Pergunta 230 – O diagnóstico da NF ajuda ou atrapalha o futuro da pessoa?
“Encontrei o seu blog por meio de indicações em um grupo de neurofibromatose no Facebook. O meu noivo é portador da NF1, faz acompanhamento frequente por meio de exames e consultas de rotina. Além disso, faz uso contínuo de medicamentos muito fortes e que não fazem o efeito esperado… Vejo que o tratamento que ele realiza não é tão eficaz e interfere muito na rotina dele, o prejudicando, mais do que ajudando. Gostaria de saber se existe algum tratamento alternativo para neurofibromatose? Eu não concordo com os remédios que ele usa por não proporcionar melhoras e também porque, cada vez que ele volta de uma consulta, vem com uma receita de remédios diferente”. NG, de local não identificado.
Cara N, você trouxe questões muito importantes, mas também bastante complexas. Vou tentar responder aos poucos, para nos entendermos bem.
De início, quero abordar uma de suas perguntas, aquela sobre se o “tratamento” que ele tem realizado (exames e consultas, além dos medicamentos) realmente ajuda ou acaba atrapalhando a vida do seu noivo.
Coincidentemente, esta é uma dúvida que faz parte de outra mais ampla, que venho discutindo com o Rogério Lima, fundador da Associação Maria Vitória de Doenças Raras e que está realizando seu doutorado em Coimbra. Será que o diagnóstico precoce da NF favorece a uma vida de menores oportunidades por causa do estigma da doença? Será que a partir do momento do diagnóstico nós passamos a tratar a criança de forma especial, o que faz com que, ao longo do tempo, ela se sinta diferente, limitada, doente ou menos incapaz? Será que os exames periódicos de seu noivo ajudam ou atrapalham a sua vida?
Rogério tem levantado esta dúvida porque na sua pesquisa ele está entrevistando pessoas e famílias com NF1 e vem tendo uma impressão inicial de que as pessoas diagnosticadas mais tarde parecem mais capazes e autônomas do que aquelas diagnosticadas mais cedo. Como se o diagnóstico da NF condicionasse a pessoa a uma vida mais limitada a partir da sua realização.
Tenho argumentado com ele que esta impressão de que o diagnóstico da NF criaria um “destino” diferente para a pessoa, de fato, pode acontecer e, inclusive, comentei sobre isto numa resposta anterior sobre se os atestados médicos para a escola ajudam ou prejudicam as crianças (CLIQUE AQUI).
No entanto, como em toda pesquisa verdadeiramente científica, precisamos ter cautela com as primeiras impressões e submetê-las à prova dos números e aos testes da estatística. Somente então, depois de afastados os desvios causados pela nossa subjetividade natural, os dados poderão nos iluminar a realidade. Por exemplo, as condições sociais e econômicas das famílias que tiveram o diagnóstico tardio são semelhantes às condições de vida, ao acesso os equipamentos de saúde e à atenção médica das famílias que tiveram o diagnóstico precoce?
Outro exemplo, é preciso testar a hipótese (que me parece provável) de que as pessoas com diagnóstico de NF mais tardio seriam aquelas com formas menos graves da doença e, consequentemente, podem levar uma vida mais capaz e com menos limitações. Isto parece estar bem estabelecido na NF do tipo 2, na qual as formas mais graves se manifestam precocemente (ver a história de MFO no blog de sexta feira passada). Isto seria verdadeiro também para a NF1?
Por outro lado, concordo com o Rogério que a realização do diagnóstico de NF é um marco importante na vida de uma pessoa, pois este momento seguramente deverá modificar sua trajetória de vida. Sabendo-se com NF, uma pessoa tomará conhecimento das probabilidades da evolução de sua doença, das implicações quanto ao planejamento familiar e precisará adotar as novas condutas exigidas pelo acompanhamento da doença. Tudo isto deverá criar novas expectativas de vida, ou seja, um novo futuro. Assim, em certa medida, um novo “destino” será definido a partir daquele instante.
As diferenças fundamentais que podem ocorrer neste momento crucial do diagnóstico são as cores com as quais pintamos o novo futuro: elas podem ser excessivamente sombrias e incapacitantes, ou podem ser falsamente douradas e enganadoras, ou podem ser realistas e úteis para o desenvolvimento do potencial de vida daquela pessoa.
Certamente cabe aos profissionais da saúde uma grande responsabilidade neste momento, pois com suas informações “científicas” eles participarão da construção de uma representação social da doença para aquela família. No entanto, considerando que as NF são doenças raras, é muito grande a chance de que as informações iniciais fornecidas pelos profissionais da saúde não sejam realistas e sim otimistas demais ou pessimistas demais.
Portanto, a realidade de pertencermos ao grande grupo das doenças raras nos força a criar mecanismos compensadores para esta falta de conhecimento dos profissionais da saúde. Nosso caminho, então, é a criação de associações de pessoas com doenças raras para o apoio mútuo, para o compartilhamento de informações, para o nosso “empoderamento” do próprio corpo, da própria saúde, assumindo-nos enquanto pessoas e cidadãos.
Amanhã retomo as outras questões trazidas pela NG sobre seu noivo com NF1.