“Tenho 22 anos, sou portadora de NF1 e tenho algumas dúvidas com relação à dificuldade de aprendizado que podemos apresentar. Quando o portador de NF1 apresenta dificuldade de aprendizado, ela necessariamente manifesta-se na infância? Pode ocorrer de ela se manifestar mais tarde, por exemplo, depois dos 15 ou 20 anos? Pergunto isso porque, quando era criança, tinha muita facilidade em aprender. Tanto é que eu aprendi a ler sozinha com 3 anos, usando gibis. De acordo com meus pais, aos 4 anos eu já lia e nem eles e nem a escola tinham me ensinado. Fora isso, eu sempre tive facilidade na escola, tirava boas notas e era a melhor aluna da turma. No entanto, hoje sinto que não tenho mais essa mesma facilidade de aprendizado. Não sinto que tenho dificuldade, mas as coisas não são tão fáceis como antes. Seria porque as pessoas têm mais facilidade quando são mais novas e talvez porque agora eu aprendo coisas mais difíceis? (Eu faço medicina – e, aliás, não consegui passar no vestibular de primeira e tive que fazer um tempo de cursinho). Ou poderia ser um sinal de dificuldade de aprendizado causado pela NF1? Um outro detalhe é que desde criança eu sempre tive facilidade em escutar uma música e reproduzi-la no teclado, mesmo sem aula de música. E isso se manteve até hoje. Mas na faculdade sou uma aluna mediana e não sinto mais facilidade em aprender, mesmo amando o curso e tendo muito interesse nas matérias. Será que posso estar com algum grau de dificuldade que possa aumentar futuramente? Desculpe se minhas perguntas não forem relevantes e nem importantes para ajudar outras pessoas além de mim. Mas eu gostaria muito de saber se a dificuldade pode se manifestar tardiamente. E espero que isso ajude outras pessoas. (O meu relato foi apenas para exemplificar para o Sr. Portanto, se achar mais pertinente, pode tirar o relato e deixar apenas as minhas perguntas na hora de responder)”. MAS, de local não identificado.

Cara M. Obrigado pelo seu relato. Fiz questão de reproduzi-lo integralmente porque ele mostra como a NF1 se apresenta de formas tão diferentes entre as pessoas, desde aquelas poucas que não conseguem aprender a escrever, até outras, como você, que conseguem entrar para a universidade.

Portanto, não é possível saber com certeza se a NF1 não afetou sua capacidade cognitiva ou se você seria muito mais inteligente se tivesse nascido sem a NF1. Além disso, há formas segmentares da NF1 que atingem algumas partes do corpo e não outras, por exemplo, o cérebro – e poderia ser o seu caso?

De qualquer forma, tenho a impressão de que as dificuldades cognitivas nas pessoas com NF1 aparecem desde os primeiros instantes de vida e permanecem ao longo do tempo, podendo ser cumulativas à medida que a necessidade de interação social aumenta em complexidade (na próxima semana falarei disso com mais detalhes).

No entanto, precisamos sempre lembrar que a maioria das pessoas com NF1 apresenta inteligência dentro da média, enquanto a NF2 e a Schwannomatose não afetam a capacidade intelectual. Vejamos então um estudo interessante realizado em nosso meio.

A psicóloga Danielle de Souza Costa realizou a avaliação cognitiva de 36 pessoas com NF1 em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ela dividiu sua avaliação em diversos aspectos relacionados com algumas capacidades para perceber o mundo e interagir com ele.

Seus testes baseados na neurociência avaliaram diversas habilidades mentais envolvidas naquilo que podemos chamar de capacidade intelectual. Ela avaliou a inteligência, a destreza motora (habilidades manuais e para os movimentos), a habilidade viso-construtiva (capacidade de localização e representação espacial de objetos observados), vocabulário, compreensão verbal (de palavras) e não-verbal (de expressões, atitudes, gestos), memória episódica (de fatos específicos), nível de atenção, habilidade de lidar com informações diferentes ao mesmo tempo, desempenho escolar, capacidade de planejamento e capacidade de alternar atividades diferentes com eficiência.

Agrupei os dados dos 36 relatórios de acordo com as informações da Danielle de Souza Costa, em: resultados abaixo da média, resultados na média ou resultados acima da média da população em geral. Assim, obtive uma espécie de perfil médio das pessoas com NF1 avaliadas pelos testes da Danielle. O resultado foi o seguinte: 35% (1 em cada 3 pessoas com NF1 avaliadas) possui uma capacidade intelectual abaixo da média, 61% (2 em cada 3) estão na média e apenas 3% estão acima da média da população sem NF1.

Neste quadro, pelo que descreveu, você poderia ter uma capacidade intelectual na média da população ou mesmo acima dela. É preciso lembrar que entre os estudantes sem NF1, de medicina ou de outra faculdade, temos obrigatoriamente de encontrar metade deles abaixo do rendimento médio da turma e metade acima, é claro, mas todos eles dentro da chamada “normalidade”.

No entanto, minha impressão atual é de que as dificuldades intelectuais causadas pela NF1 às vezes são muito sutis e de difícil percepção nos testes psicológicos.

Semana que vem falarei sobre isto.

Foi com grande satisfação que recebemos ontem a comunicação da comissão julgadora do Prêmio Varilux de Oftalmologia dizendo que a Dra. Vanessa Waisberg conquistou o primeiro lugar na categoria Sênior seu estudo sobre a tomografia de coerência óptica na neurofibromatose do tipo 2.

O Prêmio Varilux de Oftalmologia é promovido há muitos anos pela Sociedade Brasileira de Oftalmologia e tem o objetivo de fomentar pesquisas no setor oftalmológico que tragam benefícios à população. 

As premiações são divididas em três categorias: Master, Sênior e Incentivo à Pesquisa Clínica-Refração. A Dra. Vanessa Waisberg concorreu na 44ª edição e receberá seu prêmio durante a cerimônia de abertura do próximo Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Oftalmologia.

O estudo da Dra. Vanessa Waisberg foi realizado numa parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular e o Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação da Dra. Débora Marques de Miranda e do Dr. Márcio Bittar Nehemy.

Este estudo e seu merecido prêmio foram possíveis porque várias pessoas com Neurofibromatose do tipo 2 dispuseram-se a colaborar e tornaram-se voluntárias no mestrado da Dra. Vanessa Waisberg.

Já comentei neste blog os resultados (VER AQUIque a Dra. Vanessa Waisberg obteve, e como eles já estão nos ajudando a cuidar melhor das pessoas com NF2.

Sabemos que a tomografia de coerência óptica também é muito útil na NF1 e esperamos que no seu doutorado a Dra. Vanessa Waisberg dê continuidade à sua pesquisa estudando outras pessoas com neurofibromatoses.

Parabéns, Dra. Vanessa Waisberg: seu conhecimento médico, dedicação aos pacientes e criatividade científica foram reconhecidos pela comunidade oftalmológica brasileira.

Nós, do Centro de Referência em Neurofibromatoses, ficamos honrados pela sua participação em nossos trabalhos.

“Tenho NF e muitas manchas efélides pelo corpo. Estava olhando sobre “Luz intensa pulsada” e também cremes “despigmentantes”. Eles funcionam em quem tem NF?” F. de Boa Esperança, Minas Gerais.

Caro F. Obrigado pela sua pergunta que tem sido feita de outras formas por diversas pessoas: é possível tratar as manchas café com leite e as efélides?

Sabemos que as manchas café com leite e as sardas (efélides) fazem parte das neurofibromatoses e especialmente na neurofibromatose do tipo 1 (NF1) elas se apresentam em maior número. Sabemos que cinco ou mais manchas café com leite maiores do que meio centímetro indicam a probabilidade de 95% de chance de serem causadas pela NF1. Se associadas a duas ou mais efélides, o diagnóstico de NF1 está praticamente confirmado.

As manchas café com leite estão presentes ao nascimento ou aparecem logo em seguida e depois não aumentam mais em quantidade, e apenas crescem de acordo com o crescimento do corpo da criança. Elas são congênitas e não dependem da luz solar.

As efélides podem aparecer um pouco mais tarde e continuarem a aumentar durante a vida em algumas pessoas. As efélides na NF1 ocorrem em regiões que geralmente não recebem a luz solar (axilas, região inguinal de debaixo das mamas), enquanto as “verdadeiras” efélides (sardas) dependem da luz solar. Na NF1, as efélides podem ás vezes surgir ao redor da boca e dos olhos e causar preocupação estética.

Nem o tamanho e nem a quantidade ou localização das manchas e das efélides tem qualquer relação com a gravidade da NF1 ou com o aparecimento de neurofibromas a partir da adolescência.

Por outro lado, dependendo de sua quantidade, tamanho e localização as manchas café com leite são motivo para discriminação social, o que gera sofrimento nas pessoas com NF1 e, por isso, algumas delas gostariam de se livrar destas marcas da doença.

De início, podemos compreender que realizar cirurgias para retirar as manchas café com leite e as efélides seria trocar um pequeno problema por outro maior, que seriam as cicatrizes. Assim, a alternativa imaginada para a cirurgia seria o uso de alguma substância, algum creme ou produto que fizesse desaparecer ou diminuir as manchas.

Sabe-se que na NF1 as manchas são causadas pelo aumento da produção de melanina, um pigmento que dá cor à pele. A maior pigmentação da pele é uma adaptação natural da nossa evolução humana, porque nossos antepassados surgiram na África, onde muita radiação solar (contendo raios ultravioleta) poderia danificar uma vitamina essencial para a formação dos espermatozoides e para o desenvolvimento neurológico do bebê: o ácido fólico. Assim, nossa sobrevivência naquele ambiente depende de maior pigmentação da pele com melanina justamente para proteger o ácido fólico.

Por isso, as mulheres brancas gestantes que vivem em regiões ensolaradas devem acrescentar ácido fólico na sua dieta para seus bebês nascerem saudáveis.

Quando algumas populações humanas migraram para regiões com menos radiação solar, como o norte da Europa, a pele escura (originada na África) protegia tanto a pele que os raios ultravioleta não conseguiam ativar outra vitamina: a Vitamina D. A falta da Vitamina D causa raquitismo e osteoporose. Assim, apenas sobreviveram naquelas regiões as pessoas com a pele mais branca, ou seja, com menos melanina na pele.

Por isso que as pessoas negras que vivem em regiões menos ensolaradas, na Inglaterra, por exemplo, precisam acrescentar Vitamina D na sua dieta para manterem seus ossos saudáveis.

Voltando às manchas café com leite e efélides, elas são áreas de maior produção de melanina causada pela insuficiência da neurofibromina na NF1 desde a vida intrauterina. Assim, a solução de fornecer neurofibromina para aquelas células da pele se torna mais complicada, como já comentei neste blog (VER AQUI).

Outra possibilidade seria evitar o sol com protetores solares somente nas manchas e efélides e apenas e tomar sol nas demais áreas do corpo, na tentativa de se igualar a tonalidade da pele. Não conheço algum estudo científico neste sentido, mas não me parece uma alternativa muito prática.

De qualquer forma, supondo que mais Vitamina D disponível nas pele evitaria a formação de melanina, foi realizado um estudo num pequeno grupo de pessoas com NF1, no Japão (VER AQUI), aplicando-se sobre a pele pulsos de luz de alta frequência combinados com cremes contendo Vitamina D. Segundo os autores os resultados foram médios ou bons em 75% das pessoas.

Minha impressão é de que são necessários mais estudos científicos sobre esta possibilidade, para sabermos se o benefício estético compensa os custos, em termos do tempo gasto, do equipamento necessário e do produto utilizado.

“Tenho um filho com 14 anos com NF1, ele já fez uma cirurgia no cérebro para a retirada de um tumor astrocitoma benigno quando tinha 9 anos de idade e passa por acompanhamento médico e faz exames sempre. Ele tem muita dificuldade na escola. Ele tem aumento no fígado e no baço gostaria de saber se é por causa da neurofibromatose e se esse aumento pode vir a causar outras complicações. Ele tem muita náusea, vômito e queimação no estomago e além da NF1 ele tem síndrome de Gilbert que causa aumento na bilirrubina e cor amarelada nos olhos e pele”. RPB, de Itaobim, São Paulo.

Cara R. Obrigado pela sua pergunta, que pode ser útil a várias pessoas que me perguntam se as neurofibromatoses atingem o fígado e outros órgãos digestivos.

Parece-me que seu filho tem a neurofibromatose do tipo 1 e você relata que ele tem também a doença de Gilbert.

Salvo um melhor conhecimento futuro, creio que é uma casualidade, ou seja, aconteceu totalmente por acaso, que seu filho tenha sido acometido por estas duas doenças ao mesmo tempo, pois elas não têm relação entre si.

Geralmente, na NF1 o fígado, os rins, os intestinos e os pulmões não são diretamente afetados pela doença, ou seja, funcionam normalmente. Ocasionalmente, ocorrem problemas ou sintomas relacionados com estes órgãos apenas quando eles são invadidos ou comprimidos por algum neurofibroma (geralmente os plexiformes profundos) que estão na sua proximidade.

Portanto, será preciso saber quais sintomas são relacionados com a NF1 e quais são decorrentes da Síndrome de Gilbert, e isto pode ser difícil em algumas situações.

A NF1 causa dificuldades de aprendizado e tumores no sistema nervoso, como você relatou sobre seu filho.

Já a náusea, a icterícia (pele e olhos amarelados), a dor abdominal e os aumentos do fígado e do baço provavelmente devem estar relacionados com a Síndrome de Gilbert, que é uma doença hereditária causada por diversos genes. Na Síndrome de Gilbert, há uma dificuldade em eliminar a bilirrubina, uma proteína que surge na renovação da hemoglobina.

A Síndrome de Gilbert pode permanecer com poucos sintomas ou aumentar a icterícia durante estresse (exercícios, insônia, cirurgias, jejum, infecções) ou ingestão de paracetamol (um medicamento que nós usamos frequentemente na NF1 para a dor de cabeça).

Além disso, a síndrome de Gilbert pode causar sintomas e sinais que também ocorrem em pessoas com NF1, como fadiga precoce (as pessoas com NF1 têm metade da capacidade aeróbica comparadas às pessoas sem NF1), baixo peso, tendência para a pressão baixa, intolerância a algumas comidas, ansiedade, palpitações e dificuldades cognitivas, de atenção e problemas de aprendizado (na escola ou no cotidiano).

Como vê, é preciso cuidado e atenção porque algumas vezes não será fácil sabermos o que está sendo causado pela NF1 e o que é resultado da Síndrome de Gilbert.

“Quem tem NF1 pode fumar? ” PIS, de localidade não identificada.

Caro P., obrigado pela sua pergunta, pois provavelmente ela interessa a muitas pessoas.

Antes de tudo, é preciso dizer que ninguém deveria fumar, considerando que as substâncias existentes no cigarro produzem diversas doenças já bem conhecidas, inclusive os riscos de algumas delas constam dos maços de cigarro como advertência aos consumidores.

No entanto, sua pergunta traz uma dúvida mais ampla e que merece a nossa atenção. Durante muitos anos suspeitou-se que as pessoas com NF apresentariam algum tipo de doença pulmonar relacionado com as mutações genéticas específicas das neurofibromatoses.

Houve quem afirmasse que cistos pulmonares, câncer de pulmão, pneumonia (intersticial) e fibrose pulmonar difusa seriam complicações mais frequentes da neurofibromatose do tipo 1, apesar desta última geralmente não apresentar sintomas (VER AQUI). No entanto, a maioria destes estudos foi feita com poucas pessoas, entre as quais havia cerca de 30% de fumantes (VER AQUI).

Contrariando esta suspeita, o maior estudo já realizado sobre as doenças pulmonares em pessoas (156) com NF1, e publicado na revista científica CHEST em 2005, não encontrou problemas pulmonares específicos de quem possui a NF1, apenas aqueles geralmente relacionados com o uso crônico de cigarros (VER AQUI).

Nossa impressão clínica no atendimento de cerca de 900 famílias com NF, cadastradas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, é de que o número de fumantes é menor e os problemas pulmonares são menos frequentes nas pessoas com NF1 do que na população em geral, embora tenhamos encontrado menor força da musculatura ventilatória e da função pulmonar em geral, como parte da redução de sua capacidade aeróbica (Tese de Doutorado da Dra. Juliana Ferreira de Souza, considerada a melhor tese da Faculdade de Medicina da UFMG em 2013: VER AQUI).

Por outro lado, há estudos mostrando que as células que possuem uma via metabólica alterada chamada RAS, como na NF1 e outras doenças, apresentam maior vulnerabilidade ao benzeno, uma substância cancerígena presente em grande quantidade no cigarro (VER AQUI).

Além disso, sabemos que a leucemia mieloide juvenil é rara na população em geral (cerca de 1 em cada milhão de crianças), mas as crianças com NF1 apresentam uma chance muito maior deste tipo de leucemia (cerca de 1 em cada 2 mil crianças com NF1). Um estudo mostrou que crianças com NF1 que têm um ou mais pais fumantes aumentam ainda mais seu risco de leucemia (VER AQUI).

Não consegui informações científicas sobre os efeitos do uso de cigarros nas pessoas com NF2 e Schwannomatose.

Em conclusão, se o cigarro já faz mal à saúde de quem não tem NF, o bom senso nos faz suspeitar que talvez seja ainda mais arriscado fumar quando há mutações genéticas no organismo das pessoas com NF que facilitam a chance da formação de tumores.

Em resumo, quem tem NF tem o dobro de razões para não fumar.

“Mesmo que a criança não apresente ao exame clínico problemas neurológicos, como convulsões e/ou outros transtornos, a ressonância magnética é necessária? E por quê? ” VF, Maracanau, CE.

Cara V, sua pergunta parece-me importante para muitas pessoas e imagino que esteja falando de ressonância magnética do cérebro.

Começo dizendo que temos adotado como regra geral (para a prática médica) somente pedir exames complementares (quaisquer que sejam eles) quando há um sintoma ou sinal que precisa ser esclarecido, a não ser determinados exames chamados de “preventivos”, sobre os quais há consenso internacional de que devem ser feitos mesmo na ausência de sinais e sintomas.

Nas NF, os exames que complementam o exame clínico anual, que não dependem de sintomas ou sinais novos, e que podem ser classificados como “ preventivos“, porque nos ajudam a evitar algumas complicações mais frequentes, são:

1) Na NF1 – todos os anos: a) exame oftalmológico para acuidade visual (se houver dúvida, realizar a tomografia de coerência óptica) e b) hemograma na infância e juventude e C) prevenção de câncer de mama antecipada para as mulheres entre 30 e 50 anos.

2) Na NF2 – audiometria anual e exame oftalmológico (com tomografia de coerência óptica de preferência).

3) Na Schwannomatose – nenhum

Como você pode ver, nesta conduta não está incluída qualquer ressonância magnética realizada “de rotina”, porque as ressonâncias trazem custo financeiro (público ou privado), desperdício de trabalho (dos profissionais) e tempo (da criança e da família), além dos riscos de preocupação excessiva da família e da anestesia geral ou sedação nas crianças menores.

Então, quais são os sintomas que indicam a ressonância magnética do cérebro (cérebro, mesencéfalo, bulbo, medula e cerebelo) nas NF?

A resposta é o aparecimento de qualquer novo sintoma ou sinal neurológico, cuja causa suspeitamos que possa estar localizada no encéfalo. Por exemplo: diminuição da acuidade visual ou alterações no exame oftalmológico (na NF1), diminuição da acuidade auditiva no cotidiano ou na audiometria (na NF2), desmaio, convulsão, dor de cabeça forte e diferente e que não havia antes, perda de força muscular, paralisia, queda sem motivos aparentes, alteração da fala, certas mudanças de comportamento, dor neuropática sem causa externa e outros sintomas e sinais mais raros.

No entanto, note que nem mesmo a existência de tumores cerebrais já diagnosticados numa pessoa com NF não seria indicação obrigatória de ressonância magnética sem novos sintomas ou sinais.

Por exemplo, o tumor cerebral mais comum na NF1 (15 a 20% das crianças) é o glioma óptico localizado num ou em ambos os nervos ópticos e em outras partes do encéfalo. Os gliomas geralmente aparecem antes dos 7 anos de idade e a maioria deve evoluir sem sintomas. Duas em cada três crianças que têm o glioma não apresentam quaisquer sintomas depois do diagnóstico. Uma em cada três, portanto, poderá apresentar redução da visão e outros problemas, geralmente nas meninas (5 a 10 vezes mais comum do que nos meninos) e que apresentam gliomas localizados em outras partes do encéfalo (que não os nervos ópticos).

O exame oftalmológico é tão importante nas crianças com NF1 e gliomas que a piora na acuidade visual pode indicar o início da quimioterapia, com ou sem aumento do tumor na ressonância magnética do encéfalo (ver aqui excelente revisão de Brossier e Gutmann, 2015). Ou seja, o que nos orienta na conduta médica é o estado clínico da criança, seus sintomas e sinais e não apenas as imagens na ressonância.

Outro exemplo, na NF2, os tumores mais comuns são os schwannomas vestibulares e os meningiomas. De forma semelhante à NF1, são os sintomas e sinais observados no exame clínico anual, incluindo a perda da audição na audiometria ou alterações na tomografia de coerência óptica, que determinam o momento de intervenção cirúrgica, e não o tamanho dos tumores na ressonância.

Em resumo, como dizia meu querido pai José Benedito Rodrigues, que foi médico durante mais de 60 anos em Lambari, uma cidade no interior de Minas Gerais: a clínica é soberana.

Bom feriado a todos.

Lembrando que as pessoas com NF1 apresentam mais displasias ósseas do que a população em geral, suspeitamos que a causa das displasias poderia estar relacionada com a falta da neurofibromina, mas também com deficiência de Vitamina D e de cálcio.

Além disso, há alguns anos, um grupo de pesquisadores da Alemanha publicou um estudo no qual as pessoas com NF1 apresentaram mais deficiência de Vitamina D do que os controles sem NF1. Além disso, quanto menor o nível de Vitamina D no sangue, mais neurofibromas cutâneos (clique AQUI para ver o trabalho). 

Este estudo despertou grande interesse em todos que trabalham com as neurofibromatoses, pois levantava uma hipótese de que a falta da Vitamina D poderia participar do crescimento dos neurofibromas cutâneos, um problema que traz sofrimento a tantas pessoas com NF1.

No entanto, a Alemanha fica localizada numa região do planeta onde há menor incidência de raios solares do que no Brasil, e nós sabemos que os níveis de Vitamina D dependem da quantidade de radiação solar que a pessoa recebe, além da cor da sua pele e da sua dieta. Por isso, resolvemos repetir o estudo sobre os níveis de Vitamina D em pessoas com NF1 no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nossos resultados foram apresentados pelo Dr. Nilton Rezende e pela Dra. Juliana Souza no Congresso sobre Neurofibromatoses realizado em Oregon, nos Estados Unidos em 2009 (Children’s Tumor Foundation NF Conference). Verificamos que os níveis de Vitamina D de 28 pessoas com NF1 não foram diferentes daqueles medidos em 20 voluntários sem NF1, que foram convidados a participar de tal forma que os dois grupos (NF1 e não-NF1) eram semelhantes quanto à idade, ao sexo e local de residência. Curiosamente, ambos os grupos, com e sem NF1, apresentavam níveis de Vitamina D abaixo do ideal. Esta pesquisa foi repetida em 2010, com um grupo maior de pessoas com NF1, e os resultados se repetiram.

Interpretamos nossos estudos pensando que a radiação solar em Minas Gerais é maior do que na Alemanha e os brasileiros usam menos roupas, o que poderia anular as diferenças observadas pelos alemães, pois eles suspeitaram que as pessoas com NF1 teriam vergonha de expor seu corpo ao sol em ambientes abertos por causa dos neurofibromas. Em nenhum dos nossos estudos contamos ou medimos o tamanho dos neurofibromas, por causa das dificuldades técnicas para esta medida, como já comentei anteriormente (ver AQUI).

No entanto, nas pesquisas anteriores havíamos encontrado níveis de Vitamina D abaixo do ideal, por isso um novo estudo realizado pelo doutorando Marcio de Souza em nosso Centro mostrou que as pessoas com NF1 apresentam, em média, ingestão menor de Vitamina D do que as recomendações internacionais para uma dieta saudável (ver o artigo publicado AQUI).

Além disso, mesmo que os níveis de Vitamina D das pessoas com NF1 não sejam diferentes das pessoas sem NF1, perguntávamos: e se as pessoas com NF1 têm menos receptores nas células, ou seja, haveria Vitamina D circulando no sangue, mas os seus ossos, por exemplo, não seriam capazes de usar esta vitamina e assim ficariam mais fracos?

Por falta de condições técnicas, não pudemos responder a esta pergunta e por isso foi com grande satisfação que encontrei o excelente estudo realizado pelo grupo de Porto Alegre, sob a orientação da Dra. Patrícia Ashton-Prolla (ver AQUI o artigo completo) do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A Dra. Larissa Bueno e colaboradores também não encontraram níveis mais baixos de Vitamina D nas pessoas brasileiras com NF1, ao contrário de estudos europeus e norte-americanos (ver aqui os artigos dos grupos do MAUTNER e do STEVENSON). Além disso, as pesquisadoras gaúchas (9 mulheres e 3 homens no grupo – tenho que respeitar a maioria) não observaram relação entre variações genéticas nos receptores de Vitamina D e a NF1.

Portanto, apesar de ainda haver alguma controvérsia internacional sobre os níveis de Vitamina D nas pessoas com NF1, minha impressão atual é de que a causa das displasias ósseas não parece depender da Vitamina D, mas sim da falta da neurofibromina na vida intrauterina. 

Por outro lado, considerando que mesmo nas pessoas sem NF1 a Vitamina D é necessária para a saúde dos ossos, podemos supor que nas pessoas com NF1 (que apresentam tantas displasias ósseas) níveis ideais de Vitamina D seriam ainda mais necessários.

Em conclusão, recomendamos a todas as pessoas com NF1 que tomem banhos de sol, façam exercícios regulares e, para aquelas pessoas com NF1 e história de quedas frequentes, sugerimos acompanhamento inicial pela fisioterapia. Finalmente, uma dieta saudável deve fazer parte da alimentação de todos (ver AQUI sugestões de vida saudável para pessoas com NF1).

Para terminar, como já sabemos, o exame clínico anual da coluna e dos ossos é fundamental, especialmente no período de crescimento, e, se possível, acompanhado da medida dos níveis sanguíneos de Vitamina D, cálcio e hormônio da paratireoide. Caso necessária, a reposição diária de Vitamina D pura pode ser recomendada.

 

Nos últimos dias venho respondendo diversas perguntas sobre problemas ósseos que ocorrem com mais frequência nas pessoas com NF1 do que na população em geral.

 

Já comentei sobre dois grupos de problemas mais graves, os desvios da coluna (escoliose e cifoescoliose) e as displasias (da tíbia e da asa menor do esfenoide). Hoje veremos outros problemas ósseos relacionados com a NF1, que apesar de menos graves podem causar alguns transtornos na vida das pessoas que nasceram com eles.

De um modo geral, a NF1 reduz a resistência dos ossos, tornando-os mais fracos (a chamada osteopenia) e menos calcificados (osteomalácia), uma situação intermediária entre o osso normal e a osteoporose e até mesmo a osteoporose verdadeira (ver trabalho do grupo do Peltonen.

Estes problemas aparecem nas radiografias como ossos menos densos, menos mineralizados e com alterações no seu desenvolvimento e formato normais. A osteopenia, a osteomalácia e a osteoporose contribuem para as dificuldades de tratamento nas escolioses e na displasia da tíbia.

As pessoas com NF1 apresentam também menor força muscular e coordenação motora (ver AQUI o trabalho realizado em nosso Centro de Referência), o que as torna mais vulneráveis a quedas. Estas quedas mais frequentes associadas aos ossos menos resistentes fazem com que a chance de fraturas ósseas aumente nas pessoas com NF1. 


Outro problema encontrado em grande parte das pessoas com NF1 é a baixa estatura, o que significa que o esqueleto se desenvolve abaixo do tamanho médio da população, considerando a idade e o sexo da criança. Não sabemos ainda a causa da baixa estatura na NF1, mas sabemos que ela não responde bem aos tratamentos hormonais e por isso o hormônio do crescimento é contraindicado como tentativa de aumentar a estatura pelo risco colateral deste medicamento desenvolver tumores nas crianças com NF1.

Além da osteopenia e da baixa estatura, as pessoas com NF1 podem crescer com outras displasias ósseas menos graves do que da tíbia e do esfenoide, como o aumento da circunferência da cabeça, chamada de macrocrania (macro – grande, crania – crânio). A macrocrania é apenas um aumento do crânio e do cérebro um pouco além do desenvolvimento normal, que é mais acentuado nos meninos do que nas meninas, e que não causa problemas para a saúde.

A macrocrania não tem nenhuma relação com hidrocefalia, como infelizmente muitas pessoas e profissionais da saúde pensam, pois a macrocrania na NF1 acompanha o desenvolvimento da criança e não é causada por aumento da pressão dentro do cérebro. Não há necessidade de qualquer tratamento para a macrocrania na NF1.

Outras displasias ósseas congênitas mais comuns nas pessoas com NF1 do que na população em geral são algumas deformidades no tórax, como uma depressão na região do esterno (pectus excavatum) ou assimetria e elevação do esterno (pectus carinatum). Algumas destas displasias podem causar limitações para a saúde e seu tratamento requer cirurgia (ver AQUI uma revisão sobre o assunto).

Diante de todas estas alterações ósseas (desvios na coluna, displasias, macrocrania, baixa estatura e osteopenia), compreendemos porque é necessário o exame clínico anual da coluna e dos ossos das pessoas com NF1. Ocasionalmente, se algum novo problema é encontrado, pode ser necessária a realização de radiografias, da medida da densidade óssea e dos níveis sanguíneos de Vitamina D, cálcio e hormônio da paratireoide.

Por falar em Vitamina D, amanhã comentarei a suspeita de que as pessoas com NF1 apresentam deficiência de Vitamina D.

 

Nos últimos dois dias comentei sobre os problemas de coluna que podem acontecer em cerca de 10 a 30% das pessoas com neurofibromatose do tipo 1. Hoje, falarei um pouco sobre dois outros problemas ósseos, que também acometem as pessoas com NF1, e que ameaçam muito a sua qualidade de vida.

Ambos são raros, afetando menos de 5% das pessoas com NF1. Ambos  são CONGÊNITOS, ou seja, já estão presentes na vida intrauterina e podem ser diagnosticados no momento do nascimento ou nos meses seguintes. Se não forem percebidos no primeiro ano de vida, não aparecerão depois.

São as chamadas displasias ósseas. A palavra displasia quer dizer crescimento inadequado, seja para mais ou para menos, podendo causar transtornos na função de um ou mais órgãos.

Dois tipos de displasias ósseas são tão típicos da NF1 que fazem parte dos critérios diagnósticos do consenso de 1988, ou seja, quando encontramos uma destas displasias praticamente temos certeza de que estamos diante de uma pessoa com NF1. 

Para completarmos o diagnóstico, basta haver a presença de apenas mais um dos demais critérios: 1) manchas café com leite ou 2) efélides, ou 3) nódulos de Lisch, ou 4) dois neurofibromas cutâneos, ou um neurofibroma plexiforme, ou 5) um glioma óptico ou 6) um parente de primeiro grau com NF1.

A primeira displasia típica da NF1 é aquela que atinge os ossos longos, especialmente a tíbia, que é o osso maior da perna. Geralmente, apenas uma das pernas é acometida e o osso apresenta-se na radiografia com sua parte média mais fina e densa (como se não tivesse medula óssea), podendo estar desviada para dentro e, muitas vezes, já com fraturas (ver setas brancas na parte esquerda da figura acima, que indicam a mesma tíbia fraturada de frente e de lado).

As fraturas ocorrem espontaneamente, ou seja, sem qualquer trauma ou apenas com a sustentação do peso da criança. Quando isso acontece e a perna faz um ângulo, chamamos de pseudoartrose, ou seja, como se houvesse ali uma falsa articulação. 

O tratamento destas fraturas requer cirurgias complexas, muitas vezes repetidas, que tentam fixar os ossos, colocando hastes de metal e incluindo enxertos de fragmentos ósseos retirados de outras partes do esqueleto.

Infelizmente, os procedimentos cirúrgicos podem não dar certo e a fratura ocorrer de novo apesar de todo o cuidado. Novas tentativas então são feitas, os períodos de internação são prolongados, repetidos e acompanhados de limitações de movimentos durante meses ou anos, além de infecções, inflamações e dor. Por isso, muitas pessoas com NF1 e pseudoartrose desistem depois de duas ou três cirurgias e optam pela colocação de próteses como solução definitiva.

A outra displasia típica da NF1 é aquela que acontece na asa menor do osso esfenoide, um osso plano que forma o fundo da órbita dos olhos. Observe a seta azul na imagem ao lado, que indica uma parte escura que é onde falta um pedaço do crânio – compare com o outro lado da cabeça da criança, que está correto, onde há apenas uma fenda por onde passa o nervo óptico, artérias e veias.

A displasia do esfenoide é uma complicação grave da NF1, porque ela permite que o volume do cérebro em crescimento, que seria contido pelo osso que não foi formado na vida intrauterina, empurre o globo ocular para a frente, causando deformidade facial importante. Muitas vezes esta displasia está associada a um neurofibroma plexiforme nesta região, o que complica ainda mais o problema.
Mais uma vez, infelizmente, ainda não temos técnicas cirúrgicas adequadas para a reparação deste osso faltante [1]. O que podemos fazer, no momento, é tentar preservar a visão, evitar tratamentos inúteis, desnecessários e agressivos, e oferecer conforto e apoio para a criança conviver com sua deformidade.
Amanhã comentarei outros problemas ósseos que também são comuns na NF1, embora representem menor gravidade.


[1]Num congresso que participei em Barcelona em 2014, houve um grupo de médicos chineses que apresentou algumas crianças operadas com uma técnica de reparação que eles desenvolveram. A cirurgia é de grande porte, os riscos são grandes, mas o resultado ainda está longe do que desejamos.


Continuando minha resposta à pergunta da semana passada, veremos hoje em linhas gerais como são tratados os desvios da coluna, embora cada caso tenha suas características e as manifestações da doença nunca são as mesmas em duas pessoas com NF1.


Gravidade 1 – Começo com os casos menos graves, que são os desvios funcionais (clique aqui para ver a resposta 198) e as escolioses (distróficas ou não distróficas) com ângulo menor do que 20 graus.

Para estes casos é necessária a revisão clínica de 6 em 6 meses até os doze anos de idade. Além disso, recomendamos exercícios regulares e livres e medir periodicamente os níveis cálcio, de Vitamina D e de hormônio da paratireoide e manter uma dieta adequada ou mesmo reposição destes fatores quando necessário.

É claro, banhos de sol para todos, de acordo com a cor da pele, época do ano e localização da cidade onde mora a criança (ver a Tabela disponível clicando aqui).

Gravidade 2 – Em seguida, aumentando em gravidade, temos as escolioses não distróficas com ângulo entre 20 e 35 graus, que devem realizar fisioterapia e usar coletes ortopédicos. Neste grupo também podem ser incluídas as cifoescoliose distróficas com ângulo menor que 50 graus, mas sem sintomas importantes, as quais também devem realizar fisioterapia e usar o colete ortopédico.

Gravidade 3 – Aqui encontramos as escolioses não distróficas com ângulo maior do que 35 graus e escolioses distróficas com ângulo entre 20 e 40 graus, as quais precisam de cirurgia de estabilização realizada pela parte posterior da coluna.

Gravidade 4 – Casos ainda mais graves são as escolioses e as cifoescoliose distróficas com ângulo maior do que 50 graus, porque ambas necessitam de cirurgia para estabilização anterior e posterior da coluna.

Gravidade 5 – Cifoescoliose distrófica com ângulo maior do que 70 graus, que precisam, mesmo depois da cirurgia de estabilização anterior e posterior, do uso de colete ortopédico.

É preciso dizer que as cirurgias de estabilização são complexas e de elevado risco cirúrgico, especialmente aquelas que requerem estabilização anterior e posterior. Além disso, os resultados das cirurgias são insatisfatórios em boa parte dos casos.

Por tudo isso, sabemos que, infelizmente, neste momento, as cifoescolioses distróficas de gravidade 3, 4 e 5 ainda constituem grandes problemas para as pessoas com NF1.

Amanhã comentarei outras complicações ortopédicas na NF1.