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Na semana passada, aposentou-se o médico e cirurgião José Renan da Cunha Melo, Professor Titular (o nível mais alto na carreira de um professor universitário), que dedicou sua vida profissional à Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.



Além de médico, José Renan formou-se em Veterinária e em Direito e vinha sendo um solidário apoiador das pessoas com Neurofibromatoses atendidas no nosso Centro de Referência no Hospital das Clínicas da UFMG.

José Renan sempre esteve disposto a nos ajudar, especialmente nos casos cirúrgicos mais difíceis, acolhendo nossos pacientes com grande empatia e perfeita competência profissional.

Desejo que o José Renan aproveite o merecido descanso para saborear a vida repleta de múltiplos interesses que sua mente brilhante o estimula a seguir.

A aposentadoria compulsória do José Renan mobiliza meus pensamentos sobre a passagem inevitável do tempo. Ela está prevista para todos os professores aos setenta anos, limite de idade para que possamos trabalhar na universidade. Hoje, estou com 66 anos e aposentado, mas continuo trabalhando como voluntário no Centro de Referência em Neurofibromatoses.

Neste caminho, dentro de quatro anos devo também parar de clinicar formalmente, ou seja, de me responsabilizar diretamente pelo atendimento e orientações médicas. Se estiver gozando de boa saúde, pretendo continuar colaborando indiretamente com quem estiver atendendo em meu lugar.

O médico e professor Nilton Alves de Rezende, criador do nosso CRNF, tem se preocupado com a questão da continuidade do nosso trabalho, porque ele também precisará se aposentar alguns anos depois.

Diante disso, doutor Nilton tem buscado o apoio da direção do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da UFMG para tentar garantir que, na nossa ausência prevista, as mais de 800 famílias já atendidas continuem a receber o acompanhamento médico especializado que necessitam. Por enquanto, temos uma promessa da diretoria do HC de destinar ao nosso CRNF uma parte da carga horária (4 horas) de um (a) médico (a) contratado (a) por concurso.

Temos acolhido jovens médicas e médicos no nosso Centro, oferecendo a eles treinamento no atendimento em neurofibromatoses. Há duas médicas, Juliana de Souza e Luíza Rodrigues, que estão plenamente capacitadas para atuarem como especialistas em neurofibromatoses, mas outras demandas em suas vidas não permitem que elas possam, neste momento, assumir alguma atividade permanente no CRNF.

De qualquer maneira, esta perspectiva futura de que os profissionais que hoje atendem no CRNF precisarão descansar em determinado momento, como agora acontece com o querido José Renan, reforça a minha compreensão de que as pessoas e suas famílias com doenças crônicas e incuráveis, como as neurofibromatoses, devem se organizar em torno das suas doenças para a reeducação permanente dos profissionais de saúde.

Ou seja, as associações de famílias e pessoas acometidas devem se apoderar das informações científicas e todos os conhecimentos disponíveis para assumirem o controle sobre sua própria saúde, uma vez que o desconhecimento das doenças raras é comum e inevitável entre os profissionais de saúde.

Caro José Renan, em nome do CRNF, parabéns pela sua aposentadoria e obrigado pelo seu apoio inestimável aos nossos pacientes. Esperamos que seus sucessores no serviço de cirurgia do HC sigam seu exemplo de dedicação, competência e solidariedade.
Aproveitando que falamos recentemente sobre atividades físicas para pessoas com NF1, apresento hoje uma entrevista que realizei para este blog com a Dra. Juliana Ferreira de Souza, a qual já realizou seu mestrado e seu doutorado estudando algumas questões relacionadas com as neurofibromatoses no nosso Centro de Referência do HC-UFMG. 

(Na foto acima, Dra. Juliana Ferreira de Souza e Dr. Vincent Riccardi, durante congresso sobre NF nos Estados Unidos, em 2013).

No próximo semestre a Dra. Juliana dará continuidade à sua pós-graduação no laboratório Neuroscape da Universidade da Califórnia em São Francisco (Estados Unidos), com a equipe liderada pelo Professor Adam Gazzaley, sob a orientação do Dr. Joaquin Anguera Singla (Ver aqui a página do laboratório ).

O Neuroscapelab se propõe a avaliar ao mesmo tempo a cognição e a aptidão física em indivíduos que apresentem problemas cognitivos e de aptidão física, como observado pela Juliana nas pessoas com NF1.

Dr LOR: Dra. Juliana, qual será sua pesquisa sobre NF1 que fará nos Estados Unidos a partir do próximo semestre?

Dra. Juliana Souza: Nossos estudos anteriores mostraram as pessoas com NF1 apresentam menor aptidão física, ou seja, menor capacidade para realizar atividades físicas como no trabalho, no esporte e no lazer.

As causas exatas da menor aptidão física nas pessoas com NF1 ainda são desconhecidas. Imaginamos que os mesmos problemas neurológicos relacionados com as dificuldades de aprendizado possam estar envolvidos na menor coordenação dos músculos. Mas pode haver causas musculares também, como a capacidade de utilizar energia.

Um estudo publicado pelo grupo do Neuroscapelab na NATURE, uma das revistas científicas mais importantes do mundo (ver aqui o artigo na Nature) mostrou que uns videogames especiais criados por eles melhoravam a cognição em algumas doenças neurológicas em adultos. Isto despertou minha curiosidade: será que a tecnologia que eles usam poderia ser útil também para as pessoas com NF1?

Montamos um projeto, me candidatei e fui entrevistada no Neuroscapelab para realizar um período de um ano de pós-doutorado e fui aceita. Com bolsa do Programa Ciência Sem Fronteiras e CNPq, começarei a pesquisa no próximo semestre.

Dr LOR: E como será a sua pesquisa, em linhas gerais?

Dra. Juliana Souza: Nosso projeto se propõe a avaliar e treinar pessoas com NF1 em alguns indicadores cognitivos e de aptidão física ao mesmo tempo. O laboratório Neuroscape desenvolveu um programa de treinamento cognitivo/físico (videogame de treinamento corpo e mente), implantado no dispositivo Microsoft Kinect®. Este programa envolve um regime de treinamento cognitivo incorporado dentro de um videogame que permite avaliação cinemática de corpo inteiro, onde os indivíduos têm de responder às tarefas cognitivas executando movimentos corporais.
O treinamento consiste em atividades que aumentam a complexidade dos desafios cognitivos para manter os níveis de interesse e capacidade devidamente ajustadas para cada indivíduo.

Nossa perspectiva é de que as técnicas utilizadas para medir o esforço físico possam ser posteriormente incorporadas ao videogame, e utilizadas como uma forma de aumentar ainda mais a adaptabilidade associada ao treinamento cognitivo.

Dr LOR: Então, será medir e treinar pessoas com NF1 em tarefas mentais de atenção, coordenação e decisão que envolvam movimentos musculares?

Dra. Juliana: Sim, e de forma adaptativa de tal forma que a melhora do desempenho resulte em um aumento da dificuldade da tarefa a ser executada, para se manter um nível constante de desafio e maior engajamento no treinamento. Os programas de treinamento cognitivo que empregam um componente adaptativo mostram maiores benefícios terapêuticos do treinamento.

No entanto, faltam programas que associem ao treinamento cognitivo intervenções que incluam a aptidão física como um componente também adaptável. Possivelmente devido, em grande parte, à falta de tecnologia apropriada para medir a aptidão física em tempo real, durante o treinamento.

Ao unir a proposta pioneira de avaliação e intervenção cognitiva ao controle de variáveis que traduzam as adaptações fisiológicas (em tempo real) ao treinamento simultâneo cognitivo/físico, espera-se produzir um instrumento que seja útil para intervenção simultânea em indivíduos que apresentam simultaneamente comprometimento cognitivo e da aptidão física.

Dr LOR: Como será seu trabalho na Universidade da Califórnia em São Francisco?

Dra. Juliana: Estarei integrada numa equipe de pesquisadores que inclui especialistas em engenharia de multimídia, videogame design, formação cognitiva e fisiologia do exercício, bem como a colaboração com engenheiros responsáveis pelos sensores de pulso. Trabalhando juntos, vamos desenvolver a tecnologia que vai permitir que os sinais fisiológicos possam ser incorporados ao videogame de treinamento.

Vamos determinar a abordagem cognitiva apropriada para o nosso treinamento, observar as adaptações fisiológicas consequentes ao treinamento, titular a intensidade e o tempo envolvidos na adaptação cognitiva e de aptidão física, identificar as medidas de resultado comportamental e fisiológica adequadas, e então começar a avaliar as variáveis fisiológicas mais adequadas para manipular a porção cognitiva da intervenção.

Nossa esperança é criarmos um efeito de sinergia positiva entre o treinamento cognitivo e físico e podermos melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1.