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“Descobri sem querer a NF, fui ao mastologista, pois havia aparecido uns sinais nas auréolas dos meus seios. Só que ele começou a me examinar por inteiro e viu outras marchas em meu corpo. Na região mais no bumbum. Só que agora está aparecendo uns sinais de carne nos braços e pernas, além nas auréolas dos seios. Passei a vida toda achando que fosse a história que o médico contou para minha mãe… que foi um medicamento que ela tinha tomado sem saber que estava grávida. Aí gente, a vida toda acreditando nisso. Até que as manchas café com leite não incomodam e os sinais posso tirar. Mas o fato da minha família já ter índice de câncer isso me preocupa. Só que não sei de onde eu adquiri, pois não tenho contato com a família do meu pai. Estou também muito preocupada com a questão de poder engravidar. Estou muito triste. Tenho 35 anos”. IL, de Aracaju, SE.

Cara I. Obrigado por compartilhar seus sentimentos conosco.

De fato, você tem razão em ficar triste por saber que tem neurofibromatose, uma doença genética, que vai acompanhar você por toda sua vida e que pode trazer alguns transtornos, inclusive preocupações quanto à gravidez.

Todos nós gostaríamos de não ter um problema como este que acometeu você, mas primeiro é preciso lembrar que você não tem nenhuma culpa quanto a isso.

Também não tem culpa a sua mãe, porque a NF não é causada por medicamentos ingeridos, mas sim por uma mutação que acontece por acaso num dos milhares de genes que possuímos, e isto acontece geralmente na formação do espermatozoide (80%) ou do óvulo (20%). Infelizmente, muitos médicos desconhecem as NF porque elas são doenças raras e existem mais de 5 mil doenças raras.

Quanto ao fato de sua família apresentar casos de câncer seria importante você aumentar sua vigilância, ou seja, ficar atenta a dois tipos de câncer que são um pouco mais frequentes nas pessoas com NF1: câncer de mama e de estômago. Assim, informe o (a) médico (a) de seu Programa de Saúde da Família sobre esta questão e peça a ele (a) que tomem as providências necessárias para proteger sua saúde.

Quanto à gravidez, você pode engravidar como qualquer outra pessoa sem NF1, embora a gestação costume apresentar um pouco mais de problemas (pressão alta, aborto espontâneo).

No entanto, você também tem razão em ficar apreensiva com uma gravidez pois existe, sim, a possibilidade de você transmitir a NF1 para um bebê e a probabilidade (chance) disto acontecer é de 50%. 


Por outro lado, se você deseja muito ter um filho biológico, existem maneiras de realizar a inseminação artificial com seleção de embriões e isto deve ser uma reivindicação das pessoas com NF1 junto ao serviço público de saúde.

Existe também a alternativa de adotar uma criança, o que pode ser um fonte de alegria e felicidade para você e seu companheiro.

Finalmente, é preciso levar em conta que você está com 35 anos e, pelo seu relato, não apresenta as formas mais graves da NF1, o que significa que pode levar uma vida praticamente normal e tentar ser feliz, mesmo com a NF1.

Você é muito maior do que a NF1, pois ela deve ser apenas uma parte de sua vida.

Minha filha K. hoje com 5 anos está com suspeita de ter a NF, pelo que ando me informando seria a tipo1. Por enquanto, tem manchas pelo corpo todo e algumas são grandes, tem falta de Vitamina D, está no mínimo do peso e do comprimento é uma criança totalmente saudável, esperta, hiperativa. Mas tenho medo do futuro pois as informações que temos são muito assustadoras. Gostaria de saber se ela pode acontecer de ter somente essas manchinhas e ser magra e baixinha sem ter aqueles outros sintomas da doença? E teria alguma coisa que ela possa tomar para crescer e engordar? JR de Santa Catarina.

Cara JR, você tocou em diversos assuntos que preocupam muitas famílias: o futuro das crianças e seu desenvolvimento corporal.

Comentei recentemente que uma das maneiras de enfrentarmos nossas angústias sobre o futuro das nossas crianças é procurar viver o presente da melhor forma possível, buscando a felicidade delas hoje, de forma a tornar o amanhã melhor ainda.

Quanto ao desenvolvimento corporal, de fato, as crianças com NF1 geralmente apresentam baixa estatura e baixo peso, o que comentei neste blog recentemente ao falarmos sobre o uso de hormônio do crescimento (clique aqui).

Lembro então que, por enquanto, não há nenhum medicamento ou dieta conhecida e comprovados cientificamente que possam modificar estas características das crianças com NF1, seja seu peso, sua estatura e a chance de desenvolverem os neurofibromas cutâneos (85%) a partir da adolescência.

Também já temos conversado aqui sobre as dificuldades motoras, que são fundamentais para a as habilidades esportivas, atrapalham a socialização das crianças das crianças com NF1, pois geralmente elas têm baixo desempenho nos jogos, nos esportes e nas brincadeiras que dependam da força muscular, agilidade e rapidez de movimentos.

Por causa disso, os (as) colegas preferem outras crianças mais ágeis e habilidosas para brincar, gerando discriminação e isolamento. Principalmente nos esportes, que são praticados para se estimular o espírito da competição, onde ganhar, infelizmente, se torna mais importante do que brincar. Tristemente constatamos que aqueles que são menos habilidosos costumam ficar de fora.

Tomando estas duas questões em conjunto, a pergunta que fazemos é: então insistir com as crianças com NF1 na prática de esportes poderia ser útil para o seu desenvolvimento corporal e social?
Por enquanto, sabemos que a força muscular e a capacidade aeróbica das pessoas com NF1 está diminuída (clique aqui), o que, provavelmente reduz, em termos gerais, sua chance de serem bons atletas. 

No entanto, ainda são poucos os estudos envolvendo treinamentos físicos especiais para pessoas com NF1 (ver o projeto de pós-doutorado da Dra. Juliana F de Souza neste blog clicando aqui) e no futuro saberemos se elas aumentam sua capacidade física de forma semelhante às demais crianças.

Por enquanto, minha sugestão é que devemos descobrir as atividades físicas que dão prazer às crianças com NF1 e que permitam a elas brincarem com crianças mais novas do que elas mesmas, porque as mais novas não percebem os atrasos cognitivos e motores das crianças com NF1.

Mais do que competir, ganhar ou ficar com o corpo forte, o mais importante é ser feliz no encontro com outras crianças, criando laços sociais e amorosos.

PS:  você mencionou que sua filha tem baixa de vitamina D. Então, recomendo para ela uma dieta adequada, atividades físicas realizadas no sol e/ou banhos de sol diariamente (clique aqui) e se ainda assim as novas dosagens de Vitamina D no plasma continuarem baixas, consulte o pediatra sobre a necessidade de suplementação de Vitamina D (clique aqui).
Ainda sobre a felicidade de nossas crianças com NF1, lembrei-me de uma família que atendi no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses: a menina de 11 anos (a única com NF1), que vou chamar de Mariana, a mãe (profissional da saúde) e a avó (profissional da educação aposentada).
Notei que todas as perguntas que eu fazia à Mariana, ela olhava para a mãe e para a avó antes de responder. Este é um comportamento bastante comum entre as crianças com NF1 que tenho encontrado, revelando uma certa dependência psicológica para com os pais, ou seja, uma dificuldade em saber o que elas próprias desejam.
Também já observei que os pais (principalmente as mães) se apressam em retirar a roupa das crianças, mesmo daquelas que já podem fazer isto sozinhas, quando peço a elas para ficarem de cueca ou de calcinha para que eu possa pesá-las, ver sua estatura e fazer o exame físico. Geralmente, preciso explicar aos pais que a habilidade em retirar as roupas já faz parte do meu exame neurológico, e por isso preciso ver como a criança se organiza com as próprias roupas. Este comportamento também sinaliza uma certa superproteção comum entre os pais de crianças com NF1.
Outro indicativo da superproteção dos pais se revela nas constantes correções de postura (senta direito, fica bonitinha), de proibições (não mexe no carimbo do doutor, tira a mão daí, fica sentado, etc.), mesmo depois que eu digo que pode mexer, que pode subir na balança, que pode abrir a torneira da pia e brincar com a água. Outro dia, durante a consulta, uma mãe de cerca pouco mais de 60 anos corrigiu com a ponta dos dedos o batom de sua filha de (com NF1) sem pedir permissão à ela, como se a filha fosse ainda uma menina, apesar dela ser uma profissional de 40 anos bem sucedida.
Quando Mariana demorava um pouquinho para responder, a mãe ou a avó respondiam em seu lugar, usando a terceira pessoa: ela gosta disso, ela faz aquilo, ela sente aquilo outro. Diante desta interferência da família, Mariana dizia: – Não! Não é isso! E ficava com os olhos marejados de lágrimas. Praticamente em tudo elas pareciam discordar, inclusive sobre os próprios sentimentos da Mariana. Por exemplo, quando a mãe disse: – Ela morre de medo disso. Mariana retrucou: – Não, não tenho medo!
Ao longo da entrevista e do exame, fui notando que a Mariana se debruçava cada vez mais sobre a mesa em minha direção, se aproximando de mim e olhando-me nos olhos mais diretamente, apesar das primeiras interferências de sua mãe e sua avó para tentarem “corrigir sua postura”.
Num dado momento, comentei diretamente com a Mariana: parece que você não concorda em nada com sua mãe e sua avó. Ela, mais uma vez com os olhos marejados, disse: Elas exigem muito de mim!
Tenho a impressão de que esta é uma resposta chave para a questão da felicidade das crianças com NF1.
Se para as pessoas que não possuem NF1, a sociedade que criamos ao longo de séculos (capitalista, competitiva, elitista e desumana) já gera muita infelicidade e sofrimento, podemos imaginar o que deve ser  uma pessoa com NF1 viver nesta mesma sociedade, pois quem tem NF1 precisa de um pouco mais de tempo para aprender e realizar suas tarefas.
Lembro-me de minha esposa Thalma, andando com nossas duas filhas a caminho da escola. Ana, – a mais velha, ágil, esperta, correndo na frente, e a segunda, – Maria Helena, com NF1, mais lenta e distraída. Thalma dizia: – Espera, Ana… Vamos, Maria Helena!
E por que exigimos tanto de nossas crianças?
Porque preocupamo-nos com seu futuro, esperamos que sejam capazes de trabalhar, de serem independentes como adultos.
Mas como esperar que sejam adultos independentes, se não os deixamos tirar a própria roupas nem responder sobre seus próprios sentimentos, hoje, quando já são capazes de fazer isto sozinhos?
Porque queremos que sejam felizes no futuro.
Mas, as neurofibromatoses são doenças imprevisíveis, não sabemos o que nos espera com certeza. Além disso, com ou sem NF, quem sabe o que acontecerá no futuro?
Por isso, especialmente para quem tem NF, não existe felicidade no futuro: a felicidade é no presente, é hoje. Fazer o que for possível para ser feliz agora, dentro das possibilidades de cada um e de cada dia.
E que a felicidade de hoje nos ajude a construir um mundo melhor para todos no amanhã.

Bom final de semana.

Cara VC, separei esta parte da sua pergunta, por achar que ela é fundamental.
A felicidade é um estado de humor determinado por muitos fatores diferentes em cada uma das pessoas. Apesar da felicidade ser individual, creio que uma parte dela vem da nossa maior ou menor adaptação ao nosso próprio meio social.
Para compreendermos um pouco as dificuldades de adaptação social de nossos filhos e filhas com neurofibromatose do tipo 1, vou reproduzir as conclusões de uma tese de doutoramento da pesquisadora C. Dilts, recentemente apresentada na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, que foi comentada pelo doutor David Viskochil num artigo de 2013 (ver aqui artigo completo). Dr Viskochil já esteve aqui no Brasil conosco, no Simpósio que realizamos em 2009.
Segundo ele, a adaptação social das crianças com NF1 pode ser influenciada pelos déficits cognitivos, pelas dificuldades de aprendizado, pela desatenção e hiperatividade, além de alguns comportamentos semelhantes aos autistas (já comentados aqui).
A Dra. Dilts observou que entre os déficits cognitivos, as habilidades motoras das crianças com NF1 (pouca força, menor agilidade, baixa habilidade para esportes e brincadeiras físicas, etc.) influenciam os seus comportamentos adaptativos e isto é foi o problema cognitivo mais frequente.
Ela também verificou que o molestamento das crianças com NF1 por parte dos colegas foi o problema social mais comum. Em segundo lugar veio o comportamento mais infantil das pessoas com NF1.
Finalmente, ela observou que a aceitação de uma pessoa adolescente com NF1 por parte das demais crianças é prejudicada pela menor maturidade das crianças com NF1 proporcionalmente à sua idade.
Considerando estas observações, com as quais eu concordo a partir da experiência clínica no nosso Centro de Referência, temos orientado as famílias a estimularem (ou aceitarem) a convivência das crianças e adolescentes com NF1 com grupos de idade um pouco mais jovens (variando em cada caso), onde elas serão mais aceitas em função da sua própria imaturidade causada pela doença, pois terão interesses parecidos com as crianças mais novas.

Talvez seja um dos passos possíveis para tentarmos ajudar nossas crianças com  NF1 a serem mais felizes.