue alcançar o desejado do que estuda. O neurologista já solicitou através de relatório, tempo alargado para as atividades, aceitar pequenos erros e acento preferencial. Mas, contudo, está sendo muito desgastante, pois ela está sendo cobrada da mesma forma. Existe alguma legislação onde posso assegurar o direito de minha filha já que existe tais necessidades. Agradeço desde já a atenção. JM, Belo Horizonte, MG.

Cara JM, obrigado pela sua pergunta, pois ela deve ser uma dúvida comum a muitos outros pais e mães de crianças com NF1.
Creio que a família deve insistir ao máximo na inclusão da criança na escola por meios amigáveis e cooperativos. Devemos buscar o diálogo com a escola, levando informações sobre a NF1 à escola, como a cartilha distribuída por nós (As manchinhas da Mariana). Se preciso, podem ser organizadas palestras ministradas na escola por participantes da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF).

No entanto, se nada disso funcionar, existe uma legislação que já está em vigor no Estado de Minas Gerais (onde você mora) que garante às pessoas com neurofibromatoses os direitos das pessoas com necessidades especiais, entre elas o direito a sistema de provas e avaliações específicas para as limitações causadas pela doença. Veja numa coluna à direita neste blog: Leis que podem ser úteis.

Entre também em contato com a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) (email da presidente atual Maria Danuzia Ribas: danuzia@sarah.br ), pois nossa associação vem acumulando experiências interessantes neste sentido.

Como temos comentado, o simples fato de ser uma pessoa com uma das neurofibromatoses (tipo 1, tipo 2 ou schwannomatose) não garante à pessoa doente os direitos especiais, pois é preciso que o exame técnico demonstre a existência de uma limitação ao desenvolvimento do potencial humano daquela pessoa. Para orientar o trabalho do exame dos peritos, um bom relatório de um profissional da saúde (medicina, psicologia, fonoaudiologia) com experiência em neurofibromatoses pode ser bastante útil na identificação das limitações causadas pela doença.
Por exemplo, as dificuldades de aprendizado são a queixa mais comum entre as pessoas com NF1, chamadas de déficits cognitivos, que se apresentam geralmente como: 1) redução das habilidades de visão e orientação espacial, 2) menor velocidade de compreensão de ideias, conceitos e problemas, 3) pouca coordenação motora para esportes e dança, 4) linguagem reduzida e 5) diminuição da função executiva (que é a capacidade de imaginar, planejar e coordenar diversas tarefas para executar funções). Estes problemas aparecem na infância e provavelmente continuam por toda a vida.
É claro que estes problemas podem ser mais ou menos graves. Em algumas pessoas com NF1 eles causam atraso escolar, dificuldade para passar de ano, mas a pessoa consegue completar sua formação básica. Noutras pessoas, a gravidade pode ser grande o suficiente para torna-las incapazes de aprenderem a ler e escrever ou interpretar uma informação escrita ou uma história narrada a elas.
Assim, no meu ponto de vista, o recurso jurídico é uma opção existente, mas deve ser tentado apenas depois que todos os caminhos mais amistosos e construtivos foram esgotados.
Se considerarmos que os problemas comportamentais e cognitivos estão relacionados entre si e que são a principal queixa das pessoas com NF1, especialmente na infância, compreendemos porque estes transtornos são um dos principais alvos das pesquisas que buscam tratamentos, especialmente a busca de remédios,para a Neurofibromatose do Tipo 1.


A partir de 2005, tomamos conhecimento de alguns resultados iniciais de pesquisas com a Lovastatina em camundongos. Foram estudados camundongos geneticamente modificados para apresentarem a NF1 e eles também apresentam dificuldades de aprendizado, as quais podem ser comparadas às dificuldades das pessoas com NF1. 

Observou-se que o tratamento com a Lovastatina corrigia as dificuldades de aprendizado dos camundongos e por isso este medicamento começou a ser testado também em seres humanos. Os resultados destas pesquisas em crianças com NF1 ainda não são conclusivos, pois alguns encontraram melhora da memória verbal e não verbal nas crianças estudadas, assim como em outras habilidades cognitivas, mas outros pesquisadores não encontraram os mesmos efeitos.

No momento, creio que dispomos de informação suficiente para experimentarmos cuidadosamente a Lovastatina em algumas pessoas com NF1 e com dificuldades de aprendizado que estejam limitando sua competência social. Para informações mais detalhadas sobre a Lovastatina na NF1, veja a página ao lado dedicada especialmente a este assunto.

Ritalina e NF1.

A ritalina (ou metilfenidato) é outro medicamento que tem sido estudado em crianças com NF1 e dificuldade de atenção e hiperatividade. Cerca de metade das crianças com NF1 apresenta um quadro semelhante ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que me parece mais dificuldade de atenção do que hiperatividade. As crianças com NF1 + TDAH têm resultados piores do que aquelas com NF1 sem TDAH e apresentam mais chance de problemas comportamentais. Assim, seria importante obtermos um medicamento que pudesse melhorar os sintomas de semelhantes ao TDAH na NF1.


Alguns resultados de pesquisas na Alemanha (Mautner e colaboradores em 2002 e 2013 – ver artigo completo aqui) e na França (Lion-François em 2014 – ver artigo completo aqui) têm mostrado que a ritalina usada cuidadosamente melhorou os testes cognitivos, assim como o nível de atenção e os problemas de comportamento das crianças com TDAH e NF1. Assim, creio que a ritalina pode ser experimentada de forma criteriosa em crianças com NF1 que apresentem dificuldades de atenção, hiperatividade e problemas comportamentais.





Além dos problemas cognitivos, sobre os quais falamos ontem, algumas dificuldades psicológicas são comuns entre as pessoas com NF1. Elas são obrigadas a enfrentar o fato de que possuem uma doença que é: 

1) Genética – o que traz muitas vezes conflitos de culpa, medo de transmissão para os filhos e netos, preconceitos sociais; 

2) Crônica – os achados e complicações da NF1 estão presentes desde o nascimento e podem ocorrer ao longo da vida; 

3) Incurável – apesar de diversos tratamentos poderem melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1, não existe qualquer tratamento cirúrgico ou medicamentoso que possa acabar com a doença de uma vez; 

4) Variável de uma pessoa para outra – como a NF1 se manifesta de forma completamente diferente de uma pessoa para outra, torna-se difícil conhecermos a evolução natural da doença; 

5) Imprevisível – é muito difícil saber o que vai acontecer com determinada pessoa num dado momento; 

6) Sem representação social – ou seja, a sociedade desconhece a doença, as suas causas, o significado do seu nome, as suas consequências e assim não sabemos o que sentir diante de uma pessoa com NF1; 

7) Que pode causar discriminação social – seja pela aparência dos neurofibromas e outras lesões, seja pelas dificuldades de aprendizado, ou pelos problemas cognitivos e comportamentais, as pessoas com NF1 têm muitas chances de serem incompreendidas e sofrerem discriminação na comunidade em que vivem.


Por tudo isso, as pessoas com NF1 apresentam maior número de casos de ansiedade, medo, baixa autoestima e falta de sucesso profissional, o que afeta também a sua família. Uma ampla faixa de sintomas psicossociais pode estar presente nas crianças e adolescentes com NF1, como imaturidade emocional, incompetência social, timidez excessiva, limitações para entrar no mercado de trabalho e dificuldades para desenvolver relações amorosas. 

Apesar de tudo isto, surpreendentemente, as próprias pessoas com NF1 se avaliam de forma mais positiva do que seus pais e professores, o que aumenta a nossa preocupação em não superprotegê-las, mas, ao contrário, tentarmos garantir a realização do potencial humano de cada uma delas.

As intervenções profissionais direcionadas aos aspectos psicossociais das pessoas com NF1 devem ser baseadas em quatro aspectos:

1) Facilitar o acesso e a transferência de informação sobre a NF1 entre os profissionais que cuidam da pessoa com NF1 (professores, profissionais da saúde) e a família, acompanhando de que maneira ela compreende e adota as informações disponíveis;

2) Ajudar o desenvolvimento de estratégias para a pessoa com NF1 lidar com problemas, relacionados ou não à NF1, estimulando os sentimentos positivos e a aceitação da doença;

3) Auxiliar o desenvolvimento de um plano de vida profissional e afetivo para a pessoa com NF1 e fornecer aconselhamento genético;

4) Mediar as relações entre a pessoa com NF1 e sua família com as instituições de saúde (públicos ou planos de saúde, seguridade social).

É importante lembrar que o suporte a ser oferecido às pessoas com NF1 envolve tanto os aspectos de saúde quanto problemas sociais e econômicos.

Amanhã continuamos falando de tratamento para os problemas de aprendizado e comportamentais. 
Continuando minha resposta para a mãe GC, de Fortaleza, que tem um filho com NF1 e problemas de comportamento e aprendizado. Lembro que entre os problemas cognitivos, as dificuldades de comunicação são comuns nas pessoas com NF1. 
 
 
Por causa da dificuldade de coordenação motora, as pessoas com NF1 podem apresentar um ou mais dos seguintes problemas fonoaudiológico:
 
1)     Desordem do processamento auditivo (ouvem bem, mas entendem mal)
Clique aqui para ver a descrição do problema

2)     Dificuldade na produção de alguns sons
3)     Gagueira
4)     Fala acelerada
5)     Redução da qualidade da voz (voz anasalada, rouquidão, aspereza, volume alterado, rangidos, fraqueza)

6)     Dificuldade de respiração durante a fala.

Um estudo sobre problemas fonoaudiológicos na NF1 foi realizado no CRNF pela fonoaudióloga Carla Menezes da Silva, orientada pelo professor Nilton Alves de Rezende, e acabou de ser publicado. Ela descobriu que muitas pessoas com NF1 apresentam dificuldades de articulação dos músculos da boca e da face, que prejudicam sua capacidade de respirar, mastigar, engolir e falar. Esta redução da força muscular na face mostrou-se relacionada com a redução de força muscular geral que nós temos observado em pessoas com NF1. 
 

Até agora, não temos ainda evidências seguras de que estes problemas possam ser diminuídos com quaisquer tratamentos, sejam eles tratamentos fonoaudiológicos ou medicamentosos.

 
No entanto, recentemente, no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses, a fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista comparou o efeito de 8 semanas de treinamento auditivo em crianças com NF1 e desordem do processamento auditivo. O treinamento consistiu em simular (durante uma hora 3 vezes por semana) o ambiente sonoro das aulas, com ruídos e falas dos colegas, com mudanças na direção do som e das palavras que deveriam ser compreendidas, além do uso de música e outros recursos. O objetivo era treinar as crianças a compreenderem melhor o que ouviam, apesar de ruídos no ambiente.
 
A Pollyanna comparou 21 crianças com NF1 que receberam o treinamento com outras 9 que não receberam o treinamento. Para comparar com pessoas sem NF1, a fonoaudióloga aplicou o mesmo treinamento auditivo em outro grupo de 10 crianças sadias da mesma idade e sexo. A nossa conclusão está sendo apresentada num congresso sobre NF, em Monterrey nos Estados Unidos, agora em junho de 2015.
 
Podemos dizer que o treinamento auditivo melhorou alguns dos testes realizados nas crianças, mesmo depois de 4 semanas de interrompido o treinamento. Este deve ser um dos primeiros estudos no mundo a demonstrar que o treinamento auditivo pode melhorar a desordem do processamento especificamente em crianças com NF1. Esperamos que este estudo pioneiro seja ampliado e confirmado por outros pesquisadores e que tratamentos auditivos mais prolongados possam trazer mais benefícios. Nossa esperança é que a melhora no processamento auditivo traga melhoras na linguagem das crianças com NF1 e no seu aprendizado em geral.
 
Veja algumas informações muito importantes sobre desordem do processamento auditivo no BLOG da fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista CLIQUE AQUI
Amanhã, retomo outras possibilidades de tratamento das dificuldades de comportamento e aprendizado nas crianças com NF1.

Continuando a resposta para a mãe GC, de Fortaleza, sobre as dificuldades cognitivas e de comportamento de seu filho com NF1.

O primeiro cuidado que desejo sugerir para todas as famílias de crianças com NF1 é que elas recebam uma atenção especial para o seu desenvolvimento social, seu crescimento afetivo e seu aprendizado.

Por atenção especial quero dizer que a família e a escola devem se informar sobre a doença e suas características e conversar francamente sobre a NF1, pois o conhecimento ajuda a enfrentar os problemas, mesmo quando eles não têm solução.

Neste sentido, deve-se informar com cuidado e delicadeza os colegas e amigos as dificuldades próprias das crianças com NF1 para que seja criada uma comunidade de acolhimento e compreensão.

Criar condições especiais para o aprendizado significa dar mais tempo para as crianças com NF1 realizarem suas tarefas, sejam os deveres de casa, sejam as provas, sejam as respostas verbais e participações coletivas.

A família e a escola devem conseguir espaços e permitir o tempo apropriado para o aprendizado motor, como nas atividades lúdicas, na música, na dança e nos esportes, por exemplo.

Pais e professores devem ter mais paciência com a desordem do processamento auditivo, que provavelmente todas as crianças com NF1 apresentam, cuidando para pronunciarem as palavras com clareza, pois elas podem ser compreendidas de forma errada.

Criar condições especiais significa compreender a dificuldade de socialização das crianças com NF1, sua baixa tolerância à frustração e à mudança de regras, sua dificuldade para compreender as ironias e brincadeiras dos colegas.

Assim, o grande desafio é oferecer condições especiais em alguns momentos e, ao mesmo tempo, não tratar a criança com NF1 como incapaz por causa de sua doença. Ou seja, acolher, compreender, mas não superproteger. Descobrir onde a criança é capaz de conduzir sozinha a sua vida e onde ela precisa de ajuda.

É fácil? Não. É muito difícil este trabalho, tanto para a família quanto para a escola, mas não temos alternativa a não ser tentarmos.

Amanhã, volto a falar de dificuldades de comportamento e medicamentos que estão sendo estudados para estes problemas.