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“Minha filha tem apenas manchas café com leite e o médico disse que pode ser a Síndrome de Legius. O que é isto?” SPA, de Brasília. Cara S, obrigado pela sua participação. A Síndrome de Legius [i] (SL) é uma doença rara que pode ser confundida com a Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1). Cerca de 2% […]


Ainda respondendo para IT, de Portugal, vamos ver quando é interessante pedir um exame de DNA nas neurofibromatoses.
 
Até recentemente, nós raramente solicitávamos testes genéticos das pessoas atendidas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Isto porque, na maioria dos casos, os sinais clínicos são suficientes para realizarmos os diagnósticos com segurança.
 
Além disso, a pouca demanda de pessoas com NF por testes pré-natais, junto com a dificuldade técnica de se identificar a mutação por causa de sua variabilidade e do tamanho do gene, resultavam em alto custo financeiro para a realização rotineira do teste genético nos laboratórios.
 
Por outro lado, considerando que na NF1 a possibilidade de falsos negativos ainda está em torno de 5%, percebíamos que os resultados dos testes genéticos não mudariam muito as nossas condutas de acompanhamento e prevenção de complicações.
 
No entanto, nos últimos anos aconteceram dois fatos importantes: 1) a identificação da Síndrome de Legius (ver minha resposta anterior sobre este assunto) e 2) a descoberta de que alguns tipos de mutação podem influenciar a evolução clínica, o que chamamos de correlação entre o genótipo (a mutação) e o fenótipo (manifestações clínicas).
 
Assim, fomos convencidos de que há algumas situações nas quais os testes genéticos estão bem indicados para o diagnóstico da NF1, da NF2, da Schwannomatose e da Síndrome de Legius.
 
Começo com a NF1 e Legius. Atualmente, consideramos indicado o teste genético quando:
 
1)     Os sinais clínicos levarem à suspeita de que a pessoa possua deleções (perdas de grandes partes) do gene da NF1. Estes tipos de mutação causam os quadros mais graves, correspondem a cerca de 5% dos casos de NF1 e precisam de acompanhamento mais rigoroso (em breve, voltarei a este assunto, com mais detalhes sobre este subtipo da NF1);
2)     As pessoas apresentam sinais clínicos atípicos de NF1;
3)     Encontramos famílias com duas ou mais gerações com apenas lesões pigmentares: manchas café com leite e efélides (sardas), para a distinção entre NF1 e Síndrome de Legius;
4)     São crianças sem história familiar e apenas lesões pigmentares: manchas café com leite e efélides (distinção NF1 e Legius);
5)     Alguém deseja saber o diagnóstico pré-natal e antes da implantação na fertilização artificial.
 
Quando houver o interesse na distinção entre NF1 e Legius, recomenda-se começar pela tentativa de identificação da mutação no gene da Síndrome de Legius (SPRED1) por ser um gene menor (apenas 8 éxons) do que o gene da NF1, logo, deve ser um exame mais barato.
 
Amanhã, retomo os testes genéticos na NF2 e Schwannomatose.
Antes de concluir minha resposta para IT, de Portugal, sobre o teste genético que ela estava aguardando durante sua gravidez, quero lembrar que nestes 11 anos de trabalho no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses, poucas vezes tivemos que solicitar testes genéticos para o diagnóstico porque na grande maioria dos casos os sinais clínicos eram suficientes para sabermos se a pessoa tinha ou não uma das neurofibromatoses.
Além disso, naquela maioria dos casos, não esperávamos que o resultado do teste genético viria a mudar nossa conduta clínica. Por exemplo, uma criança com mais de 5 manchas café com leite e efélides (sardas) axilares, mas sem quaisquer outros sinais clínicos preenche dois dos critérios diagnósticos para NF1, portanto poderíamos dizer que se trata de uma pessoa com NF1.
No entanto, nos últimos anos, foi descrita outra doença, a Síndrome de Legius que resulta da mutação de outro gene (SPRED1), que também apresenta mais de 5 manchas café com leite e efélides. Segundo alguns estudos, a Síndrome de Legius seria responsável por cerca de 2% dos diagnósticos anteriores de NF1.
Diante disso, alguns casos como este geram dúvidas quanto ao futuro da criança, pois sabemos que na Síndrome de Legius não há a formação de múltiplos neurofibromas, nem displasias ósseas e nem gliomas, ou seja, é uma doença menos grave do que a NF1.
Colocadas diante desta dúvida, as famílias sempre perguntam se não poderíamos fazer um teste genético para esclarecer se o caso da criança é NF1 ou Legius. Até recentemente, eu respondia que: diante dos altos custos financeiros para realizar o exame do DNA de forma particular ou da sua dificuldade de realização na rede pública, devíamos ponderar se o esforço para conseguir realizarmos o teste mudaria a nossa conduta clínica.
Exemplificando, caso o resultado do exame do DNA viesse positivo para a NF1, qual seria nossa conduta a partir daquele momento? Resposta: observar a criança anualmente de forma atenta às possíveis complicações da NF1.
Por outro lado, caso o exame do DNA viesse negativo para NF1, o que ocorre em 5% das pessoas com NF1, qual seria a nossa conduta? Resposta: observar a criança anualmente de forma atenta à espera de um esclarecimento natural do diagnóstico (o aparecimento do terceiro critério para NF1) e às possíveis complicações da NF1.
Ou seja, em ambos os casos, nossa conduta seria a mesma: a observação e os controles anuais. No entanto, nossa postura diante dos testes genéticos vem mudando recentemente e tratarei disto amanhã.

Até lá, aproveito para mostrar esta foto realizada durante um Congresso de Neurofibromatoses, em que o time de futebol do Resto do Mundo (formado por Luíza Rodrigues, Pollyanna Batista e eu do Brasil com o artilheiro Eric Legius, o descobridor da Síndrome que leva seu nome, da Bélgica) venceu o time dos Estados Unidos (formado por David Viskochil, um dos descobridores do gene da NF1, e três outros cientistas norteamericanos dos quais, infelizmente, não anotei os nomes) por 3 a 1.













Por falar nos Estados Unidos, coloco abaixo um link para uma entrevista sobre neurofibromatose concedida a uma rádio pelo neurologista Nikolas Mata-Machado, mineiro de Belo Horizonte, hoje trabalhando como neurologista em Chicago e que faz parte da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses:
Entrevista do Dr Nikolas

No embalo das notícias, o nosso amigo e pioneiro das NF, o Professor Vincent M Riccardi colocou na internet um novo site de informações sobre as neurofibromatoses. Vale a pena conferir:
Site do Riccardi