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“Vi neste blog quando o senhor fala sobre os cuidados para não proteger demais uma pessoa com Neurofibromatose. Minha filha tem muitas dificuldades e, por isto, fico a me perguntar como é esta superproteção. ” NJS, de local não identificado.

Cara N, obrigado por esta pergunta, que pode nos ajudar a completar as informações dos últimos dias sobre dificuldades de aprendizado na NF1 e o papel dos pais e das escolas. Mais uma vez, esclareço que não sou especialista em desenvolvimento infantil ou pedagogia e gostaria muito que os profissionais destas áreas nos ajudassem com seus comentários e sugestões.

Creio que não há uma resposta única para todas as famílias, porque as dificuldades de aprendizado e os diferentes comportamentos exibidos pelas crianças com NF1 variam tremendamente de uma para outra. Temos desde aquelas que são incapazes de aprender as funções básicas do cotidiano até aquelas que desenvolvem atividades complexas em profissões variadas.

Por exemplo, lembro-me de um querido menino o VR, que se tornou rapaz ao longo dos anos durante os quais ele frequentou a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF). Seu pai costumava dizer, em parte lamentando, em parte aceitando com acolhimento amoroso, que o V não era capaz de atravessar a rua sozinho e comprar uma caixa de fósforo.

Por outro lado, recordo-me de DD, outro colega de atividades na AMANF, diligentemente ativo em sua profissão como administrador dos recursos de saúde de um grande município mineiro, com vida social ampla, namorada firme e boa situação financeira. Não fosse seu desejo não realizado de se tornar advogado, apesar das diversas tentativas, talvez nenhuma dificuldade de aprendizado pudesse ser percebida nele.

Portanto, imaginemos os dois casos na sua infância: é claro que VR precisou de muito mais atenção e cuidados do que DD. Desde evitarmos riscos de acidentes domésticos e provimento de escolas especiais, no caso do VR, até apoio financeiro e psicológico para DD continuar tentando seu ingresso numa faculdade.

No entanto, tanto nos casos de VR e DD assim como nos milhares de outros casos intermediários, creio que os sentimentos de culpa e de pena da pessoa com NF1 podem atrapalhar a relação entre pais e filhos e desencadear a superproteção. Um dos sinais da culpa dos pais pode ser aquele choro escondido ou uma atitude de pena da criança pode se revelar no afastamento da criança do convívio com os outros, com a desculpa de que é para evitar que ela sofra.

A culpa pode se originar em pensamentos íntimos de que alguma coisa fizemos de errado (alimentos, drogas, álcool, cigarro, condutas morais, etc.) para que nossa criança nascesse com NF1, especialmente nos casos de mutação nova na família, apesar da ciência mostrar que nada que possamos ter feito iria alterar a casualidade da mutação.

A culpa também pode vir do arrependimento de ser um pai ou mãe com NF1 e ter passado a mutação adiante para um filho ou filha, apesar da maioria das pessoas desconhecer a possibilidade de transmissão da doença quando se tornam pais. 

Mesmo aqueles pais com NF1, que desconfiam que há uma certa possibilidade de transmitir a NF1 por herança (às vezes por terem também herdado de um de seus pais), geralmente não sabem exatamente como isto acontece.

Finalmente, há o sentimento de culpa por nós pais (ou mães) pelos momentos de raiva e impaciência com nossos filhos doentes, o que nos gera grande remorso e atitudes compensatórias, na tentativa de reparação que, em geral, ultrapassam as necessidades da criança e se tornam superproteção.

O sentimento de pena faz com que nosso julgamento de que a criança com NF1 é e será uma pessoa incapaz de um modo geral e assim passamos a fazer por ela aquilo que ela poderia fazer sozinha: vestir a roupa, dar o alimento na boca, responder as perguntas por ela, justificar suas respostas erradas, antecipar seu possível desejo e por aí em diante.

Acho que já comentei este fato neste blog, mas fiquei muito impressionado quando certo dia no consultório uma mãe tirou um lenço da bolsa e corrigiu o batom de sua filha com NF1 enquanto continuava falando comigo, sem pedir licença à filha para aquele gesto totalmente desnecessário. A mãe tinha 55 anos e a filha 35, e a filha é costureira, alfabetizada, casada e com um filho também com NF1, de quem cuida normalmente.

Para não adiarmos mais a minha conclusão, creio que só há uma pessoa capaz de saber se você está ou não protegendo demais sua filha: ela mesma.

Pergunte a ela. Ela sabe a resposta.