“O médico viu as manchas café com leite, disse que minha filha tem a mesma doença do Homem Elefante e me mostrou as fotos no computador. Eu fiquei chocada. ” AP, de Divinópolis, MG.
Cara AP, obrigado pelo seu triste relato, provavelmente compartilhado por muitas outras famílias. É a primeira vez que comentarei este tema neste blog.
Quando uma de minhas três filhas recebeu o diagnóstico de neurofibromatose do tipo 1 (NF1) estávamos em 1981 e, como médico, eu também havia aprendido na Faculdade de Medicina que aquela era a doença do Homem Elefante. Eu também fiquei arrasado ao imaginar que minha menina iria se transformar numa pessoa com grandes deformidades corporais.
Na mesma época (1980), o cineasta norte-americano David Lynch lançou seu filme “O Homem Elefante” (VER AQUI O FILME LEGENDADO) a história comovente de Joseph Merrick, um homem que viveu na Inglaterra do Século Dezenove e que era exibido em circos até ser resgatado pelo médico Frederick Treves, que o levou para um hospital onde Joseph Merrick passou o resto de sua vida sendo estudado pelos médicos, intrigados com aquela doença desconhecida. O filme aumentou a convicção de que a causa dos problemas físicos de Joseph Merrick era a Doença de von Recklinghausen, como era comumente conhecida da NF1.
Durante muitos anos, sofri com a expectativa de que, mais cedo ou mais tarde, as deformidades físicas aconteceriam com minha filha. Pelo fato de ser médico, acreditava que ela devesse ser cuidada por outros colegas médicos e, desta forma eu não estudava a sua doença (até porque não conseguia ler alguma coisa sobre NF1 sem chorar) e permaneci restrito aos conhecimentos ultrapassados que havia recebido na minha graduação na Faculdade de Medicina, até que em 2002 entrei para a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses, e a partir daí descobri que a maioria dos meus colegas não conhece as neurofibromatoses.
Portanto, até 2002, não tive conhecimento de que em 1982 já se suspeitava que a doença de Joseph Merrick não era a NF1, mas sim outra doença chamada Síndrome de Proteus. Esta suspeita foi confirmada por análise genética: a doença que acometeu Joseph Merrick é causada por uma mutação no gene AKT1, é ainda mais rara do que a NF1 e ocorre em 1 em cada milhão de pessoas.
A Síndrome de Proteus apresenta-se de formas variadas em decorrência de alteração nos genes reguladores dos receptores de insulina, o que leva ao hipercrescimento assimétrico de partes do corpo, podendo afetar a pele, o tecido subcutâneo, músculos, ossos e órgãos internos. Este crescimento aumentado acontece no início da infância e pode estabilizar em torno dos 15 anos.
Atualmente já dispomos de critérios clínicos bem estabelecidos para o diagnóstico da Síndrome de Proteus (VER AQUI REVISÃO RECENTE) . São eles:
1) Hipercrescimento progressivo e assimétrico, geralmente a partir de 6 a 18 meses de idade, com deformidade da estrutura óssea.
2) Um tipo de nevo especial chamado “cerebriforme” que pode ocorrer geralmente na planta do pé, ou na palma da mão, ou orelha. Este sinal é típico da Síndrome de Proteus.
3) Nevo verrucoso epidérmico linear.
4) Desequilíbrio adiposo (aumento da gordura nas partes afetadas e pouca gordura nas partes não afetadas).
5) Outros: defeitos vasculares (hemangioma), aumento de órgãos internos, tumores (especialmente cistos ovarianos e meningiomas), degeneração bolhosa pulmonar e dismorfias faciais.
O tratamento da Síndrome de Proteus consiste de avaliações clínicas regulares para se tentar controlar o excesso de crescimento, com procedimentos ortopédicos e cirurgias, e correção da escoliose se houver. Recomenda-se estudo radiológico do corpo inteiro na avaliação inicial e se necessário diante de sintomas novos.
Além disso, (especialmente depois da infância) é preciso o monitoramento e tratamento das tromboses venosas profundas e embolia pulmonares, monitoramento da função pulmonar (pode haver doença restritiva) e das manifestações cutâneas (nevos), assim como estarmos atentos à chance de aparecimento de tumores malignos (20%). Atenção especial deve ser dada às dificuldades de aprendizado e problemas emocionais decorrentes das dificuldades sociais provocadas pelo preconceito.
Não há risco de transmitir a doença para os filhos.
Mais informações podem ser encontradas em: Proteus Foundation 4915 Dry Stone Drive Colorado Springs CO 80918 Phone: 719-660-1346 www.proteus-syndrome.org
Até 15 dias atrás, eu havia visto apenas uma pessoa com a Síndrome de Proteus, um adulto, que convive bem com a assimetria corporal causada pela doença, não apresenta dificuldades de aprendizado e seu maior problema foi o ganho de peso (uma das epidemias em que que vivemos), o que está forçando as articulações dos joelhos e causando artrose e dor.
Até 15 dias atrás, eu me referia à Doença do Homem Elefante com uma espécie de alívio, afastando-a da NF1, dizendo: – Não, a Doença do Homem Elefante não é NF1, é Proteus! – e creio que eu fazia um gesto involuntário com as mãos, como se quisesse me livrar daquele peso sobre os ombros que carreguei durante tantos anos.
No entanto, há 15 dias, atendi uma criança de dois anos com suspeita de NF1, mas que na verdade nasceu com a Síndrome de Proteus. E eu decidi não mencionar aos pais a história do “Homem Elefante”.