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“Queria que o senhor falasse do resultado da ressonância magnética da minha filha. Conclusão: Focos de alteração de sinal comprometendo a região dos globos pálidos, pulvinares talâmicos, bem como o pedúnculo cerebelar médio direito, região dos pedúnculos cerebrais, que não exercem efeitos atrófico ou expansivo significativos e não apresentam realce anômalo pelo meio de contraste paramagnético, de aspecto inespecífico, podendo representar neste contexto zonas de vacuolização da mielina/lesões hamartomatosas. ” CR, de local não identificado.

Prezada C. Obrigado pela sua pergunta, porque este resultado da ressonância magnética do encéfalo de sua filha, estas “manchinhas no cérebro” como às vezes são descritas pelos médicos, é um achado bastante comum, variando entre 43% e 80% das pessoas com NF1, conforme os estudos científicos a respeito.

Até recentemente, tenho respondido que, de acordo com as informações científicas disponíveis, estas alterações do sinal na ressonância (atualmente descritas como hiperintensidades em T2 – HT2) não representam problemas clínicos ou complicações da NF1. Houve um momento em que se pensou que as HT2 estivessem correlacionadas com as dificuldades de aprendizado, mas isto também não foi confirmado. Além disso, tenho informado que as HT2 parecem ser transitórias, desaparecendo na vida adulta.

As HT2 são tão frequentes nas pessoas com NF1, que um grupo de cientistas brasileiros do Centro de Atendimento em Neurofibromatoses da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP), entre eles as doutoras Érika Cristina Pavarino e Eny Maria Goloni-Bertollo, chegou a propor que elas sejam incluídas como mais um dos critérios diagnósticos para a NF1 (para ver o portal para o artigo CLIQUE AQUI).

Recentemente, em 2015, outra pesquisa científica, também realizada pelo Dr. Antônio Carlos Pondé Rodrigues Jr., do mesmo excelente grupo paulista, trouxe novas informações sobre as HT2 em pessoas com NF1 (ver aqui o artigo completo em inglês CLIQUE AQUI). Vale a pena analisarmos os resultados encontrados.

Sob orientação da Dra. Erika Cristina Pavarino, os cientistas utilizaram uma técnica especial, a ressonância magnética com espectroscopia, que permite analisar o comportamento dos neurônios em determinadas partes do cérebro, medindo os produtos do metabolismo das células nervosas. Esta técnica permite a análise de alterações funcionais no cérebro que não são visíveis na ressonância comum.

Com esta técnica eles estudaram 42 pessoas com NF1, 18 delas com HT2 e 25 sem HT2 e compararam com outras 25 pessoas sem NF1. Todos os voluntários tinham em torno de 14 anos de idade, sendo metade mulheres, e foram submetidos à espectroscopia.

Os resultados mostraram que o funcionamento médio do cérebro das 42 pessoas com NF1 foi semelhante ao cérebro das 25 pessoas sem NF1, sem evidência de perda de mielina ou de neurônios, o que indicou estabilidade neuronal.

Também foi possível perceber alguma variação no metabolismo dos neurônios das pessoas com NF1 e HT2, quando comparadas com as pessoas com NF1, mas sem HT2. Estas diferenças sugerem que as HT2 sejam causadas por aumento do conteúdo de água (edema) nas células nervosas.

Em conclusão, o cuidadoso trabalho realizado em São José do Rio Preto vem nos trazer mais tranquilidade para respondermos às as pessoas com NF1, que apresentam hiperintensidades na ressonância magnética, que não há motivo para preocupação e nenhum tratamento é necessário para estes achados.

Obrigado ao grupo das doutoras Eny Maria Goloni-Bertollo e Érika Cristina Pavarino, por mais esta contribuição para que possamos cuidar melhor das pessoas com NF.

Meu filho com NF1 tem 1 ano e 6 meses e apresenta alguns comportamentos e por isso o neuropediatra recomendou uma ressonância magnética da cabeça (que vai precisar de sedação) e um exame do olho. Estou esperando o SUS chamar para a realização dos exames. Segundo o mesmo médico, meu filho apresenta boa cognição no geral. Os sintomas que ele apresenta (abaixo) justificam o risco da anestesia para fazer a ressonância? RK, de Santa Catarina.

Ficou sentado na cama com 1 ano e 4 meses quando começou a fazer fisioterapia e começou a engatinhar de bunda com 1 ano e 5 meses; não engatinha de quatro, só em lugares macios como colhão/colchonete…

Não gosta de os brinquedos só de garrafas tampas de garrafas e coisas pequeninas como grãos e sementes;

Atira todos os objetos ao chão (quando está sentado em lugares altos ou no colo);

Não fala nem uma palavra, não aponta para objetos;

É muito temeroso, tem medo de ruídos fortes, como máquina de cortar grama… quando está no chão gosta de ficar junto ao pai ou mãe (nunca sozinho no quarto, por exemplo);

É observador e tem a visão e audição aguçadas (tapa os olhos com a mão ao se expor ao sol);

É extremamente sentimental e carente de afeto, quer colo O DIA TODO;

Não é muito curioso por abrir gavetas ou descobrir o desconhecido dentro de casa;

Não sabe segurar os talheres, não come com a própria mão e nunca segurou a mamadeira;

Nunca frequentou a creche ou teve contato prolongado com crianças, mas interage melhor com crianças maiores que ele – de 3 a 5 anos;

Quando confrontado ou agredido por outra criança, deseja sair do locar imediatamente, caso contrário, estará com febre pouco tempo depois;

Gosta muito de água e de brincar com coisas roliças.

Cara R, obrigado pela sua descrição minuciosa daquilo que você relatou como “sintomas neurológicos” em seu filho com NF1. Tomei a liberdade de reproduzir todos, porque isto poderá ser útil a outras famílias.

Primeiramente, devo lembrar que em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais não solicitamos ressonâncias magnéticas “de rotina” ou SEM sintomas a serem esclarecidos. Há crianças com NF1 que acompanho há mais de dez anos para as quais nunca houve a necessidade de pedir uma ressonância magnética.

Além disso, na NF1 a ressonância magnética do encéfalo não costuma mostrar qualquer alteração que explique problemas de aprendizado ou comportamento: há pessoas com grandes alterações nas imagens, mas sem problemas cognitivos e, ao contrário, graves problemas mentais em nenhuma alteração visível na ressonância magnética comum. Por favor, comente isto com o médico de seu filho (se ele quiser, peça a ele para ver este ARTIGO clicando aqui ).


Você me enviou a lista de alterações de comportamento observadas em seu filho, que, claro, têm origem no estágio de desenvolvimento neurológico, e que muitas delas são comuns nas crianças com NF1.

Não sou especialista em desenvolvimento cognitivo de crianças, mas tentarei aproveitar suas informações para aumentarmos nosso conhecimento sobre a NF1 de um modo geral. Aliás, se leitoras ou leitores mais capacitados em psicopedagogia desejarem completar ou corrigir minhas observações, por favor, ajudem-nos.

Revendo os comportamentos de seu filho de 1 ano e 6 meses, um olhar clínico mais flexível poderá considerar que ele está dentro da margem de tolerância em torno do desenvolvimento médio das crianças sem NF1. O que provavelmente deve ter sido a impressão do neuropediatra que afirmou que seu filho possui boa cognição no geral.

Com um olhar um pouco mais rigoroso e sabendo que as crianças com NF1 tendem a prolongar alguns destes atrasos cognitivos ao longo do seu desenvolvimento, minha tendência é considerar que há, sim, sinais de problemas cognitivos relacionados com a NF1, até porque sabemos que 100% das pessoas com NF1 apresentam algum grau de déficit cognitivo e a média da capacidade intelectual das pessoas com NF1 está um pouco abaixo da população em geral.

Alguns dos comportamentos do seu filho apontam na direção do espectro do autismo (ausência de fala, retraimento social, medo generalizado e de ruídos, envolvimento com objetos pequenos e água), enquanto outros contrariam as características autistas (desejo de contato, colo e proximidade com os pais, sentimentalidade). 


Por isso, por causa de comportamentos semelhantes ao do seu filho, 1 em cada 3 crianças com NF1 são consideradas autistas nos testes especializados, outro terço fica no limite do diagnóstico e o restante das crianças não apresenta traços autistas. Mas, é importante frisar, a NF1 não causa o verdadeiro autismo (ver livro interessante sobre isto AQUI ). O que acontece é apenas uma superposição de alguns sintomas que as duas doenças têm em comum (ver post anterior sobre isto AQUI ).

Portanto, creio que seu menino apresenta comportamentos comuns às demais crianças com NF1 (ver post anterior AQUI), e não espero que a ressonância magnética do encéfalo venha a trazer qualquer esclarecimento neste sentido. 


Nem mesmo o exame oftalmológico comum, que foi solicitado, costuma ser confiável nesta idade, a não ser que seu filho pudesse realizar um exame complementar relativamente simples (porém não disponível ainda para todos pelo SUS), chamado de Tomografia de Coerência Óptica. Ele pode ser feito por oftalmologistas especializados e traz boas informações sobre a visão nas crianças pequenas com NF1.

Finalmente, você deve estar perguntando: e o que podemos fazer com estes comportamentos de seu filho que estão um pouco abaixo da média? Na próxima semana voltaremos a este assunto. Até lá.

“Mesmo que a criança não apresente ao exame clínico problemas neurológicos, como convulsões e/ou outros transtornos, a ressonância magnética é necessária? E por quê? ” VF, Maracanau, CE.

Cara V, sua pergunta parece-me importante para muitas pessoas e imagino que esteja falando de ressonância magnética do cérebro.

Começo dizendo que temos adotado como regra geral (para a prática médica) somente pedir exames complementares (quaisquer que sejam eles) quando há um sintoma ou sinal que precisa ser esclarecido, a não ser determinados exames chamados de “preventivos”, sobre os quais há consenso internacional de que devem ser feitos mesmo na ausência de sinais e sintomas.

Nas NF, os exames que complementam o exame clínico anual, que não dependem de sintomas ou sinais novos, e que podem ser classificados como “ preventivos“, porque nos ajudam a evitar algumas complicações mais frequentes, são:

1) Na NF1 – todos os anos: a) exame oftalmológico para acuidade visual (se houver dúvida, realizar a tomografia de coerência óptica) e b) hemograma na infância e juventude e C) prevenção de câncer de mama antecipada para as mulheres entre 30 e 50 anos.

2) Na NF2 – audiometria anual e exame oftalmológico (com tomografia de coerência óptica de preferência).

3) Na Schwannomatose – nenhum

Como você pode ver, nesta conduta não está incluída qualquer ressonância magnética realizada “de rotina”, porque as ressonâncias trazem custo financeiro (público ou privado), desperdício de trabalho (dos profissionais) e tempo (da criança e da família), além dos riscos de preocupação excessiva da família e da anestesia geral ou sedação nas crianças menores.

Então, quais são os sintomas que indicam a ressonância magnética do cérebro (cérebro, mesencéfalo, bulbo, medula e cerebelo) nas NF?

A resposta é o aparecimento de qualquer novo sintoma ou sinal neurológico, cuja causa suspeitamos que possa estar localizada no encéfalo. Por exemplo: diminuição da acuidade visual ou alterações no exame oftalmológico (na NF1), diminuição da acuidade auditiva no cotidiano ou na audiometria (na NF2), desmaio, convulsão, dor de cabeça forte e diferente e que não havia antes, perda de força muscular, paralisia, queda sem motivos aparentes, alteração da fala, certas mudanças de comportamento, dor neuropática sem causa externa e outros sintomas e sinais mais raros.

No entanto, note que nem mesmo a existência de tumores cerebrais já diagnosticados numa pessoa com NF não seria indicação obrigatória de ressonância magnética sem novos sintomas ou sinais.

Por exemplo, o tumor cerebral mais comum na NF1 (15 a 20% das crianças) é o glioma óptico localizado num ou em ambos os nervos ópticos e em outras partes do encéfalo. Os gliomas geralmente aparecem antes dos 7 anos de idade e a maioria deve evoluir sem sintomas. Duas em cada três crianças que têm o glioma não apresentam quaisquer sintomas depois do diagnóstico. Uma em cada três, portanto, poderá apresentar redução da visão e outros problemas, geralmente nas meninas (5 a 10 vezes mais comum do que nos meninos) e que apresentam gliomas localizados em outras partes do encéfalo (que não os nervos ópticos).

O exame oftalmológico é tão importante nas crianças com NF1 e gliomas que a piora na acuidade visual pode indicar o início da quimioterapia, com ou sem aumento do tumor na ressonância magnética do encéfalo (ver aqui excelente revisão de Brossier e Gutmann, 2015). Ou seja, o que nos orienta na conduta médica é o estado clínico da criança, seus sintomas e sinais e não apenas as imagens na ressonância.

Outro exemplo, na NF2, os tumores mais comuns são os schwannomas vestibulares e os meningiomas. De forma semelhante à NF1, são os sintomas e sinais observados no exame clínico anual, incluindo a perda da audição na audiometria ou alterações na tomografia de coerência óptica, que determinam o momento de intervenção cirúrgica, e não o tamanho dos tumores na ressonância.

Em resumo, como dizia meu querido pai José Benedito Rodrigues, que foi médico durante mais de 60 anos em Lambari, uma cidade no interior de Minas Gerais: a clínica é soberana.

Bom feriado a todos.