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Vimos ontem que avaliar o resultado dos tratamentos nas neurofibromatoses com base apenas no tamanho do tumor não é adequado porque nas NF os tumores podem crescer ou não, podem estar presentes há décadas e podem continuar ao longo de toda a vida sem causar grandes problemas.

Assim, nas NF temos que avaliar o resultado de um possível tratamento (medicamentoso ou cirúrgico) pensando nas consequências do tumor sobre a qualidade de vida da pessoa.

Um grupo de cientistas em NF discutiu esta questão (ver aqui ) e tentarei adaptar abaixo os 7 novos critérios para avaliarmos se um tratamento deve ou não ser utilizado por pessoas com NF.

Resultado do tratamento sobre o tamanho do tumor – é claro que também nas NF o tamanho do tumor é um dos fatores importantes, pois está relacionado com os sintomas, com o risco de transformação maligna, com deformidades e com a estética.

Resultado do tratamento sobre a capacidade funcional – como o tratamento altera ou não a capacidade da pessoa para conviver, estudar, se divertir e trabalhar.

Resultado do tratamento sobre a capacidade visual – em alguns casos, a manutenção ou recuperação da visão é o objetivo fundamental.

Resultado do tratamento sobre o relato da pessoa – o significado emocional, social e físico do tumor para a própria pessoa tem que ser levado em conta. Nem sempre o que os médicos consideram o mais importante coincide com a opinião das pessoas com NF.

Resultado do tratamento sobre a capacidade cognitiva – especialmente na NF1, as dificuldades de aprendizagem são o principal problema e devem ser levadas em consideração nos tratamentos propostos.

Resultado do tratamento sobre a ressonância magnética de corpo inteiro– esta é uma medida necessária nas pesquisas sobre efeitos de drogas sobre o conjunto de tumores em pessoas com NF.

Efeitos do tratamento sobre marcadores sanguíneos – existem diversas substâncias relacionadas com o crescimento dos tumores, que são dosadas no sangue e que precisam ser consideradas dentro dos objetivos das pesquisas sobre tratamentos nas pessoas com NF.
Portanto, ampliamos bastante o nosso olhar sobre o significado dos tratamentos nas pessoas com NF, indo muito além do tamanho do tumor.

Estes critérios aumentaram a complexidade dos estudos em NF, o que requer que as pesquisas sejam feitas em cooperação entre muitos centros de atendimento e profissionais de diversas áreas do conhecimento.

De nossa parte, no Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC-UFMG, estamos tentando nos inserir na rede internacional de pesquisas em NF com este olhar mais cuidadoso. No momento, temos várias linhas de pesquisa em andamento (ver aqui ). Em todas elas procuramos ver e cuidar das pessoas e não apenas de seus tumores.
Porque as pessoas são muito maiores do que sua doença.
Esta é uma pergunta muito frequente por parte de quase todas as pessoas que possuem neurofibromatoses e suas famílias.




Geralmente entendo a pergunta com o seguinte significado: existem medicamentos sendo estudados para a cura das neurofibromatoses? Percebo, então, a mistura que geralmente fazemos entre “cura” e “tratamento”.

É importante lembrar que existem diversos tratamentos para alguns problemas decorrentes dos defeitos genéticos que estão na origem das neurofibromatoses, mas os defeitos genéticos em si não podem ser reparados definitivamente.

Ou seja, mesmo que possamos controlar ou remover um determinado problema (um neurofibroma, por exemplo), a pessoa continuará levando consigo em todas as suas células o defeito genético que originou sua doença.

Portanto, o que podemos fazer são estudos científicos em busca de melhor solução de alguns problemas, a partir daqueles mais comuns. 

Por exemplo, na NF1: como melhorar as dificuldades de aprendizagem, como evitar o crescimento dos neurofibromas, como tratar o glioma óptico etc.?  Na NF2: como parar o crescimento dos schwannomas e meningiomas, como tratar a catarata juvenil, etc.? Na Schwannomatose: como eliminar a dor nos schwannomas ou como evitar o seu aparecimento?

Neste sentido, as pesquisas tanto poderiam ser a busca por tratamentos cirúrgicos, fisioterápicos, fonoaudiológico, nutricionais ou psicológicos quanto por medicamentos.

No momento, nossa cultura médica é grandemente influenciada pela indústria de medicamentos e equipamentos médicos. Assim, a maioria das pesquisas em andamento têm como objetivo descobrir medicamentos que permitam o controle das principais complicações das neurofibromatoses.

Num encontro entre especialistas em neurofibromatoses promovido pelo Children’s Tumor Foundation, os principais estudos em andamento que procuram medicamentos para as neurofibromatoses foram discutidos (CLIQUE AQUI para ver  a publicação em inglês de 2013). Suas conclusões parecem válidas, por enquanto.

Eles consideraram um total de 15 estudos, quase todos buscavam tratamento para NF1 (14). A maioria (10) pesquisava algumas drogas para diminuir o tamanho dos neurofibromas plexiformes, dois tentavam melhorar as dificuldades de aprendizagem, um procurava reduzir o tamanho dos gliomas ópticos e apenas um tentara  diminuir o crescimento dos neurofibromas cutâneos (Riccardi em 1993).

Finalmente, um dos estudos tentava diminuir o tamanho dos schwannomas vestibulares na NF2.

Na segunda feira, volto a este tema com novas conclusões importantes.

Bom final de semana.
Continuando as informações de ontem, lembro que o acompanhamento clínico para as crianças com NF1 com gliomas ópticos deve ser feito a cada 3 meses, durante os dois primeiros anos a partir do diagnóstico do glioma.



Depois de 2 anos do diagnóstico do glioma, se o tumor estiver estável, realizar o controle anualmente com ressonância magnética até os 12 anos de idade.
A partir dos 7 anos, o exame oftalmológico com a medida do campo visual anualmente pode ser uma boa alternativa para o acompanhamento de crianças com NF1 e glioma óptico: se o campo visual estiver normal ou inalterado, realizar a ressonância de 12 em 12 meses. Se o campo visual se alterar, realizar a ressonância de 6 em 6 meses.
Outras informações importantes:
O tratamento de gliomas ópticos na NF1 deve ser sempre adiado se os sintomas são leves ou ausentes;
O tratamento do glioma óptico na NF1 só deve ser iniciado quando há agravamento da perda da visão e o tumor estiver deformando a face (devido à proptose acentuada) ou ameaçando a vida pela compressão das estruturas nervosas próximas.
Nestes casos mais raros e graves, abaixo dos 3 anos o tratamento de primeira escolha é a quimioterapia (geralmente a carboplastina isolada ou associada à vincristina), lembrando que, além dos efeitos colaterais (toxicidade, esterilidade e outros tumores), em metade dos casos tratados com quimioterapia o glioma óptico retorna nas crianças com NF1.
Quando a quimioterapia não dá resultado naqueles casos mais graves, a radioterapia pode ser uma alternativa paliativa, lembrando que pode também produzir efeitos colaterais importantes. Crianças com NF1 tratadas com radioterapia podem apresentar deficiência intelectual e hormonal (crescimento, tireoide) e doenças vasculares cerebrais (doença de Moya-Moya), assim como aumenta a chance de aparecimento de outros tumores.
A cirurgia tem papel limitado, geralmente é reservada para os casos raros mais extremos de proptose acentuada ou casos graves em que a radioterapia falhou, e a remoção do nervo ótico resulta em perda completa da visão naquele olho.
Portanto, nossa torcida é para que sua filha esteja entre aqueles 85% das crianças com NF1 e gliomas ópticos que não causam qualquer problema. Para os casos mais graves, continuamos torcendo para que seja descoberto algum medicamento que possa melhorar nossos resultados atuais no tratamento dos gliomas ópticos na NF1.

Imprima estas opiniões e leve à pediatra de sua filha. Você pode também indicar para a médica o nosso artigo de 2015 (obtenha o artigo completo clicando aqui), onde ela encontrará mais instruções técnicas para o controle clínico dos gliomas ópticos na nas crianças com NF1. 
Como tenho recebido algumas perguntas parecidas e não gostaria de deixar nenhuma sem resposta, vou apresentar abaixo dois conjuntos conjunto delas, com os links para as respostas já fornecidas neste blog.


Se ainda permanecerem as dúvidas, digam-me.

Perguntas sobre “cura” e crescimento dos neurofibromas

Há pouco descobri que minha sobrinha tem neurofibromatose, gostaria de saber essa doença é proveniente de que, tem cura e qual o tratamento. Obrigada. MPD, de local não identificado.

Olá, minha filha tem trinta anos e aumenta cada dia os fibromas. Nada ainda que evite a continuidade? Obrigada DMH, de Bagé, RGS.

Tenho 41 anos algum neurofibroma gostaria de saber se eles podem aumentar de número e/ou tamanho com o passar dos anos. MF, Salvador – BA
Respostas
As doenças genéticas geralmente não têm “cura”, mas podem ter muitos tratamentos que melhoram a qualidade de vida (clique aqui).
Os neurofibromas são de diferentes tipos e seu crescimento varia de acordo com o tipo e a idade das pessoas (clique aqui).
Perguntas sobre diagnóstico da NF1 e direito a benefícios no INSS
Tenho uma filha de 13 anos que foi diagnosticada com neurofibromatose tipo 1. Ela sente muita dor de cabeça, tem um pequeno desvio na coluna e apresenta atraso mental, a ponto de não conseguir atravessar a rua direito. Cheguei a matricula-la em alguns cursos para ver se melhorava o aprendizado, mas não resolveu. Gostaria de saber se minha filha teria direito a algum benefício do INSS. RG, Guarujá
Meu filho foi diagnosticado com neurofibromatose tipo 1 aos 8 anos de idade e hoje está com 22 anos. Atualmente ele vem sentindo dores na coluna e nas pernas, apresenta alguns neurofibromas pelo corpo, e sente muita falta de ar. Existe algum exame que confirme o diagnóstico da doença? Além disso, na cidade onde moro não tem assistência e penso em sair daqui para procurar tratamento adequado. O meu filho teria direito a algum benefício? M, Cabo Frio – RJ
Respostas

O diagnóstico da NF1 pode ser feito com bastante segurança na grande maioria dos casos apenas com o exame clínico (clique aqui).
Em alguns casos pedimos exames complementares, especialmente quando suspeitamos de deleção do gene (clique aqui).
Sim, existem benefícios previstos na legislação para pessoas com NF1 (clique aqui).
Se ainda restar alguma dúvida, voltem a fazer contato comigo.

Continuando minha resposta para a PNP, de Botelhos, MG, apresento a seguir as condutas para cada tipo de neurofibroma, as quais vou traduzir do inglês para o português e adaptar parte de um artigo que nós publicamos em 2015 (clique aqui para ver o artigo completo) e que trata desta questão de forma bastante objetiva.
A primeira conduta para todos os neurofibromas é a sua avaliação médica anual, especialmente para os neurofibromas subcutâneos maiores, os espinhais e os plexiformes.
Os neurofibromas cutâneos e subcutâneos, que geralmente surgem justamente no final da infância e começo da adolescência, podem afetar a aparência e a autoestima das pessoas, além de algumas vezes prejudicar suas atividades da vida diária, dependendo do seu número, tamanho e localização.
A cirurgia com o uso de bisturi (corte ao redor do tumor e depois a sutura) é o tratamento recomendado para eles, podendo ser retirados um ou mais de cada vez, sob efeito da anestesia local.
A margem de segurança nos cutâneos (ver figura) pode ser mínima porque estes neurofibromas são sempre benignos, reduzindo assim o tamanho da cicatriz. Considerando que a possibilidade de transformação maligna nos subcutâneos é pequena mas existe, especialmente naqueles de maior tamanho, a margem de segurança pode ser um pouco maior para garantir que seja retirado todo o neurofibroma.
As técnicas mais superficiais (laser e “shaving”) correm o risco de remover apenas a parte externa do neurofibroma cutâneo e ele continuar a crescer no mesmo lugar. É preciso lembrar que, por coincidência, outro neurofibroma que ainda não era visível no momento da cirurgia pode vir a crescer no futuro nas bordas da cicatriz, dando a impressão de que aquele primeiro não fora retirado de forma correta.
Os neurofibromas espinhais podem se desenvolver em qualquer um dos níveis da coluna vertebral e seu crescimento pode eventualmente causar compressão de nervos e da medula, resultando em problemas neurológicos (perda de sensibilidade, redução da força, dor, formigamentos, etc.). Como os espinhais apresentam risco de transformação maligna, quando se tornam sintomáticos precisam de tratamento cirúrgico, quando possível.
Os neurofibromas plexiformes podem crescer junto com a pessoa sem causar grandes problemas, mas podem também causar compressões de nervos ou de outros órgãos, com repercussões sobre a saúde. Além disso, podem causar deformidades corporais, especialmente quando localizados na face, que geram enorme sofrimento físico, psicológico e social para a pessoa com NF1 e sua família.
Como eles apresentam o risco de transformação maligna (entre 10 e até 50%, segundo alguns pesquisadores), eles devem ser retirados sempre que possível, especialmente quando se tornam sintomáticos (dor ou perda da função) e mudam de aspecto (crescendo rapidamente e ficando com a consistência mais dura). Diante de qualquer suspeita neste sentido, o tumor deve ser imediatamente investigado com estudos de imagem (ressonância magnética e tomografia computadorizada com emissão de pósitrons) e de laboratório (biópsias, marcadores tumorais) disponíveis.
No entanto, infelizmente não se consegue a retirada completa de todo o neurofibroma plexiforme, restando uma pequena parte que, no futuro, pode voltar a crescer. Por isso, algumas vezes são necessárias novas cirurgias sobre o mesmo tumor.
É preciso lembrar que os plexiformes são tumores com muitas artérias e veias, o que pode causar sangramento importante durante a cirurgia, o que pode se tornar um risco maior especialmente quando realizadas na face, cabeça e pescoço.
Outro aspecto especial, as cicatrizes resultantes da retirada dos plexiformes geralmente são muito visíveis. Aliás, na NF1 encontramos geralmente um tipo de cicatrização especial: as cicatrizes não se transformam numa linha fina e mais clara com o tempo e nunca observei um caso de queloide (aquelas cicatrizes mais grossas e duras) em pessoas com NF1.
Amanhã falarei do que devemos fazer se ocorrer a transformação maligna do neurofibroma plexiforme.


Onde posso tirar os nódulos de neurofibromatose com laser? É com anestesia geral? Obrigada. PNP, de Botelhos, MG.




Cara P, obrigado por trazer estas questões. De fato, muitas pessoas perguntam qual é a melhor maneira de retirarem os seus neurofibromas, os quais são encontrados em maior ou menor quantidade em 99% das pessoas com neurofibromatose do tipo 1.
Para responder sua pergunta, precisamos lembrar que os neurofibromas são tumores benignos e que podem ser de quatro tipos: cutâneos, subcutâneos, espinhais e plexiformes.
Os cutâneos são os neurofibromas que surgem da pele para fora (ver o número 1 na figura) e formam tumores arredondados, geralmente pequenos, macios, lisos, indolores e com a coloração mais rosada do que a pele ao redor.
Os subcutâneos são aqueles que aparecem debaixo da pele, formando ondulações macias e geralmente indolores, de tamanho variável, sem alteração da coloração da pele ao redor (ver número 1 na figura). 
Outros aparecem como depressões ou falhas na consistência da pele (ver tipo 2), como se faltasse um pouco de tecido no subcutâneo. 
Outros ainda aparecem como nódulos firmes, de forma oval, de tamanho variável e alguns podem ser dolorosos espontaneamente ou ao toque (ver tipo 3 na figura).
Os espinhais são os neurofibromas que surgem nas raízes nervosas próximas à coluna vertebral e geralmente são descobertos nos exames de imagem, como ressonâncias ou tomografias. Geralmente são em número e tamanho variáveis, podendo ou não comprimir as estruturas vizinhas (ver na figura) e causar ou não sintomas (dor, alteração da sensibilidade e da função nervosa).
Os neurofibromas plexiformessão aqueles que se desenvolvem envolvendo a pele e as estruturas corporais debaixo da pele onde eles se localizam (ver na figura). Geralmente a pele sobre os plexiformes se apresenta com coloração mais escura, de consistência um pouco mais firme ou com pelos mais abundantes e mais grossos. Em geral, os plexiformes são macios e indolores, ou a palpação causa apenas uma sensação de desconforto. São em número e tamanhos variados e quando os palpamos tempos a sensação de que formam novelos de barbante emaranhados sob a pele.

Os plexiformes (e talvez os espinhais) são congênitos, ou seja, estão presentes ao nascimento e podem se tornar malignos (10 a 20%) ao longo da vida, especialmente os grandes e profundos. 

O número de neurofibromas plexiformes de uma pessoa está definido ao nascer, ou seja, não surgem novos ao longo da vida, apenas aqueles existentes ao nascimento é que crescerão ou não a partir daí.

Os cutâneos e os subcutâneos surgem geralmente a partir da puberdade. O crescimento de todos os neurofibromas é imprevisível ao longo da vida. Cada um deles necessita de condutas diferentes, sobre as quais falarei amanhã.
Como posso saber mais sobre a NF2, já que seus posts só falam sobre NF1. Tenho muitas dúvidas sobre o futuro. AH de Canoas, RGS.





Cara AH, de fato você tem razão em perceber que a maioria das respostas do meu blog são sobre NF1, porque a NF1 é 8 vezes mais comum que a NF2, o que faz com que, naturalmente, tenhamos mais perguntas sobre NF1.

Sabendo que a prevalência de NF2 na população é de 1 pessoa com NF2 para cada 25 mil pessoas sem a doença, deveríamos ter no nosso Centro de Referência entre as cerca de 800 famílias atendidas pelo menos 100 pessoas com NF2. No entanto, temos apenas 16, ou seja, somos menos procurados pelas pessoas com NF2 ou menos indicados pelos colegas médicos.

Tenho a impressão de que isto acontece porque a maioria dos diagnósticos iniciais da NF2 são feitos diretamente por neurologistas (ou otorrinolaringologistas que encaminham as pessoas aos neurocirurgiões), os quais costumam adotar condutas mais cirúrgicas do que clínicas, o que torna o acompanhamento da NF2 mais restrito aos neurologistas.

No entanto, lamentamos que isto esteja acontecendo, porque que a complexidade da evolução da NF2 precisa muito mais de acompanhamento clínico do que cirúrgico (clique aqui para ver guia de manejo clínico de 2015 publicado na revista Arquivos de Neuropsiquiatria).

Você tem razão também em ficar apreensiva quanto ao futuro, porque embora a NF2 geralmente seja de lenta evolução, esta evolução é imprevisível. Por exemplo, o tempo para um tumor (um schwannoma vestibular, por exemplo) dobrar de tamanho tem sido calculado entre 0,3 e 70 anos, segundo o excelente livro editado pelos médicos Mauro Geller e Aguinaldo Bonalumi Filho, “Neurofibromatose – Clínica, genética e terapêutica” publicado pela Guanabara Koogan no Rio de Janeiro, em 2004.

No entanto, apesar da imprevisibilidade e da ausência de cura definitiva para a NF2, há tratamentos e condutas que podem melhorar qualidade de vida. A expectativa de vida das pessoas com NF2 foi calculada em cerca de 62 anos, mas esta idade foi calculada há mais de uma década com dados antigos e os recursos terapêuticos atuais devem ter melhorado esta expectativa.
Assim, tentarei apresentar abaixo algumas orientações básicas para alguém com o diagnóstico de NF2.
É importante ser avaliado regularmente por médicos (as) com experiência em NF2, porque eles sabem que na NF2 não se deve retirar um tumor apenas porque ele está lá, mas quando existem determinadas razões clínicas para isto (ver guia de condutas da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses aqui).

É essencial saber se outras pessoas na família também têm NF2. Identificar quem é portador na família pode ser uma tarefa difícil porque algumas pessoas têm sentimentos de raiva ou vergonha por terem uma desordem genética e outras podem ter sinais pouco evidentes da doença.
Apesar desta dificuldade familiar, existem boas razões para saber se alguém mais na família tem NF2, porque todos podem usar estas informações para fazer um planejamento da saúde familiar.
A aceitação de que alguém na família tem NF2 pode levar algum tempo e é importante entender isto. Muitas outras famílias passam por problemas similares e assim os grupos de apoio podem ser uma boa fonte de ajuda. Já existem grupos de suporte em alguns estados brasileiros, como a AMANF em Minas Gerais. Eles são formados por pais ou portadores com o objetivo de oferecer apoio, conselhos e informações para enfrentar as neurofibromatoses.
No entanto, nestas associações de apoio, percebemos que as pessoas com NF1 e NF2 possuem problemas muito diferentes e por isso tenho sugerido que as reuniões sejam separadas para que as demandas de cada grupo sejam melhor discutidas.
As pessoas com NF2 precisam de exames médicos regulares para verificar o estado geral de saúde e acompanhar o crescimento dos tumores, a audição, o equilíbrio e avaliar se surgiram novos problemas. Quaisquer mudanças devem ser notificadas imediatamente ao médico, mesmo antes do prazo para o retorno anual.
Exames de ressonância magnética do cérebro devem ser pedidos por médicos experientes com a NF2 e podem ser necessários no acompanhamento.
A NF2 pode afetar sua audição nos dois lados, por isso você deve estar aberto para todos os meios de comunicação. A leitura dos lábios é uma alternativa interessante para as pessoas com NF2. A linguagem de sinais também abre muitas oportunidades para os deficientes auditivos. Estas condutas são mais úteis quando toda a família aprende os sinais.
As pessoas com NF2 podem precisar de cirurgias complicadas em mais de uma ocasião. Pelo fato de algumas cirurgias poderem levar a deficiências permanentes, como perda de audição, a programação de cirurgias deve ser considerada cuidadosamente. As cirurgias devem ser realizadas por profissionais com experiência em NF2, pois podem levar a complicações.
Em alguns casos, a cirurgia deve ser adiada, pois alguns tumores podem mostrar um crescimento muito pequeno através dos anos e podem ser observados cuidadosamente.
Terapeutas treinados, fonoaudiólogos e oftalmologistas são essenciais no processo de acompanhamento e reabilitação.

Finalmente, é preciso evitar qualquer tratamento não reconhecido pela medicina científica. 
Minha filha foi diagnosticada com pseudoartrose congênita da tíbia com 1 ano depois de uma fratura, e com dois anos o médico disse que ela tem a NF também. Ela tem 3 anos, mas o médico não deu nenhum prazo para cirurgia, isso é o que me deixa mais angustiada. Ela poderia começar algum tratamento? Tem alguma faixa etária para cirurgia? J de Canoas, RGS.

Cara J. Obrigado por tocar neste assunto, um dos problemas raros nas crianças com NF1, mas que trazem grandes preocupações para pais e profissionais da saúde: a pseudoartrose.

Cerca de 2% das crianças com NF1 nascem com um defeito de formação e crescimento de um ou mais ossos longos (geralmente uma das tíbias), chamado de displasia óssea, que torna mais frágil uma parte do osso.

Esta maior fragilidade do osso provoca fraturas espontâneas, ou seja, mesmo sem qualquer tipo de traumatismo: o simples ficar de pé pode ocasionar a primeira fratura.

Como a região da fratura apresenta a displasia, o osso não se consolida, permanecendo a fratura como se fosse uma outra articulação, daí o nome “pseudo” (falsa) “artrose” (articulação alterada).

Por enquanto, não existe um medicamento que cure definitivamente a pseudoartrose da NF1, mas dispomos de tratamentos para melhorar a qualidade de vida das crianças, que buscam torna-las capazes de realizar suas tarefas do dia a dia.

Por exemplo, se a displasia for identificada antes que ocorra a primeira fratura, pode-se tentar aparelhos ortopédicos que procuram proteger o osso frágil.

Depois, quando ocorrem a primeira ou a segunda fraturas espontâneas, podem ser realizadas cirurgias de reparação com enxertos ósseos para a formação de uma estrutura mais firme para o osso, assim como fixadores metálicos para que a fratura cicatrize.

Infelizmente, a maioria destas tentativas não resolve o problema. Assim, a recorrência das fraturas espontâneas acaba fazendo com que a criança seja submetida a internações repetidas, à colocação de aparelhos ortopédicos que causam dor e limitam suas atividades, ao afastamento das outras crianças e da escola, levando a grande sofrimento da criança e sua família.

Devido ao frequente insucesso destas cirurgias, muitos especialistas em neurofibromatoses recomendam a substituição daquela parte da perna por uma prótese mecânica, porque os resultados mostram que em pouco tempo a criança está adaptada e com mais liberdade e menos sofrimento para viver.

Sei que é tremendamente difícil para os pais aceitarem a amputação de parte da perna de sua criança querida, mas a qualidade de vida imediata e a longo prazo pode compensar os sofrimentos repetidos que a criança teria com múltiplas cirurgias ineficazes.

Novos tratamentos estão sendo estudados, como, por exemplo, o desenvolvimento de uma proteína que aumente a formação do osso, mas todos eles ainda precisam de comprovação de que funcionam de fato. 
Olá, apareceu neurofibroma dentro do osso do fêmur no meu filho (13anos). A lesão é bastante grande, o que devo fazer? G, de Fortaleza, CE.




Cara G. Obrigado pela sua pergunta. Para que eu possa responder com segurança, preciso examinar seu filho ou, pelo menos ter em mãos um relatório médico ou ver os exames de imagem (ressonância, radiografia).
De qualquer forma, antecipo que na neurofibromatose do tipo 1 podemos encontrar neurofibromas dentro dos ossos, embora isto não seja um achado muito comum. Eles são congênitos, ou seja, estão lá desde a vida intrauterina, e nesse caso são os chamados plexiformes, podendo crescer ou não durante a vida.
Infelizmente, devido ao desconhecimento dos profissionais da saúde sobre a história natural das neurofibromatoses por elas serem doenças raras, as pessoas com neurofibromas dentro dos ossos podem ser tratadas de forma agressiva e desnecessária, pelo medo de que o tumor possa ser algo maligno.
Vou contar o caso de uma pessoa atendida por nós no CRNF, que nasceu com um neurofibroma plexiforme dentro do seu fêmur esquerdo. Aos quarenta anos, ela se queixava de dor naquele joelho ao caminhar, a qual vinha se agravando nos últimos anos.  
Mesmo sabendo que ela estava aumentando seu peso corporal (cerca de 20 kg em 5 anos) por excesso de alimentação, – o que provavelmente era a principal causa de sua dor ao caminhar, – para afastar uma remota possibilidade de transformação maligna no plexiforme, nós realizamos o exame da tomografia computadorizada com emissão de pósitrons – PET CT, cujo resultado foi tranquilizador, compatível com um neurofibroma plexiforme benigno (ver detalhe do PET CT na imagem abaixo, com captação de glicose de 1,7 na região do plexiforme, ou seja, normal).

Assim, nossa recomendação foi que ela abolisse a ingestão de açúcar e realizasse uma dieta saudável para emagrecer, além de usar analgésicos regularmente.



No entanto, não conseguindo emagrecer, ela buscou outras opiniões médicas e, infelizmente, foi submetida à colocação de haste metálica em seu fêmur, o que não aliviou seu sofrimento, pelo contrário, pois a dor aumentou com o maior sedentarismo e mais ganho de peso depois da cirurgia.
A radiografia abaixo mostra a haste metálica e os parafusos de fixação colocados durante a cirurgia e que são as imagens mais claras na perna esquerda.
Cara G, aproveitei a sua dúvida para falar desta questão porque ela pode ser útil também a outras pessoas. 

É preciso lembrar também outra possibilidade no caso de seu filho, que são os cistos ósseos que podem ocorrer na NF1, ou seja, áreas de menor densidade óssea, geralmente benignas, mas que eventualmente aumentam o risco de fraturas dependendo da sua localização.

Mande-me mais informações sobre seu filho, de preferência um relatório médico sobre ele, ou marque uma consulta em nosso Centro de Referência para que eu possa melhorar minha opinião.
Continuandonossa compreensão da dor neuropática nas neurofibromatoses, retomo a partir do ponto 4, na figura acima.
O ponto 4 refere-se às conexões que existem na medula espinhal, entre os nervos que trazem o estímulo doloroso da periferia do corpo e os nervos que conduzem estes estímulos até os centros superiores no cérebro.
Na medula, pode ocorrer menor inibição da sensibilidade dolorosa, ou seja, o filtro realizado pelos neurônios na medula estariam menos ativos, permitindo a passagem da dor com mais facilidade para os centros superiores. Alguns analgésicos e a cortisona podem agir nestas conexões, reduzindo a dor, como, por exemplo, nos chamados bloqueios com cortisona injetada ao redor da medula.
No ponto 5, novos filtros (modulações) dos estímulos podem ocorrer, aumentando ou diminuindo a sensibilidade dolorosa. Neste ponto, algumas drogas chamadas neurolépticas e os anticonvulsivantes podem ajudar a reduzir a passagem dos estímulos dolorosos.
No ponto 6, sabemos que a dor é modulada, ou seja, aumentada ou diminuída por fatores emocionais e pelo estado de humor. Assim, a mesma lesão física pode parecer muito mais dolorosa à noite, quando nosso humor aumenta as percepções da fadiga, do cansaço e dos perigos, porque somos seres diurnos, selecionados para vivermos durante o dia e repousarmos à noite.
Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor nas neurofibromatoses.
O ponto 7 corresponde às diversas regiões do cérebro onde armazenamos nossas informações sobre aquilo que acontece conosco. Assim, a memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa. Por isso, a psicoterapia, o acompanhamento psicológico e o controle cognitivo podem auxiliar o controle da dor neuropática nas neurofibromatoses.
O ponto 8 corresponde à expressão genética de uma herança com maior ou menor sensibilidade para a dor. Neste sentido, parece que a ausência da neurofibromina na NF1, pelo menos em camundongos de laboratório, aumenta a sensibilidade dolorosa de um modo geral.
É preciso lembrar que deve haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos ainda. Por exemplo, não sabemos exatamente porque os neurofibromas cutâneos (na NF1) raramente são dolorosos e os schwannomas podem ser dolorosos na NF2 e são muito dolorosos na schwannomatose.
Finalmente, também é preciso reconhecer que vários dos mecanismos do ponto 1 ao ponto 8 podem estar atuando ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.