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 “Todos os neurofibromas têm o famoso aspecto de “botão” (afunda quando apalpado) ou podem ter a aparência e consistência de uma “picada de inseto” ou espinha interna? Qualquer dermatologista pode diferenciar um neurofibroma de outros sinais cutâneos através do dermatoscópio ou apenas profissionais experientes em Neurofibromatose? Desculpe tantos questionamentos, mas participo de um grupo de neurofibromatose no Facebook e muitos participantes não têm certeza se alguns sinais da pele são mesmo novos neurofibromas ou apenas sinais normais da pele”. JF, de local não identificado.


Caro J, obrigado pela sua pergunta interessante e provavelmente do interesse de várias pessoas, o que me fez interromper temporariamente a revisão do mês. 


Sim, espero que todos os dermatologistas possam identificar um neurofibroma a olho nu ou com o auxílio de um dermatoscópio. Também concordo com você que a maioria dos neurofibromas cutâneos parece afundar quando são comprimidos e lembram às vezes uma picada de inseto.

Também percebo que muitas pessoas, inclusive médicos, têm dificuldade de distinguir os neurofibromas cutâneos e subcutâneos de outras lesões de pele. Em parte, é porque os neurofibromas se apresentam de formas muito variadas entre as pessoas com NF1 e até na mesma pessoa. Por isso, vou tentar esclarecer um pouco esta questão.

Veja na figura acima que os neurofibromas mais comuns são os cutâneos (números 1, 2 e 3) e os subcutâneos (número 4). Não falarei dos neurofibromas plexiformes hoje.

Os neurofibromas cutâneos do tipo 1 são pedunculados, ou seja, possuem uma base mais fina, como se fossem um pequeno arbusto. Os neurofibromas do tipo 2 são elevações na pele como se fossem pequenos montes, ou metades de grãos de feijão, ou picadas de insetos. Os neurofibromas do tipo 3 são planos e parecem uma falha na consistência da pele, como uma cicatriz sem as marcas dos pontos. Os neurofibromas do tipo 4 são localizados debaixo da pele e geralmente seguem o trajeto de um nervo.

Algumas regras comuns para identificarmos os neurofibromas:

Em geral, os neurofibromas cutâneos (1, 2 e 3) não são dolorosos. Os subcutâneos (4) podem ser dolorosos ocasionalmente, quando comprimidos, ou mesmo espontaneamente.

Em geral, os neurofibromas cutâneos (2, 2 e 3) são macios. Os subcutâneos (tipo 4) geralmente são mais firmes, parecendo um grão de arroz, ou feijão ou mesmo um pouco maiores.

Em geral, a pele na superfície dos neurofibromas cutâneos do tipo 1 e 2 é lisa e com a cor um pouco diferente da pele ao lado, ou rosados ou mais escuros. Os neurofibromas cutâneos planos ou “embutidos” (3) apresentam a pele lisa e ligeiramente diferente e quando os palpamos temos a impressão de que falta um pouco de tecido subcutâneo naquela região. A pele sobre os neurofibromas do tipo 4 geralmente não apresenta qualquer diferença da pele ao redor.

Em geral, quando movemos os neurofibromas cutâneos (1, 2 e 3) a pele se move junto com eles. Quando movemos a pele sobre o neurofibroma subcutâneo (4) a pele se move independentemente do neurofibroma.

A seguir, alguns exemplos de neurofibromas cutâneos e subcutâneos.


Ao lado, neurofibromas cutâneos do tipo 1 e tipo 2.













Ao lado, uma pessoa com três critérios para NF1: manchas café com leite, efélides axilares e neurofibroma cutâneo tipo 3.









Ao lado, neurofibromas cutâneos tipo 1 e 3 e um subcutâneo do tipo 4.








Ao lado, neurofibromas cutâneos (1) e subcutâneos (4).





Ao lado, vários neurofibromas subcutâneos (tipo 4) ao longo do trajeto dos nervos intercostais.
Estas figuras servem apenas como orientação geral. 
A certeza do diagnóstico depende do exame pessoal de um (a) médico (a) dermatologista ou com experiência em neurofibromatoses.
Até a próxima semana.


“Sobre o meu neurofibroma na coxa, que é muito doloroso, para o qual o senhor pediu e foi feito o exame PET CT, que deu no limite da normalidade (algum risco de transformação maligna), o cirurgião acha que se retirar o neurofibroma eu perderei alguns movimentos. O que devo fazer? ” THS, Indaiatuba, SP.

Cara T. Obrigado pelo retorno e pela confiança na minha opinião.

De fato, muitas pessoas com neurofibromas nodulares (abaixo da pele, ovoides, firmes e muitas vezes dolorosos) têm dúvidas parecidas com a sua. Vou tentar explicar porque podemos retirar alguns destes neurofibromas sem perder os movimentos musculares.

Olhando para a figura acima, você percebe que o neurofibroma está localizado num ramo de um nervo (número 1) onde há fibras nervosas sensitivas (azuis), ou seja, que levam a sensibilidade da pele para o cérebro (veja as setas pretas) onde ela será percebida de forma consciente. Observe que, ao lado do nervo 1 com o neurofibroma, existe outro nervo sadio, que também leva sensibilidade para o cérebro (nervo 2).

Acontece que quando o neurofibroma se forma, o nervo fica impedido de funcionar, portanto, o nervo 1 já está sem função desde o início do crescimento do neurofibroma. 


Como existem nervos ao redor da região inervada pelo nervo 1, que estão funcionando normalmente (como o nervo 2), a sensibilidade da pele não é muito alterada e a percepção da região inervada pelo neurofibroma geralmente não faz falta.

Já os movimentos, eles são realizados pelos músculos estimulados por nervos chamados motores (nervo 3). Geralmente eles não são afetados pelos neurofibromas que estão por perto. Por isso, se retirarmos apenas o neurofibroma sem tocarmos nos nervos motores, não haverá perda de movimentos. O nervo 1, que já estava inativo, não fará nenhuma falta depois da cirurgia.

No entanto, a maioria dos médicos procura retirar bastante tecido ao redor de qualquer tumor, com o receio natural de deixar alguma parte de um tumor maligno e ele voltar a crescer depois da cirurgia. Por isso, mesmo diante de um neurofibroma benigno, eles costumam ampliar a margem da cirurgia, o que pode atingir nervos sadios, inclusive nervos motores, o que pode resultar em perda de movimentos.

Por isso, temos pedido aos colegas cirurgiões que realizem apenas a remoção do neurofibroma que apresenta aumento do metabolismo no PET CT (como é o seu caso), tomando cuidado para não machucar os nervos vizinhos. Não há necessidade de retirar também linfonodos e outras estruturas próximas.

Então, qual seria a conduta mais adequada nestes casos? Abre-se a pele até atingir o neurofibroma, disseca-se apenas o neurofibroma e retira-se apenas ele. Como medida de segurança, pode-se fazer um corte do neurofibroma retirado (pelo método do congelamento) e examinar a lâmina no laboratório para ver se há sinais de malignidade.

Confirmando-se a benignidade (ou, no máximo, a forma chamada “atípica”, que acredito que deva ser seu caso, pelos exames clínicos e de imagem que já fizemos), simplesmente encerra-se a cirurgia. Se, numa eventualidade, ficar claro que há sinais de malignidade, a cirurgia pode se estender a outros tecidos nas proximidades do neurofibroma e que pareçam suspeitos aos olhos do cirurgião.

Compreendo que é difícil para os cirurgiões lidarem desta forma menos agressiva com os neurofibromas nas pessoas com NF1, porque no seu cotidiano eles estão acostumados a operar tumores mais invasivos e que precisam ser completamente removidos para que haja a cura da doença.

Espero que a pessoa que for realizar sua cirurgia possa ler este comentário e concordar com estas recomendações, as quais não são apenas minhas, mas dos especialistas em neurofibromatoses. Caso haja alguma dúvida, estou à disposição dela para uma conversa por telefone ou e-mail.

Me chamo A., tenho 26 anos e a NF1. Herdei de meu pai. Em mim, acredito que seja leve pois não tenho os neurofibromas cutâneos, nem nada no cérebro e coluna e nem sinto dores. Porém quando tinha uns 15 anos apareceu dois carocinhos por dentro da pele, um na região da face direita próximo a pálpebra e outro em cima da orelha direita que rebaixou ela um pouco. O que me causou a ptose palpebral eu já tirei e ficou um excesso de pele e estou me programando para retirar o da orelha ainda este ano. Sobre os plexiformes, a pessoa já nasce com ele? Ele é visto na RM? É possível em uma pessoa já adulta aparecer um? Tenho essa dúvida pois meu pai apresenta tipo um caroço imenso na clavícula direita e eu creio que seja um plexiforme. Ele também tem escoliose severa e muitos neurofibromas pelas costas e pescoço. Mas ele leva uma vida normal, nunca se queixou de dores (não que eu tenha visto) é formado em dois cursos superiores e concursado federal, sempre foi muito inteligente. Eu também não apresentei dificuldade de aprendizado, já estou no meu segundo curso superior. Mas gostaria de saber como o senhor definiria meu caso e o dele. Posso lhe enviar fotos se quiser. Eu faço acompanhamento todo ano e até agora nenhuma alteração. Meu pai nunca fez pelo que sei. Agradeço desde já sua atenção. AKP, de São Luiz do Maranhão. 
Cara A. Você trouxe dois grupos de perguntas importantes: sobre os neurofibromas plexiformes (NP) e sobre a ausência de dificuldades de aprendizado na NF1. Hoje responderei sobre os NP e amanhã sobre o bom desempenho intelectual em pessoas da sua família com NF1.
Os NP estão em terceiro lugar em frequência na preocupação das pessoas com NF1, pois as mais comuns são as dificuldades de aprendizado na infância e os neurofibromas cutâneos na vida adulta. No entanto, os NP talvez sejam a complicação mais grave para a maioria das pessoas com NF1, porque eles podem causar deformidades, especialmente aqueles localizados na face, e se tornarem malignos em cerca de 10 a 30% dos casos, de acordo com diferentes estudos.
Os NP são neurofibromas especiais porque sua origem acontece ainda na gestação da criança e eles podem ou não crescer na infância ou ao longo da vida. Algumas vezes eles já são percebidos ao nascer, mas noutras há apenas uma mancha (café com leite ou amarronzada), geralmente grande ou maior do que as demais, sob a qual a consistência dos tecidos subcutâneos é um pouco diferente.
Um dos locais comuns onde surgem os NP é junto a uma das pálpebras superiores, às vezes apenas causando um excesso de pele, como, provavelmente, parece ser o seu caso. Estes NP são formados no desenvolvimento do nervo trigêmeo  ainda na vida intrauterina e podem causar uma assimetria da posição das pálpebras, chamada de ptose palpebral.
Algumas vezes estes NP palpebrais estão associados a alterações no crescimento dos ossos do crânio, especialmente de um deles, chamado de “asa menor do esfenoide”, osso este que separa a cavidade dos olhos da cavidade onde está o cérebro. Por causa do desenvolvimento imperfeito (chamado de displasia) do osso esfenoide, a pressão dentro do cérebro pode empurrar um pouco o globo ocular para diante, causando o que chamamos de proptose (ver figura acima).
Dependendo do tamanho, os NP podem causar transtornos funcionais das pálpebras e da visão e se constituírem em grande problema estético devido à deformidade provocada por eles. Sua correção ainda é cirúrgica e difícil, com resultados apenas parciais, pois os olhos são a parte do corpo de uma pessoa que mais chama a atenção das demais.
Os NP que surgem em outras partes do corpo podem também causar transtornos estéticos e funcionais, dependendo do seu tamanho e localização.
Um grupo de NP sobre o qual mantemos vigilância estreita é formado pelos NP maiores e mais profundos, os quais apresentam maior risco de transformação maligna. Os sinais de malignização que procuramos detectar são: 1) dor espontânea (especialmente noturna) de difícil tratamento com os analgésicos comuns; 2) crescimento acelerado em semanas ou poucos meses; 3) endurecimento e mudança de consistência à palpação; 4) perda ou diminuição da função neurológica na parte afetada pelo NP, por exemplo, perda da força muscular na perna onde existe um grande NP na região da virilha.
A malignização de um NP ocorre por causas ainda não conhecidas e uma parte do tumor (que antes era benigna) se transforma no chamado Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP), conhecido pelos médicos anteriormente como sarcoma, neurofibrossarcoma e outros nomes.
Os TMBNP são bastante agressivos e de difícil tratamento, por isso, toda pessoa com NF1 e NP, especialmente os grandes e profundos, deve manter estreita vigilância sobre os seus neurofibromas. Atualmente, recomenda-se retirar todos os plexiformes que forem de fácil remoção cirúrgica.
Para uma orientação mais detalhada para a supervisão dos neurofibromas, sugiro que você imprima nosso artigo científico (Clique aqui para baixar o artigo completo) e leve ao (à) seu (sua) médico (a) na próxima consulta. Nele, o (a) profissional da saúde vai encontrar um quadro que apresenta uma orientação geral para os neurofibromas.
Observamos que apenas os neurofibromas localizados na pele, mais superficiais, chamados de cutâneos não apresentam risco de malignização. Os demais, tanto os subcutâneos, como aqueles que nascem ao longo da medula espinhal (espinhais), quanto os plexiformes devem seguir a orientação proposta pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses no artigo mencionado.