Posts


Comentei recentemente que a chance de um casal sem NF1 ter um filho com NF1 (mutação nova) é de 1 em 6 mil, mas esta informação é um pouco diferente daquela que venho repassando às famílias e que estão em diversas publicações, inclusive neste blog.

Somente me dei conta deste engano ao refazer as contas para calcular a chance de um casal vir a ter gêmeos com NF1. Vamos rever juntos o cálculo correto para um casal sem NF1 ter um filho ou filha com NF1.

A incidência de NF1 em qualquer população é de aproximadamente 1 em cada 3 mil crianças nascidas. Sabemos que metade das crianças com NF1 herdou a mutação no gene de um dos seus pais que já possui a doença. A outra metade das crianças com NF1 tem a doença por causa de mutações novas, ou seja, são variações genéticas que acontecem por acaso, no momento da formação do espermatozoide ou do óvulo, e que podem causar erros na produção de uma proteína chamada neurofibromina, a qual é responsável pelo controle do crescimento das células e pelo desenvolvimento do bebê (ver a ilustração na cartilha “As manchinhas da Mariana” clique AQUI).

Assim, naquelas 3 mil pessoas da população que precisamos reunir para encontrar uma pessoa com NF1, apenas “meia” pessoa seria resultante de uma mutação nova para a NF1. Como não existe “meia” pessoa, precisamos de reunir o dobro de pessoas na população para encontrarmos uma “pessoa inteira” com mutação nova, ou seja, precisamos reunir 6 mil pessoas na população.

Assim, a chance de um casal sem NF1 vir a ter um filho (ou filha) com NF1 (mutação nova) é de 1 para 6000. Por outro lado, a chance de um casal em que um dos pais possui NF1 vir a ter um filho (ou filha) também com NF1 (mutação herdada) é de 1 para 2, ou seja 50%.

Este cálculo mostra uma probabilidade um pouco maior de mutação nova em pessoas que não tem NF1 (1 para 6 mil) do que as pesquisas citadas pelo Dr. Friedman no livro do Riccardi (1999), que encontraram 1 mutação nova em cada 7800 a 23000 gametas, ou seja, espermatozoides ou óvulos (esta variação é por conta de diferenças de métodos entre os estudos).

Uma possível explicação para meu cálculo ter resultado numa maior chance (1 para 6 mil é maior do que 1 para 7800) talvez esteja no fato de que as pessoas com NF1 têm menor número de filhos do que a população em geral.

Considerando que pais com NF1 (especialmente os homens com NF1 que têm menos de 50% de filhos em relação aos homens sem NF1), isto aumentaria a participação das mutações novas no conjunto de pessoas que encontramos com NF1. Em outras palavras, por isso encontramos metade das crianças com NF1 com mutação nova e a outra metade com mutações herdadas.

Boa tarde. Tenho 30 anos e NF tipo 1. Meu filho tem 1 ano e 3 meses e também foi diagnosticado com a doença. Ambos apenas temos as manchas e os neurofibromas (ele só tem as manchas). Como ele tem uma ptose no olhinho, se suspeitou de algo mais grave, mas fizemos ressonância e isso foi descartado, a ptose não tem nada a ver com a NF. Gostaria de saber o que o doutor acha em relação a segundas gravidezes, se é arriscado eu engravidar de novo, se meu organismo suporta (manchas e neurofibromas aumentaram muito na gestação) e se é melhor “fechar a fábrica”, ou seja, não ter mais filhos.Agradeço desde já! AL, sem localidade identificada.
Cara A, obrigado por sua pergunta importante.
Você nos contou alguns fatos que costumam ser relatados pelas mulheres que têm neurofibromatose do tipo 1: que seus neurofibromas aumentaram durante a gravidez (ver nossa opinião de 2021 sobre este tema VER AQUI ) e que seu filho herdou a NF1, inclusive a ptose palpebral (que pode, sim, estar relacionada com a doença). Estes dois acontecimentos podem se repetir em novas gravidezes: neurofibromas aumentarem e um novo filho ou filha herdarem a sua doença.
Além do crescimento dos neurofibromas, o que acontece em cerca de 80% das mulheres com NF1, a gravidez apresenta maior risco de problemas para a gestante com NF1 do que para a população em geral, como abortos espontâneos e eclampsia.
Para o bebê, em cada gestação há um risco da criança (menino ou menina) herdar a NF1 e esta chance é de 50%, ou seja, é como jogar uma moeda para cima: cara ou coroa. Se o seu bebê nascer com NF1, ele pode apresentar qualquer um dos níveis de gravidade da doença: ou a forma mínima, ou a leve, ou a moderada ou a grave. Não podemos saber antes dele nascer.
Outro problema a ser considerado é que quando seu filho ou filha crescerem e souberem que herdaram a doença de você – e que você e seu marido tinham conhecimento de que poderiam transmitir a NF1 a eles, – seus filhos podem culpá-los pela sua doença, especialmente se forem acometidos por uma forma mais grave.
Então, antes de decidirem se querem ter outro filho, creio que você e seu marido devem pensar se estão preparados para os riscos que relatei acima.
 
Assim, aqueles adultos com NF1 que fizerem a escolha pelo controle de natalidade de uma forma permanente (vasectomia ou ligadura de trompas) possuem razões de saúde evidentes e justificáveis, independentemente do número de filhos ou filhas que já possuam.
 
Por outro lado, a nova gestação pode transcorrer sem complicações e o novo bebê pode nascer sem NF1.
 
De qualquer forma, ter ou não ter novos filhos é uma decisão de exclusiva responsabilidade do casal. A nós, médicos, cabe apenas o papel de oferecermos as informações científicas que dispomos para, quem sabe, ajudar a decisão do casal, no qual um dos pais possui uma das neurofibromatoses.
 

 

Para quem desejar compreender melhor as questões delicadas que envolvem a decisão de ter ou não ter filhos com risco de nascerem com doenças genéticas, sugiro a leitura do livro “Longe da Árvore”, de Andrew Solomon.