Pergunta 207 – As dificuldades de aprendizado podem aparecer mais tarde?


“Tenho 22 anos, sou portadora de NF1 e tenho algumas dúvidas com relação à dificuldade de aprendizado que podemos apresentar. Quando o portador de NF1 apresenta dificuldade de aprendizado, ela necessariamente manifesta-se na infância? Pode ocorrer de ela se manifestar mais tarde, por exemplo, depois dos 15 ou 20 anos? Pergunto isso porque, quando era criança, tinha muita facilidade em aprender. Tanto é que eu aprendi a ler sozinha com 3 anos, usando gibis. De acordo com meus pais, aos 4 anos eu já lia e nem eles e nem a escola tinham me ensinado. Fora isso, eu sempre tive facilidade na escola, tirava boas notas e era a melhor aluna da turma. No entanto, hoje sinto que não tenho mais essa mesma facilidade de aprendizado. Não sinto que tenho dificuldade, mas as coisas não são tão fáceis como antes. Seria porque as pessoas têm mais facilidade quando são mais novas e talvez porque agora eu aprendo coisas mais difíceis? (Eu faço medicina – e, aliás, não consegui passar no vestibular de primeira e tive que fazer um tempo de cursinho). Ou poderia ser um sinal de dificuldade de aprendizado causado pela NF1? Um outro detalhe é que desde criança eu sempre tive facilidade em escutar uma música e reproduzi-la no teclado, mesmo sem aula de música. E isso se manteve até hoje. Mas na faculdade sou uma aluna mediana e não sinto mais facilidade em aprender, mesmo amando o curso e tendo muito interesse nas matérias. Será que posso estar com algum grau de dificuldade que possa aumentar futuramente? Desculpe se minhas perguntas não forem relevantes e nem importantes para ajudar outras pessoas além de mim. Mas eu gostaria muito de saber se a dificuldade pode se manifestar tardiamente. E espero que isso ajude outras pessoas. (O meu relato foi apenas para exemplificar para o Sr. Portanto, se achar mais pertinente, pode tirar o relato e deixar apenas as minhas perguntas na hora de responder)”. MAS, de local não identificado.

Cara M. Obrigado pelo seu relato. Fiz questão de reproduzi-lo integralmente porque ele mostra como a NF1 se apresenta de formas tão diferentes entre as pessoas, desde aquelas poucas que não conseguem aprender a escrever, até outras, como você, que conseguem entrar para a universidade.

Portanto, não é possível saber com certeza se a NF1 não afetou sua capacidade cognitiva ou se você seria muito mais inteligente se tivesse nascido sem a NF1. Além disso, há formas segmentares da NF1 que atingem algumas partes do corpo e não outras, por exemplo, o cérebro – e poderia ser o seu caso?

De qualquer forma, tenho a impressão de que as dificuldades cognitivas nas pessoas com NF1 aparecem desde os primeiros instantes de vida e permanecem ao longo do tempo, podendo ser cumulativas à medida que a necessidade de interação social aumenta em complexidade (na próxima semana falarei disso com mais detalhes).

No entanto, precisamos sempre lembrar que a maioria das pessoas com NF1 apresenta inteligência dentro da média, enquanto a NF2 e a Schwannomatose não afetam a capacidade intelectual. Vejamos então um estudo interessante realizado em nosso meio.

A psicóloga Danielle de Souza Costa realizou a avaliação cognitiva de 36 pessoas com NF1 em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ela dividiu sua avaliação em diversos aspectos relacionados com algumas capacidades para perceber o mundo e interagir com ele.

Seus testes baseados na neurociência avaliaram diversas habilidades mentais envolvidas naquilo que podemos chamar de capacidade intelectual. Ela avaliou a inteligência, a destreza motora (habilidades manuais e para os movimentos), a habilidade viso-construtiva (capacidade de localização e representação espacial de objetos observados), vocabulário, compreensão verbal (de palavras) e não-verbal (de expressões, atitudes, gestos), memória episódica (de fatos específicos), nível de atenção, habilidade de lidar com informações diferentes ao mesmo tempo, desempenho escolar, capacidade de planejamento e capacidade de alternar atividades diferentes com eficiência.

Agrupei os dados dos 36 relatórios de acordo com as informações da Danielle de Souza Costa, em: resultados abaixo da média, resultados na média ou resultados acima da média da população em geral. Assim, obtive uma espécie de perfil médio das pessoas com NF1 avaliadas pelos testes da Danielle. O resultado foi o seguinte: 35% (1 em cada 3 pessoas com NF1 avaliadas) possui uma capacidade intelectual abaixo da média, 61% (2 em cada 3) estão na média e apenas 3% estão acima da média da população sem NF1.

Neste quadro, pelo que descreveu, você poderia ter uma capacidade intelectual na média da população ou mesmo acima dela. É preciso lembrar que entre os estudantes sem NF1, de medicina ou de outra faculdade, temos obrigatoriamente de encontrar metade deles abaixo do rendimento médio da turma e metade acima, é claro, mas todos eles dentro da chamada “normalidade”.

No entanto, minha impressão atual é de que as dificuldades intelectuais causadas pela NF1 às vezes são muito sutis e de difícil percepção nos testes psicológicos.

Semana que vem falarei sobre isto.