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Dr. LOR, hoje faço uma pergunta sobre o tema do SELUMETINIBE. Sei que não é possível precisar data. Sabemos que as pesquisas demoram e tem etapas a serem cumpridas. Em medicamento pelo que tenho visto acredito que agora entrará na Fase 2 e depois na Fase 3, para depois ser liberada para produção caso seja aprovado. Quanto tempo deve durar esta Fase 2? E quanto tempo deverá estar disponível caso se mostre eficaz? E depois de quanto tempo liberado nos EUA costuma ser liberado no Brasil? Tem como o senhor fazer uma abordagem sobre este tema? E particularmente, se meu filho tiver a oportunidade de entrar em uma das próximas fases da pesquisa, seria melhor na Fase 2 ou na Fase 3? Ou melhor (esperar) chegar ao comércio? ” FP, de local não identificado.

Caro FP, obrigado pela sua pergunta, que considero muito importante. Para responder, preciso recuperar alguns conhecimentos que já temos discutido neste blog.

Este post ficará um pouco mais longo e por isso dividirei em partes que podem ser lidas aos poucos.

Este post também está disponível em inglês, adaptado pelo Dr. Nikolas Mata-Machado da NF Clinic at Amita Health/St. Alexius, em Chicago, Estados Unidos, no site da associação de apoio às pessoas com NF a Neurofibromatosis Midwest (ver aqui AQUI).

Parte 1 – Diferenças entre os neurofibromas

Para começar, lembro que o estudo com o SELUMETINIBE que nos deu esperança (ver aqui) precisa ser repetido por outro grupo de cientistas independentes da indústria farmacêutica que produz o remédio, para que possamos ter mais segurança de que o medicamento traz mais benefícios do que danos às pessoas.

Além disso, os próximos testes com o medicamento precisam levar em consideração se o SELUMETINIBE funciona da mesma forma para os diferentes tipos de neurofibromas plexiformes, se funciona apenas quando os neurofibromas estão crescendo e se funcionam em qualquer idade das pessoas que apresentam neurofibromas plexiformes.

Isto porque o comportamento dos neurofibromas plexiformes varia muito nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 quanto ao tipo, a taxa de crescimento e a idade das pessoas, como mostrou um estudo muito bem realizado em 2012, na Alemanha, pela equipe do Dr. Victor Mautner (ver artigo completo em inglês AQUI).

Os plexiformes podem ser difusos, ou nodulares, ou mistos e uma mesma pessoa pode apresentar um ou mais de cada um destes tipos. Os diferentes tipos apresentam crescimento e complicações variadas e uma mesma pessoa pode apresentar um plexiforme que está crescendo e outro que permanece do mesmo tamanho (ou até se reduz, veja adiante).

No entanto, no estudo em questão, por meio da ressonância magnética tridimensional de corpo inteiro, a equipe do Dr. Mautner examinou todos os plexiformes em conjunto, sem separar em difusos ou nodulares ou mistos.

Parte 2 – Resultados dos estudos na Alemanha

Segundo o estudo do grupo do Dr. Mautner, cerca da metade das 201 pessoas com NF1 apresentou neurofibromas plexiformes, sendo 40% internos, ou seja, visíveis nos estudos de imagem, e 30% superficiais, ou seja, visíveis no exame clínico.

Os plexiformes geralmente são congênitos, ou seja, já estão presentes no momento do nascimento. No estudo, aquelas pessoas que não possuíam plexiformes no início do estudo, não apresentaram novos tumores. Aquelas outras pessoas que já apresentavam plexiformes, desenvolveram novos tumores ao longo do estudo, numa taxa de 1 novo tumor a cada dois anos.

Este resultado sugere que quem não apresenta um plexiforme até o final da infância, provavelmente nunca desenvolverá este tumor ao longo da vida e esta é uma informação importante para as famílias.

Os pesquisadores também verificaram que os plexiformes podem ser pequenos ou grandes em volume: o tamanho médio encontrado foi de 86 mililitros (ou seja, cerca de quatro colheres de sopa), variando do menor com 5 mililitros ao maior com quase 6 litros.

A taxa de crescimento médio dos plexiformes foi de 3,7% ao ano, e foi influenciada pelo volume do tumor: quanto maior o volume inicial, maior a taxa de crescimento, que variou de -13,4% até + 111% ao ano.

Um achado surpreendente, pelo menos para mim, foi a diminuição de 3,4% do volume do plexiforme por ano em cerca de 35% dos adultos, sem qualquer tipo de medicamento ou cirurgia. Embora os autores tenham levantado a possibilidade de erro de medida, esta redução espontânea (ou erro de medida) precisa ser levada em conta nos estudos que testam medicamentos, como o SELUMETINIBE.

A taxa de crescimento dos plexiformes também variou conforme a idade, sendo maior na infância do que depois dos 18 anos. O mesmo grupo de cientistas já havia observado até 20% de aumento de volume por ano em crianças mais novas (ver AQUI resumo do artigo). Por exemplo, uma criança de 5 anos com um plexiforme com o volume de 200 ml (um copo comum) pode apresentar o tumor com cerca de 240 ml um ano depois.

Em torno dos 25 anos a taxa de aumento dos plexiformes já é bem menor, apenas cerca de 0,5% (meio por cento) ao ano. Ou seja, um adulto com 25 anos com um tumor de 200 ml estaria com um tumor de 201 ml no ano seguinte, ou seja, uma mudança praticamente imperceptível a olho nu.

Parte 3 – Efeitos da cirurgia sobre os plexiformes

Num outro estudo científico publicado no ano seguinte (2013), o mesmo grupo do Dr. Mautner apresentou novas informações sobre o comportamento dos plexiformes após tratamento cirúrgico (ver AQUI).

Estes resultados são fundamentais para compararmos os efeitos da cirurgia com o SELUMETINIBE ou outras drogas.

Os pesquisadores estudaram 52 pessoas com NF1, com a média de idade de 25 anos, que foram submetidas à cirurgia para tratamento de neurofibromas plexiformes por causa de dor (20), ou de deformidade estética (21), ou de déficit neurológico (16) ou por estas causas combinadas.

Os principais resultados da cirurgia foram: resolução completa dos sintomas em 46% das pessoas, resolução parcial em 10% e resultado inalterado em 31% dos casos operados. Os tumores voltaram (ou continuaram) a crescer em 23% das pessoas depois da cirurgia, e a análise mostrou que a cirurgia não interferiu na taxa de crescimento dos plexiformes.

Por outro lado, os efeitos indesejáveis da cirurgia foram complicações agudas, como sangramento, em 10% e dificuldades de cicatrização em 5%. Alguns pacientes (13%) desenvolveram novas queixas depois da cirurgia.

O melhor resultado observado com a cirurgia foi quando os médicos conseguiram remover completamente (a olho nu) os plexiformes e isto aconteceu em 25% dos casos, e estes tumores não voltaram a crescer até o final do acompanhamento (cerca de 3 anos). No entanto, estes tumores que puderam ser completamente ressecados eram os menores e mais superficiais e em pessoas acima dos 18 anos.

Em conclusão, os dois estudos comentados sugerem que as crianças com plexiformes mais volumosos apresentam a maior taxa de crescimento dos tumores e que a cirurgia dos plexiformes apresenta seus piores resultados nos tumores maiores e mais complexos (pescoço e cabeça) justamente nesta população.

Assim, os novos estudos com medicamentos (como o SELUMETINIBE) deveriam focar esta população na qual a cirurgia apresenta seus piores resultados.

Em outras palavras, precisam esclarecer se o medicamento deverá ser usado apenas nas crianças ou também nos adultos. Além disso, deveria ser usado apenas nos tumores que estão crescendo ou em todos eles?

Parte 4 – Então, qual seria a duração das novas fases das pesquisas com o SELUMETINIBE? 

Não sou capaz de responder precisamente sobre este medicamento, o SELUMETINIBE, porque ainda não conheço os detalhes do projeto de pesquisa. No entanto, de um modo geral, se a meta dos novos estudos continuar sendo a de diminuir em pelo menos 20% o tamanho do tumor inicial, será preciso um tempo de estudo suficientemente grande e parecido com o estudo original para este efeito ser observado, que foi de um ano e meio do uso do SELUMETINIBE.

Outro problema na determinação da duração de qualquer estudo com medicamentos é que ele pode ser interrompido quando se percebe que já se tem as respostas antes do prazo marcado, seja para o bem (efeitos positivos sobre a saúde) ou para o mal (efeitos tóxicos ou piora da saúde).

Portanto, de um modo geral, eu imagino que a duração de cada uma destas próximas fases da pesquisa com o SELUMETINIBE será em torno de 2 anos, para que ele seja definido como uma droga adequada ou não para o tratamento dos plexiformes. Isto, no plano das pesquisas científicas. Se o medicamento se mostrar efetivo, deverá ser submetido aos órgãos de vigilância sanitária nos Estados Unidos e no Brasil, o que pode levar mais um tempo que não sou capaz de definir com segurança.

Finalmente, o leitor FP havia perguntado se seu filho teria a oportunidade de entrar em uma das próximas fases da pesquisa ou se seria melhor esperar o medicamento chegar ao comércio.

Minha impressão é que o mais seguro para qualquer pessoa é receber uma medicação que seja adequada ao seu caso e que seja comprovadamente eficaz e somente depois de ter sido aprovada pelos órgãos reguladores, no nosso caso a ANVISA.

 

“Doutor, o senhor viu o programa Fantástico na Rede Globo neste último domingo, falando sobre como conseguir medicamentos para as doenças raras? ” SMJ, de Belém do Pará.

Caro S, sim, pude ver o programa e creio que ele trouxe algumas questões importantes.

Inicialmente, devo repetir que até o presente momento não há nenhum medicamento que funcione de forma comprovada cientificamente para o tratamento das manifestações e complicações de todas as neurofibromatoses. Nenhum.

Quando surgem estudos científicos que comprovem a eficiência de um determinado tratamento para uma certa doença, estas informações são enviadas à comissão técnica da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA) que é encarregada de autorizar o uso de medicamentos no Brasil. 

Caso a ANVISA aprove o medicamento a sua decisão poderá servir de base para os medicamentos que serão oferecidos à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Portanto, o SUS, em outras palavras, o estado brasileiro, não pode oferecer com os recursos públicos, que são recolhidos por meio de impostos dos trabalhadores, qualquer medicamento que não tenha sido aprovado pela ANVISA, ou seja, medicamentos sem comprovação científica do seu resultado.

Eu estou plenamente de acordo com esta norma, que protege as pessoas contra os medicamentos ineficazes, contra os interesses financeiros dos laboratórios e cuida com responsabilidade do dinheiro público.

É claro que, como em toda as normas, precisamos pensar nas possibilidades de exceção.

Há uns meses, por exemplo, discutimos em nosso Centro de Referência a possibilidade de usarmos uma droga chamada imatinibe num caso especial para uma pessoa com NF1 e múltiplos neurofibromas internos, que vem sofrendo de dor intensa e crônica há vários anos, apesar de estar usando o máximo de toda a medicação analgésica que dispomos, recomendados pela Clínica de Dor do Hospital das Clínicas.

O imatinibe é um medicamento aprovado pela ANVISA e pelo SUS para ser utilizado no tratamento de alguns tipos de câncer, mas não há evidências científicas suficientes de que ele funcione nas pessoas com NF1 para reduzir os neurofibromas ou os seus sintomas (ver AQUI um comentário mais detalhado sobre o imatinibe).

Assim, numa clara exceção à regra, na falta de qualquer outro recurso diante do sofrimento da jovem, mesmo sem muita esperança de que o imatinibe venha a funcionar para aliviar a dor da pessoa com NF1 em questão, e considerando que o tratamento já está aprovado pela ANVISA e SUS e seu custo não seria uma fortuna, opinamos favoravelmente junto à equipe da oncologia que estava orientando a família para argumentar na justiça a liberação do imatinibe pelo SUS exclusivamente para aquela pessoa. Ainda não sei o resultado do processo, mas fica evidente que aqui se trata de uma situação muito especial.

Sei que existe um movimento humanitário entre pessoas de outras doenças ainda sem cura para “terem o direito de tentar” medicamentos que ainda não foram aprovados pela ANVISA e pelo SUS. Não tenho experiência pessoal ou profissional nestas outras doenças além das NF, portanto minha opinião deve ser tomada com cautela. Lamento que os prazos sejam curtos para quem está vivendo a situação de uma doença sem tratamento comprovado cientificamente, mas mesmo para estas pessoas talvez seja mais seguro esperarem pelas conclusões científicas.

Enquanto isso, devemos lutar por mais recursos financeiros públicos para a ANVISA e para o SUS, para que sejam mais ágeis e eficientes em suas funções.

Em conclusão, vamos aguardar o que o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre a “judicialização de medicamentos” no SUS, mas apoio a norma atual do SUS de fornecer apenas medicamentos aprovados pela ANVISA. É uma boa regra para a imensa maioria das pessoas. E quem entende uma boa regra precisa saber lidar com as suas exceções.

Tenho apresentado nos últimos dias algumas ideias sobre as dificuldades que precisamos enfrentar para a realização de pesquisas buscando tratamentos para as neurofibromatoses.


Percebemos que há um círculo vicioso: as doenças raras atingem apenas 3% da população, que por isso são desconhecidas pela população e pelos médicos, que assim despertam pouco interesse da opinião pública, a qual não pressiona os políticos pera adotarem políticas destinadas às doenças raras, o que gera poucos recursos financeiros para as pesquisas, o que atrai poucos cientistas para o seu estudo, e por isso as doenças raras continuam desconhecidas…

Nesta cadeia de acontecimentos, uma parte importante da opinião pública que precisa ser mais informada sobre as doenças raras é a comunidade científica ligada à saúde da população. Médicos e cientistas precisam ser alertados sobre a existência das doenças raras, seus problemas específicos, suas necessidades e saberem que existem ou precisam ser criados centros de referência para elas.

Devemos fazer campanhas de divulgação entre os médicos. Por exemplo, no caso das NF, podemos imprimir a cartilha “As Manchinhas da Mariana” (clique AQUI para vê-la) e entregar em cada um dos postos de saúde de nossa cidade, para cada um dos profissionais de saúde, incluindo os médicos.

Em cada consulta à pediatria, por exemplo, levar um exemplar da cartilha e entregar à pessoa que nos atende para divulgar a doença. Oferecer aos profissionais da saúde os endereços das páginas na internet deste blog, da Associação Mineira de apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) e de outras entidades, onde eles podem encontrar informações científicas sobre as NF.

Quanto aos cientistas, para que eles se interessem pelas NF teremos que enfrentar a grande e danosa competição acadêmica que foi instalada entre eles, a qual os obriga a publicar artigos científicos em inglês, mais preocupados com a quantidade do que com a qualidade, sem se importar muito com as necessidades da população que financia seu trabalho. Tenho denunciado este problema do “produtivismo” acadêmico desde 2007 (quem desejar saber mais sobre este assunto, clique AQUI).

Temos que defender a ideia de que a possibilidade de ajudar pessoas com auxílio da ciência é mais importante do que aumentar um ponto no currículo de cientista. Lembrando que o dinheiro que financia os cientistas vem dos trabalhadores e deve retornar em benefício da população.

Para motivarmos os cientistas temos que realizar palestras e apresentar os temas estudados em nossas pesquisas nos congressos científicos, divulgando as NF e, quem sabe, motivando novos estudantes a se envolverem com o assunto.

Como temos falado nos últimos dias, existem pesquisas mais caras, como aquela da Dra. Kate Barald sobre o medicamento STX3451, e outras mais baratas, que podem ser realizadas com menos recursos. No entanto, a escolha do tema da pesquisa, do meu ponto de vista, deve ouvir a comunidade interessada.

Por exemplo, há alguns anos, a Associação Maria Vitória de Doenças Raras (AMAVI) aplicou um questionário em seu site perguntando qual seria a maior necessidade das pessoas com doenças raras e a resposta de mais de 60% das pessoas foi INFORMAÇÃO.

Ou seja, mais importante do que o próprio tratamento, NESTE MOMENTO, as pessoas com doenças raras querem é ter acesso ao conhecimento já disponível sobre suas doenças.

Com este objetivo temos tentado estudar e oferecer mais informações sobre alguns temas que estão ao nosso alcance, com os poucos financiamentos que dispomos.

Na próxima semana mostrarei o que temos feito neste sentido.

A Constituição Brasileira de 1988 determina que uma parte dos impostos seja destinada à pesquisa e ao desenvolvimento científico e que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender a todas as pessoas de forma igual, ou seja, é o chamado princípio da Universalidade.

Se estivéssemos cumprindo a Constituição, nós teríamos atenção em saúde para todos e pesquisas sendo realizadas de forma satisfatória para atender as necessidades da população. Mas sabemos que isto não está acontecendo. Por quê?

Em primeiro lugar, o SUS nunca foi verdadeiramente implantado em nosso país por causa das pressões contrárias dos serviços privados de saúde: médicos, planos de saúde, hospitais, clínicas, indústria farmacêutica e de equipamentos médicos. Eles querem a privatização dos serviços de saúde para garantirem seus lucros.

Em segundo lugar, os recursos destinados ao desenvolvimento científico são poucos no Brasil, e ainda assim concentrados nos centros mais ricos (veremos isto amanhã), e pouquíssimos destinados às neurofibromatoses e às outras doenças raras.

Esta situação atual é o resultado de decisões políticas tomadas pelas pessoas que nós elegemos para nos governar: vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidentes e, especialmente, vice-presidentes[1].

Para serem eleitos, os políticos procuram fazer (ou pelo menos fingir que fazem) aquilo que a opinião pública deseja para garantir seus votos. Em outras palavras, o que a sociedade pensa e deseja fazer sobre uma doença deverá afetar a maneira como os políticos pensam e agem em relação àquela doença.

Assim, construir uma opinião pública sobre as neurofibromatoses, por exemplo, é fundamental para que os governos prestem mais ou menos atenção aos problemas das pessoas que sofrem com as NF.

As neurofibromatoses fazem parte do grande grupo de doenças raras, formado por mais de 5 mil doenças, 80% delas genéticas e as demais de outras causas. As doenças raras afetam cerca de 3% da população, ou seja, aproximadamente 6 milhões de pessoas.

Mesmo que sejam menores do que os de outros países, se os recursos públicos fossem distribuídos de acordo com o número de pessoas que necessitam deles, pelo menos 3% dos recursos da saúde e 3% dos financiamentos destinados à pesquisa deveriam ser aplicados nas doenças raras, incluindo as NF.

Para alcançarmos esta situação, as famílias de pessoas com doenças raras devem se unir em associações e formar a opinião pública, tornando as doenças raras mais conhecidas, mostrando suas necessidades específicas e assim influenciar o comportamento dos políticos para que eles atendam também as pessoas com doenças raras.

Outra parte da opinião pública, também importante, que precisa ser mais informada sobre as doenças raras é a comunidade científica.

Amanhã veremos o porquê.

[1] No Brasil, desde o fim da ditadura militar, três vice-presidentes assumiram o governo: José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer, todos eles com o mesmo perfil PMDB. Portanto, numa eleição, saber quem são os vice-presidentes é muito importante.

Ontem vimos que ao mesmo tempo em que nossas associações precisam atuar politicamente para garantir recursos para as pesquisas em saúde, um outro segundo desafio consiste em definir quais são os critérios justos para a distribuição dos recursos públicos entre as diversas doenças que acometem a população. 

Partimos do princípio que precisamos de critérios objetivos, claros, transparentes, justos e democráticos para a distribuição das verbas entre as diferentes áreas da ciência.
Por exemplo, na área da saúde, estes critérios devem mostrar a relevância de uma pesquisa a partir de valores humanos e não em valores comerciais. Por exemplo, vejamos alguns destes valores humanos que estão em questão em toda pesquisa sobre saúde:


1) Quantas pessoas serão beneficiadas em cada pesquisa?

2) Qual a gravidade das doenças em cada pesquisa?

3) Há possibilidade de prevenção para evitarmos o seu aparecimento?

4) Existem alternativas para o tratamento proposto?

5) Será um tratamento capaz de curar ou controlar a doença?

6) Qual é a taxa de mortalidade da doença?

7) A doença é contagiosa?

8) Qual é a redução da expectativa de vida pela doença?

9) A doença é incapacitante?

10) Qual é a faixa etária de maior incidência da doença?

11) Qual a probabilidade científica do resultado ser positivo?

12) Quantos anos serão necessários para a pesquisa se transformar num tratamento ou medicamento disponível?

13) E possivelmente outros critérios que possam ser lembrados por pessoas mais conhecedoras do assunto.

Apenas para ilustrar, vou tentar aplicar estes critérios de relevância a duas pesquisas hipotéticas, cada uma delas custando 100 mil reais por um ano, uma delas destinada ao tratamento da neurofibromatose do tipo 1 e a outra ao tratamento do diabetes do tipo 2.


 Imagino que você tenha tantas dúvidas quanto eu, porque este quadro acima nos mostra a complexidade da decisão quando temos que definir qual das duas doenças deverá receber o financiamento para uma pesquisa.
Não é fácil “apostar todas as fichas” no estudo de uma doença quando existem outras pessoas com diferentes doenças precisando do mesmo recurso financeiro. Até dentro da mesma doença, como a NF1, onde pode haver pessoas que desejam tratamentos para os neurofibromas e outras cuja prioridade seria melhorar as dificuldades de aprendizado, ou tratar o glioma óptico.
Mesmo que os governos decidam investir mais recursos nas pesquisas destinadas à saúde pública, vivemos num mundo de recursos finitos, onde sempre haverá um limite para a distribuição dos financiamentos.
Por isso precisamos de recursos disponíveis e de critérios objetivos, mas existem outros fatores de grande importância na decisão dos destinos das verbas públicas: a visão pública da doença e a competição entre os cientistas.
Amanhã continuamos com estas questões.


Recebi na semana passada um novo e-mail (em verde, abaixo) da AG, de Portugal.

Olá, acabei de ler a sua publicação no blog e fiquei triste por algumas pessoas terem interpretado mal as informações, levando a “falsas esperanças” de uma cura para breve. Uma vez que parecem não estar em curso estudos tão promissores como este, será que não se justificaria (caso não obtenham em breve o financiamento necessário) campanhas massivas de angariação de fundos?

Não sei se estou sendo ingénua e imagino que seja exorbitante o montante necessário…, mas sendo tantas as pessoas necessitadas, será que não conseguimos fazer algo mais? Existem vários fóruns, blogues e comunidades onde poderia ser plantada esta semente. Haja vontade, e vontade há imensa! ”. AG, de Portugal.
Respondi sugerindo que ela perguntasse à Dra. Kate Barald quanto custaria a continuidade de sua pesquisa até chegarmos ao tratamento clínico. Dra. Kate respondeu e apresento abaixo (em azul) um resumo de seu e-mail.

“Cara AG, fiquei muito sensibilizada com sua mensagem e oferta de tentar conseguir fundos para apoiar nosso trabalho.

Nós temos tentado por mais de 4 anos, sem sucesso, conseguir financiamento para os estudos pré-clínicos (com o STX3451). Temos procurando universidades, instituições nacionais (como o Instituto Nacional de Saúde e outras) e fontes privadas….

Acredito que esta droga poderá algum dia ser útil para reduzir a carga de tumores em pessoas com NF1 (e talvez em pessoas com NF2 como sugerem novos dados). Não vou desistir.

O US FDA (Federal Drug Administration of United States – semelhante à ANVISA no Brasil) exige que sejam feitos estudos sobre a de toxicidade de qualquer novo medicamento em animais antes dele ser experimentado em seres humanos. Este trabalho é muito caro… O custo mínimo é de 350 mil dólares (cerca de um milhão de reais) POR ANO.

Novamente eu agradeço seu apoio. É certamente reconfortante que temos pelo menos apoio moral para desenvolvermos estes medicamentos. ” Kate
Diante da resposta da Dra. Kate Barald, apesar de já ter imaginado que seria uma pesquisa cara, a nossa amiga de Portugal sentiu-se desmotivada diante dos custos que ela considerou enormes. Ela temeu que outras pessoas, ao saberem disso, percam as esperanças. Mas ela mesma levantou outras possibilidades:

“De qualquer forma, começo a acreditar que se não for a própria comunidade atingida pela NF a procurar e a contribuir para o financiamento deste tipo de estudo, ninguém mais o fará… Parece-me que neste momento não estão a decorrer estudos tão promissores quanto este, e que deveríamos assim investir aqui “as nossas fichas”… Talvez uma ideia (caso a Dr. Kate não consiga o financiamento) fosse lhe solicitar que criasse uma página de divulgação do estudo a pedir fundos, e todos nós a publicitássemos em todos os fóruns, páginas de facebook e blogues dedicados à NF…”

Compreendo o desânimo da AG diante da grande quantia de dinheiro necessária para realizar apenas um dos estudos científicos destinados a descobrir um tratamento para os neurofibromas. Para termos uma comparação, eu recebo do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) cerca de 12 mil reais por ano para todas as pesquisas com as quais eu trabalho atualmente, que são os estudos em neurofibromatoses e também outros em fisiologia do exercício, que é minha linha original como bolsista de pesquisa do CNPq muito antes de começar a trabalhar com as NF.

De fato, as pesquisas básicas, que são feitas em laboratórios com culturas de células e testes em animais, os testes pré-clínicos, são a parte mais cara das pesquisas para novos medicamentos. E como as pesquisas básicas ainda não apresentam garantia de sucesso (leia-se lucros para as empresas), são justamente aquelas que encontram mais dificuldade para encontrar financiamento.

Como já disse na semana passada, por causa deste enorme custo financeiro, os recursos públicos recolhidos por meio dos impostos cobrados dos cidadãos são aqueles que sustentam as pesquisas básicas. No entanto, os recursos públicos devem ser repartidos de acordo com critérios políticos entre todos que necessitam deles, incluindo os cientistas interessados nos mais diferentes assuntos.

Quando nossa leitora AG disse que deveríamos apostar todas as nossas fichas na pesquisa da Dra. Kate Barald, ela está usando um critério que nossa comunidade envolvida com as neurofibromatoses pode concordar imediatamente. No entanto, pesquisadores envolvidos com outras doenças, por exemplo em busca de uma vacina contra a Dengue, podem achar que o estudo que eles estão realizando seja muito mais prioritário do que reduzir os neurofibromas.

E quais são os critérios que regem as distribuições de recursos públicos? Como atuar sobre eles?

Falarei sobre isto amanhã.


Recebi nesta semana este novo e-mail da AG de Portugal. Agradeço à AG por autorizar a reprodução de sua correspondência com a Dra Kate Barald.

“Caro Doutor, fiquei feliz por ter partilhado no seu blogue o estudo que lhe enviei. Se deu, nem que seja, uma luzinha de esperança a alguém, já fico feliz e com a sensação que a extensiva pesquisa que tenho feito não tem sido em vão. Contactei a Dr. Kate do estudo em questão (sim, sou obstinada a esse ponto) para saber se existem novidades quanto a próximos passos da sua pesquisa e ela respondeu-me o seguinte:

Cara AG,
Muito obrigado pelo seu gentil e-mail. Nós temos tentado conseguir financiamento para este estudo para podermos avançar para o estágio pré-clínico. Até o momento, não tivemos sucesso. Estamos submetendo um projeto para financiamento de um estudo pré-clínico ao Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos no próximo mês junto com colegas de Oxford. Se isto der certo, e o estudo indicar que estudos clínicos poderiam ser úteis, nós esperamos então poder dar continuidade à busca pelo financiamento do estágio clínico. Kate.[1]

“Espero e vou rezar para que ela consiga o financiamento necessário. Tanto neste como em outros âmbitos, dá a sensação que a ciência evolui a passos de caracol e que são inúmeros os entraves e obstáculos. É difícil ter e manter a fé. Que Deus nos ajude a todos. Cumprimentos cordiais, AG”.

Podemos observar nesta correspondência que a Dra. Kate Barald reafirma o estágio atual (laboratorial, ou seja, antes do pré-clínico) da sua pesquisa e mostra a dificuldade de conseguir financiamento para as próximas etapas do estudo, até quem sabe chegarem a experimentar a droga em pessoas com NF1 e neurofibromas.

Portanto, veja que também existem nos Estados Unidos dificuldades de financiamento para a pesquisa em NF, mas certamente são menores do que as nossas no Brasil e outros países com menor investimento em ciência.

A ciência é um empreendimento humano que se desenvolveu com o capitalismo e está submetida à possibilidade de um conhecimento se transformar em lucro. Geralmente, os governos recolhem impostos (mais dos trabalhadores do que das grandes fortunas) e aplicam em pesquisas básicas de laboratório. A maior parte dos investimentos em ciências básicas vem dos recursos públicos.

Quando estas pesquisas básicas prometem dar algum resultado lucrativo, as corporações privadas se apropriam destes conhecimentos e desenvolvem tecnologias para serem vendidas e ficam com as patentes e os lucros.

Quando há possibilidade de lucro imediato, portanto, a “ciência” evolui rapidamente para “tecnologia”. Quando o benefício é da coletividade, da humanidade em geral e não dos empresários, a ciência evolui em ritmo de caracol, como você disse. Veja, por exemplo, como as doenças mais comuns nos países colonizados e entre as pessoas mais pobres permanecem sem tratamento, como a Doença de Chagas em nosso país.

No nosso caso, a indústria farmacêutica somente investirá em pesquisa para tratamento dos neurofibromas se houver uma possibilidade de lucrar com a nova tecnologia, por exemplo, num tipo de câncer mais comum na população. Como as NF são doenças raras, somos deixados de lado em função de outros interesses mais lucrativos a curto prazo.

Por isso, defendo a necessidade da população se unir para controlar o destino do dinheiro público de forma a direcionar os esforços científicos para beneficiarem a todos e não apenas às indústrias de equipamentos médicos e farmacêutica.

Compreendo sua angústia e o sentimento de impotência que nos atinge diante da imensa máquina do mundo. Nós percebemos que somos pequenos e então apelamos para algo maior que nos ajude. Respeito aqueles que recorrem às preces para tentar mudar as coisas, mas penso que seria mais transformador da vida se muitos pequenos humanos unidos formassem algo maior e real: uma humanidade solidária.

Na próxima semana, comentarei a possibilidade de nos unirmos para reunir dinheiro para financiar pesquisas em NF.

[1] O original em inglês do email da DR. Dear AG, Thank you very much for your kind email. We have tried to find funding for this work in order to move it to pre-clinical trial stages. So far, we have had no success. We are submitting an application to fund the pre-clinical trial to the US NIH next month with our Oxford colleagues. If those are successful, and the trials indicate that further clinical trials could be helpful, we hope then get to proceed to find funding for the clinical trial stage. … Kate

Recentemente recebi um e-mail da leitora AG, de Portugal, que pediu minha opinião sobre um estudo sobre uma droga para reduzir os neurofibromas e que está sendo realizado nos Estados Unidos e, depois de ler o artigo da Dra. Kate Barald e seus colaboradores da Universidade de Michigan, postei neste blog minha conclusão (ver AQUI).

Meus comentários deram origem a dois novos acontecimentos.

Primeiro, algumas pessoas pensaram que o estudo já estivesse sendo realizado em Minas Gerais com voluntários com NF1 e procuraram profissionais de saúde para saber como poderiam participar do estudo. Compreendo que o nosso desejo de encontrarmos algum tratamento para os neurofibromas seja muito intenso.


Talvez isto tenha levado algumas pessoas a ler de forma apressada as informações que divulguei. Assim, relembro:

1) O estudo com a droga STX3451 está apenas em fase laboratorial, somente com células humanas e nos Estados Unidos;

2) Em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG não estamos realizando nenhuma pesquisa com medicamentos para tratar qualquer uma das neurofibromatoses;

3) Provavelmente, nos próximos anos, em virtude da redução das verbas para pesquisa e saúde no Brasil, que já não eram suficientes, não teremos recursos financeiros públicos nem privados para estudar medicamentos no tratamento dos neurofibromas;

4) Todas as pesquisas sobre neurofibromatoses em andamento em nosso Centro de Referência são para melhorar o nosso conhecimento sobre as NF, permitindo melhor diagnóstico, acompanhamento clínico e prevenção de complicações;

5) Apenas um de nossos estudos atuais pretende verificar os efeitos de tratamentos conhecidos (fonoaudiologia) sobre alguns aspectos isolados (desordem do processamento auditivo) da NF1.

Portanto, compartilho com todas as pessoas com NF1 e seus familiares a grande ansiedade à espera de algo que nos dê esperança de vermos as pessoas com NF1 livres dos neurofibromas. Geralmente imaginamos que este novo tratamento virá de um país com mais tecnologia do que o Brasil, mas veja o post de amanhã sobre isto.

De qualquer forma, precisamos sempre ser realistas para agirmos adequadamente e ajudarmos, de fato, as pessoas a quem amamos, com os recursos que já dispomos. Já temos à nossa disposição muito conhecimento científico sobre as NF que ainda não está bem distribuído entre nós. Por isto escrevemos este blog, publicamos cartilhas, damos palestras e realizamos cursos de capacitação, além do atendimento clínico.

Um segundo acontecimento a comentar foi a correspondência entre a leitora AG de Portugal e a Dra. Kate Barald, autora do estudo em Michigan. Amanhã publicarei a correspondência, pois ela me autorizou.

Uma leitora de Portugal pediu minha opinião sobre um estudo que está sendo realizado nos Estados Unidos com uma nova droga para reduzir o tamanho dos neurofibromas plexiformes e sua transformação maligna. O artigo completo em inglês pode ser acessado AQUI .

Agradeço a indicação do artigo, pois ainda não o havia encontrado em minhas buscas por informações científicas sobre NF.

Primeiramente, devo alertar a todos os leitores de que se trata de um estudo ainda e apenas em laboratório, ou seja, a equipe científica está testando a nova droga em linhagem de células humanas com NF1 cultivadas artificialmente. Os resultados são animadores e indicam que o passo seguinte deverá ser testar a droga em camundongos geneticamente modificados para NF1.

Caso os resultados sejam favoráveis nos camundongos, a segurança da droga será testada num grupo pequeno de voluntários humanos. Se for segura, será então experimentada em outras pessoas voluntárias com NF1 para saber se a droga realmente diminui o tamanho dos neurofibromas plexiformes e/ou combate a sua transformação maligna.

Se a droga se mostrar eficiente como tratamento dos neurofibromas neste grupo inicial de voluntários, ela poderá ser oferecida a um grupo maior de pessoas com NF1 e, se os resultados confirmarem sua eficiência, poderá ser submetida às agências de vigilância sanitária nos diversos países.

Depois de aprovada por estas agências a nova droga poderá ser indicada regularmente para as pessoas com NF1 em todo o mundo.

Qual é a ideia da cientista Dra. Kate Barald e seus colaboradores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos?

O grupo considerou que tanto o número quanto o tamanho dos tumores nas pessoas com NF1 aumentam durante a puberdade e a gestação. Como os tumores regridem em tamanho depois da gravidez, a equipe supôs que isto aconteceria em resposta aos hormônios esteroides que estão aumentados naquelas situações.

Eles já sabiam que um dos produtos naturais do metabolismo do estrógeno é a substância 2-metoxiestradiol (2ME2) que possui um efeito anticâncer. Então, modificaram esta substância natural e criaram outra chamada STX3451, e testaram seu potencial de ação contra células de tumores recolhidas de pessoas com NF1 e cultivadas em laboratório (ver figura).

Os resultados mostraram que a STX3451 foi capaz de destruir (causar apoptose) tanto as células que foram retiradas de neurofibromas plexiformes (benignos) quanto as células malignas (originárias do tumor maligno da bainha do nervo periférico).

Estes resultados são animadores e merecem nossa comemoração como mais uma esperança de tratamento para as pessoas com NF1.

Vamos torcer para que as novas etapas também sejam positivas.

“Meu filho tem NF1 e glioma óptico. Por causa das alterações no crescimento dele e no comportamento, o senhor suspeitou de puberdade precoce. O exame de idade óssea deu 12 anos, mas ele tem apenas 8 anos de idade. A endocrinologista quer entrar com a medicação chamada “leuprorrelina” na dose de 3,75 mg por dia. O que o senhor acha? ” PEM, de Uberaba, MG.

Cara P, obrigado pelas informações e pela pergunta.

Sabemos que a complicação endocrinológica mais comum da NF1 é a puberdade precoce, ou seja, o desenvolvimento de características sexuais e mudanças de comportamento compatíveis com a puberdade, mas antes da hora: em meninas abaixo dos 7 anos e em meninos abaixo dos 9 anos de idade.

A puberdade precoce acomete cerca de 1 a 3% das crianças com NF1, mais os meninos do que as meninas, e geralmente está associada com um tumor benigno chamado glioma, que pode atingir o nervo óptico e outras partes do sistema nervoso central.

Já comentei sobre a puberdade precoce neste blog anteriormente (ver AQUI).

Ainda não é bem conhecida a forma como a NF1 provoca a puberdade precoce, mas admitimos que aconteça uma estimulação anormal dos hormônios produzidos em certas regiões do cérebro que estão próximas do nervo óptico, regiões estas chamadas de hipotálamo e hipófise.

É meio complicado, mas podemos tentar entender como acontece.

Em condições normais, à medida que uma criança se aproxima dos 11 anos de idade, sua programação genética começa a produzir alguns hormônios, chamados de Hormônios Liberadores de Gonadotrofinas (gônada é o nome médico para as glândulas sexuais, ovário ou testículo; e trofina quer dizer estimulante do crescimento ou da atividade). A sigla para estes hormônios geralmente é usada em inglês (para sofrimento de todos os povos que falam outras línguas) e nos resultados de exames de laboratório aparecem como GnRH (Gonadotrophin Release Hormone).

Liberadas no hipotálamo, as GnRH estimulam a hipófise a produzir dois outros hormônios que vão para a circulação sanguínea:

1) Um hormônio estimulador do crescimento dos folículos ovarianos (em inglês Folicular Stimulating Hormone, FSH), os quais passam então a amadurecer os óvulos que já haviam sido formados nos ovários das mulheres desde quando elas estavam no útero de suas mães. O mesmo FSH também estimula as células que produzem a formação de espermatozoides nos homens.

2) O outro hormônio produzido na hipófise segue pela circulação até uma parte dos folículos, chamada de corpo lúteo e por isso este segundo hormônio se chama Hormônio Luteinizante (LH em inglês). Estimulados pelo LH, os folículos começam a sintetizar o hormônio estrógeno. Como sabemos, o estrógeno aumentado na circulação produz no corpo das mulheres o aparecimento das características femininas determinadas pelo seu genoma XX.

O mesmo LH nos homens estimula nos testículos a síntese de testosterona, o que irá produzir as características masculinas de acordo com o seu genoma XY.

Portanto, a puberdade é uma consequência final do aumento de liberação cerebral de GnRH, com a produção de FSH e LH, os quais atuam sobre ovários (ou testículos) que passam a sintetizar estrógeno (meninas) ou testosterona (meninos).

Na puberdade, quando estas maiores quantidades de estrógeno (ou de testosterona) circulam no sangue, isto se constitui num sinal para que o crescimento ósseo comece a ser interrompido, ou seja, os hormônios sexuais causam a soldadura das epífises ósseas, aquela camada de tecido ósseo responsável pelo crescimento dos ossos longos. Desta forma, um tempo depois de iniciada a produção de estrógeno (ou testosterona) a pessoa termina o seu crescimento, o que acontece em torno dos 18 aos 20 anos.

Entre as pessoas com NF1, algumas delas parecem produzir certos hormônios hipotalâmicos e hipofisários em maiores quantidades, como o próprio GnRH comentado acima e outros hormônios controladores do crescimento corporal (GH em inglês), da função tireoidiana (TSH, em inglês) e da lactação (a prolactina).

Aparentemente, este descontrole hormonal do GnRH na NF1 seria a causa da puberdade precoce. Por isso o tratamento consiste em aplicar um medicamento cuja estrutura química é semelhante ao GnRH (como a leuprorrelina), o qual se liga de forma duradoura aos receptores do GnRH na hipófise, inibindo assim a produção de FSH e LH, o que interrompe a puberdade precoce e faz com que as características sexuais e comportamentais regridam.

O tratamento geralmente é eficaz, fazendo com que as crianças voltem a crescer normalmente, para retomar sua puberdade na ocasião adequada.