Tenho apresentado nos últimos dias algumas ideias sobre as dificuldades que precisamos enfrentar para a realização de pesquisas buscando tratamentos para as neurofibromatoses.


Percebemos que há um círculo vicioso: as doenças raras atingem apenas 3% da população, que por isso são desconhecidas pela população e pelos médicos, que assim despertam pouco interesse da opinião pública, a qual não pressiona os políticos pera adotarem políticas destinadas às doenças raras, o que gera poucos recursos financeiros para as pesquisas, o que atrai poucos cientistas para o seu estudo, e por isso as doenças raras continuam desconhecidas…

Nesta cadeia de acontecimentos, uma parte importante da opinião pública que precisa ser mais informada sobre as doenças raras é a comunidade científica ligada à saúde da população. Médicos e cientistas precisam ser alertados sobre a existência das doenças raras, seus problemas específicos, suas necessidades e saberem que existem ou precisam ser criados centros de referência para elas.

Devemos fazer campanhas de divulgação entre os médicos. Por exemplo, no caso das NF, podemos imprimir a cartilha “As Manchinhas da Mariana” (clique AQUI para vê-la) e entregar em cada um dos postos de saúde de nossa cidade, para cada um dos profissionais de saúde, incluindo os médicos.

Em cada consulta à pediatria, por exemplo, levar um exemplar da cartilha e entregar à pessoa que nos atende para divulgar a doença. Oferecer aos profissionais da saúde os endereços das páginas na internet deste blog, da Associação Mineira de apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) e de outras entidades, onde eles podem encontrar informações científicas sobre as NF.

Quanto aos cientistas, para que eles se interessem pelas NF teremos que enfrentar a grande e danosa competição acadêmica que foi instalada entre eles, a qual os obriga a publicar artigos científicos em inglês, mais preocupados com a quantidade do que com a qualidade, sem se importar muito com as necessidades da população que financia seu trabalho. Tenho denunciado este problema do “produtivismo” acadêmico desde 2007 (quem desejar saber mais sobre este assunto, clique AQUI).

Temos que defender a ideia de que a possibilidade de ajudar pessoas com auxílio da ciência é mais importante do que aumentar um ponto no currículo de cientista. Lembrando que o dinheiro que financia os cientistas vem dos trabalhadores e deve retornar em benefício da população.

Para motivarmos os cientistas temos que realizar palestras e apresentar os temas estudados em nossas pesquisas nos congressos científicos, divulgando as NF e, quem sabe, motivando novos estudantes a se envolverem com o assunto.

Como temos falado nos últimos dias, existem pesquisas mais caras, como aquela da Dra. Kate Barald sobre o medicamento STX3451, e outras mais baratas, que podem ser realizadas com menos recursos. No entanto, a escolha do tema da pesquisa, do meu ponto de vista, deve ouvir a comunidade interessada.

Por exemplo, há alguns anos, a Associação Maria Vitória de Doenças Raras (AMAVI) aplicou um questionário em seu site perguntando qual seria a maior necessidade das pessoas com doenças raras e a resposta de mais de 60% das pessoas foi INFORMAÇÃO.

Ou seja, mais importante do que o próprio tratamento, NESTE MOMENTO, as pessoas com doenças raras querem é ter acesso ao conhecimento já disponível sobre suas doenças.

Com este objetivo temos tentado estudar e oferecer mais informações sobre alguns temas que estão ao nosso alcance, com os poucos financiamentos que dispomos.

Na próxima semana mostrarei o que temos feito neste sentido.

A Constituição Brasileira de 1988 determina que uma parte dos impostos seja destinada à pesquisa e ao desenvolvimento científico e que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender a todas as pessoas de forma igual, ou seja, é o chamado princípio da Universalidade.

Se estivéssemos cumprindo a Constituição, nós teríamos atenção em saúde para todos e pesquisas sendo realizadas de forma satisfatória para atender as necessidades da população. Mas sabemos que isto não está acontecendo. Por quê?

Em primeiro lugar, o SUS nunca foi verdadeiramente implantado em nosso país por causa das pressões contrárias dos serviços privados de saúde: médicos, planos de saúde, hospitais, clínicas, indústria farmacêutica e de equipamentos médicos. Eles querem a privatização dos serviços de saúde para garantirem seus lucros.

Em segundo lugar, os recursos destinados ao desenvolvimento científico são poucos no Brasil, e ainda assim concentrados nos centros mais ricos (veremos isto amanhã), e pouquíssimos destinados às neurofibromatoses e às outras doenças raras.

Esta situação atual é o resultado de decisões políticas tomadas pelas pessoas que nós elegemos para nos governar: vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidentes e, especialmente, vice-presidentes[1].

Para serem eleitos, os políticos procuram fazer (ou pelo menos fingir que fazem) aquilo que a opinião pública deseja para garantir seus votos. Em outras palavras, o que a sociedade pensa e deseja fazer sobre uma doença deverá afetar a maneira como os políticos pensam e agem em relação àquela doença.

Assim, construir uma opinião pública sobre as neurofibromatoses, por exemplo, é fundamental para que os governos prestem mais ou menos atenção aos problemas das pessoas que sofrem com as NF.

As neurofibromatoses fazem parte do grande grupo de doenças raras, formado por mais de 5 mil doenças, 80% delas genéticas e as demais de outras causas. As doenças raras afetam cerca de 3% da população, ou seja, aproximadamente 6 milhões de pessoas.

Mesmo que sejam menores do que os de outros países, se os recursos públicos fossem distribuídos de acordo com o número de pessoas que necessitam deles, pelo menos 3% dos recursos da saúde e 3% dos financiamentos destinados à pesquisa deveriam ser aplicados nas doenças raras, incluindo as NF.

Para alcançarmos esta situação, as famílias de pessoas com doenças raras devem se unir em associações e formar a opinião pública, tornando as doenças raras mais conhecidas, mostrando suas necessidades específicas e assim influenciar o comportamento dos políticos para que eles atendam também as pessoas com doenças raras.

Outra parte da opinião pública, também importante, que precisa ser mais informada sobre as doenças raras é a comunidade científica.

Amanhã veremos o porquê.

[1] No Brasil, desde o fim da ditadura militar, três vice-presidentes assumiram o governo: José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer, todos eles com o mesmo perfil PMDB. Portanto, numa eleição, saber quem são os vice-presidentes é muito importante.

Ontem vimos que ao mesmo tempo em que nossas associações precisam atuar politicamente para garantir recursos para as pesquisas em saúde, um outro segundo desafio consiste em definir quais são os critérios justos para a distribuição dos recursos públicos entre as diversas doenças que acometem a população. 

Partimos do princípio que precisamos de critérios objetivos, claros, transparentes, justos e democráticos para a distribuição das verbas entre as diferentes áreas da ciência.
Por exemplo, na área da saúde, estes critérios devem mostrar a relevância de uma pesquisa a partir de valores humanos e não em valores comerciais. Por exemplo, vejamos alguns destes valores humanos que estão em questão em toda pesquisa sobre saúde:


1) Quantas pessoas serão beneficiadas em cada pesquisa?

2) Qual a gravidade das doenças em cada pesquisa?

3) Há possibilidade de prevenção para evitarmos o seu aparecimento?

4) Existem alternativas para o tratamento proposto?

5) Será um tratamento capaz de curar ou controlar a doença?

6) Qual é a taxa de mortalidade da doença?

7) A doença é contagiosa?

8) Qual é a redução da expectativa de vida pela doença?

9) A doença é incapacitante?

10) Qual é a faixa etária de maior incidência da doença?

11) Qual a probabilidade científica do resultado ser positivo?

12) Quantos anos serão necessários para a pesquisa se transformar num tratamento ou medicamento disponível?

13) E possivelmente outros critérios que possam ser lembrados por pessoas mais conhecedoras do assunto.

Apenas para ilustrar, vou tentar aplicar estes critérios de relevância a duas pesquisas hipotéticas, cada uma delas custando 100 mil reais por um ano, uma delas destinada ao tratamento da neurofibromatose do tipo 1 e a outra ao tratamento do diabetes do tipo 2.


 Imagino que você tenha tantas dúvidas quanto eu, porque este quadro acima nos mostra a complexidade da decisão quando temos que definir qual das duas doenças deverá receber o financiamento para uma pesquisa.
Não é fácil “apostar todas as fichas” no estudo de uma doença quando existem outras pessoas com diferentes doenças precisando do mesmo recurso financeiro. Até dentro da mesma doença, como a NF1, onde pode haver pessoas que desejam tratamentos para os neurofibromas e outras cuja prioridade seria melhorar as dificuldades de aprendizado, ou tratar o glioma óptico.
Mesmo que os governos decidam investir mais recursos nas pesquisas destinadas à saúde pública, vivemos num mundo de recursos finitos, onde sempre haverá um limite para a distribuição dos financiamentos.
Por isso precisamos de recursos disponíveis e de critérios objetivos, mas existem outros fatores de grande importância na decisão dos destinos das verbas públicas: a visão pública da doença e a competição entre os cientistas.
Amanhã continuamos com estas questões.

Ontem comentei que os recursos necessários para as pesquisas básicas (aquelas que testam se um medicamento funciona em células e em animais) são altos e que geralmente são fornecidos pelos governos com o dinheiro dos impostos.

Como os recursos públicos deveriam vir de impostos cobrados igualmente de todos (infelizmente, na maioria dos países as grandes fortunas, as grandes empresas e as heranças pagam menos do que a população de trabalhadores), os resultados das pesquisas com medicamentos também deveriam beneficiar a todos.

Neste ponto, encontramos nosso primeiro desafio.

Sabemos que na maioria das vezes o dinheiro público é que financia a parte básica das pesquisas de novos medicamentos, mas na hora do conhecimento ser transformado em produto final as empresas privadas se apropriam dos resultados gerados e ficam com as patentes e os lucros. E aqueles que pagaram a pesquisa com seu trabalho ficam sem os novos medicamentos descobertos.


É preciso um longo tempo de comercialização para que cessem os direitos de patente dos laboratórios e os medicamentos fiquem mais baratos para a população. Aí os laboratórios podem se desinteressar e parar de fabricar o medicamento (veja o caso da Lovastatina na NF1).

Assim, precisamos lutar por leis que transformem o resultado das pesquisas realizadas com dinheiro de todos em benefício de todos, contendo a apropriação oportunista das empresas farmacêuticas privadas. E precisamos de governantes que apliquem estas leis para valer em benefício de todos.

Todos sabem que este não é um caminho fácil, pois quem faz as leis na sociedade republicana em que vivemos são os representantes eleitos pela população, mas a maioria deles representa… as empresas privadas.

Portanto, uma primeira linha de ação necessária para que os impostos sejam destinados à saúde da população temos que eleger governantes (vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores, deputados federais, senadores, presidentes e vice-presidentes da república) que sejam comprometidos com as causas da maioria da população, para garantir que a aplicação dos recursos públicos será voltada para o benefício de todos.

Neste sentido, as associações civis, por exemplo, de pessoas com doenças crônicas como as neurofibromatoses, como nossa Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF), podem agir em defesa de suas necessidades de conhecimentos e tratamentos, apresentando projetos, mobilizando a sociedade, pressionando políticos e fiscalizando a aplicação das leis de seu interesse.

Ao mesmo tempo em que damos este passo importante no campo político, nosso segundo desafio será definir quais são os critérios justos para a distribuição dos recursos públicos entre as diversas doenças que acometem a população.

Amanhã falarei sobre isto.


Recebi na semana passada um novo e-mail (em verde, abaixo) da AG, de Portugal.

Olá, acabei de ler a sua publicação no blog e fiquei triste por algumas pessoas terem interpretado mal as informações, levando a “falsas esperanças” de uma cura para breve. Uma vez que parecem não estar em curso estudos tão promissores como este, será que não se justificaria (caso não obtenham em breve o financiamento necessário) campanhas massivas de angariação de fundos?

Não sei se estou sendo ingénua e imagino que seja exorbitante o montante necessário…, mas sendo tantas as pessoas necessitadas, será que não conseguimos fazer algo mais? Existem vários fóruns, blogues e comunidades onde poderia ser plantada esta semente. Haja vontade, e vontade há imensa! ”. AG, de Portugal.
Respondi sugerindo que ela perguntasse à Dra. Kate Barald quanto custaria a continuidade de sua pesquisa até chegarmos ao tratamento clínico. Dra. Kate respondeu e apresento abaixo (em azul) um resumo de seu e-mail.

“Cara AG, fiquei muito sensibilizada com sua mensagem e oferta de tentar conseguir fundos para apoiar nosso trabalho.

Nós temos tentado por mais de 4 anos, sem sucesso, conseguir financiamento para os estudos pré-clínicos (com o STX3451). Temos procurando universidades, instituições nacionais (como o Instituto Nacional de Saúde e outras) e fontes privadas….

Acredito que esta droga poderá algum dia ser útil para reduzir a carga de tumores em pessoas com NF1 (e talvez em pessoas com NF2 como sugerem novos dados). Não vou desistir.

O US FDA (Federal Drug Administration of United States – semelhante à ANVISA no Brasil) exige que sejam feitos estudos sobre a de toxicidade de qualquer novo medicamento em animais antes dele ser experimentado em seres humanos. Este trabalho é muito caro… O custo mínimo é de 350 mil dólares (cerca de um milhão de reais) POR ANO.

Novamente eu agradeço seu apoio. É certamente reconfortante que temos pelo menos apoio moral para desenvolvermos estes medicamentos. ” Kate
Diante da resposta da Dra. Kate Barald, apesar de já ter imaginado que seria uma pesquisa cara, a nossa amiga de Portugal sentiu-se desmotivada diante dos custos que ela considerou enormes. Ela temeu que outras pessoas, ao saberem disso, percam as esperanças. Mas ela mesma levantou outras possibilidades:

“De qualquer forma, começo a acreditar que se não for a própria comunidade atingida pela NF a procurar e a contribuir para o financiamento deste tipo de estudo, ninguém mais o fará… Parece-me que neste momento não estão a decorrer estudos tão promissores quanto este, e que deveríamos assim investir aqui “as nossas fichas”… Talvez uma ideia (caso a Dr. Kate não consiga o financiamento) fosse lhe solicitar que criasse uma página de divulgação do estudo a pedir fundos, e todos nós a publicitássemos em todos os fóruns, páginas de facebook e blogues dedicados à NF…”

Compreendo o desânimo da AG diante da grande quantia de dinheiro necessária para realizar apenas um dos estudos científicos destinados a descobrir um tratamento para os neurofibromas. Para termos uma comparação, eu recebo do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) cerca de 12 mil reais por ano para todas as pesquisas com as quais eu trabalho atualmente, que são os estudos em neurofibromatoses e também outros em fisiologia do exercício, que é minha linha original como bolsista de pesquisa do CNPq muito antes de começar a trabalhar com as NF.

De fato, as pesquisas básicas, que são feitas em laboratórios com culturas de células e testes em animais, os testes pré-clínicos, são a parte mais cara das pesquisas para novos medicamentos. E como as pesquisas básicas ainda não apresentam garantia de sucesso (leia-se lucros para as empresas), são justamente aquelas que encontram mais dificuldade para encontrar financiamento.

Como já disse na semana passada, por causa deste enorme custo financeiro, os recursos públicos recolhidos por meio dos impostos cobrados dos cidadãos são aqueles que sustentam as pesquisas básicas. No entanto, os recursos públicos devem ser repartidos de acordo com critérios políticos entre todos que necessitam deles, incluindo os cientistas interessados nos mais diferentes assuntos.

Quando nossa leitora AG disse que deveríamos apostar todas as nossas fichas na pesquisa da Dra. Kate Barald, ela está usando um critério que nossa comunidade envolvida com as neurofibromatoses pode concordar imediatamente. No entanto, pesquisadores envolvidos com outras doenças, por exemplo em busca de uma vacina contra a Dengue, podem achar que o estudo que eles estão realizando seja muito mais prioritário do que reduzir os neurofibromas.

E quais são os critérios que regem as distribuições de recursos públicos? Como atuar sobre eles?

Falarei sobre isto amanhã.


Recebi nesta semana este novo e-mail da AG de Portugal. Agradeço à AG por autorizar a reprodução de sua correspondência com a Dra Kate Barald.

“Caro Doutor, fiquei feliz por ter partilhado no seu blogue o estudo que lhe enviei. Se deu, nem que seja, uma luzinha de esperança a alguém, já fico feliz e com a sensação que a extensiva pesquisa que tenho feito não tem sido em vão. Contactei a Dr. Kate do estudo em questão (sim, sou obstinada a esse ponto) para saber se existem novidades quanto a próximos passos da sua pesquisa e ela respondeu-me o seguinte:

Cara AG,
Muito obrigado pelo seu gentil e-mail. Nós temos tentado conseguir financiamento para este estudo para podermos avançar para o estágio pré-clínico. Até o momento, não tivemos sucesso. Estamos submetendo um projeto para financiamento de um estudo pré-clínico ao Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos no próximo mês junto com colegas de Oxford. Se isto der certo, e o estudo indicar que estudos clínicos poderiam ser úteis, nós esperamos então poder dar continuidade à busca pelo financiamento do estágio clínico. Kate.[1]

“Espero e vou rezar para que ela consiga o financiamento necessário. Tanto neste como em outros âmbitos, dá a sensação que a ciência evolui a passos de caracol e que são inúmeros os entraves e obstáculos. É difícil ter e manter a fé. Que Deus nos ajude a todos. Cumprimentos cordiais, AG”.

Podemos observar nesta correspondência que a Dra. Kate Barald reafirma o estágio atual (laboratorial, ou seja, antes do pré-clínico) da sua pesquisa e mostra a dificuldade de conseguir financiamento para as próximas etapas do estudo, até quem sabe chegarem a experimentar a droga em pessoas com NF1 e neurofibromas.

Portanto, veja que também existem nos Estados Unidos dificuldades de financiamento para a pesquisa em NF, mas certamente são menores do que as nossas no Brasil e outros países com menor investimento em ciência.

A ciência é um empreendimento humano que se desenvolveu com o capitalismo e está submetida à possibilidade de um conhecimento se transformar em lucro. Geralmente, os governos recolhem impostos (mais dos trabalhadores do que das grandes fortunas) e aplicam em pesquisas básicas de laboratório. A maior parte dos investimentos em ciências básicas vem dos recursos públicos.

Quando estas pesquisas básicas prometem dar algum resultado lucrativo, as corporações privadas se apropriam destes conhecimentos e desenvolvem tecnologias para serem vendidas e ficam com as patentes e os lucros.

Quando há possibilidade de lucro imediato, portanto, a “ciência” evolui rapidamente para “tecnologia”. Quando o benefício é da coletividade, da humanidade em geral e não dos empresários, a ciência evolui em ritmo de caracol, como você disse. Veja, por exemplo, como as doenças mais comuns nos países colonizados e entre as pessoas mais pobres permanecem sem tratamento, como a Doença de Chagas em nosso país.

No nosso caso, a indústria farmacêutica somente investirá em pesquisa para tratamento dos neurofibromas se houver uma possibilidade de lucrar com a nova tecnologia, por exemplo, num tipo de câncer mais comum na população. Como as NF são doenças raras, somos deixados de lado em função de outros interesses mais lucrativos a curto prazo.

Por isso, defendo a necessidade da população se unir para controlar o destino do dinheiro público de forma a direcionar os esforços científicos para beneficiarem a todos e não apenas às indústrias de equipamentos médicos e farmacêutica.

Compreendo sua angústia e o sentimento de impotência que nos atinge diante da imensa máquina do mundo. Nós percebemos que somos pequenos e então apelamos para algo maior que nos ajude. Respeito aqueles que recorrem às preces para tentar mudar as coisas, mas penso que seria mais transformador da vida se muitos pequenos humanos unidos formassem algo maior e real: uma humanidade solidária.

Na próxima semana, comentarei a possibilidade de nos unirmos para reunir dinheiro para financiar pesquisas em NF.

[1] O original em inglês do email da DR. Dear AG, Thank you very much for your kind email. We have tried to find funding for this work in order to move it to pre-clinical trial stages. So far, we have had no success. We are submitting an application to fund the pre-clinical trial to the US NIH next month with our Oxford colleagues. If those are successful, and the trials indicate that further clinical trials could be helpful, we hope then get to proceed to find funding for the clinical trial stage. … Kate

Recentemente recebi um e-mail da leitora AG, de Portugal, que pediu minha opinião sobre um estudo sobre uma droga para reduzir os neurofibromas e que está sendo realizado nos Estados Unidos e, depois de ler o artigo da Dra. Kate Barald e seus colaboradores da Universidade de Michigan, postei neste blog minha conclusão (ver AQUI).

Meus comentários deram origem a dois novos acontecimentos.

Primeiro, algumas pessoas pensaram que o estudo já estivesse sendo realizado em Minas Gerais com voluntários com NF1 e procuraram profissionais de saúde para saber como poderiam participar do estudo. Compreendo que o nosso desejo de encontrarmos algum tratamento para os neurofibromas seja muito intenso.


Talvez isto tenha levado algumas pessoas a ler de forma apressada as informações que divulguei. Assim, relembro:

1) O estudo com a droga STX3451 está apenas em fase laboratorial, somente com células humanas e nos Estados Unidos;

2) Em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG não estamos realizando nenhuma pesquisa com medicamentos para tratar qualquer uma das neurofibromatoses;

3) Provavelmente, nos próximos anos, em virtude da redução das verbas para pesquisa e saúde no Brasil, que já não eram suficientes, não teremos recursos financeiros públicos nem privados para estudar medicamentos no tratamento dos neurofibromas;

4) Todas as pesquisas sobre neurofibromatoses em andamento em nosso Centro de Referência são para melhorar o nosso conhecimento sobre as NF, permitindo melhor diagnóstico, acompanhamento clínico e prevenção de complicações;

5) Apenas um de nossos estudos atuais pretende verificar os efeitos de tratamentos conhecidos (fonoaudiologia) sobre alguns aspectos isolados (desordem do processamento auditivo) da NF1.

Portanto, compartilho com todas as pessoas com NF1 e seus familiares a grande ansiedade à espera de algo que nos dê esperança de vermos as pessoas com NF1 livres dos neurofibromas. Geralmente imaginamos que este novo tratamento virá de um país com mais tecnologia do que o Brasil, mas veja o post de amanhã sobre isto.

De qualquer forma, precisamos sempre ser realistas para agirmos adequadamente e ajudarmos, de fato, as pessoas a quem amamos, com os recursos que já dispomos. Já temos à nossa disposição muito conhecimento científico sobre as NF que ainda não está bem distribuído entre nós. Por isto escrevemos este blog, publicamos cartilhas, damos palestras e realizamos cursos de capacitação, além do atendimento clínico.

Um segundo acontecimento a comentar foi a correspondência entre a leitora AG de Portugal e a Dra. Kate Barald, autora do estudo em Michigan. Amanhã publicarei a correspondência, pois ela me autorizou.


Comentei recentemente que a chance de um casal sem NF1 ter um filho com NF1 (mutação nova) é de 1 em 6 mil, mas esta informação é um pouco diferente daquela que venho repassando às famílias e que estão em diversas publicações, inclusive neste blog.

Somente me dei conta deste engano ao refazer as contas para calcular a chance de um casal vir a ter gêmeos com NF1. Vamos rever juntos o cálculo correto para um casal sem NF1 ter um filho ou filha com NF1.

A incidência de NF1 em qualquer população é de aproximadamente 1 em cada 3 mil crianças nascidas. Sabemos que metade das crianças com NF1 herdou a mutação no gene de um dos seus pais que já possui a doença. A outra metade das crianças com NF1 tem a doença por causa de mutações novas, ou seja, são variações genéticas que acontecem por acaso, no momento da formação do espermatozoide ou do óvulo, e que podem causar erros na produção de uma proteína chamada neurofibromina, a qual é responsável pelo controle do crescimento das células e pelo desenvolvimento do bebê (ver a ilustração na cartilha “As manchinhas da Mariana” clique AQUI).

Assim, naquelas 3 mil pessoas da população que precisamos reunir para encontrar uma pessoa com NF1, apenas “meia” pessoa seria resultante de uma mutação nova para a NF1. Como não existe “meia” pessoa, precisamos de reunir o dobro de pessoas na população para encontrarmos uma “pessoa inteira” com mutação nova, ou seja, precisamos reunir 6 mil pessoas na população.

Assim, a chance de um casal sem NF1 vir a ter um filho (ou filha) com NF1 (mutação nova) é de 1 para 6000. Por outro lado, a chance de um casal em que um dos pais possui NF1 vir a ter um filho (ou filha) também com NF1 (mutação herdada) é de 1 para 2, ou seja 50%.

Este cálculo mostra uma probabilidade um pouco maior de mutação nova em pessoas que não tem NF1 (1 para 6 mil) do que as pesquisas citadas pelo Dr. Friedman no livro do Riccardi (1999), que encontraram 1 mutação nova em cada 7800 a 23000 gametas, ou seja, espermatozoides ou óvulos (esta variação é por conta de diferenças de métodos entre os estudos).

Uma possível explicação para meu cálculo ter resultado numa maior chance (1 para 6 mil é maior do que 1 para 7800) talvez esteja no fato de que as pessoas com NF1 têm menor número de filhos do que a população em geral.

Considerando que pais com NF1 (especialmente os homens com NF1 que têm menos de 50% de filhos em relação aos homens sem NF1), isto aumentaria a participação das mutações novas no conjunto de pessoas que encontramos com NF1. Em outras palavras, por isso encontramos metade das crianças com NF1 com mutação nova e a outra metade com mutações herdadas.

Uma leitora de Portugal pediu minha opinião sobre um estudo que está sendo realizado nos Estados Unidos com uma nova droga para reduzir o tamanho dos neurofibromas plexiformes e sua transformação maligna. O artigo completo em inglês pode ser acessado AQUI .

Agradeço a indicação do artigo, pois ainda não o havia encontrado em minhas buscas por informações científicas sobre NF.

Primeiramente, devo alertar a todos os leitores de que se trata de um estudo ainda e apenas em laboratório, ou seja, a equipe científica está testando a nova droga em linhagem de células humanas com NF1 cultivadas artificialmente. Os resultados são animadores e indicam que o passo seguinte deverá ser testar a droga em camundongos geneticamente modificados para NF1.

Caso os resultados sejam favoráveis nos camundongos, a segurança da droga será testada num grupo pequeno de voluntários humanos. Se for segura, será então experimentada em outras pessoas voluntárias com NF1 para saber se a droga realmente diminui o tamanho dos neurofibromas plexiformes e/ou combate a sua transformação maligna.

Se a droga se mostrar eficiente como tratamento dos neurofibromas neste grupo inicial de voluntários, ela poderá ser oferecida a um grupo maior de pessoas com NF1 e, se os resultados confirmarem sua eficiência, poderá ser submetida às agências de vigilância sanitária nos diversos países.

Depois de aprovada por estas agências a nova droga poderá ser indicada regularmente para as pessoas com NF1 em todo o mundo.

Qual é a ideia da cientista Dra. Kate Barald e seus colaboradores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos?

O grupo considerou que tanto o número quanto o tamanho dos tumores nas pessoas com NF1 aumentam durante a puberdade e a gestação. Como os tumores regridem em tamanho depois da gravidez, a equipe supôs que isto aconteceria em resposta aos hormônios esteroides que estão aumentados naquelas situações.

Eles já sabiam que um dos produtos naturais do metabolismo do estrógeno é a substância 2-metoxiestradiol (2ME2) que possui um efeito anticâncer. Então, modificaram esta substância natural e criaram outra chamada STX3451, e testaram seu potencial de ação contra células de tumores recolhidas de pessoas com NF1 e cultivadas em laboratório (ver figura).

Os resultados mostraram que a STX3451 foi capaz de destruir (causar apoptose) tanto as células que foram retiradas de neurofibromas plexiformes (benignos) quanto as células malignas (originárias do tumor maligno da bainha do nervo periférico).

Estes resultados são animadores e merecem nossa comemoração como mais uma esperança de tratamento para as pessoas com NF1.

Vamos torcer para que as novas etapas também sejam positivas.

“Meu filho de 9 anos tem NF1 e precisou amputar a parte de baixo da perna direita por causa da displasia da tíbia que deu pseudoartrose. Ele se adaptou bem com a prótese, mas acho ele muito desanimado. Vejo os atletas paraolímpicos e fico pensando se não seria bom para sua saúde se ele tentasse praticar um esporte de competição. ” CMR, de São Paulo.

Caro C, obrigado pela sua pergunta oportuna, pois estão acontecendo no Rio as competições entre as pessoas com necessidades especiais.

De fato, a NF1 é uma doença que torna algumas pessoas portadoras de necessidades especiais e, inclusive, já existe legislação sobre isto (ver AQUI ). Estas limitações causadas pelas NF1 podem ser de ordem física (como seu filho) ou intelectuais (dificuldades psicomotoras). Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 apresentam menos força muscular, menor capacidade aeróbica (capacidade física) e maior dificuldade de regular a temperatura do corpo, e todos estes fatores levam ao menor desempenho nos esportes.

Talvez em decorrência destas limitações físicas, as pessoas com NF1 parecem menos envolvidas em esportes e competições e, pelo contrário, apresentam um temperamento menos competitivo e mais tímido. Então, fazer com que uma criança com NF1 pratique esportes, especialmente com a finalidade de se tornar um atleta paraolímpico, pode se tornar um triplo sofrimento para ela.

O primeiro sofrimento da criança com NF1 (e talvez de todas as pessoas com quaisquer outras doenças crônicas e incuráveis) já está presente no fato dela não poder levar a vida como as demais pessoas de sua idade pelas limitações próprias da doença. Ela já carrega o peso da discriminação dos colegas por causa de suas características (serem mais lentas, apresentarem manchas, etc.)

O segundo sofrimento é que para se tornar “atleta” é preciso participar diariamente de treinamentos em atividades que não trazem prazer (especialmente para pessoas com NF1) e que, para obter resultados esportivos a pessoa deve se submeter a práticas dolorosas, desconfortáveis e que desperdiçam muitas horas de vida. Num exemplo extremo, veja a reportagem recente sobre a prática de automutilação em atletas paraolímpicos que um em cada cinco atletas paraolímpicos está fazendo para vencer competições (ver AQUI ).

O terceiro sofrimento é a pessoa com NF1 (ou vítima de outras doenças) ser eventualmente comparada pelos pais ou pelos colegas aos atletas paraolímpicos na televisão, que são apresentados como exemplos de superação e força de vontade. – Está vendo? Se você se esforçasse mais, talvez fosse capaz de fazer a mesma coisa… – pode ouvir uma pessoa com deficiência diante da televisão, onde um atleta paraolímpico acaba de receber uma medalha – Mas você é meio preguiçoso…

Mesmo tendo escrito em 2011 um dos capítulos de um livro internacional chamado “Manual de Medicina Esportiva para Atletas Paraolímpicos” (ver capa do livro na figura acima), eu já havia abandonado a prática da Medicina Esportiva (que exerci por cerca de 20 anos), por entender que o esporte de alto nível não faz bem à saúde mental e física dos atletas, especialmente aos jovens.

Pelo contrário, os níveis de competição que os esportes em geral atingiram, incluindo as olimpíadas e paraolimpíadas, provocam comportamentos neuróticos e doentios nos atletas e na sociedade. Estes comportamentos somente interessam aos patrocinadores (especialmente às indústrias de alta tecnologia) e à ideologia baseada na competição e no suposto mérito pelo esforço individual, o famoso mito do “querer é poder”.

Por isso tenho questionado o papel das competições esportivas na nossa sociedade. Estou convencido de que as atividades físicas regulares são necessárias para uma vida saudável para todos os seres humanos (que queiram fazê-las), mas não a competição envolvida nos esportes (ver cartilha sobre obesidade infantil  AQUI ).

Você pergunta se esporte poderia ser bom para a saúde de seu filho com NF1. Repito que é preciso separar as atividades físicas regulares (cotidianas, moderadas, prazerosas, lúdicas) das atividades de competição esportiva. As primeiras são necessárias para a saúde. As segundas, causam doenças físicas e sociais.

Se desejar saber um pouco mais de minha opinião sobre esportes e saúde, veja um artigo que escrevi, chamado “Ouro em panaceia” clicando  AQUI ).

Alguém poderia argumentar que a prática do esporte ajudaria a pessoa com deficiência a ser incluída na comunidade. Penso que precisamos construir uma sociedade na qual ninguém precisa provar que merece ser respeitado. Todos nascemos merecendo igualmente respeito e uma vida digna.