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“Dr. Lor, recentemente foi noticiada nos grandes jornais, uma suposta cápsula que chamaram de “Cápsula da USP”, desenvolvida a partir de uma substância chamada Fosfoetanolamina sintética. 

Noticiaram como sendo uma possível cura para o câncer, a ANVISA então decidiu proibir, mas agora voltou atrás e decidiu liberar, mesmo que aparentemente não se tenha provado, tão pouco realizado testes que provem a sua eficácia. Sendo assim, gostaria de saber a sua opinião sobre essa cápsula, o que você como médico pensa a respeito? Caso realmente promova algum tipo de benefício, poderia ser viável utilizar em pacientes que desenvolveram o chamado tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP), visto que radioterapia e quimioterapia não são tão eficazes para esse tipo de tumor? ” AV, de local não informado.
Caro A. Obrigado pela pergunta pertinente. Aliás, por coincidência, o Dr. Dráuzio Varela falou ontem, no programa Fantástico da Rede Globo, exatamente sobre esta substância e eu estou plenamente de acordo com ele.
Confira também neste site (clique aqui uma opinião interessante apresentada num vídeo bem compreensível sobre a tal fosfoetanolamina.
Diante da sua pergunta, pesquisei no banco de dados científicos chamado PubMed, uma das principais fontes científicas confiáveis em temas relacionados à saúde, e não encontrei nenhum estudo sobre esta substância sendo testada em qualquer uma das neurofibromatoses.
Aproveito para lembrar que quando alguém diz que descobriu um remédio contra “O” câncer, devemos adotar uma posição de cautela, porque existem muitas formas diferentes de “cânceres”. Câncer é um nome histórico, usado antigamente de forma genérica para um grande grupo de doenças, sobre as quais hoje dispomos de conhecimentos suficientes para caracterizar cada uma delas.
Portanto, usar o termo “o” câncer é tão inadequado quanto chamar qualquer uma das neurofibromatoses de Doença de von Recklinghausen, porque depois de 1989 sabemos que este nome se aplicava ao que hoje sabemos serem doenças completamente diferentes entre si: NF1, NF2 e Schwannomatose.
Além disso, antigamente dávamos o nome de câncer para as doenças que hoje chamamos de neoplasias, as quais podem ser de evolução benigna ou maligna. Nas neurofibromatoses, por exemplo, temos diversas neoplasias tanto de evolução benigna (neurofibromas, schwannomas, gliomas, meningiomas, etc.) e malignas (tumor maligno da bainha do nervo periférico, gliobastomas, alguns feocromocitomas, etc.).
Este conceito de benigno ou maligno refere-se apenas ao aspecto das células encontradas nos tumores, as quais definem a provável evolução da doença: crescimento rápido, invasão dos tecidos vizinhos, metástases e grande risco de morte se não tratadas (as malignas); ou de crescimento lento, restrito a determinado local, pouca invasão de tecidos vizinhos, sem metástases e baixo risco de morte (as benignas).
É preciso lembrar que do ponto de vista funcional, para a pessoa acometida por uma neoplasia, mesmo que ela seja “benigna” (quanto às células que a formam), como um neurofibroma plexiforme (na NF1) ou um schwannoma do nervo vestibular (na NF2), a doença pode ser muito problemática para a pessoa: por exemplo, o plexiforme pode causar grave deformidade facial ou o schwannoma vestibular pode levar à surdez e desequilíbrio.
Portanto, nem sempre a palavra “benigna” é usada da mesma forma pelo médico e pela pessoa com uma das neurofibromatoses.

Sou portadora de neurofibromatose do tipo II, tenho várias manchas café com leite espalhadas pelo corpo, um glioma no quiasma no nervo óptico que não atrapalha minha visão, dificuldade de concentração moderada. Faço acompanhamento com neurologista e oftalmologista. Recentemente li uma reportagem sobre o enquadramento da enfermidade como deficiência física para fins de concurso público. Gostaria de saber se existe essa previsão, se meu caso pode ser considerado dessa forma e os motivos que justificariam esse enquadramento. Grata pela atenção MPC Belo Horizonte, MG.
Cara M, obrigado por trazer sua dúvida, que me parece comum a muitas pessoas, inclusive profissionais da saúde.
Até o final da década de 1980, não sabíamos que a NF1 e a NF2 eram duas doenças genéticas completamente diferentes entre si. Acreditávamos que havia apenas uma única doença, chamada de Doença de von Recklinghausen, que se apresentava de diferentes formas ou tipos. Isto porque todas as neurofibromatoses têm em comum o fato de apresentarem múltiplos tumores benignos ligados ao sistema nervoso e manchas cutâneas.
A questão só ficou compreendida, quando se descobriu que o problema genético da NF1 está num gene localizado no cromossomo 17 e o problema genético da NF2 está noutro cromossomo, o 22. Por isso, não usamos mais o termo Doença de Recklinghausen, pois ele pertence a um momento histórico diferente do conhecimento científico sobre as neurofibromatoses.
Como esta descoberta tem menos de 30 anos, há muitos médicos que ainda não foram informados sobre ela e continuam misturando os problemas da NF1 com os da NF2. Por exemplo, hoje sabemos que a presença de um glioma óptico (um tumor benigno do nervo óptico) e cinco ou mais manchas café com leite são dois critérios suficientes para fazermos o diagnóstico de NF1.
Por outro lado, de forma resumida, para o diagnóstico de NF2 é preciso encontrarmos tumores bilaterais no nervo vestibular (do equilíbrio), chamados de schwannomas. Ou então um schwannoma vestibular associado a dois ou mais meningioma (outro tumor benigno que acontece nas meninges do cérebro).
Também sabemos que os gliomas ópticos, muitas manchas café com leite e dificuldades de atenção praticamente não fazem parte da NF2, e sim da NF1. Assim, minha impressão é que você deve ter a NF1 e não a NF2, como mencionou.
Quanto aos direitos dos portadores de necessidades especiais, de fato, uma lei estadual reconheceu as necessidades especiais também para as pessoas com neurofibromatoses (veja que na lei eles ainda chamam de Doença de Recklinghausen). 
Esta lei trouxe, principalmente, mais uma forma de reconhecimento público para as neurofibromatoses, aumentando a sua representação social, o que tanto precisamos.

No entanto, para ser beneficiária da lei, a partir de um laudo médico, a pessoa com NF tem que se submeter a uma perícia no INSS que comprove a sua necessidade especial. Procure neste blog, no assunto Leis para ter mais informações sobre como proceder num concurso público. 
Algumas pessoas perguntam: devemos chamar as neurofibromatoses de doenças ou de síndromes?
Doença é a denominação para um conjunto de sinais e sintomas que têm uma única causa. Por outro lado, Síndrome é uma denominação para um estado mórbido, ou seja, um conjunto de sinais e sintomas, que pode ocorrer por mais de uma causa.

Neste sentido, até a década de 80, era razoável a utilização do termo Síndrome para as neurofibromatoses porque apesar de sabermos sua origem genética, ainda não sabíamos exatamente como isto ocorria. No entanto, a partir da identificação das mutações nos genes responsáveis pela neurofibromatose do tipo 1, neurofibromatose do tipo 2 e schwannomatose, sabemos que cada uma destas doenças tem a sua própria causa, o que nos obriga a utilizar o termo doença para as neurofibromatoses.

Aproveitando este assunto de nomes, o termo Doença de von Recklinghausen não é mais adequado depois da identificação daquelas mutações para cada uma das doenças, pois aquela que o austríaco Recklinghausen descreveu corresponderia apenas à neurofibromatose do tipo 1. Portanto, antes da separação em NF1, NF2, Schwannomatose e, mais recentemente a Doença de Legius, todas estas doenças eram confundidas sob a mesma denominação de Doença de von Recklinghausen, porque elas têm algumas manifestações em comum.
Assim, hoje, com aquilo que já se descobriu sobre elas, com todo o respeito e admiração pelo trabalho de Recklinghausen, penso que o correto é chamarmos estas doenças de: neurofibromatose do tipo 1, neurofibromatose do tipo 2, schwannomatose e Doença de Legius.

Portadores ou pessoas com neurofibromatoses?

Outra dúvida na questão de nomes é se devemos usar a expressão portadores para as pessoas com as neurofibromatoses. Parece-me que o termo portador não é adequado para descrever qualquer uma das doenças agrupadas sob o nome de neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) porque poderia pode passar a impressão de que uma pessoa poderia ter a mutação genética, mas sem apresentar a doença, o que não ocorre nas neurofibromatoses (em outras doenças, chamadas recessivas, sim).
Todas as neurofibromatoses são autossômicas dominantes, ou seja, basta a presença da mutação em apenas um dos alelos (a metade do cromossoma que vem do pai ou da mãe) para que a doença se manifeste. Ainda que a manifestação seja variada entre as pessoas e entre cada uma das doenças, a doença sempre estará presente, não cabendo assim a expressão portador (que, infelizmente ainda usamos, eu mesmo, por força do hábito).
Desta forma, creio que a melhor forma de expressarmos nossa compreensão e respeito humano por todos acometidos por estas doenças é dizermos: pessoas com neurofibromatose do tipo 1, pessoas com neurofibromatose do tipo 2 ou pessoa com schwannomatose.