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No último blog (sexta passada), comecei a responder as perguntas do LC de Cataguases, MG. Uma das informações que repassei foi sobre a necessidade de níveis adequados de Vitamina D nas pessoas com NF1.

Para nos compreendermos melhor como podemos obter uma dieta saudável para manter os níveis adequados de Vitamina D, pedi ajuda ao nutricionista Marcio Leandro Ribeiro de Souza, que está fazendo seu doutorado sobre questões nutricionais nas pessoas com NF1, sob orientação do Dr Nilton Alves de Rezende, diretor do nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG.


Caro Márcio, poderia nos ajudar a entender melhor o que seria uma alimentação boa para que as pessoas com NF1 tenham níveis adequados de Vitamina D?

Dentre as principais fontes alimentares de vitamina D, temos os óleos de fígado de peixes, como o óleo de fígado de bacalhau, que hoje em dia é facilmente encontrado como suplemento, além de estar presente em peixes, ovos e fígado. Leites e derivados enriquecidos também podem ser considerados fontes de vitamina D.

Pensando no melhor aproveitamento dessa vitamina D, alguns cuidados nutricionais são importantes. Como é uma vitamina lipossolúvel, ou seja, que depende de uma fonte de gordura para ser absorvida, é importante que esses alimentos fontes sejam consumidos junto com uma fonte de gorduras boas, como azeite extra-virgem, óleo de coco, óleo de abacate. Ao consumir o ovo, por exemplo, é interessante comer a gema, já que na gema temos gorduras boas chamadas fosfolipídios, que facilitarão a absorção da vitamina D.

Se o alimento está sendo consumido pensando na vitamina D, ou na forma de suplemento, não é bom que este seja consumido junto com grandes fontes de fibras, como aveia, linhaça, produtos integrais, pois as fibras ajudam a eliminar gorduras pelas fezes, e junto com essa gordura podemos ter perdas de vitamina D. O mesmo vale para medicamentos e suplementos que inibem a absorção de gordura: basta consumir os alimentos fontes de vitamina D longe desses produtos.

Refeições com muito ferro, por exemplo, refeições que tenham muita carne, também diminuem um pouco a absorção da vitamina D, então se for necessário fazer uso do suplemento, não ingerir o suplemento próximo dessas refeições.

E outro ponto importante para comentar é que idosos apresentam menor eficiência na síntese da Vitamina D, então nesses indivíduos a atenção precisa ser redobrada.

A época do ano também é importante, pois no inverno, a síntese de vitamina D é diminuída, e as deficiências dessa vitamina aumentam, reforçando o cuidado com o consumo dos alimentos fontes, principalmente nessa época.
A recomendação de vitamina D, segundo as DRIs (Dietary Reference Intakes), é de 15 microgramas por dia para adultos e crianças a partir de 9 anos. Para idosos acima de 70 anos, essa recomendação é de 20 microgramas por dia. Essas são as recomendações propostas pelo Instituto de Medicina dos Estados Unidos.

Como a maioria dos suplementos são apresentados em UI (unidades internacionais), a regra para conversão é de 1 UI = 0,025 microgramas de vitamina D3, logo 40 UI = 1 microgramas de D3.
Para exemplificar, um ovo cozido tem em média 0,65 mcg de vitamina D. Já um salmão e outros peixes tem em média 3,5 mcg. O fígado de galinha tem em média 1,1 mcg. O óleo de fígado de bacalhau tem em média 34 mcg em uma porção de 13,5g, o que já seria acima da recomendação.


Quando os níveis estão muito baixos, a suplementação pode ser necessária. Para isso, é necessária a opinião de um (a) médico (a) ou nutricionista.

Sou portador da Neurofibromatose Tipo 1, tenho 23 anos e sempre fui bastante magro, raramente consegui o meu peso ideal. Com a academia que fazia na adolescência, consegui resultados satisfatórios, porém revolvi parar e fui perdendo o que ganhei. Recentemente descobri um medicamento de nome Cobavital®, que além de estimular o apetite, apresenta em sua fórmula um composto anabólico, ganhei em poucos meses quase 10 quilos, o que nunca consegui antes e melhorei relativamente a aparência. Bom, a minha dúvida seria se o uso desse medicamento de alguma forma pode aumentar o número de neurofibromas pelo corpo e gostaria de saber também em que fase da vida normalmente surge a indisposição ao esporte, pois sinto que estou cada dia mais indisposto ao esporte. Nesse caso o que fazer, tomar, etc. para reverter esse cansaço físico que parece aumentar com o passar do tempo. Obrigado. LC, Cataguases

Caro LC. Você trouxe um conjunto de perguntas muito importantes para todos nós e para responder cada uma delas, sem sobrecarregar os leitores, darei minhas respostas em dias diferentes.
Primeiro, vou lembrar o que já sabemos: comparadas com as pessoas da mesma idade e sexo, mas sem a NF1, as pessoas com NF1 têm menos força muscular (clique aqui para ver o trabalho da Juliana Souza e colaboradores 2009), o que pode ser uma das causas de suas quedas mais frequentes (resumo da Maria Helena no Congresso de Neurologia de Poços de Caldas em 2011), e também têm menor capacidade física (clique aqui para ver o trabalho da Juliana Souza em 2012), o que pode ser a causa da pouca afinidade e habilidade com os esportes.
Sabemos também que uma parte das pessoas com NF1 apresenta ossos mais fracos (o que chamamos de osteopenia), além de alguns casos de problemas mais graves nos ossos, felizmente mais raros, chamados de displasias (cifoescoliose da coluna vertebral, pseudoartrose da tíbia e outros ossos longos e displasia de um osso da cabeça, chamado esfenoide).
Além disso, há uma suspeita de que as pessoas com NF1 apresentem níveis mais baixos de Vitamina D, uma vitamina que sabemos ser necessária para a formação de ossos fortes e outros aspectos da saúde. Uma dieta saudável deve conter alimentos que fornecem a base da Vitamina D, que é então formada na pele e ativada nos rins. Para que a pele forme a Vitamina D. é preciso que a pessoa seja exposta ao Sol durante algum tempo todos os dias.
Assim, estas informações acima reunidas indicam que as pessoas com NF1 deveriam adotar uma alimentação saudável e praticar atividades físicas diariamente ao Sol. No entanto, a maioria das pessoas com NF1 adota dietas não muito adequadas (clique aqui para ver o trabalho de Márcio de Souza e colaboradores, 2015), não pratica atividades físicas em quantidade recomendada pelas instituições de saúde e não toma banhos de Sol regularmente.
Como enfrentar estes desafios?
Hoje, para começar, apresento apenas uma Tabela que criamos para os banhos de Sol, em função da cidade onde você está e da sua cor da pele, pois sabemos que as pessoas com a pele mais escura (mais melanina) precisam de mais tempo de exposição ao Sol para sintetizar a Vitamina D que necessitam diariamente.

Seu tipo de pele e de cabelos
Quando você toma Sol, geralmente:
Minutos de exposição ao Sol que você precisa:
Pele branca, sardas, cabelos loiros ou ruivos, olhos azuis
Queima facilmente, nunca bronzeia
4 a 20
Pele branca, sardas, cabelos loiros ou ruivos, olhos azuis ou verdes
Queima facilmente, bronzeia com dificuldade
5 a 25
Pele morena clara ou amarela
Queima moderadamente, bronzeia aos poucos
6 a 30
Pele morena escura, cabelos pretos
Raramente queima, geralmente bronzeia com facilidade
9 a 43
Pele negra mais clara, cabelos
anelados 
Muito raramente queima, bronzeia muito facilmente 
12 a 55
Pele negra muito pigmentada
Nunca queima
20 a 86
Esta Tabela pode ser útil nas seguintes condições brasileiras:
1) Regiões entre Maceió (Alagoas) e Caxias do Sul (Rio Grande do Sul). Quanto mais perto de Maceió, menor o tempo do banho de Sol; quanto mais perto de Caxias do Sul, maior o tempo do banho de Sol).
2)    Para o ano inteiro, (quanto mais perto de dezembro, menor o tempo do banho de Sol; quanto mais perto de junho, maior o tempo do banho de Sol).
3)    Horário do dia ideal: 10:30 da manhã (quanto mais próximo do meio dia menor o tempo necessário).
4)    Céu limpo, sem nuvens. Quanto maior a nebulosidade e a poluição nas grandes cidades, maior o tempo do banho de Sol necessário.

Amanhã volto às outras partes desta importante questão.
Boa Tarde Dr. Fiz o exame de ressonância magnética da minha filha LESS e o resultado foi:
“Conclusão: Imagens ovoides de dimensões variadas, difusamente distribuídas no tronco cerebral, cerebelo e globos pálidos, atribuídas à displasia mielínica frequentemente observadas na síndrome NF1 podendo aumentar em número e dimensões até o final da primeira década, com involução progressiva até o final da primeira década, com involução progressiva até o final da segunda década de vida. Leve intumescimento do complexo amídalo-hipocampal à direita, sugerindo hamartoma. Pequeno cisto de aracnoide à esquerda, sem conotação clínica”.
Dr LOR, estou desesperada. Ela convulsionou há mais ou menos 45 dias e sei que esse exame fecha o diagnóstico de neurofibromatose, mas estou disposta a ir em qualquer lugar do mundo para minha filha ter uma vida melhor, a neurofibromatose acaba com a vida da pessoa. Por favor, me responda o que realmente esse exame quer dizer e o que pode ser feito. Obrigada. Desculpa o desabafo de uma mãe desesperada.
Cara RS. Compreendo sua aflição, mas procure ficar tranquila, pois sua filha precisa de sua tranquilidade para que ela possa ser ajudada.
Os resultados desta ressonância magnética que me enviou são bastante comuns nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1. 
Elas são alterações geralmente benignas, sem qualquer repercussão conhecida e importante sobre as funções neurológicas de sua filha.
Houve uma época em que se suspeitou que estas alterações que ela apresentou na ressonância estivessem relacionadas com as dificuldades de aprendizado que podem acontecer na NF1. No entanto, isto ainda não foi definitivamente provado.
Quanto ao episódio de convulsão que ela apresentou, isto também é um pouco mais comum nas crianças com NF1 do que nas outras sem a doença. No entanto, geralmente as convulsões são mais benignas nas pessoas com NF1 do que na população em geral, mas devem ser tratadas da mesma maneira.
Quanto à sua impressão de que a NF destrói a vida das pessoas, não posso concordar com ela, porque a maioria das pessoas com NF1 leva uma vida normal. É verdade que uma parte das crianças com NF1 já nasce com formas mais graves da doença, o que as torna pessoas com necessidades especiais. Mas, garanto-lhe que é possível ser feliz, mesmo com NF1, pois as pessoas são maiores do que suas doenças.
E qual é o melhor lugar do mundo para levar sua filha?
Creio que será a sua própria casa, onde ela pode encontrar acolhimento, compreensão, amor e ajuda em alguma eventual necessidade para enfrentar sua doença e desfrutar de todo o seu potencial humano.
Sei que não é muito longe de onde você está.

Conte conosco para continuarmos conversando.
Olá, doutor. Tenho um filho de 7 anos com NF1 e há dois anos atrás foi diagnosticado com autismo de auto funcionamento. Mas aconteceram coisas no último ano que ainda estamos em dúvidas quanto ao diagnóstico. Na escola ele parece ter surtado, de lá para cá, ele está numa escola especial que fica com crianças assim, porque ele fica muito agitado, não para na sala, agride e xinga professores. Em casa ele começou a dizer que eu que sua mãe o estava envenenando, fala muito em matar, em faca, sangue, e diz que quando crescer vai me matar, cortar em pedacinhos, mas depois ele muda fica calmo e diz que, me ama, estamos preocupados, pois um médico nos acenou com a possibilidade de ser ou estar psicótico e virar esquizofrenia no futuro. Fomos a dois neurologistas e o último falou em transtorno de conduta e de comportamento. Não sabemos mais o que pensar e como tratar, querem dar risperidona, mas ainda não dei. O que o doutor pode me dizer? 0brigada. SE, de localidade não identificada.
Cara SE. Compreendo sua angústia diante destas alterações no comportamento de seu filho. Numa postagem anterior já comentei sobre algumas das alterações de comportamento mais comuns na NF1 (clique aqui).
Hoje vou acrescentar algumas opiniões sobre esta questão. No relato, você comentou duas coisas que me chamaram a atenção: que seu filho, uma criança de 7 anos, passa por momentos em que imagina que sua própria mãe o está envenenando e que colegas médicos indicaram o uso de risperidona, um medicamento usado para tratar tanto algumas formas de psicose quanto o autismo.
Nenhuma das formas de psicose parece ser mais comum nas pessoas com NF1 do que na população em geral, no entanto, uma pessoa com NF1 não está protegida contra as psicoses. Assim, é uma possibilidade a ser investigada se seu filho apresenta NF1 e também alguma forma de psicose, o que pode ser melhor avaliado por um (a) psiquiatra pediatra.
Além disso, nos testes especializados, um terço das crianças com NF1 poderia ser considerada autista, outro terço ficaria perto do diagnóstico e apenas o terço final não apresenta qualquer traço de autismo. É preciso dizer que não há provas científicas de que os problemas comportamentais da NF1 sejam exatamente a mesma doença dos autistas. Portanto, não sabemos se os medicamentos usados para os autistas sem NF1 são eficazes para as crianças com comportamentos com NF1 e comportamentos parecidos com os autistas.
Aliás, não existem ainda quaisquer medicamentos comprovados que sejam específicos para os problemas da NF1, sejam os neurofibromas, os gliomas, os plexiformes, as displasias, as dificuldades de aprendizado e os problemas de comportamento.

Em conclusão, acredito que uma boa avaliação por um pediatra especializado em psiquiatria infantil seria o caminho mais seguro para seu filho e sua família.
Eu gostaria de saber se tenho NF1 ou NF2? JFS, de Sabará MG.
Caro JFS, obrigado pela sua pergunta. De fato, a maioria das pessoas, inclusive profissionais da saúde, pode se confundir com os nomes destas duas doenças, pensando que elas seriam estágios ou níveis de gravidade diferentes de uma mesma doença. Esta confusão é, pelo menos em parte, justificada pelo fato de que até a década de 90 a NF1 e a NF2 faziam parte de uma única doença conhecida como Doença de von Recklinghausen.
No final dos anos oitenta, as mutações responsáveis pelas duas doenças foram identificadas em genes diferentes: no cromossomo 17, para a NF1, e no cromossomo 22 para a NF2. Desde então, sabemos que são doenças completamente diferentes entre si, mas que possuem em comum algumas coisas:
1) Ambas apresentam tumores benignos múltiplos no sistema nervoso ou na pele e manchas cutâneas.
2) Ambas são de origem genética, podendo tanto ser herdadas ou como resultado de mutações novas, e se manifestam de forma autossômica, dominante e com penetrância completa (ver outras postagens sobre isto).
Para começar, é importante reafirmar que: 
1) a NF1 não se transforma na NF2 ou vice-versa; 
2) a chance de uma pessoa possuir as duas doenças, NF1 e a NF2, é remotíssima (não conheço nenhum relato de um caso como esse até hoje).
Vejamos as principais diferenças nas formas mais comuns de NF1 e NF2. Não podemos esquecer que ambas as doenças se manifestam em casos mais raros de maneira muito variável e há casos nos quais somente uma pessoa experiente pode saber se é uma ou outra doença. Por isso, os exames médicos são necessários para o diagnóstico com segurança.
A NF1 geralmente se manifesta desde o nascimento ou nos primeiros anos de vida, enquanto a NF2 se manifesta geralmente no final da segunda ou na terceira década de vida.
Na NF1, as manchas café com leite são mais comuns, maiores e em maior número do que na NF2, que pode nem apresentar manchas café com leite.
Na NF1, a queixa mais comum é a dificuldade de aprendizado e alterações de comportamento na infância, enquanto na NF2 não ocorrem dificuldades de aprendizado ou alterações de comportamento e a queixa mais comum é a diminuição da audição de um ou dos dois lados da cabeça.
Na NF1, os tumores mais comuns são os cutâneos a partir da adolescência, chamados de neurofibromas, enquanto na NF2 os tumores característicos da doença são chamados de schwannomas e ocorrem no nervo vestibular (ligado ao equilíbrio) em ambos os lados em 95% das pessoas.
Outros tumores comuns na NF1 são os neurofibromas plexiformes (35 a 60% das pessoas) e os gliomas ópticos (15 a 20% das pessoas). Já na NF2, outros tumores comuns são os meningiomas (50% das pessoas) e os schwannomas subcutâneos (60% das pessoas).
Na NF1, podem ocorrer alterações ósseas (alterações no crescimento, chamadas de displasias, e na coluna vertebral, chamadas de escoliose e cifoescoliose). Na NF2 não há problemas ósseos.
Na NF1, pode haver alterações nos olhos sem qualquer repercussão clínica, os chamados Nódulos de Lisch, que são pequenas saliências arredondadas na íris. Na NF2, pode haver catarata juvenil e alterações da retina, com efeitos indesejáveis sobre a visão.
Do ponto de vista prático, o quadro abaixo orienta para o diagnóstico simplificado da maioria das pessoas com uma das neurofibromatoses dos tipos 1 e 2 (ver em outras postagens os diagnósticos diferenciais com Síndrome de Legius e Schwannomatose).
Sinais
NF1
NF2
Manchas café com leite
5 ou mais
Menos de 5
ou ausentes
Sardas axilares e/ou inguinais
2 ou mais
Ausentes
Neurofibromas
Sim
Não
Dificuldade de aprendizado
Sim
Não
Schwannomas
Não
Sim
Diminuição da audição
Não
Sim
Problemas ósseos
Sim
Não
Nódulos de Lisch
Sim
Não
Catarata juvenil
Não
Sim

Para informações mais detalhadas para o diagnóstico diferencial entre NF1 e NF2, ver o artigo publicado em 2014 pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses (Clique aqui).


Cara A, de São Luís, no Maranhão. Continuo respondendo ao seu e-mail anterior.
Você estranhou que eu tenha dito que as dificuldades de aprendizado são muito comuns nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), porque tanto você quanto seu pai, ambos com NF1, não apresentaram dificuldades e foram capazes de realizar dois cursos superiores, além de levarem uma vida normal neste sentido.

De fato, você tem razão em chamar a atenção para estas diferenças de evolução da doença, porque a NF1 se caracteriza exatamente pela grande diversidade de manifestações entre as pessoas, até mesmo entre gêmeos univitelinos que compartilham a mesma mutação. Há alguns anos temos atendido no nosso ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC da UFMG (CRNF) quatro pares de pessoas gêmeas (3 femininos e um masculino) com NF1, nos quais a doença se manifestou de formas muito diferentes no mesmo par univitelino (“idêntico”).
Por outro lado, temos dito neste blog e em outras situações (ver aqui artigo da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses 2015), que a maioria (até 80%) das pessoas com NF1 apresenta dificuldade de aprendizado, variando de leve até retardo mental, quando são submetidas aos testes psicológicos e cognitivos aplicados durante estudos científicos em diversas partes do mundo, inclusive no nosso CRNF.
Estas dificuldades se manifestam principalmente nas habilidades de percepção visual e especial, no processamento da fala, no controle motor fino, no domínio da linguagem e nas funções executivas. Além disso, em nossa experiência, 100% das pessoas com NF1 apresentam alteração do processamento auditivo, ou sejam, escutam bem mas entendem mal (ver artigo da Pollyanna Batista aqui) . 

Tomados em conjunto, todos estes problemas cognitivos fazem com que a média geral do chamado quociente intelectual (QI) das pessoas com NF1 seja em torno de 90, ou seja, no limite inferior da média considerada “normal”. É claro que, como se trata de uma média, haverá metade das pessoas com NF1 acima deste valor e outra metade abaixo.
No entanto, você tem razão, repito, não posso afirmar com certeza que TODAS as pessoas com NF1 terão problemas de aprendizado. Assim pode ter acontecido com você e seu pai, que, apesar da NF1, levam uma vida produtiva e sem dificuldades intelectuais. Mas gostaria de contar um caso interessante que sua pergunta me lembrou.
Num dos congressos sobre NF nos Estados Unidos, eu conversava com o Dr. Vincent M. Riccardi, pioneiro mundial no atendimento às pessoas com NF, sobre nossa impressão de que as pessoas com NF1 em geral não são habilidosas com instrumentos musicais ou para cantar (ver pesquisa em andamento do Dr. Bruno Cota já comentada neste blog), quando ele me contou uma de suas inúmeras experiências ilustrativas.
Numa visita à Espanha, diante de um médico interessado em NF, o Dr Riccardi comentara que ele não conhecia nenhuma pessoa com NF1 que fosse um bom músico. Então, o colega espanhol disse que, ao contrário, ele conhecia um bom músico com NF1 e dias depois o trouxe à presença do Riccardi, quando a pessoa executou algumas músicas de Mozart ao piano. Riccardi, que tem conhecimentos musicais, achou o desempenho do pianista de pouca qualidade, correto, mas abaixo da média.
Riccardi, então, concluiu para mim: – Descobri que o médico espanhol não entendia bem de piano, mas fiquei imaginando como seria aquele pianista se ele não tivesse a NF1? Seria um gênio? Um Mozart?
Então, AK, este caso ilustra o que desejo dizer a você. Sabemos que a inteligência humana é o resultado complexo de muitos fatores biológicos, sociais e culturais. Entre os fatores biológicos, sabemos que o desenvolvimento cerebral inadequado causado pela NF1 pode prejudicar a inteligência. Talvez você e seu pai fossem ainda mais desenvolvidos intelectualmente se não tivessem a NF1, mas isto é apenas uma suposição.

De qualquer forma, existe a possibilidade de que uma pessoa com NF1 poderia ter sido mais capacitada intelectualmente sem a NF1, mesmo quando ela consegue levar uma vida normal. Este possível prejuízo cognitivo deve ser levado em conta entre os danos causados pela NF1 e se constitui em mais um argumento para que nossos esforços sejam dirigidos no sentido de criarmos condições educativas que permitam o desenvolvimento do potencial humano de cada pessoa com NF1.
Me chamo A., tenho 26 anos e a NF1. Herdei de meu pai. Em mim, acredito que seja leve pois não tenho os neurofibromas cutâneos, nem nada no cérebro e coluna e nem sinto dores. Porém quando tinha uns 15 anos apareceu dois carocinhos por dentro da pele, um na região da face direita próximo a pálpebra e outro em cima da orelha direita que rebaixou ela um pouco. O que me causou a ptose palpebral eu já tirei e ficou um excesso de pele e estou me programando para retirar o da orelha ainda este ano. Sobre os plexiformes, a pessoa já nasce com ele? Ele é visto na RM? É possível em uma pessoa já adulta aparecer um? Tenho essa dúvida pois meu pai apresenta tipo um caroço imenso na clavícula direita e eu creio que seja um plexiforme. Ele também tem escoliose severa e muitos neurofibromas pelas costas e pescoço. Mas ele leva uma vida normal, nunca se queixou de dores (não que eu tenha visto) é formado em dois cursos superiores e concursado federal, sempre foi muito inteligente. Eu também não apresentei dificuldade de aprendizado, já estou no meu segundo curso superior. Mas gostaria de saber como o senhor definiria meu caso e o dele. Posso lhe enviar fotos se quiser. Eu faço acompanhamento todo ano e até agora nenhuma alteração. Meu pai nunca fez pelo que sei. Agradeço desde já sua atenção. AKP, de São Luiz do Maranhão. 
Cara A. Você trouxe dois grupos de perguntas importantes: sobre os neurofibromas plexiformes (NP) e sobre a ausência de dificuldades de aprendizado na NF1. Hoje responderei sobre os NP e amanhã sobre o bom desempenho intelectual em pessoas da sua família com NF1.
Os NP estão em terceiro lugar em frequência na preocupação das pessoas com NF1, pois as mais comuns são as dificuldades de aprendizado na infância e os neurofibromas cutâneos na vida adulta. No entanto, os NP talvez sejam a complicação mais grave para a maioria das pessoas com NF1, porque eles podem causar deformidades, especialmente aqueles localizados na face, e se tornarem malignos em cerca de 10 a 30% dos casos, de acordo com diferentes estudos.
Os NP são neurofibromas especiais porque sua origem acontece ainda na gestação da criança e eles podem ou não crescer na infância ou ao longo da vida. Algumas vezes eles já são percebidos ao nascer, mas noutras há apenas uma mancha (café com leite ou amarronzada), geralmente grande ou maior do que as demais, sob a qual a consistência dos tecidos subcutâneos é um pouco diferente.
Um dos locais comuns onde surgem os NP é junto a uma das pálpebras superiores, às vezes apenas causando um excesso de pele, como, provavelmente, parece ser o seu caso. Estes NP são formados no desenvolvimento do nervo trigêmeo  ainda na vida intrauterina e podem causar uma assimetria da posição das pálpebras, chamada de ptose palpebral.
Algumas vezes estes NP palpebrais estão associados a alterações no crescimento dos ossos do crânio, especialmente de um deles, chamado de “asa menor do esfenoide”, osso este que separa a cavidade dos olhos da cavidade onde está o cérebro. Por causa do desenvolvimento imperfeito (chamado de displasia) do osso esfenoide, a pressão dentro do cérebro pode empurrar um pouco o globo ocular para diante, causando o que chamamos de proptose (ver figura acima).
Dependendo do tamanho, os NP podem causar transtornos funcionais das pálpebras e da visão e se constituírem em grande problema estético devido à deformidade provocada por eles. Sua correção ainda é cirúrgica e difícil, com resultados apenas parciais, pois os olhos são a parte do corpo de uma pessoa que mais chama a atenção das demais.
Os NP que surgem em outras partes do corpo podem também causar transtornos estéticos e funcionais, dependendo do seu tamanho e localização.
Um grupo de NP sobre o qual mantemos vigilância estreita é formado pelos NP maiores e mais profundos, os quais apresentam maior risco de transformação maligna. Os sinais de malignização que procuramos detectar são: 1) dor espontânea (especialmente noturna) de difícil tratamento com os analgésicos comuns; 2) crescimento acelerado em semanas ou poucos meses; 3) endurecimento e mudança de consistência à palpação; 4) perda ou diminuição da função neurológica na parte afetada pelo NP, por exemplo, perda da força muscular na perna onde existe um grande NP na região da virilha.
A malignização de um NP ocorre por causas ainda não conhecidas e uma parte do tumor (que antes era benigna) se transforma no chamado Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP), conhecido pelos médicos anteriormente como sarcoma, neurofibrossarcoma e outros nomes.
Os TMBNP são bastante agressivos e de difícil tratamento, por isso, toda pessoa com NF1 e NP, especialmente os grandes e profundos, deve manter estreita vigilância sobre os seus neurofibromas. Atualmente, recomenda-se retirar todos os plexiformes que forem de fácil remoção cirúrgica.
Para uma orientação mais detalhada para a supervisão dos neurofibromas, sugiro que você imprima nosso artigo científico (Clique aqui para baixar o artigo completo) e leve ao (à) seu (sua) médico (a) na próxima consulta. Nele, o (a) profissional da saúde vai encontrar um quadro que apresenta uma orientação geral para os neurofibromas.
Observamos que apenas os neurofibromas localizados na pele, mais superficiais, chamados de cutâneos não apresentam risco de malignização. Os demais, tanto os subcutâneos, como aqueles que nascem ao longo da medula espinhal (espinhais), quanto os plexiformes devem seguir a orientação proposta pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses no artigo mencionado.
Me chamo AC e tenho NF1, assim como minha irmã gêmea. Eu estava lendo seu blog, mas estou com uma dúvida quanto aos benefícios da Lei dos Portadores de Necessidades Especiais aos portadores de Neurofibromatoses. Eu vi no seu blog que a NF1 isoladamente não garante os direitos especiais, sendo necessária a comprovação das deficiências específicas, sejam elas físicas, intelectuais e/ou sociais. Queria prestar concurso, mas não tenho deficiências físicas. Tenho neurofibromas (mas ficam na região das costas e barriga) e 2 plexiformes (no colo e nas costas). Tenho dificuldade intelectual, como memória curta por exemplo. Diante disso gostaria de saber se tenho o direito de prestar concurso como portadora de necessidade especial ou não. ACB, de Belo Horizonte, MG.
Cara AC. De fato, já comentei esta questão anteriormente ((ver aqui), mas é sempre bom esclarecermos um pouco mais o assunto.
Pessoalmente, creio que as dificuldades cognitivas geralmente apresentadas pelas pessoas com NF1 são suficientes para pleitear uma vaga como portadora de necessidades especiais.
Em Minas Gerais temos a Lei 21459 (de agosto de 2014) que assegura às pessoas com as neurofibromatoses os direitos e benefícios previstos na Constituição do Estado e na legislação estadual para a pessoa com deficiência. Para isso, é preciso que a pessoa se enquadre no conceito definido por uma Lei anterior (13.465, de 12 de janeiro de 2000), sobre o que é ou não deficiência física.
Para documentar suas dificuldades você deve obter um laudo médico que comprove a neurofibromatose do tipo 1 e realizar exames fonoaudiológico e psicológico. Como você está em Belo Horizonte, pode agendar estes exames no nosso Centro de Referência do Hospital das Clínicas. As pessoas de outras cidades devem procurar os profissionais em seus postos de saúde, levando a eles as informações sobre sua doença e nossa disposição em ajudar à distância, num verdadeiro processo de conquista de seus direitos.
Em seguida, de posse destes laudos, você pode tentar se inscrever como portadora de necessidades especiais no concurso que pretende realizar.
Como a Lei das Neurofibromatoses é recente e o seu conceito ainda não está muito conhecido, talvez seja necessária a ajuda jurídica para que você consiga sua inscrição.
Em Minas Gerais, você pode tentar a ajuda da Associação Mineira de Apoio às Neurofibromatoses (AMANF) que está se organizando para dar apoio jurídico às pessoas com neurofibromatoses. Nos outros estados do Brasil, estimulamos todas as famílias de pessoas com neurofibromatoses para que se unam na criação de associações civis para lutarem pelo seu reconhecimento e seus direitos.

Gostaria de saber quais são as implicações da NF1 e da NF2 para a aprendizagem? O que as/os profissionais da Educação precisam saber? AB de Belo Horizonte, MG.
Cara A. Obrigado por tocar num assunto tão importante para as famílias com neurofibromatoses.
Vou começar pela neurofibromatose do tipo 2 (NF2), porque as pessoas com NF2 geralmente não apresentam dificuldades de aprendizado relacionada com a doença. Além disso, os sintomas que poderiam causar dificuldades de comunicação (baixa audição) também começam a se manifestar habitualmente a partir do final da segunda década de vida. Alguns casos mais graves podem apresentar alguns sinais da NF2 (baixa audição, redução da acuidade visual e outros sintomas) mais cedo e assim, de alguma forma, comprometer o aprendizado.
Por outro lado, na neurofibromatose do tipo 1 (NF1), as dificuldades de aprendizado são a principal queixa das famílias e atingem de forma evidente cerca de 70% das crianças com NF1. Além disso, verificamos que 100% das crianças com NF1 apresentam desordem do processamento auditivo (ver postagens anteriores sobre esta questão). Portanto, a maioria das crianças com NF1 apresentará problemas de aprendizado.
Sabendo que 1 em cada 3 mil crianças nasce com a NF1, os profissionais da Educação têm alguma chance de encontrar um menino ou uma menina que precisa de atenção especial para que possa desenvolver seu potencial humano e ser feliz.
Uma vez que os graus de dificuldade de aprendizado variam muito de uma criança para outra, não há como sugerir uma conduta padronizada para todas as crianças com NF1. No entanto, creio que todas elas têm, pelo menos, dois aspectos em comum: todas precisam de mais tempo para realizarem suas tarefas (paciência na hora do para casa, por exemplo) e todas desempenham abaixo do que poderiam quando submetidas à pressão de tempo (provas, testes, apresentação oral, por exemplo).
Outra questão importante que os educadores podem ficar atentos é quanto aos problemas de comportamento das crianças com NF1. Já comentamos aqui que cerca de 1 em cada 3 crianças com NF1 preencheria os critérios para o diagnóstico de autismo e outro terço delas ficaria bem próximo do mesmo diagnóstico (ver postagens anteriores sobre autismo e NF1).

Estas observações acima indicam que a maioria das crianças com NF1 são pessoas com necessidades especiais que precisam ser atendidas pelos educadores de acordo com o perfil psicológico e cognitivo das crianças com NF1 (ver comentários anteriores sobre dificuldades de aprendizado na NF1).
Meu filho tem 3 anos e 2 meses e desde que nasceu tinha algumas pequenas manchinhas acastanhadas, umas 7 no total. Apenas quatro delas com mais de 0,5cm (uma delas bem grande abaixo do umbigo). Agora estão aparecendo outras menores pelo corpo, umas 15 no total (não na região das axilas nem da virilha), um pouco maiores que pintas, mas sem forma definida, e parece que está querendo aparecer uma grande no peito. Tenho dermatologista marcado, mas estou ansiosa. Se puder esclarecer uma dúvida, eu agradeço: até que idade as manchas da doença costumam aparecer? Digo, se até o momento ele não tem 6 manchas com mais de 0,5cm, ainda poderiam aparecer? Poderiam me recomendar algum médico na região de Campinas? Obrigada! G. de Indaiatuba, SP.
Cara G. Obrigado pela sua pergunta relativamente simples, mas que preocupa muitas famílias. No caso do seu filho, com 3 anos e pouco, creio que todas as manchas café com leite que são típicas da neurofibromatose do tipo 1 (ver foto de uma pessao com NF1 atendida no CRNF) já deveriam ter aparecido, pois elas são praticamente congênitas, ou seja, estão presentes ao nascimento ou se tornam visíveis nos primeiros meses de vida das pessoas com NF1.
No entanto, pela sua descrição, não é possível confirmarmos se seu filho tem ou não a NF1, sem o exame de um profissional experiente. A presença de manchas café com leite em qualquer número deve sempre ser avaliada por um profissional com experiência em neurofibromatoses, pois as outras doenças do grupo (NF do tipo 2, Schwannomatose e Síndrome de Legius) também apresentam manchas café com leite, às vezes em menor número.
É preciso também lembrar que pessoas sem qualquer doença podem apresentar uma ou duas manchas café com leite.
Por outro lado, as pequenas manchas acastanhadas que relatou, tanto podem ser efélides (quando nas axilas ou na região inguinal), como geralmente acontece na NF1, mas também podem ser outras alterações cutâneas (nevos ou outras pigmentações). Para isso, nada melhor do que a opinião de um (a) dermatologista, para fazer o diagnóstico diferencial entre estas possibilidades.

Quando são as efélides da NF1, elas podem estar presentes desde os primeiros meses de vida, mas podem aumentar de número ao longo da vida (sem aumentar visivelmente o tamanho), especialmente até a vida adulta.