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Doutor, tenho neurofibromatose e quatro filhos, duas meninas e dois meninos. Uma das meninas tem a NF1 e um dos meninos também. A menina com NF1 tem problema na visão e o menino não.
A doença é diferente para os meninos e as meninas?
Por que a metade dos meus filhos tem a doença e a outra não? RA, de Belo Horizonte, MG.
Cara R. Obrigada pela sua pergunta que deixei para responder depois de tentar esclarecer ontem o que são doenças genéticas, congênitas e hereditárias.
Como vimos, as neurofibromatoses são doenças genéticas, portanto são também congênitas, e tanto podem ocorrer por causa de uma nova mutação, quanto serem herdadas de um dos pais (hereditárias).
Outra característica das NF, especialmente da NF1, é que basta um dos pais ter a doença para que metade de seus filhos tenha a chance de herdar, como aconteceu com você. Isto acontece porque para o funcionamento normal do nosso organismo precisamos da proteína neurofibrominaproduzida pelos genes herdados do pai e da mãe. Se faltar um dos genes (materno ou paterno) ou se um deles vier com alguma mutação que atrapalhe a formação da neurofibromina, a neurofibromatose se manifesta obrigatoriamente. Por isso chamamos a NF1 de doença genética dominante.
Quando é necessário que a mutação esteja presente no gene do pai e no gene da mãe para a doença se manifestar, chamamos de doença genética recessiva, como é o caso da fibrose cística. Neste caso, os pais são chamados de “portadores”, porque eles carregam o gene alterado, mas sem expressar a doença. Neste sentido, não podemos usar a expressão “portadores de NF1”, porque sempre que a mutação da NF1 estiver presente numa pessoa ela apresentará a doença. Chamamos a isto de expressão completa da doença.
Esta informação sobre a expressão completa da NF nos ajuda a compreender porque a NF não salta gerações, por exemplo de avós para netos (as) ou de tios para sobrinhos (as). Ou seja, se uma pessoa tem NF e seu filho (ou filha, tanto faz) não herdou a NF, seu neto (ou neta) – que é filho deste filho sem a doença – também não herdará a doença.
E as neurofibromatoses acontecem tanto em meninos quanto em meninas?
Existem doenças genéticas nas quais o defeito está localizado num dos cromossomos sexuais, no X ou no Y. Chamamos de doenças genéticas ligadas ao sexo. Estas doenças poderão ou não ocorrer ou se manifestar de formas diferentes dependendo do sexo do bebê. Por exemplo, a hemofilia, na qual um defeito recessivo localizado no cromossomo X for herdado da mãe, se for um bebê masculino (XY) a doença se manifestará nos filhos e não nas filhas (como aconteceu com o cartunista Henfil e seus irmãos Betinho e Chico Mário – clique aqui para ver o documentário Três Irmãos de Sangue).
As neurofibromatoses não são doenças ligadas ao sexo, porque os defeitos estão em outros cromossomos (no 17 na NF1, no 22 na NF2, no SMARCB na schwannomatose e no SPRED1 na Síndrome de Legius). Por isso chamamos as NF de doenças genéticas autossômicas, que podem acontecer com a mesma frequência (50%) em meninos e meninas, como, por exemplo na sua família.
Amanhã veremos se a gravidade da doença é a mesma para meninos e meninas.
O senhor disse outro dia que ficamos confusos com as informações médicas sobre a nossa doença. Gostaria de saber se as neurofibromatoses são genéticas ou hereditárias? JTP, de Brasília, DF.
Caro J, obrigado pela sua dúvida que provavelmente deve ser de outras pessoas também.
Resumindo ao que nos interessa para compreendermos as neurofibromatoses, em geral as doenças podem ser divididas de acordo com sua causa, com a época de aparecimento e se são transmitidas ou não para os filhos.
Quanto às causas, as doenças podem ser genéticas ou adquiridas.
As doenças genéticas são produzidas por alterações no nosso código genético (mutações que acontecem totalmente ao acaso) que prejudicam o funcionamento normal do nosso organismo. Por exemplo, um erro no momento de copiar o DNA do pai para formar o espermatozoide (ou o óvulo na mãe) pode dar origem a uma criança com um gene incapaz de formar corretamente a proteína neurofibromina. Assim, o desenvolvimento dos tecidos da criança, especialmente a pele e o sistema nervoso, pode apresentar algumas diferenças que nós chamamos de critérios diagnósticos para neurofibromatose do tipo 1.
Algumas doenças genéticas acontecem por causa de mutações que surgem no embrião depois da fecundação. Nestes casos, apenas parte do organismo conterá a alteração no DNA e a doença se manifestará de forma irregular: em apenas metade do corpo, ou numa perna ou num braço, etc. São casos mais raros na NF1, que nós chamamos em mosaicismo ou forma segmentar, mas são mais frequentes na NF2 e mais ainda na schwannomatose.
As doenças adquiridas são causadas por fatores externos, por exemplo, a gripe causada pelo vírus influenza, ou internos, como o diabetes, causado pela incapacidade do organismo em utilizar os carboidratos de forma adequada.
É importante lembrar que muitas das doenças adquiridas também possuem maior ou menor tendência genéticapara o seu desenvolvimento. Os próprios exemplos citados, gripe e diabetes, são doenças que dependem de fatores externos, internos e de predisposição genética para acontecerem.
Quanto à época de aparecimento, as doenças podem ser congênitas, da infância e adolescência, da vida adulta ou do envelhecimento. As doenças congênitassão aquelas que já estão presentes na gestação ou no nascimento, enquanto as outras ocorrem nas demais fases da vida.
É importante lembrar que as doenças genéticas, como as neurofibromatoses, são, é claro, congênitas, mas suas características podem se manifestar apenas mais tarde, como na neurofibromatose do tipo 2, em que os tumores no nervo vestibular geralmente dão sintomas depois da adolescência. Por outro lado, algumas características das doenças genéticas podem já estar presentes no momento do nascimento, como as manchas café com leite e os neurofibromas plexiformes na NF1.
Quanto à possibilidade de transmissãoda doença de um dos pais para os filhos, as doenças podem ser hereditárias ou não hereditárias. As doenças verdadeiramente hereditárias precisam ser genéticas e a mutação deve estar presente no espermatozoide ou no óvulo, para que venha a fazer parte da nova pessoa.
No entanto, algumas infecções maternas (como exemplos, pelo vírus HIV, pelo agente da sífilis, pelo protozoário da Doença de Chagas e pela bactéria da úlcera gástrica) podem ser transmitidas durante a gestação da mãe para a criança e algumas pessoas usam para elas o termo hereditário. Nestes casos, penso que o mais adequado seria dizer que estes exemplos são doenças congênitas.
E as neurofibromatoses?
As neurofibromatoses são doenças genéticas, logo são também congênitas, mesmo que os sinais clínicos não estejam presentes ao nascimento.
As neurofibromatoses tanto podem ocorrer por causa de uma nova mutação, quanto serem herdadas de um dos pais (hereditárias).
Todo indivíduo com neurofibromatose, portanto, possui uma doença genética e que é hereditária a partir dele mesmo.
Amanhã comentarei porque basta apenas um dos pais ter a NF1 ou a NF2 para haver a chance de metade dos filhos nascer com a doença. E também se as neurofibromatoses atingem meninos e meninas da mesma forma.
Continuando a resposta para a AH de Canoas, RGS.
Cara AH, as informações que me enviou servirão de base apenas para uma orientação geral que farei a seguir, que pode ser útil a outras famílias, mas somente depois de um exame realizado pessoalmente por alguém com experiência em neurofibromatoses poderia orientar você com segurança.
Você disse que seu filho de 15 anos teria o diagnóstico de NF1, que depois foi modificado para NF2.De fato, algumas vezes isto acontece na prática, inclusive comigo já ocorreu uma vez, porque as manchas café com leite e nódulos subcutâneos nos induzem a pensar que estamos diante de uma pessoa com NF1, que é muito mais comum do que a NF2.
Você disse também que seu filho tem vários schwannomas e tumores espalhados pelo sistema nervoso. De fato, o laudo da ressonância magnética do encéfalo que me enviou apresenta: schwannomas bilaterais em diversos pares cranianos, inclusive no nervo vestibular e um provável meningioma. Além disso, o oftalmologista informou que ele tem catarata, o que, considerando a idade de seu filho, poderia ser, de fato, a catarata juvenil (ou subcapsular posterior). Estas informações seriam suficientes para o diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 2.
Você pergunta se a catarata de seu filho poderia ser tratada e minha resposta é sim, se houver prejuízo bastante da visão que necessite a substituição do cristalino opaco por uma prótese transparente.
A diplopia que ele apresenta pode ocorrer na NF2, inclusive precocemente na infância, por motivos ainda não bem compreendidos, como resultado de menor coordenação dos músculos que movem os olhos. Ainda não tenho certeza se há tratamento específico para este problema na NF2, como fisioterapia especializada, mas continuarei procurando saber.
Por outro lado, você disse que seu filho teria neurofibromas plexiformes. Sabemos que os neurofibromas plexiformes são quase que exclusivos da neurofibromatose do tipo 1. Os neurofibromas plexiformes são congênitos e formam estruturas enoveladas de múltiplos tumores associados em torno de um conjunto de nervos. Assim a minha tendência é achar que houve alguma interpretação anatômica imprecisa dos tumores que ele apresenta, que podem ser os schwannomas múltiplos, os quais poderiam dar a aparência de “plexiformes”. No seu relato inclusive você menciona a expressão “schwannomas plexiformes”, reforçando a minha impressão de que esta questão precisa ser resolvida pessoalmente por um especialista. De qualquer forma, há uma dúvida aqui que precisa ser esclarecida, para a melhor orientação de sua família.
Em seguida você trouxe outras informações sobre seu filho que, geralmente, não fazem parte da NF2. Você disse que ele tem baixa estatura e ausência de espermatozoides no exame de laboratório. Além disso, enviou-me o exame do cariótipo de seu filho (o cariótipo é a análise microscópica dos pares de cromossomos), cujo laudo diz que se trata de um cariótipo 46;XY, ou seja, um número normal de cromossomos de uma pessoa do sexo masculino. No entanto, na cópia do exame que enviou há anotações feitas a caneta, que me parecem de um (a) médico (a), que lançam dúvidas sobre o laudo, sugerindo que haveria dois cromossomos X e não um X e um Y, ou seja, seria o cariótipo de uma menina e não de um menino. Finalmente, você informou que ele tem o “baço comprido”.
As informações sobre seu filho nos fazem pensar sobre uma questão que muitas famílias nos trazem: alguém com NF pode ter outras doenças genéticas ao mesmo tempo? Infelizmente, sim, isto é uma possibilidade. Tomemos, por exemplo, a Síndrome de Kleinefelter, que apresenta dois cromossomos X e um Y, o que causa ausência de espermatozoides e outros problemas. Esta síndrome ocorre em 1 em cada 600 crianças, portanto muito mais comum do que as NF (e por causa dos exames de seu filho, esta possibilidade precisa ser afastada no caso dele). É claro que alguém pode ter a infelicidade de sofrer com os dois problemas genéticos ao mesmo tempo. A chance desta associação ocorrer, NF2 e Kleinefelter, por exemplo, é de 1 em 12 milhões de pessoas. Muitíssimo raro, é verdade, mas infelizmente possível.
Cara AH, concluindo minha resposta, compreendo seu coração apertado de mãe e creio que seu filho precisa ser examinado pessoalmente por alguém com experiência em neurofibromatoses para orientá-la sobre a provável NF2 que ele deve ter e esclarecer os demais problemas que ele apresenta. Para procurar especialistas, veja neste blog “onde tratar”.
Neste último sábado de maio, participei de mais uma das reuniões mensais da Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF), que acontecem há cerca de 13 anos de forma regular.
Entre os diversos temas interessantes que discutimos, um deles parece importante comentar aqui: se devemos ou não informar às pessoas com as quais convivemos que temos uma das formas de neurofibromatose. É claro que cada pessoa tem suas razões para comentar ou não com os outros sobre sua doença, então, vou apresentar a minha opinião.
Inicialmente, é preciso saber se a doença é evidente para as demais pessoas. Uma doença pode ou não ser percebida de imediato por causa de sinais aparentes (como as manchas café com leite, os neurofibromas, ou uma deformidade) ou por causa de alterações na interação social, como dificuldade cognitiva (tipo de fala, capacidade de perceber o ambiente) ou alteração comportamental (timidez, inquietude, isolamento).
Por exemplo, na neurofibromatose do tipo 1, desde a infância alguns sinais e comportamentos são visíveis para a família, colegas e professores. Ao contrário, na neurofibromatose do tipo 2 os sinais e sintomas geralmente aparecem depois da adolescência e na Schwannomatose depois dos 30 anos de idade.
Na minha opinião, especialmente como pai de uma pessoa com NF1, creio que quando a doença não é visível de imediato não haveria benefício em tornar pública a sua existência, a não ser quando alguma limitação (auditiva ou visual, por exemplo, na NF2) se tornasse evidente.
Por outro lado, na NF1, os sinais e sintomas geralmente já são facilmente percebidos em metade das crianças desde a sua infância e, numa parte delas são tão evidentes que não podem ser ignorados (como uma assimetria facial causada por um neurofibroma plexiforme sobre uma das pálpebras, por exemplo).
Assim, creio que quando a neurofibromatose for evidente, seria útil falarmos sobre a doença com aquelas pessoas que convivem diretamente e cuidam da criança.
Por quê? Primeiro, porque tenho a impressão de que quando as pessoas tomam conhecimento do que se trata um determinado problema (uma mancha cutânea, um neurofibroma, um comportamento diferente, timidez, dificuldade de aprendizado, por exemplo), elas podem afastar o seu medo e o seu preconceito.
É humano e natural que tenhamos medo do desconhecido, e por isso reagimos ao nosso próprio medo com a zombaria, a discriminação, a piada, o preconceito e a discriminação da diferença.
No entanto, nos sentimos mais tranquilos quando somos informados de que aquele problema não é contagioso, de que não vai crescer duma hora para outra, de que aquilo pode doer ou não, de que já está sendo acompanhado por profissionais da saúde e que faz parte de outros problemas ligados à neurofibromatose.
Ao serem informadas sobre o problema de saúde da criança, as pessoas sentem que mereceram a confiança da pessoa doente ou de sua família e elas têm a chance de manifestarem sua simpatia e seu acolhimento. Como meu neto Francisco, que ao saber que sua tia Maria Helena era a única em toda a família com as manchas café com leite, disse: – Não se preocupe, tia Bebé, quando eu crescer vou ter neurofibromatose com você.
Além disso, é fundamental que as pessoas envolvidas nos cuidados da criança com NF1 (professores, familiares) saibam de sua doença para ajudarem-na a enfrentar as dificuldades relacionadas com a doença, oferecendo os suportes especiais para que ela possa atingir seu potencial humano (como mais tempo para fazer o para casa, local especial na sala de aula para não ser distraída, dicas de atenção durante uma prova, posição especial nos esportes, etc.).
No entanto, sei o quanto é difícil dizermos a outra pessoa que um parente nosso, especialmente um filho ou filha, tem uma doença genética. Muitas famílias fazem verdadeiro voto de silêncio em torno de uma doença genética num de seus membros, e esta negação da doença acaba por aumentar um certo sentimento de vergonha, como se houvesse algum tipo de culpa por parte dos pais. Se não se pode falar de um assunto é porque ele deve ser motivo de vergonha, e assim, com nosso silêncio, acabamos reforçando o preconceito.
Como as doenças genéticas são mesmo de difícil compreensão (até mesmo pelos profissionais da saúde), temos medo de expor nossa criança e não sermos compreendidos, de que nossos outros filhos sejam prejudicados em seus relacionamentos, enfim, temos receio de que oportunidades sejam perdidas pela nossa família pelo preconceito social.
Apesar disso, ainda acredito que o melhor caminho é vencermos a barreira do silêncio e revelarmos a doença para quem convive com nossa criança.
Mas, se vamos falar sobre a neurofibromatose, o quanto explicar sobre a doença de cada vez? Aos professores, demais parentes e cuidadores, devemos fornecer informações básicas e úteis, que possam fazer diferença no cuidado, de forma positiva, evitando transformar nossa criança numa vítima.
E para colegas e amigos das crianças com neurofibromatose? Este é um ponto muito importante. Primeiro, penso que devemos informar a própria criança sobre sua doença, na medida em que ela for perguntando e tendo idade para compreender as respostas. Para isto criamos a cartilha “As manchinhas da Mariana”, gratuita e disponível na página da AMANF. Nossa experiência nestes vários anos com a cartilha é que ela é útil para os pais conversarem com a criança e com os professores e colegas.
Para concluir, a nossa presidente atual da AMANF, Maria Danúzia Ribas, tem utilizado uma saída muito interessante: ela pede à própria filha que explique, quando possível, é claro, a sua doença para colegas e amigos. Creio que isto é uma boa ideia.