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“Encontrei o seu blog por meio de indicações em um grupo de neurofibromatose no Facebook. O meu noivo é portador da NF1, faz acompanhamento frequente por meio de exames e consultas de rotina. Além disso, faz uso contínuo de medicamentos muito fortes e que não fazem o efeito esperado… Vejo que o tratamento que ele realiza não é tão eficaz e interfere muito na rotina dele, o prejudicando, mais do que ajudando. Gostaria de saber se existe algum tratamento alternativo para neurofibromatose? Eu não concordo com os remédios que ele usa por não proporcionar melhoras e também porque, cada vez que ele volta de uma consulta, vem com uma receita de remédios diferente”. NG, de local não identificado.

Cara N, você trouxe questões muito importantes, mas também bastante complexas. Vou tentar responder aos poucos, para nos entendermos bem.

De início, quero abordar uma de suas perguntas, aquela sobre se o “tratamento” que ele tem realizado (exames e consultas, além dos medicamentos) realmente ajuda ou acaba atrapalhando a vida do seu noivo.

Coincidentemente, esta é uma dúvida que faz parte de outra mais ampla, que venho discutindo com o Rogério Lima, fundador da Associação Maria Vitória de Doenças Raras e que está realizando seu doutorado em Coimbra. Será que o diagnóstico precoce da NF favorece a uma vida de menores oportunidades por causa do estigma da doença? Será que a partir do momento do diagnóstico nós passamos a tratar a criança de forma especial, o que faz com que, ao longo do tempo, ela se sinta diferente, limitada, doente ou menos incapaz? Será que os exames periódicos de seu noivo ajudam ou atrapalham a sua vida?

Rogério tem levantado esta dúvida porque na sua pesquisa ele está entrevistando pessoas e famílias com NF1 e vem tendo uma impressão inicial de que as pessoas diagnosticadas mais tarde parecem mais capazes e autônomas do que aquelas diagnosticadas mais cedo. Como se o diagnóstico da NF condicionasse a pessoa a uma vida mais limitada a partir da sua realização.

Tenho argumentado com ele que esta impressão de que o diagnóstico da NF criaria um “destino” diferente para a pessoa, de fato, pode acontecer e, inclusive, comentei sobre isto numa resposta anterior sobre se os atestados médicos para a escola ajudam ou prejudicam as crianças (CLIQUE AQUI).

No entanto, como em toda pesquisa verdadeiramente científica, precisamos ter cautela com as primeiras impressões e submetê-las à prova dos números e aos testes da estatística. Somente então, depois de afastados os desvios causados pela nossa subjetividade natural, os dados poderão nos iluminar a realidade. Por exemplo, as condições sociais e econômicas das famílias que tiveram o diagnóstico tardio são semelhantes às condições de vida, ao acesso os equipamentos de saúde e à atenção médica das famílias que tiveram o diagnóstico precoce?

Outro exemplo, é preciso testar a hipótese (que me parece provável) de que as pessoas com diagnóstico de NF mais tardio seriam aquelas com formas menos graves da doença e, consequentemente, podem levar uma vida mais capaz e com menos limitações. Isto parece estar bem estabelecido na NF do tipo 2, na qual as formas mais graves se manifestam precocemente (ver a história de MFO no blog de sexta feira passada). Isto seria verdadeiro também para a NF1?

Por outro lado, concordo com o Rogério que a realização do diagnóstico de NF é um marco importante na vida de uma pessoa, pois este momento seguramente deverá modificar sua trajetória de vida. Sabendo-se com NF, uma pessoa tomará conhecimento das probabilidades da evolução de sua doença, das implicações quanto ao planejamento familiar e precisará adotar as novas condutas exigidas pelo acompanhamento da doença. Tudo isto deverá criar novas expectativas de vida, ou seja, um novo futuro. Assim, em certa medida, um novo “destino” será definido a partir daquele instante.

As diferenças fundamentais que podem ocorrer neste momento crucial do diagnóstico são as cores com as quais pintamos o novo futuro: elas podem ser excessivamente sombrias e incapacitantes, ou podem ser falsamente douradas e enganadoras, ou podem ser realistas e úteis para o desenvolvimento do potencial de vida daquela pessoa.

Certamente cabe aos profissionais da saúde uma grande responsabilidade neste momento, pois com suas informações “científicas” eles participarão da construção de uma representação social da doença para aquela família. No entanto, considerando que as NF são doenças raras, é muito grande a chance de que as informações iniciais fornecidas pelos profissionais da saúde não sejam realistas e sim otimistas demais ou pessimistas demais.

Portanto, a realidade de pertencermos ao grande grupo das doenças raras nos força a criar mecanismos compensadores para esta falta de conhecimento dos profissionais da saúde. Nosso caminho, então, é a criação de associações de pessoas com doenças raras para o apoio mútuo, para o compartilhamento de informações, para o nosso “empoderamento” do próprio corpo, da própria saúde, assumindo-nos enquanto pessoas e cidadãos.

Amanhã retomo as outras questões trazidas pela NG sobre seu noivo com NF1.

 Primeiramente gostaria de agradecer ao trabalho de vocês. Tenho 20 anos, e foi diagnosticada com neurofibromatose, porém a minha família e eu não temos condições financeiras de pagar um tratamento, além de não ter conhecimento de onde me tratar na minha cidade

Gostaria de saber se é possível que possa realizar o meu tratamento em outras partes do Brasil? Se possível como posso fazer isso? Quais as chances de ter câncer? Tenho 4 caroços nos bicos do seio isso me preocupa muito! Qual a expectativa de vida de um portador de neurofibromatose? É possível morrer de neurofibromatose? Desculpa tantas perguntas, é que tenho muitas dúvidas e não sei a quem procurar. Abraços, ES, de Vitória da Conquista, Bahia.


Resposta

Cara E. Obrigado pelas suas perguntas, todas elas muito importantes.

Comecemos por onde você pode receber atenção especializada. Como tenho insistido, infelizmente, devido ao fato das neurofibromatoses serem doenças raras (apenas cerca de 80 mil brasileiros em 200 milhões de habitantes), ainda não dispomos de centros de referência suficientes para atendimento público. Veja na página ao lado alguns endereços e contatos no Brasil atualmente.
Por causa do pequeno número de centros especializados em neurofibromatoses, temos sugerido que as pessoas que vivem em cidades sem estes recursos, como você, que procurem os serviços de saúde de sua cidade e se mobilizem para que as autoridades cumpram a portaria do Ministério da Saúde, garantindo o pleno atendimento das pessoas com doenças raras.  Veja na página ao lado as leis já existentes sobre isto.
Além disso, as pessoas sem recursos locais especializados podem pedir à médica ou ao médico responsável, como no seu caso, que me envie um relatório para que possamos conversar sobre algumas sugestões que eu teria a fazer ao (à) colega.
A outra pergunta que você nos traz é sobre a expectativa de vida nas neurofibromatoses. Comecemos pela NF1.
O que é expectativa de vida? Ela quer dizer que, por exemplo, se a expectativa de vida para as brasileiras é que elas venham a viver 80 anos, metade de todas as mulheres chegariam a esta idade e a outra metade faleceria antes dos 80. Ou seja, é uma previsão sobre a idade em que a metade das pessoas consideradas ainda estaria viva.
Ainda não podemos afirmar com certeza se existe uma mesma expectativa de vida para todas as pessoas com NF1, porque aquelas que já nascem com algumas formas mais graves da doença talvez pesem nas estatísticas, reduzindo a média da expectativa de vida de todos os demais. Assim, considerando esta dúvida, alguns estudos apontavam uma redução geral de cerca de 15 anos na expectativa de vida para as pessoas que têm NF1.

Nota: Uma revisão da equipe de Manchester, em 2011, mostrou que esta redução da expectativa de vida atualmente já foi reduzida para 8 anos, como resultado das novas abordagens de cuidados gerais.

Assim, as pessoas que nasceram com NF1 teriam sua expectativa de vida reduzida em cerca de 8 anos, ou seja, voltando ao nosso exemplo das mulheres brasileiras, metade delas viveria até os 73 anos e a outra metade faleceria antes. É preciso lembrar que esta informação se refere apenas a populações e não tem valor nenhum para uma determinada pessoa em particular.
O que pode reduzir a expectativa de vida na NF1? A principal causa das mortes precoces na NF1 são as transformações de grandes neurofibromas plexiformes em tumores malignos da bainha do nervo periférico. Outras formas de câncer também estão um pouco aumentadas na NF1, como o câncer de mama nas mulheres, a leucemia mieloide crônica e um tipo de tumor sólido do estômago. Por isto, os controles anuais e exames preventivos devem ser realizados regularmente.
Quanto à neurofibromatose do tipo 2, há informações de que a expectativa de vida seja de 62 anos, mas estes dados são um pouco antigos (mais de dez anos) e é possível que os tratamentos atuais estejam melhorando esta expectativa. Como a schwannomatose é ainda mais rara (uma pessoa em cada 40 mil), não disponho de dados sobre a expectativa de vida para as pessoas acometidas por ela.
De qualquer forma, nenhum de nós, com ou sem as neurofibromatoses, sabe exatamente quanto tempo nos resta de vida e por isso é importante tentarmos viver plenamente todos os dias. Talvez possamos até mudar o termo de expectativa de vida para ESPERANÇA DE VIDA.