Conversa com 
o médico e mestrando 
Bruno Cota 
sobre sua pesquisa 
na qual ele estuda 
as habilidade musicais 
e dificuldades de aprendizado 
em pessoas com NF1 e NF2.







1) Bruno, você é médico e músico. Como você se interessou pelas neurofibromatoses?

Em 2013, conheci a professora Ana Lana e a neurocientista Marília Nunes, em um curso na UFMG sobre Neurociência e música, e desde então direcionei meus esforços para também tornar-me neurocientista da música, sempre com o apoio e incentivo de ambas. Através delas conheci a professora Luciana Macedo, que mais tarde tornou-se importante viabilizadora desse sonho, como orientadora do meu projeto de mestrado, que a princípio consistiria em avaliar os efeitos analgésicos da música.

Convidamos para a co-orientação daquele projeto o professor João Gabriel, de quem fui aluno na graduação em medicina e por quem sempre tive grande apreço. O mesmo aceitou o convite com entusiasmo, mas diante das dificuldades técnicas para o desenvolvimento do projeto anterior, sugeriu pensarmos em algo diferente. 

João Gabriel disse-me então que, num encontro casual, você havia comentado com ele sobre a suspeita de um possível comprometimento do processamento musical em pessoas com Neurofibromatose do tipo 1, doença que até então eu só conhecia pelos livros.

Após uma semana de estudo intensivo sobre os assuntos envolvidos, vi que essa suspeita tinha fundamentos que justificariam essa investigação, até então não documentada na literatura. Ao ser recebido de braços abertos por você, pelo diretor do CRNF Nilton Rezende e pela fonoaudióloga Pollyanna Batista, não hesitei em mudar meus planos e definitivamente colocar em prática o novo projeto sobre dificuldades musicais em pessoas com NF1.

E, seja por essas circunstâncias ou por razões que ainda desconheço, apesar do pouco tempo de convivência e atividades no ambulatório, suspeito que as Neurofibromatoses não mais significam para mim somente algumas páginas de um livro na estante: tornaram-se um novo capítulo na minha história de vida, a ser construído com toda a dedicação que cada grande oportunidade merece.

Portanto, interessei-me pelas neurofibromatoses graças à persistência e à sorte, em uma cadeia de eventos, nos quais se incluem ganhos e perdas, realizações e frustrações, mas acima de tudo, pessoas fundamentais.


2) Então qual é a pesquisa que está realizando no CRNF?


A pesquisa tem como título “Amusia como distúrbio auditivo central na Neurofibromatose tipo 1”. A amusia, que consiste na incapacidade parcial ou total de perceber e reproduzir música, será investigada no meu estudo por meio de um teste que avalia algumas habilidades musicais dos participantes. Além desse teste, será realizada uma avaliação básica da audição, através dos exames audiometria e imitanciometria, e um exame eletrofisiológico da audição, que avalia como o som se processa no cérebro.

Todos os testes são confortáveis e não-invasivos, ou seja, não envolvem instrumentos que rompem a pele ou que penetram fisicamente no corpo. Também não emitem radiação, nem colocam em risco a integridade física ou psíquica dos participantes.
O tempo total dos testes é de aproximadamente 2 horas, sendo que os participantes que já se submeteram à avaliação audiológica básica recentemente não precisam repeti-la, reduzindo esse tempo de avaliação para 1 hora e meia, aproximadamente.


3) O que é que espera encontrar na pesquisa, ou seja, qual é sua hipótese?

Nossa hipótese é que a ocorrência de amusia seja maior entre os indivíduos com NF1 do que naqueles que não têm a doença, inclusive não esperamos encontrar a amusia nas pessoas que têm NF2 e audição preservada.  

Acredita-se que a amusia seja decorrente de um transtorno do processamento auditivo central. Isso significa que a forma como o cérebro interpreta a música está alterada nos indivíduos chamados “amúsicos”, apesar de não terem nenhum problema nos ouvidos ou em outras estruturas envolvidas na audição.

Em indivíduos com amusia desde o nascimento, foram observadas importantes alterações localizadas na substância branca cerebral, através de pesquisas com métodos de imagem (ressonâncias magnéticas). Sabe-se também que nas pessoas com NF1 são comuns as alterações na substância branca e há estudos que correlacionam esses achados com algumas desordens de linguagem e de aprendizado, também frequentes na NF1.

Além disso, em recente estudo desenvolvido pela Pollyanna no CRNF, constatou-se, de modo inédito, a existência de importante prejuízo do processamento auditivo em portadores de NF1, os quais também podem estar relacionados às alterações descritas.
Portanto, este conjunto de informações científicas constitui a fundamentação teórica que justifica a nossa investigação da amusia na NF1, reforçada pela opinião clínica de experientes profissionais que lidam com as neurofibromatoses. 



4) Você já tem resultados preliminares?

Na maioria das avaliações realizadas até o momento constatamos algumas alterações importantes no processamento musical nos portadores de NF1, quando comparados aos outros indivíduos sem a doença. Mas ainda estamos na fase inicial. É preciso um número maior de avaliações para concluirmos com segurança, baseada em uma criteriosa análise estatística.

Portanto, precisamos muito da ajuda de todos que tenham disponibilidade em participar da pesquisa, sejam pessoas com NF1 ou não. Cada participação é valiosa, pois esperamos que nossos resultados tragam novos conhecimentos em relação à doença.  Quem sabe, com esse estudo poderemos trazer mais esperança de tratamentos para as pessoas com NF1?

Quem tiver interesse em participar e nos ajudar é só entrar em contato pelo e-mail brucezar@hotmail.com.br ou telefones: 31-8806-3535 (Oi) ou 31-9194-2235 (Claro).  
As avaliações são realizadas na Faculdade de Medicina da UFMG, que fica bem próximo ao ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses. Agradeço desde já a todos que puderem participar desse projeto!   

Por intermédio do Professor Elcio Neves, da Associação de Vitória (ES), o gabinete do Senador Romário se propôs a fazer cartilhas informativas sobre doenças raras e nos enviou algumas perguntas sobre as neurofibromatoses.

1.
    O que é a doença?

As neurofibromatoses formam um grupo de 4 doenças que têm em comum o aparecimento de manchas café com leite e tumores benignos que se originam dos tecidos neurais (neurofibromas, gliomas, schwannomas, meningiomas) e que podem causar complicações à saúde das pessoas acometidas.
São as doenças chamadas de neurofibromatose do tipo 1, neurofibromatose do tipo 2, schwannomatose e Síndrome de Legius.

2.
    Número de pacientes no mundo e no Brasil?

Cada uma das 4 doenças tem incidências diferentes, mas tomadas em conjunto, teríamos cerca de 1:3000 pessoas nascidas, ou seja, cerca de 68 mil pessoas no Brasil e cerca de 2 milhões de pessoas no mundo.
3.    Ações já tomadas e medidas já existentes em prol da doença?

Atualmente existem algumas associações de pessoas com NF e poucos centros de referência especializados no atendimento às pessoas com neurofibromatoses: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto.
Há páginas na internet e pesquisas científicas sendo realizadas.
Há uma Sociedade Brasileira de Pesquisa em NF de caráter informal que publicou recentemente dois manuais de orientação para profissionais da saúde para o diagnóstico e tratamento das neurofibromatoses.


Uma iniciativa interessante seria a tradução destes artigos de forma compreensível para a maioria das pessoas.

4.
    Medicamentos e seu uso?

Apesar de diversas pesquisas internacionais que buscam medicamentos para os diversos problemas das neurofibromatoses, não existem ainda medicamentos eficazes e específicos para as neurofibromatoses.

5.
    Perspectiva de vida ou sobrevida?

Há uma redução de cerca de 10 a 15 anos de expectativa de vida na neurofibromatose do tipo 1 e do tipo 2. Ainda não se sabe esta informação na schwannomatose e na Síndrome de Legius.

6.
    O que ainda falta em relação aos avanços da doença?

Do ponto de vista da sociedade, falta o reconhecimento de que a doença existe, quais as suas características (representação social) e é mais comum do que se pensa.

7.
 Outros que considera necessário?

Creio que faltam informações para os profissionais de saúde e para as pessoas acometidas pelas neurofibromatoses.

B- Indicação de um médico ou especialista na área que poderá assinar junto aos “organizadores” para que faça a correção do texto.
Ofereço a colaboração de nossa equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenada pelo Prof. Dr. Nilton Alves de Rezende.

C- Instituições, sites, especialistas citados e outros.

Por enquanto, dispomos de atendimento público especializado em neurofibromatoses nos estados do Rio de Janeiro (cidade do Rio:  www.cnnf.org.br), Minas Gerais (Belo Horizonte, o nosso: ver www.amanf.org.br) e São Paulo (Ribeirão Preto, ver: guimedicina@gmail.com  e São José do Rio Preto (ver: eny.goloni@famerp.br ). Em São Paulo (nas faculdades de medicina da USP e Unifesp) temos geneticistas que atendem às neurofibromatoses também.
Continuando a resposta para IT, de Portugal, vimos que uma das indicações para a identificação das mutações causadoras das neurofibromatoses seria para o diagnóstico pré-implantação, ou seja, no processo de inseminação artificial, para garantir que o embrião implantado não tenha uma das NF. 


Repito então as respostas oferecidas há alguns meses por dois experientes geneticistas: Dra. Eugênia Valadares da Faculdade de Medicina da UFMG, e Dr. Salmo Raskin, da Clínica Genétika, localizada em Curitiba.


Dra. Eugênia Valadares: 

O diagnóstico genético pré-implantação (PGD) de NF1 é uma opção para os casais que já têm identificada a mutação causadora da doença, de acordo com artigos publicados na literatura médica internacional. A fertilização in vitro pode ser feita em alguns hospitais universitários, com algum custo para os pacientes. Mas, em relação ao PGD, posso garantir que no Brasil são raros os laboratórios de genética que realizam este exame e acredito que na rede pública não tenha ninguém trabalhando com isso. 

É fundamental que o médico geneticista e o médico da fertilização in vitro que estão acompanhando o casal trabalhem de forma bem articulada com o laboratório de genética que vai realizar o exame. Os riscos da fertilização in vitro por injeção intracitoplasmática de espermatozoide e os custos de todo o processo devem ser informados diretamente pela equipe executora.


Dr. Salmo Raskin:

O Diagnóstico Genético pré-implantação (PGD) não é a única alternativa, mas sem dúvida é uma alternativa muito interessante para evitar o nascimento de um filho com Neurofibromatose.  
A técnica já foi testada por mais de duas décadas, e em mãos bem treinadas, é bastante confiável. Claro que há de se levar em conta que o procedimento de fertilização in vitro que antecede ao Diagnóstico Genético pré-implantação, é um procedimento complexo, sob todos os aspectos, em especial o emocional, e principalmente para a mulher. 

Todo o processo (fertilização in vitro seguida de Diagnóstico Genético pré-implantação) custa em torno de 20 a 30 mil reais, lembrando que às vezes é necessário repetir o processo (em parte ou integralmente), quando a gestação não se desenvolve. Outra alternativa médica seria a fecundação por meio da doação de gametas (espermatozoides ou óvulos) de uma pessoa sem NF1 para o casal com a doença.

DR LOR: 

É importante lembrar que aqueles casais onde um dos pais tem NF e desejam ser pais é possível a adoção.

Aproveitando que a Dra. Eugênia e o Dr. Salmo comentaram a questão dos custos financeiros para o PGD, lembro que, infelizmente, ainda não existe nenhum centro público de saúde no Brasil oferecendo o PDG pelo SUS, segundo o Dr. Selmo Geber, da Clínica Origen, em Belo Horizonte.

Por outro lado, dispomos agora da Portaria 199 do Ministério da Saúde sobre a obrigatoriedade do Sistema Único de Saúde prestar assistência integral às pessoas com Doenças Raras (o que inclui as neurofibromatoses). Considero que a paternidade e a maternidade sejam um direito de todos e a realização deste direito pode apresentar necessidades especiais no caso de determinadas doenças, como as neurofibromatoses, entre elas a necessidade de contar com a reprodução assistida.
  
No entanto, a Portaria 199 menciona o aconselhamento genético, mas não faz referência à reprodução assistida para portadores de Doenças Raras, o que precisa ser discutido entre as entidades envolvidas com a questão, incluindo o Ministério da Saúde.

A fonoaudióloga Pollyanna Batista e o diretor do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, diante do trabalho científico sobre treinamento auditivo na NF1, durante o último congresso em neurofibromatoses nos Estados Unidos em 2015.

Entrevistei a Pollyanna sobre seu trabalho em fonoaudiologia na NF1.
Quais os resultados mais importantes que você compartilhou?
Sabemos que a maioria das pessoas com NF1 apresenta dificuldades em processar os sons ouvidos, portanto nossa pesquisa testou se um período de treinamento auditivo por 8 semanas poderia influenciar a desordem do processamento auditivo naquelas pessoas. Nossos queridos voluntários com NF1 realizaram uma vez por semana exercícios auditivos. Os resultados que levamos na Conferência de 2015 apontam melhora na capacidade de compreensão auditiva em ambientes ruidosos, melhor capacidade de compreensão dos sons na presença de sons competitivos, e melhor velocidade de processamento das informações auditivas.
Qual foi a reação da comunidade científica aos seus resultados?
Creio que a maior parte dos cientistas que trabalham com neurofibromatoses ainda não está informada sobre a importância do adequado processamento auditivo para o sucesso na aprendizagem, da cognição e do desenvolvimento da linguagem. A audição é uma das principais portas de entrada do conhecimento. Ao discutir este assunto com a pesquisadora Heather Thompson da Universidade de Sacramento da Califórnia (EUA), vimos que para os distúrbios de aprendizagem, primeiro é preciso intervir na audição (treinamento auditivo), melhorar as habilidades auditivas e posteriormente intervir nas dificuldades de leitura e escrita.
O que foi apresentado e discutido em 2015 no congresso nos Estados Unidos a respeito de temas semelhantes ao que você estuda?
Uma das grandes preocupações dos pais na infância e adolescência é referente ao desenvolvimento da linguagem e aprendizagem. Como consequência, há uma grande preocupação entre os pesquisadores de se tentar minimizar as alterações de aprendizagem e déficits cognitivos. Intervenções terapêuticas para memória de trabalho, aprendizagem viso espacial e atenção tiveram eficácia comprovada em alguns estudos apresentados na Conferência de 2015. Enquanto isso, os estudos com Lovastatina são promissores, mas há uma dificuldade de transpor os estudos realizados com camundongos para a população com NF1, e ainda não há um consenso sobre isso, o que fica evidente com as posições contrárias sobre o assunto entre o grupo liderado pela Dra. Maria Acosta (Children’s National Medical Center – EUA) e o grupo da Dra. Kathryn North, pesquisadora da Murdoch Children’s Research Institute (Austrália).

Ontem, a escola da minha filha de 9 anos nos informou que ela não conseguiu atingir as mesmas competências dos colegas. 

Assim, apesar de transitá-la para o segundo ano, ela continuará com os livros do primeiro. Isso quer dizer que, no segundo ano:
– Ela verá o conteúdo da turma para o segundo ano enquanto ela vê o mais atrasado;
– Sairá de sala de aula para o acompanhamento especial, para a fonoterapia e, talvez, terapia ocupacional. Enquanto está neste atendimento, o restante da turma recebe novos conteúdos.
Não sou pedagogo, mas penso que mesmo com a professora particular acompanhando-a, dificilmente ela conseguirá chegar ao nível da turma.
Você passou por situação semelhante? O que podemos fazer para minimizar o impacto da diferença e ajudá-la no aprendizado?
Uma coisa que eu não consigo entender. Minha filha é muito antenada, entende tudo a sua volta, tem o pensamento rápido, mais até do que os irmãos, mas não consegue assimilar os conteúdos da escola. Será que o conteúdo deve ser dado de uma forma diferente?
Ela possui as manchas no cérebro. Segundo minha esposa, estas manchas são na área do aprendizado, pode ser isso mesmo? BPC, do Rio de Janeiro.
Resposta.
Sim, passei por situação semelhante à sua e creio que as dificuldades de aprendizado na NF1 afetam profundamente inúmeras famílias neste momento. Minha filha com NF1 já está com 36 anos, conseguiu se formar em Fisioterapia e leva uma vida praticamente normal. No entanto, como em grande parte das crianças com NF1, seu processo de aprendizado se deu de forma mais lenta do que para os demais colegas e algumas habilidades específicas ainda não foram alcançadas por ela, como a habilitação para dirigir automóveis.
Por causa das suas dificuldades, especialmente de memória, – e a capacidade de guardar informações é muito cobrada nos sistemas atuais de ensino, – ela repetiu algumas séries, o que acabou por forçá-la a completar o ensino de forma supletiva. Na faculdade (particular) ela continuou com as dificuldades de memória, necessitando de mais tempo do que os (as) colegas para adquirir o conhecimento médio de sua turma.
Então, a segunda questão que você levanta é se o conteúdo poderia ser ensinado de forma diferente. Também não sou pedagogo, mas tenho a impressão que a socialização deveria ser a maior tarefa da escola, ou seja, preparar as novas pessoas para viverem em sociedade, cuidando dos lações afetivos e das relações sociais.
No entanto, a ideologia da escolarização é formar indivíduos produtivos para o mercado de trabalho. Assim, não só para as crianças com NF1, a maneira de ensinar na maioria das escolas é produtivista, pouco interessante, desconectada da vida social real, excessivamente formal e muito baseada na memória, além de estimular de forma doentia a competição, a qual leva a comportamentos individualistas. Veja as crianças japonesas, tão tristes em seu produtivismo, educadas para se matarem de trabalhar e que são modelo para muitos países, inclusive o Brasil.
Minha opinião é de que sim, precisamos lutar por conteúdos escolares diferentes dos atuais, que deveriam ser voltados para o desenvolvimento dos afetos, da socialização, da inclusão de todos e do espírito comunitário e solidário. Menos campeões e mais corações. É difícil? Sim, mas saber que as falhas não estão na sua filha, mas no sistema educacional que a exclui como pessoa, impedindo-a de realizar seu potencial humano.
Concordo com você que os cuidados complementares que sua filha recebe retiram dela uma parte do tempo que poderia ser destinado aos chamados conteúdos escolares. Mas o efeito principal, a meu ver, é que estas atividades terapêuticas a afastam ainda mais da socialização com os colegas e criam uma situação especial, a qual pode, inclusive, ser fonte de discriminação e maus tratos. Portanto, devemos indicar atividades terapêuticas, que sejam cientificamente comprovadas como eficazes na NF1, apenas para os horários fora do período escolar.
Finalmente, sobre as manchas no cérebro, que, provavelmente devem ser hiperintensidades encontradas na ressonância magnética do encéfalo, geralmente decorrentes de pequenos hamartomas inofensivos. Houve uma época em que se suspeitou que estas manchas estariam relacionadas com as dificuldades de aprendizado, mas depois isto não foi comprovado.
Em conclusão, creio que nosso papel, como pais, deva ser a criação de entidades civis de defesa das pessoas com NF e a partir destas associações promovermos mudanças nas estruturas de ensino, tornando-as mais inclusivas, ou seja, menos competitivas e mais amorosas.

Conversei com Márcio Leandro Ribeiro de Souza, Nutricionista e Doutorando no Programa de Ciências aplicadas à Saúde do Adulto na Faculdade de Medicina da UFMG sobre o Congresso em Neurofibromatoses nos Estados Unidos, do qual ele acabou de chegar.


Dr. LOR – Caro Márcio, qual foi a sua contribuição científica para o congresso, ou seja, quais os resultados mais importantes que você compartilhou?
Márcio – Assim como no ano passado, quando levamos dois trabalhos de nutrição na NF1 referentes ao meu mestrado, agora levamos mais avanços obtidos nessa área. As pesquisas em nutrição na NF1 ainda estão começando e temos muito o que avaliar.
No congresso, o Children’s Tumor Foundation Conference de 2015, levamos um pôster sobre os níveis de açúcar mais baixos apresentados pelas pessoas com NF1. Esse estudo reforça a importância de investigar os aspectos metabólicos nas neurofibromatoses.
Essa pesquisa foi realizada pela colega doutoranda e nutricionista Aline Stangherlin Martins, e surgiu de observações clínicas durante os atendimentos no CRNF, no qual os médicos do centro desconfiaram que a diabetes tipo 2 parecia ser menos frequente nas pessoas com NF1. De fato, nossa pesquisa comprovou esta suspeita e este resultado é importante. Atualmente, continuamos estudando para verificar outros sinais clínicos do metabolismo da glicose e da frutose na NF1.
Quero lembrar que temos contado com a participação do Dr Vincent Riccardi, que é um dos grandes estudiosos em neurofibromatoses, e que está colaborando ativamente comas pesquisas em nutrição.
Dr LOR – Qual foi a reação da comunidade científica aos seus resultados?
Márcio – Durante a apresentação do nosso pôster, tive a oportunidade de conversar com pesquisadores de diferentes países que acharam muito interessantes os resultados e discutiram possibilidades e hipóteses para novas pesquisas.
Alguns desses pesquisadores comentaram inclusive terem lido o nosso artigo de consumo alimentar publicado em 2015, na importante revista científica Nutrition (Veja aqui o artigo publicado), e que foi o primeiro estudo sobre padrões alimentares em pessoas com NF1.
Como já citei anteriormente, as pesquisas em nutrição na NF1 estão apenas começando, e somos o único grupo desenvolvendo pesquisas clínicas sobre aspectos nutricionais na doença.

E um ponto me deixou extremamente empolgado: no último dia de congresso, as últimas palestras sempre são feitas apresentando perspectivas de estudos futuros nas neurofibromatoses, e na palestra sobre o futuro da NF1 eles chamaram a atenção para a Nutrição como uma das áreas a serem melhor estudadas na doença, mostrando que estamos no caminho certo. 

Dr LOR – Obrigado Márcio e vejam abaixo o poster apresentado e até segunda!

O nosso colega Dr Nikolas Mata-Machado, numa entrevista para um sistema de informação científica da Universidade Loyola em Chicago, falou sobre o manual de diagnóstico e tratamento das neurofibromatoses, que publicamos recentemente (Clique aqui para ver o artigo original) e eu traduzi a reportagem abaixo.

Melhor manejo clínico melhora a qualidade de vida para pacientes com neurofibromatose

Desordem genética causa tumores que crescem no cérebro, medula espinhal e outras partes do sistema nervoso

Uma desordem genética chamada neurofibromatose (NF) causa tumores benignos que crescem no cérebro, medula espinhal e outras partes do sistema nervoso.
Não existem medicamentos eficazes para prevenir ou reverter a NF, mas aumentar o conhecimento científico tem permitido melhor manejo clínico e menos complicações, resultando em uma maior qualidade de vida para pacientes com neurofibromatose, segundo o relatório de especialistas em NF numa das melhores revistas científicas brasileiras, a Arquivos de Neuro-Psiquiatria.
Neurologista pediátrico e especialista em NF, Nikolas Mata-Machado, MD, da Loyola University Medical Center, é co-autor do manual, que propõe diretrizes para o manejo clínico das NF. Escrever as diretrizes foi uma colaboração entre os principais grupos que estudam as neurofibromatose no Brasil, onde o Dr. Mata-Machado cresceu e estudou medicina.
Pelo menos 100.000 pessoas nos Estados Unidos têm NF, tornando-se uma das doenças genéticas mais comuns. A NF1, por exemplo, afeta aproximadamente 1 em cada 3.000 crianças que nascem nos EUA. Entre as NF, existem dois tipos de neurofibromatose (NF1 e NF2) e uma condição relacionada chamada schwannomatose.
Pessoas com NF1 geralmente têm manchas café-com-leite, nódulos sobre ou sob a pele chamado neurofibromas; e pequenos nódulos na íris chamados nódulos de Lisch. A NF1 pode causar diversos problemas, incluindo deficiência de aprendizagem; hiperatividade; dores de cabeça; problemas de audição; baixa estatura; deformidade facial; problemas cardíacos; dormência e fraqueza nos braços ou pernas; problemas de equilíbrio; e deformidades ósseas como a curvatura da coluna vertebral.
“A maioria dos médicos é capaz de realizar o diagnóstico da NF1, mas a ampla gama de manifestações clínicas e a incapacidade de prever o início ou gravidade dos novos recursos, conseqüências ou complicações, fazem o tratamento das NF um verdadeiro desafio clínico”, dizem as diretrizes.
Assim, o tratamento das neurofibromatoses frequentemente requer especialistas de várias disciplinas, especialmente para pacientes com NF2 e schwannomatose.
Cada pessoa com NF é única, e não há nenhuma abordagem clínico padrão que se aplique a todos os pacientes: “Considerando a história natural da NF como individualizada, distintiva e imprevisível, o principal procedimento clínico para todas as formas de NF é o exame médico periódico ao longo da vida, visando a detecção precoce e tratamento de complicações possíveis.”
As diretrizes recomendam que os pacientes compareçam a visitas médicas anuais, a menos que novos sinais ou sintomas acelerem o cronograma. Todos os pacientes de NF devem ter seus históricos médicos, familiares e de desenvolvimento revistos periodicamente e receberem o aconselhamento genético apropriado. Eles também devem ter um exame físico completo, com ênfase nos sistemas cardiovasculares e nervosos.
As diretrizes concluem que as neurofibromatoses se incluem entre os milhares de doenças raras que “progressivamente exigem centros de referência bem-conectados para informação, tratamento, aconselhamento genético e melhoria da qualidade de vida dos indivíduos afetados”.
Interrompo temporariamente minhas respostas sobre testes genéticos na NF para contar a vocês algumas notícias sobre o último congresso em neurofibromatoses nos Estados Unidos (o Children’s Tumor Foundation Conference, realizado em Monterrey, na Califórnia), ao qual compareceram alguns membros do nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clinicas da UFMG: o médico Nilton Alves de Rezende, a fonoaudióloga Pollyanna Batista, a médica Juliana Ferreira de Souza e o nutricionista Marcio de Souza.






























Na foto estão o médico Vincent M Riccardi, pioneiro mundial no atendimento das pessoas com NF e nosso incentivador e orientador, o médico Nilton Alves de Rezende e o nutricionista Márcio de Souza, diante do pôster com o resumo do trabalho da Aline Martins, sobre NF1’ e diabetes tipo 2.
Além de participarem de todas as atividades do congresso, nossos companheiros e companheiras apresentaram os resumos dois trabalhos científicos realizados aqui no Brasil. Comecemos com o da Pollyanna, que encontrou melhora de alguns indicadores cognitivos depois de um período de tratamento fonoaudiológico em crianças com NF1. Outro trabalho foi da Aline Martins, que encontrou menores níveis de glicemia em jejum e menor chance de diabetes tipo 2 nas pessoas com NF1.
Noutro dia trarei as impressões sobre o congresso que eles estão escrevendo.

Ainda respondendo para IT, de Portugal, vamos ver quando é interessante pedir um exame de DNA nas neurofibromatoses.
 
Até recentemente, nós raramente solicitávamos testes genéticos das pessoas atendidas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Isto porque, na maioria dos casos, os sinais clínicos são suficientes para realizarmos os diagnósticos com segurança.
 
Além disso, a pouca demanda de pessoas com NF por testes pré-natais, junto com a dificuldade técnica de se identificar a mutação por causa de sua variabilidade e do tamanho do gene, resultavam em alto custo financeiro para a realização rotineira do teste genético nos laboratórios.
 
Por outro lado, considerando que na NF1 a possibilidade de falsos negativos ainda está em torno de 5%, percebíamos que os resultados dos testes genéticos não mudariam muito as nossas condutas de acompanhamento e prevenção de complicações.
 
No entanto, nos últimos anos aconteceram dois fatos importantes: 1) a identificação da Síndrome de Legius (ver minha resposta anterior sobre este assunto) e 2) a descoberta de que alguns tipos de mutação podem influenciar a evolução clínica, o que chamamos de correlação entre o genótipo (a mutação) e o fenótipo (manifestações clínicas).
 
Assim, fomos convencidos de que há algumas situações nas quais os testes genéticos estão bem indicados para o diagnóstico da NF1, da NF2, da Schwannomatose e da Síndrome de Legius.
 
Começo com a NF1 e Legius. Atualmente, consideramos indicado o teste genético quando:
 
1)     Os sinais clínicos levarem à suspeita de que a pessoa possua deleções (perdas de grandes partes) do gene da NF1. Estes tipos de mutação causam os quadros mais graves, correspondem a cerca de 5% dos casos de NF1 e precisam de acompanhamento mais rigoroso (em breve, voltarei a este assunto, com mais detalhes sobre este subtipo da NF1);
2)     As pessoas apresentam sinais clínicos atípicos de NF1;
3)     Encontramos famílias com duas ou mais gerações com apenas lesões pigmentares: manchas café com leite e efélides (sardas), para a distinção entre NF1 e Síndrome de Legius;
4)     São crianças sem história familiar e apenas lesões pigmentares: manchas café com leite e efélides (distinção NF1 e Legius);
5)     Alguém deseja saber o diagnóstico pré-natal e antes da implantação na fertilização artificial.
 
Quando houver o interesse na distinção entre NF1 e Legius, recomenda-se começar pela tentativa de identificação da mutação no gene da Síndrome de Legius (SPRED1) por ser um gene menor (apenas 8 éxons) do que o gene da NF1, logo, deve ser um exame mais barato.
 
Amanhã, retomo os testes genéticos na NF2 e Schwannomatose.
Antes de concluir minha resposta para IT, de Portugal, sobre o teste genético que ela estava aguardando durante sua gravidez, quero lembrar que nestes 11 anos de trabalho no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses, poucas vezes tivemos que solicitar testes genéticos para o diagnóstico porque na grande maioria dos casos os sinais clínicos eram suficientes para sabermos se a pessoa tinha ou não uma das neurofibromatoses.
Além disso, naquela maioria dos casos, não esperávamos que o resultado do teste genético viria a mudar nossa conduta clínica. Por exemplo, uma criança com mais de 5 manchas café com leite e efélides (sardas) axilares, mas sem quaisquer outros sinais clínicos preenche dois dos critérios diagnósticos para NF1, portanto poderíamos dizer que se trata de uma pessoa com NF1.
No entanto, nos últimos anos, foi descrita outra doença, a Síndrome de Legius que resulta da mutação de outro gene (SPRED1), que também apresenta mais de 5 manchas café com leite e efélides. Segundo alguns estudos, a Síndrome de Legius seria responsável por cerca de 2% dos diagnósticos anteriores de NF1.
Diante disso, alguns casos como este geram dúvidas quanto ao futuro da criança, pois sabemos que na Síndrome de Legius não há a formação de múltiplos neurofibromas, nem displasias ósseas e nem gliomas, ou seja, é uma doença menos grave do que a NF1.
Colocadas diante desta dúvida, as famílias sempre perguntam se não poderíamos fazer um teste genético para esclarecer se o caso da criança é NF1 ou Legius. Até recentemente, eu respondia que: diante dos altos custos financeiros para realizar o exame do DNA de forma particular ou da sua dificuldade de realização na rede pública, devíamos ponderar se o esforço para conseguir realizarmos o teste mudaria a nossa conduta clínica.
Exemplificando, caso o resultado do exame do DNA viesse positivo para a NF1, qual seria nossa conduta a partir daquele momento? Resposta: observar a criança anualmente de forma atenta às possíveis complicações da NF1.
Por outro lado, caso o exame do DNA viesse negativo para NF1, o que ocorre em 5% das pessoas com NF1, qual seria a nossa conduta? Resposta: observar a criança anualmente de forma atenta à espera de um esclarecimento natural do diagnóstico (o aparecimento do terceiro critério para NF1) e às possíveis complicações da NF1.
Ou seja, em ambos os casos, nossa conduta seria a mesma: a observação e os controles anuais. No entanto, nossa postura diante dos testes genéticos vem mudando recentemente e tratarei disto amanhã.

Até lá, aproveito para mostrar esta foto realizada durante um Congresso de Neurofibromatoses, em que o time de futebol do Resto do Mundo (formado por Luíza Rodrigues, Pollyanna Batista e eu do Brasil com o artilheiro Eric Legius, o descobridor da Síndrome que leva seu nome, da Bélgica) venceu o time dos Estados Unidos (formado por David Viskochil, um dos descobridores do gene da NF1, e três outros cientistas norteamericanos dos quais, infelizmente, não anotei os nomes) por 3 a 1.













Por falar nos Estados Unidos, coloco abaixo um link para uma entrevista sobre neurofibromatose concedida a uma rádio pelo neurologista Nikolas Mata-Machado, mineiro de Belo Horizonte, hoje trabalhando como neurologista em Chicago e que faz parte da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses:
Entrevista do Dr Nikolas

No embalo das notícias, o nosso amigo e pioneiro das NF, o Professor Vincent M Riccardi colocou na internet um novo site de informações sobre as neurofibromatoses. Vale a pena conferir:
Site do Riccardi