Pergunta 188 – Por que não dar neurofibromina para quem tem NF1?
“Olá. Sou portadora de neurofibromatose tipo I e estou com 35 anos. De 2 anos para cá o aparecimento de neurofibromas tem aumentado consideravelmente e isso tem me deixado em pânico… como controlar o surgimento? Se não tenho a proteína neurofibromina não há uma forma de adquiri-la? ” DAN, de Campo Grande, MS.
Cara D. Obrigado pela sua pergunta, a qual já foi feita por diversas pessoas, mas ainda não tive a oportunidade de responder.
De fato, a ideia de repor a neurofibromina nas pessoas com NF1 é atraente num primeiro momento, mas, depois, quando pensamos com cuidado, infelizmente, ela não parece ser viável com os recursos que dispomos, pelo menos atualmente.
Vejamos o porquê.
A neurofibromina é uma proteína necessária especialmente no desenvolvimento do bebê na vida dentro do útero. Por isso, muitas manifestações da NF1 já estão presentes no nascimento (manchas café com leite, neurofibromas plexiformes, displasia da tíbia ou da asa menor do osso esfenóide na face) e outras surgem nos primeiros anos de vida (efélides, gliomas ópticos, dificuldades de aprendizado, cifoescoliose) por falta de quantidades suficientes da proteína.
Portanto, a primeira conclusão é que, se desejássemos tratar as manifestações da NF1 repondo a neurofibromina faltante, talvez devêssemos começar o tratamento na vida intrauterina. No entanto, em metade das pessoas a NF1 é uma mutação nova e, portanto, desconhecida durante a gravidez. Estas crianças com mutações novas no gene NF1 não poderiam ser tratadas, infelizmente.
Mesmo nos bebês filhos de quem já tem NF1, metade deles não herda a mutação de um de seus pais, mas não sabemos quais serão os afetados ou não. Portanto, para quais bebês daríamos a neurofibromina suplementar, caso soubéssemos os momentos em que ela seria necessária?
Vamos imaginar que, se estes problemas acima fossem superados, a pergunta seguinte seria: como fabricar neurofibromina para ser oferecida como medicamento?
Sabemos que a neurofibromina é uma proteína grande e complexa (2818 aminoácidos) e por causa disso teríamos grande dificuldade em sintetizar artificialmente moléculas de neurofibromina humana em quantidade suficiente para ser fornecida às pessoas. Para se ter uma ideia, a insulina (51 aminoácidos) é uma proteína 55 vezes menor do que a neurofibromina e demorou décadas para ser sintetizada artificialmente (no Brasil, somente a partir de 1990, um trabalho do grupo do cientista Marcos Mares Guia, da Universidade Federal de Minas Gerais).
Portanto, imagino grandes dificuldades na síntese da neurofibromina em laboratório.
Mais uma vez, vamos imaginar que esta etapa tenha sido superada e tenhamos a neurofibromina disponível. Sabemos que ela deveria ser injetada, como a insulina, para não ser destruída no estômago caso fosse administrada por via oral. Então, onde injetar, quando e quanto?
Na vida adulta, não espero que haja um nível “normal” de neurofibromina no sangue, como um hormônio tireoidiano, ou o estrógeno e a progesterona. Porque a neurofibromina é uma proteína formada no organismo apenas quando a célula é estimulada a crescer, controlando o crescimento celular dentro de limites desejados. Não deve haver, portanto, um nível circulante no sangue que precisa ser mantido continuamente por injeções ou em ciclos diários, como a insulina.
Vamos imaginar que a neurofibromina fosse injetada apenas nos neurofibromas em crescimento.
Novas dificuldades aparecem: de quais tipos de neurofibromas estamos falando (cutâneos, nodulares, plexiformes)? Porque sabemos que cada tipo de neurofibroma tem um comportamento diferente. Como saber quais são os neurofibromas que estão crescendo? Hoje, sabemos quais os neurofibromas que CRESCERAM, mas não sabemos quais vão CONTINUAR A CRESCER OU NÃO. Injetaríamos a neurofibromina em todos?
De qualquer forma, ainda que resolvêssemos todas estas dificuldades, não esperamos que os neurofibromas já existentes fossem “removidos” pela injeção de neurofibromina, pois sua função é apenas de controlar o crescimento das células e não eliminar células.
Portanto, minha conclusão é que nenhum estudo ainda foi feito, utilizando a neurofibromina como um medicamento para pessoas com NF1, porque a ideia básica não tem uma sustentação científica razoável diante das dificuldades que apontei acima.
Vamos tentar, então, investir nossas energias em busca de outras soluções.
Até a próxima semana.