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Acaba de ser publicado na Revista Brasileira de Medicina mais um estudo realizado em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ver AQUI aqui o artigo completo em inglês).

A pesquisa foi conduzida pelo nutricionista Marcio Leandro de Souza durante seu mestrado, sob as orientações dos professores Ann Jansen e Nilton Rezende e contou com a colaboração de 60 pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) que se prontificaram a serem examinadas do ponto de vista nutricional. Agradecemos a todas estas pessoas que contribuíram para que tenhamos mais conhecimento científico sobre a NF1.

Em resumo, o estudo mostrou que aquilo que clinicamente era suspeitado foi observado: a baixa estatura e o baixo peso são mais comuns nas pessoas com NF1 do que na população em geral. Também verificou-se menor massa muscular, o que está de acordo com nossos estudos anteriores que mostraram menor força muscular (ver  AQUI ) e menor capacidade aeróbica (ver AQUI).

Quero esclarecer que uma pessoa com NF1 pode apresentar baixa estatura ou baixo peso ou menor massa muscular ou todos estes fatores juntos e levar uma vida plena e feliz, porque nossa civilização desenvolveu equipamentos que dispensam a necessidade de muito músculo e grande tamanho corporal para realizarmos as atividades cotidianas.

No entanto, nossa cultura privilegia as pessoas mais altas e mais fortes, criando padrões estéticos que geram infelicidade naquelas pessoas que estão fora daquele modelo de beleza. O resultado disso é que muitas famílias saem em busca de medicamentos para aumentar a estatura, dietas para ganhar peso e suplementos para desenvolvimento dos músculos.

Todas estas procuras podem ser inúteis (porque não funcionam nas pessoas com NF1) e perigosas, porque hormônios do crescimento podem desencadear o aparecimento e aumento dos neurofibromas nas pessoas com NF1, dietas para ganhar peso podem resultar em obesidade (somente gordura sem músculos) e muitos suplementos geralmente contém hormônios masculinos (anabolizantes) que podem trazer graves consequências para a saúde física e mental das pessoas.

Assim, é fundamental compreendermos que cada pessoa possui suas próprias características, com ou sem NF1, que a definem como ser humano e que ninguém deve ser forçado a se transformar num padrão inventado pela sociedade.

Devemos respeitar o que somos, o corpo que temos e encontrar a felicidade dentro de nossos limites.


Na próxima postagem comentarei o Congresso de Doenças Raras que aconteceu neste último final de semana em Brasília.

Hoje retomo uma questão muito importante: a medida da pressão arterial nas pessoas com NF1.


Tenho comentado a importância da medida periódica (no mínimo anual) da pressão arterial em todas as pessoas com NF1, que deve ser realizada desde a infância (com aparelhos de medida adequados ao seu tamanho) até a vida adulta (ver aqui: AQUI ).

Isto porque, como já foi comentado, sabíamos que as pessoas com NF1 correm maior risco de apresentarem dois problemas que causam aumento da pressão arterial: displasia da artéria renal (com estenose ou obstrução do fluxo de sangue para um ou os dois rins) e feocromocitoma (um tumor capaz de produzir adrenalina).

Portanto, devemos ficar atentos à pressão arterial de pessoas com NF1 porque estes dois problemas são potencialmente fatais e podem ser curados com tratamentos adequados.

No entanto, ainda não sabíamos se, em geral, as crianças com NF1 apresentam pressão arterial mais aumentada do que a população infantil sem a doença. Foi justamente esta pergunta que um grupo de pesquisadores de Israel tentou responder com seu estudo, cujos resultados foram recentemente publicados (ver aqui artigo em inglês: AQUI ).

O grupo orientado por Shay Ben-Shachar mediu a pressão arterial 3 vezes em 224 crianças com NF1, metade meninas, com idade em torno de 9 anos. Os resultados da pressão arterial foram classificados de acordo com a idade, o sexo e o percentil da altura de cada uma delas, em normais (menor do que o percentil 85%), pré-hipertensos (entre os percentis 85 a 95%) e hipertensos (maior que o percentil 95%).

Os resultados mostraram que em torno de 13% das crianças com NF1 eram pré-hipertensas e outras 13% eram hipertensas, o que significa que a hipertensão arterial é dez vezes mais frequente em crianças com NF1 do que na população em geral.

Outro achado importante do estudo foi que a hipertensão foi ainda maior na primeira medida (20%) do que na terceira, por isso devemos repetir a medida quando encontramos valores altos da primeira vez.

Os autores observaram mais alterações no sistema urinário avaliado pelo ultrassom, mas as condições do estudo não permitiram aos autores confirmar ou excluir as alterações vasculares nas crianças com hipertensão.

Assim, ainda não sabemos a definição exata da causa da hipertensão arterial nas crianças com NF1, mas eles levantaram a hipótese de que a pressão arterial aumentada faça parte das características da NF1. Esta hipótese merece ser mais estudada no futuro.

De qualquer forma, este estudo confirma e aumenta a necessidade de vigilância sobre a pressão arterial de pessoas com NF1, pois se não for tratada a hipertensão arterial pode causas complicações, inclusive fatais.

Portanto, não se esqueça de medir sua pressão arterial pelo menos uma vez por ano.

“Sou portadora da NF1. Tenho 35 anos e não tenho filhos, gostaria de saber quais são os reais riscos de uma gravidez considerando essas condições, ou se ainda existe uma possibilidade de uma fertilização in vitro usando óvulos sadios.” EJFP, da Bahia.

Cara E. Obrigado pela sua pergunta.

Os riscos mais comuns para a gravidez em mulheres que apresentam a NF1 já foram discutidos neste blog (ver AQUI).

 

Quanto à fertilização artificial (in vitro), sim, já existe a técnica para a geração de crianças sadias de um dos pais com NF1 e defendemos que esta técnica seja implantada pelo SUS nos hospitais de Referência . Enquanto isto não acontece, podemos compreender melhor a legislação brasileira sobre este assunto.

No Brasil, a reprodução assistida (RA) é fiscalizada pelo Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina e pela Lei Federal de Biossegurança (Lei 11.105/05). Todas estas normas orientam médicos e pacientes sobre a RA e as questões envolvidas, como número de embriões transferidos em cada tentativa, doações de óvulos e espermatozoides, barriga de aluguel, conservação em congelamento dos embriões e outras questões envolvendo material genético.

Estas leis pretendem garantir a todos os brasileiros o direito à RA e torna obrigatório o esclarecimento dos futuros pais por parte dos profissionais da saúde, de forma clara, objetiva e o recolhimento da assinatura dos interessados, inclusive dos doadores de material genético, depois de todas as pessoas se sentirem bem informadas.

Algumas normas gerais devem ser observadas: a) deve haver algum problema para a gestação natural (não assistida); b) deve ser conhecida a probabilidade de sucesso na técnica de RA que se pretende empregar; c) não pode haver risco grave para a saúde da pessoa ou do possível descendente; e d) a idade máxima para a RA é de 50 anos para mulheres se engravidarem e de 35 anos para doação de óvulos e de 50 anos para a doação de espermatozoides.

Algumas restrições à RA existem: a) não pode ser usada para a escolha do sexo do bebê ou qualquer outra característica biológica, a não ser para se evitar alguma doença conhecida nem um dos pais (como no caso das neurofibromatoses); b) não se pode fecundar óvulos humanos a não ser para a procriação; c) não pode haver lucro nem comércio na doação de material genético (espermatozoides ou óvulos); d) os doadores não devem conhecer os futuros pais e nem ao contrário; e) e diversas outras normas orientadoras que podem ser acessadas na lei acima referida.

Comentei acima apenas alguns dos aspectos envolvidos na legislação brasileira sobre RA para lembrar que esta questão do controle ético de como a humanidade irá gerar a sua continuidade é um dos temas mais importantes em discussão.

Os cuidados que devemos ter com a manipulação genética de seres humanos são necessários para evitarmos que esta técnica de reprodução assistida seja usada para outras finalidades que podem comprometer o futuro da humanidade.

Hoje, responderei a duas perguntas diferentes, mas que têm uma resposta em comum.

“Pelo que tenho lido no seu blog, você defende que as manchas café-com-leite, típicas da NF1, ou já nascem com a criança ou aparecem daí a uns meses, aumentando de número, mas chegando até a desaparecer na idade adulta. No entanto, da minha participação em fóruns, etc, ouço vários relatos de pessoas afectadas dizendo que lhe estão a aparecer mais e mais manchas café com leite. O que diz desta situação?” AG, de Portugal.

“Gostaria de saber se a quantidade de manchas e pintas café com leite tem relação com o grau da NF. E gostaria de saber se existe realmente esses graus na síndrome? Meu filho tem 8 meses e diariamente as manchas e pintas aumentam. Já fizemos o mapeamento é realmente ele é portador da síndrome, ele é mutação já que ninguém tem a NF. Fiz a Ressonância que não apresentou problemas, mas meu filho está atrasado em relação a sentar, rolar e engatinhar..”. K, de local não identificado.

Prezadas AG e K, obrigado pela participação no blog.

De fato, muitas pessoas relatam o aumento do número de supostas manchas café com leite (MCL) porque geralmente estão se referindo às efélides (E), ou seja, aquelas manchas menores (pintas ou sardas) que estas, sim, na minha experiência, continuam a aumentar ao longo da vida.

Por outro lado, as verdadeiras MCL são congênitas, isto é, estão presentes ao nascimento ou ficam evidentes nas primeiras semanas de vida assim que a criança entra em contado com a luz solar direta ou indiretamente. Minha impressão clínica é de que as MCL não aumentam de número durante a vida e apenas acompanham, proporcionalmente, o crescimento das pessoas. Ao longo da vida adulta e nos idosos as MCL começam a diminuir em pigmentação, ou seja, podem ficar mais claras ao longo dos anos.

Sabemos que a mutação (ou deleção) no gene NF1 é a causa das manchas café com leite e das efélides, mas não sabemos o porquê elas aparecem em certa quantidade e em determinado local. Curiosamente, o aspecto anatômico das MCL é idêntico ao das efélides, fazendo com que alguns estudiosos proponham que sejam considerados um critério único. Do meu ponto de vista, ainda que as MCL e efélides apresentem a mesma histologia, o momento de seu aparecimento (ao longo da infância) e sua evolução (podem continuar a aumentar durante a vida) sugerem que sejam mecanismos genéticos diferentes.

A outra questão é quanto ao significado clínico das MCL e efélides para definirmos a gravidade da doença, o que imagino que seja aquilo que a leitora K. chamou de grau. Até o presente momento, não conheço qualquer evidência científica de que a quantidade e tamanho das MCL e efélides tenham qualquer relação com a gravidade da NF1. Ou seja, a gravidade da NF1 não depende do número, idade de aparecimento e tamanho das MCL e efélides.

Quem desejar saber mais sobre como classificamos a gravidade da NF1 em mínima, leve, moderada ou grave, por favor veja AQUI).

No entanto, há um outro tipo de mancha que pode acontecer nas pessoas com NF1 que são aquelas maiores, às vezes com pelos, às vezes com certa mudança na consistência da pele e dos tecidos debaixo da pele, e que podem estar associadas a neurofibromas plexiformes naquela região. Estas manchas especiais, portanto, podem indicar um achado um pouco mais grave que é a presença de neurofibromas plexiformes (ver AQUI mais informações sobre eles).


Comentei recentemente que a chance de um casal sem NF1 ter um filho com NF1 (mutação nova) é de 1 em 6 mil, mas esta informação é um pouco diferente daquela que venho repassando às famílias e que estão em diversas publicações, inclusive neste blog.

Somente me dei conta deste engano ao refazer as contas para calcular a chance de um casal vir a ter gêmeos com NF1. Vamos rever juntos o cálculo correto para um casal sem NF1 ter um filho ou filha com NF1.

A incidência de NF1 em qualquer população é de aproximadamente 1 em cada 3 mil crianças nascidas. Sabemos que metade das crianças com NF1 herdou a mutação no gene de um dos seus pais que já possui a doença. A outra metade das crianças com NF1 tem a doença por causa de mutações novas, ou seja, são variações genéticas que acontecem por acaso, no momento da formação do espermatozoide ou do óvulo, e que podem causar erros na produção de uma proteína chamada neurofibromina, a qual é responsável pelo controle do crescimento das células e pelo desenvolvimento do bebê (ver a ilustração na cartilha “As manchinhas da Mariana” clique AQUI).

Assim, naquelas 3 mil pessoas da população que precisamos reunir para encontrar uma pessoa com NF1, apenas “meia” pessoa seria resultante de uma mutação nova para a NF1. Como não existe “meia” pessoa, precisamos de reunir o dobro de pessoas na população para encontrarmos uma “pessoa inteira” com mutação nova, ou seja, precisamos reunir 6 mil pessoas na população.

Assim, a chance de um casal sem NF1 vir a ter um filho (ou filha) com NF1 (mutação nova) é de 1 para 6000. Por outro lado, a chance de um casal em que um dos pais possui NF1 vir a ter um filho (ou filha) também com NF1 (mutação herdada) é de 1 para 2, ou seja 50%.

Este cálculo mostra uma probabilidade um pouco maior de mutação nova em pessoas que não tem NF1 (1 para 6 mil) do que as pesquisas citadas pelo Dr. Friedman no livro do Riccardi (1999), que encontraram 1 mutação nova em cada 7800 a 23000 gametas, ou seja, espermatozoides ou óvulos (esta variação é por conta de diferenças de métodos entre os estudos).

Uma possível explicação para meu cálculo ter resultado numa maior chance (1 para 6 mil é maior do que 1 para 7800) talvez esteja no fato de que as pessoas com NF1 têm menor número de filhos do que a população em geral.

Considerando que pais com NF1 (especialmente os homens com NF1 que têm menos de 50% de filhos em relação aos homens sem NF1), isto aumentaria a participação das mutações novas no conjunto de pessoas que encontramos com NF1. Em outras palavras, por isso encontramos metade das crianças com NF1 com mutação nova e a outra metade com mutações herdadas.

Uma leitora de Portugal pediu minha opinião sobre um estudo que está sendo realizado nos Estados Unidos com uma nova droga para reduzir o tamanho dos neurofibromas plexiformes e sua transformação maligna. O artigo completo em inglês pode ser acessado AQUI .

Agradeço a indicação do artigo, pois ainda não o havia encontrado em minhas buscas por informações científicas sobre NF.

Primeiramente, devo alertar a todos os leitores de que se trata de um estudo ainda e apenas em laboratório, ou seja, a equipe científica está testando a nova droga em linhagem de células humanas com NF1 cultivadas artificialmente. Os resultados são animadores e indicam que o passo seguinte deverá ser testar a droga em camundongos geneticamente modificados para NF1.

Caso os resultados sejam favoráveis nos camundongos, a segurança da droga será testada num grupo pequeno de voluntários humanos. Se for segura, será então experimentada em outras pessoas voluntárias com NF1 para saber se a droga realmente diminui o tamanho dos neurofibromas plexiformes e/ou combate a sua transformação maligna.

Se a droga se mostrar eficiente como tratamento dos neurofibromas neste grupo inicial de voluntários, ela poderá ser oferecida a um grupo maior de pessoas com NF1 e, se os resultados confirmarem sua eficiência, poderá ser submetida às agências de vigilância sanitária nos diversos países.

Depois de aprovada por estas agências a nova droga poderá ser indicada regularmente para as pessoas com NF1 em todo o mundo.

Qual é a ideia da cientista Dra. Kate Barald e seus colaboradores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos?

O grupo considerou que tanto o número quanto o tamanho dos tumores nas pessoas com NF1 aumentam durante a puberdade e a gestação. Como os tumores regridem em tamanho depois da gravidez, a equipe supôs que isto aconteceria em resposta aos hormônios esteroides que estão aumentados naquelas situações.

Eles já sabiam que um dos produtos naturais do metabolismo do estrógeno é a substância 2-metoxiestradiol (2ME2) que possui um efeito anticâncer. Então, modificaram esta substância natural e criaram outra chamada STX3451, e testaram seu potencial de ação contra células de tumores recolhidas de pessoas com NF1 e cultivadas em laboratório (ver figura).

Os resultados mostraram que a STX3451 foi capaz de destruir (causar apoptose) tanto as células que foram retiradas de neurofibromas plexiformes (benignos) quanto as células malignas (originárias do tumor maligno da bainha do nervo periférico).

Estes resultados são animadores e merecem nossa comemoração como mais uma esperança de tratamento para as pessoas com NF1.

Vamos torcer para que as novas etapas também sejam positivas.

“Meu filho de 9 anos tem NF1 e precisou amputar a parte de baixo da perna direita por causa da displasia da tíbia que deu pseudoartrose. Ele se adaptou bem com a prótese, mas acho ele muito desanimado. Vejo os atletas paraolímpicos e fico pensando se não seria bom para sua saúde se ele tentasse praticar um esporte de competição. ” CMR, de São Paulo.

Caro C, obrigado pela sua pergunta oportuna, pois estão acontecendo no Rio as competições entre as pessoas com necessidades especiais.

De fato, a NF1 é uma doença que torna algumas pessoas portadoras de necessidades especiais e, inclusive, já existe legislação sobre isto (ver AQUI ). Estas limitações causadas pelas NF1 podem ser de ordem física (como seu filho) ou intelectuais (dificuldades psicomotoras). Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 apresentam menos força muscular, menor capacidade aeróbica (capacidade física) e maior dificuldade de regular a temperatura do corpo, e todos estes fatores levam ao menor desempenho nos esportes.

Talvez em decorrência destas limitações físicas, as pessoas com NF1 parecem menos envolvidas em esportes e competições e, pelo contrário, apresentam um temperamento menos competitivo e mais tímido. Então, fazer com que uma criança com NF1 pratique esportes, especialmente com a finalidade de se tornar um atleta paraolímpico, pode se tornar um triplo sofrimento para ela.

O primeiro sofrimento da criança com NF1 (e talvez de todas as pessoas com quaisquer outras doenças crônicas e incuráveis) já está presente no fato dela não poder levar a vida como as demais pessoas de sua idade pelas limitações próprias da doença. Ela já carrega o peso da discriminação dos colegas por causa de suas características (serem mais lentas, apresentarem manchas, etc.)

O segundo sofrimento é que para se tornar “atleta” é preciso participar diariamente de treinamentos em atividades que não trazem prazer (especialmente para pessoas com NF1) e que, para obter resultados esportivos a pessoa deve se submeter a práticas dolorosas, desconfortáveis e que desperdiçam muitas horas de vida. Num exemplo extremo, veja a reportagem recente sobre a prática de automutilação em atletas paraolímpicos que um em cada cinco atletas paraolímpicos está fazendo para vencer competições (ver AQUI ).

O terceiro sofrimento é a pessoa com NF1 (ou vítima de outras doenças) ser eventualmente comparada pelos pais ou pelos colegas aos atletas paraolímpicos na televisão, que são apresentados como exemplos de superação e força de vontade. – Está vendo? Se você se esforçasse mais, talvez fosse capaz de fazer a mesma coisa… – pode ouvir uma pessoa com deficiência diante da televisão, onde um atleta paraolímpico acaba de receber uma medalha – Mas você é meio preguiçoso…

Mesmo tendo escrito em 2011 um dos capítulos de um livro internacional chamado “Manual de Medicina Esportiva para Atletas Paraolímpicos” (ver capa do livro na figura acima), eu já havia abandonado a prática da Medicina Esportiva (que exerci por cerca de 20 anos), por entender que o esporte de alto nível não faz bem à saúde mental e física dos atletas, especialmente aos jovens.

Pelo contrário, os níveis de competição que os esportes em geral atingiram, incluindo as olimpíadas e paraolimpíadas, provocam comportamentos neuróticos e doentios nos atletas e na sociedade. Estes comportamentos somente interessam aos patrocinadores (especialmente às indústrias de alta tecnologia) e à ideologia baseada na competição e no suposto mérito pelo esforço individual, o famoso mito do “querer é poder”.

Por isso tenho questionado o papel das competições esportivas na nossa sociedade. Estou convencido de que as atividades físicas regulares são necessárias para uma vida saudável para todos os seres humanos (que queiram fazê-las), mas não a competição envolvida nos esportes (ver cartilha sobre obesidade infantil  AQUI ).

Você pergunta se esporte poderia ser bom para a saúde de seu filho com NF1. Repito que é preciso separar as atividades físicas regulares (cotidianas, moderadas, prazerosas, lúdicas) das atividades de competição esportiva. As primeiras são necessárias para a saúde. As segundas, causam doenças físicas e sociais.

Se desejar saber um pouco mais de minha opinião sobre esportes e saúde, veja um artigo que escrevi, chamado “Ouro em panaceia” clicando  AQUI ).

Alguém poderia argumentar que a prática do esporte ajudaria a pessoa com deficiência a ser incluída na comunidade. Penso que precisamos construir uma sociedade na qual ninguém precisa provar que merece ser respeitado. Todos nascemos merecendo igualmente respeito e uma vida digna.

Comentei ontem que no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG acompanhamos 14 pessoas nascidas gêmeas, sendo 6 pares idênticos com ambos os gêmeos com NF1 e 2 pares fraternos (onde apenas um deles tem NF1).

No entanto, todos os pares de gêmeos “idênticos” apresentam algumas diferenças de expressão da doença entre cada um dos irmãos.

Por exemplo, num dos pares de gêmeos idênticos com NF1, um dos irmãos apresenta inteligência normal e grave cifoescoliose enquanto o outro apresenta grandes dificuldades de aprendizagem e a coluna vertebral sem qualquer problema.

Noutro par de gêmeas idênticas com NF1, uma das irmãs apresenta um grande neurofibroma plexiforme numa das pernas que evoluiu para um tumor maligno, felizmente tratado a tempo, enquanto a outra irmã não apresenta nenhum neurofibroma plexiforme.

Num terceiro exemplo, duas outras gêmeas idênticas com NF1 apresentam cifoescoliose distrófica, muito semelhante em aspecto e gravidade entre elas, mas uma delas apresenta um plexiforme e a outra não.

Um último exemplo, que contraria os anteriores, duas outras gêmeas com NF1, com cerca de 8 anos de idade, até este momento são quase realmente idênticas (somente as manchas café com leite são diferentes entre elas), pelo menos aos meus olhos, o que me torna incapaz de distingui-las pelo nome, o que muito as diverte durante as consultas. E note-se que tenho um bom treinamento em casa, pois um dos meus genros é gêmeo monozigótico.

Por que estas variações na expressão da NF1 acontecem?

Sabemos hoje que o nosso genoma é a matriz genética que herdamos de nossos pais, mas a expressão dos genes o longo da vida sofre a influência de fatores externos, chamados de efeitos epigenéticos.

Assim, desde a vida intrauterina, mínimos acontecimentos ao acaso, por exemplo a posição dentro do útero, a disponibilidade de nutrientes, os erros aleatórios de cópias dos genes (por exemplo no caso das manchas café com leite e dos neurofibromas plexiformes que são formados na vida intrauterina) podem afetar o desenvolvimento do bebê. As pequenas diferenças iniciais podem dar origem a histórias de vida completamente diferentes.

E assim teremos gêmeos idênticos… diferentes!


Comentei ontem que acompanhamos em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG seis pares de gêmeos univitelinos (idênticos) com NF1 e dois outros pares de gêmeos fraternos.

A incidência de NF1 em qualquer população é de 1 em cada 3 mil crianças nascidas. Metade das crianças com NF1 herdou a mutação no gene de um dos seus pais que já possui a doença.


A outra metade das crianças com NF1 tem a doença por causa de mutações novas, ou seja, são variações genéticas que acontecem por acaso no momento da formação do espermatozoide ou do óvulo e que podem causar erros na produção de uma proteína chamada neurofibromina que é responsável pelo controle do crescimento das células e pelo desenvolvimento do bebê (ver na Cartilha “As manchinhas da Mariana” clicando AQUI).

Em outras palavras, há “meia” pessoa com mutação nova para a NF1 em cada 3 mil pessoas na população, logo, para termos uma “pessoa inteira” com mutação nova, precisamos de reunir 6 mil pessoas na população.

Assim, a chance de um casal sem NF1 vir a ter um filho (ou filha) com NF1 (mutação nova) é de cerca de 1 para 6000. Por outro lado, a chance de um casal em com um dos pais com NF1 vir a ter um filho (ou filha) também com NF1 (mutação herdada) é de 1 para 2, ou seja 50%.

Estas chances de mutação nova (1 para 6 mil no casal sem NF1) ou transmissão hereditária da mutação de um dos pais (1 para 2) se repetem no nascimento de gêmeos idênticos ou de gêmeos fraternos.

No entanto, o nascimento de gêmeos é um acontecimento mais raro do que o parto de um único bebê em nossa espécie. Embora haja uma variação entre 20 a 60 gestações de gêmeos em cada 1000 mulheres grávidas em outras partes do mundo, na América Latina os partos de gêmeos acontecem em cerca de 10 em cada 1000 gestações (1%).

Portanto, a probabilidade de encontramos na população brasileira gêmeos com NF1 é uma combinação destas duas incidências independentes (1 pessoa com NF1 em cada 3000 e uma pessoa gêmea em cada 100), ou seja, encontraremos uma pessoa gêmea com NF1 em cada 30 mil brasileiros.

Em nosso ambulatório acompanhamos 14 pessoas nascidas gêmeas (6 pares monozigóticos com ambos os gêmeos com NF1 e 2 pares fraternos onde apenas um deles tem NF1) em 970 registros até o momento, ou seja, cerca de 1 em cada 100 pessoas atendidas. Ou seja, o número de gêmeos (cerca de 1%) entre as pessoas com NF1 acompanha a sociedade brasileira.

Em outras palavras, não parece haver maior ou menor incidência de gêmeos nas pessoas com NF1.

Mas por que as manifestações da NF1 são diferentes, mesmo nos gêmeos “idênticos”?

Veremos amanhã.

“Tenho gêmeos de 11 anos portadores de NF1. Eles têm muitas manchas café com leite. Um dos meninos apresenta pequenos neurofibromas, muitos na coxa, um no pescoço e um na língua. Ele praticamente não se queixa, mas gostaria de saber se o da língua é recomendável a retirada. Por conta do problema, também sofrem com dificuldades de aprendizado. É recomendável trabalhar com conteúdo escolar especial? Estou meio perdida, se puder me ajudar agradeço muito. ” RCS, de local não identificado.

Cara R, obrigado pela sua pergunta, pois ela me dá a oportunidade de tentar esclarecer melhor algumas questões.

Primeiro, como sempre digo, para orientar com segurança sobre questões específicas de uma pessoa (por exemplo, o neurofibroma da língua em um de seus filhos) preciso realizar um exame clínico pessoalmente. Para isto, estamos à disposição pelo SUS no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF-HC), e basta telefonar para agendar: 31 3409 9560.

Em termos gerais, nossa conduta no CRNF-HC é de que na NF1 não precisamos retirar um tumor só porque ele existe. Sempre devemos considerar que a maioria deles tem uma evolução benigna e os riscos e benefícios devem sempre ser levados em conta antes da decisão de uma cirurgia.

Atualmente podemos afirmar que, em termos gerais, sim, a NF1 causa dificuldades de aprendizado e pode se beneficiar de atenção especial e apoio pedagógico, assim como tratamentos fonoaudiológicos. Um elemento fundamental neste processo de apoio é a PACIÊNCIA com o ritmo mais lento de aprendizado que as crianças com NF1 apresentam.

É interessante saber que a dificuldade de aprendizagem escolar, psicomotora e social acontece em graus diferentes de gravidade, variando muito de uma pessoa para outra, até mesmo entre gêmeos “idênticos” (chamados de monozigóticos, antigamente chamados de univitelinos).

Em nosso Centro de Referência temos orientado alguns pares de gêmeos monozigóticos, ou seja, aqueles gêmeos formados pela divisão posterior de um embrião resultante da fecundação de apenas um óvulo por um espermatozoide (ver figura). Até o momento, são 6 pares de gêmeos monozigóticos, sendo 5 pares femininos e um par masculino. Todos estes pares de gêmeos monozigóticos apresentam a NF1.

Acompanhamos também dois outros pares de gêmeos (chamados hoje de dizigóticos e que correspondem a cerca de 2 em cada 3 pares de gêmeos) fraternos, ou seja, formados por embriões decorrentes da fecundação de dois óvulos por dois espermatozoides em separado (ver figura). Um destes pares é formado por dois homens e outro por um homem e uma mulher. Em ambos os pares, apenas um dos gêmeos apresenta a NF1.

Como se sabe, os gêmeos “idênticos” são formados com o mesmo genoma, metade dos genes herdada do pai (pelo espermatozoide) e metade dos genes herdada da mãe (pelo óvulo), ou seja, sua constituição genética é a mesma.

 

Já entre os gêmeos fraternos o genoma de cada um deles é tão diferente quanto o de quaisquer dois outros irmãos ou irmãs nascidos em épocas distintas, pois foram formados por dois espermatozoides com diferentes combinações genéticas herdadas do pai e dois óvulos também com diferentes combinações genéticas herdada da mãe (ver figura).

Quando ocorre a fecundação dos gêmeos idênticos, se o óvulo ou o espermatozoide traziam em si a mutação patológica no gene NF1, ambos os bebês apresentarão os sinais da doença. Ao contrário, na fecundação dos gêmeos fraternos, apenas um dos espermatozoides ou um dos óvulos pode conter a mutação patológica para o gene NF1 e somente aquele bebê resultante desta fecundação realizada com a mutação para NF1 expressará os sinais da doença, enquanto o outro nascerá sem a NF1. 


E qual é a chance de nascerem gêmeos com NF1?

Veremos amanhã.