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Como posso saber mais sobre a NF2, já que seus posts só falam sobre NF1. Tenho muitas dúvidas sobre o futuro. AH de Canoas, RGS.





Cara AH, de fato você tem razão em perceber que a maioria das respostas do meu blog são sobre NF1, porque a NF1 é 8 vezes mais comum que a NF2, o que faz com que, naturalmente, tenhamos mais perguntas sobre NF1.

Sabendo que a prevalência de NF2 na população é de 1 pessoa com NF2 para cada 25 mil pessoas sem a doença, deveríamos ter no nosso Centro de Referência entre as cerca de 800 famílias atendidas pelo menos 100 pessoas com NF2. No entanto, temos apenas 16, ou seja, somos menos procurados pelas pessoas com NF2 ou menos indicados pelos colegas médicos.

Tenho a impressão de que isto acontece porque a maioria dos diagnósticos iniciais da NF2 são feitos diretamente por neurologistas (ou otorrinolaringologistas que encaminham as pessoas aos neurocirurgiões), os quais costumam adotar condutas mais cirúrgicas do que clínicas, o que torna o acompanhamento da NF2 mais restrito aos neurologistas.

No entanto, lamentamos que isto esteja acontecendo, porque que a complexidade da evolução da NF2 precisa muito mais de acompanhamento clínico do que cirúrgico (clique aqui para ver guia de manejo clínico de 2015 publicado na revista Arquivos de Neuropsiquiatria).

Você tem razão também em ficar apreensiva quanto ao futuro, porque embora a NF2 geralmente seja de lenta evolução, esta evolução é imprevisível. Por exemplo, o tempo para um tumor (um schwannoma vestibular, por exemplo) dobrar de tamanho tem sido calculado entre 0,3 e 70 anos, segundo o excelente livro editado pelos médicos Mauro Geller e Aguinaldo Bonalumi Filho, “Neurofibromatose – Clínica, genética e terapêutica” publicado pela Guanabara Koogan no Rio de Janeiro, em 2004.

No entanto, apesar da imprevisibilidade e da ausência de cura definitiva para a NF2, há tratamentos e condutas que podem melhorar qualidade de vida. A expectativa de vida das pessoas com NF2 foi calculada em cerca de 62 anos, mas esta idade foi calculada há mais de uma década com dados antigos e os recursos terapêuticos atuais devem ter melhorado esta expectativa.
Assim, tentarei apresentar abaixo algumas orientações básicas para alguém com o diagnóstico de NF2.
É importante ser avaliado regularmente por médicos (as) com experiência em NF2, porque eles sabem que na NF2 não se deve retirar um tumor apenas porque ele está lá, mas quando existem determinadas razões clínicas para isto (ver guia de condutas da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses aqui).

É essencial saber se outras pessoas na família também têm NF2. Identificar quem é portador na família pode ser uma tarefa difícil porque algumas pessoas têm sentimentos de raiva ou vergonha por terem uma desordem genética e outras podem ter sinais pouco evidentes da doença.
Apesar desta dificuldade familiar, existem boas razões para saber se alguém mais na família tem NF2, porque todos podem usar estas informações para fazer um planejamento da saúde familiar.
A aceitação de que alguém na família tem NF2 pode levar algum tempo e é importante entender isto. Muitas outras famílias passam por problemas similares e assim os grupos de apoio podem ser uma boa fonte de ajuda. Já existem grupos de suporte em alguns estados brasileiros, como a AMANF em Minas Gerais. Eles são formados por pais ou portadores com o objetivo de oferecer apoio, conselhos e informações para enfrentar as neurofibromatoses.
No entanto, nestas associações de apoio, percebemos que as pessoas com NF1 e NF2 possuem problemas muito diferentes e por isso tenho sugerido que as reuniões sejam separadas para que as demandas de cada grupo sejam melhor discutidas.
As pessoas com NF2 precisam de exames médicos regulares para verificar o estado geral de saúde e acompanhar o crescimento dos tumores, a audição, o equilíbrio e avaliar se surgiram novos problemas. Quaisquer mudanças devem ser notificadas imediatamente ao médico, mesmo antes do prazo para o retorno anual.
Exames de ressonância magnética do cérebro devem ser pedidos por médicos experientes com a NF2 e podem ser necessários no acompanhamento.
A NF2 pode afetar sua audição nos dois lados, por isso você deve estar aberto para todos os meios de comunicação. A leitura dos lábios é uma alternativa interessante para as pessoas com NF2. A linguagem de sinais também abre muitas oportunidades para os deficientes auditivos. Estas condutas são mais úteis quando toda a família aprende os sinais.
As pessoas com NF2 podem precisar de cirurgias complicadas em mais de uma ocasião. Pelo fato de algumas cirurgias poderem levar a deficiências permanentes, como perda de audição, a programação de cirurgias deve ser considerada cuidadosamente. As cirurgias devem ser realizadas por profissionais com experiência em NF2, pois podem levar a complicações.
Em alguns casos, a cirurgia deve ser adiada, pois alguns tumores podem mostrar um crescimento muito pequeno através dos anos e podem ser observados cuidadosamente.
Terapeutas treinados, fonoaudiólogos e oftalmologistas são essenciais no processo de acompanhamento e reabilitação.

Finalmente, é preciso evitar qualquer tratamento não reconhecido pela medicina científica. 
Minha filha foi diagnosticada com pseudoartrose congênita da tíbia com 1 ano depois de uma fratura, e com dois anos o médico disse que ela tem a NF também. Ela tem 3 anos, mas o médico não deu nenhum prazo para cirurgia, isso é o que me deixa mais angustiada. Ela poderia começar algum tratamento? Tem alguma faixa etária para cirurgia? J de Canoas, RGS.

Cara J. Obrigado por tocar neste assunto, um dos problemas raros nas crianças com NF1, mas que trazem grandes preocupações para pais e profissionais da saúde: a pseudoartrose.

Cerca de 2% das crianças com NF1 nascem com um defeito de formação e crescimento de um ou mais ossos longos (geralmente uma das tíbias), chamado de displasia óssea, que torna mais frágil uma parte do osso.

Esta maior fragilidade do osso provoca fraturas espontâneas, ou seja, mesmo sem qualquer tipo de traumatismo: o simples ficar de pé pode ocasionar a primeira fratura.

Como a região da fratura apresenta a displasia, o osso não se consolida, permanecendo a fratura como se fosse uma outra articulação, daí o nome “pseudo” (falsa) “artrose” (articulação alterada).

Por enquanto, não existe um medicamento que cure definitivamente a pseudoartrose da NF1, mas dispomos de tratamentos para melhorar a qualidade de vida das crianças, que buscam torna-las capazes de realizar suas tarefas do dia a dia.

Por exemplo, se a displasia for identificada antes que ocorra a primeira fratura, pode-se tentar aparelhos ortopédicos que procuram proteger o osso frágil.

Depois, quando ocorrem a primeira ou a segunda fraturas espontâneas, podem ser realizadas cirurgias de reparação com enxertos ósseos para a formação de uma estrutura mais firme para o osso, assim como fixadores metálicos para que a fratura cicatrize.

Infelizmente, a maioria destas tentativas não resolve o problema. Assim, a recorrência das fraturas espontâneas acaba fazendo com que a criança seja submetida a internações repetidas, à colocação de aparelhos ortopédicos que causam dor e limitam suas atividades, ao afastamento das outras crianças e da escola, levando a grande sofrimento da criança e sua família.

Devido ao frequente insucesso destas cirurgias, muitos especialistas em neurofibromatoses recomendam a substituição daquela parte da perna por uma prótese mecânica, porque os resultados mostram que em pouco tempo a criança está adaptada e com mais liberdade e menos sofrimento para viver.

Sei que é tremendamente difícil para os pais aceitarem a amputação de parte da perna de sua criança querida, mas a qualidade de vida imediata e a longo prazo pode compensar os sofrimentos repetidos que a criança teria com múltiplas cirurgias ineficazes.

Novos tratamentos estão sendo estudados, como, por exemplo, o desenvolvimento de uma proteína que aumente a formação do osso, mas todos eles ainda precisam de comprovação de que funcionam de fato. 
Olá, apareceu neurofibroma dentro do osso do fêmur no meu filho (13anos). A lesão é bastante grande, o que devo fazer? G, de Fortaleza, CE.




Cara G. Obrigado pela sua pergunta. Para que eu possa responder com segurança, preciso examinar seu filho ou, pelo menos ter em mãos um relatório médico ou ver os exames de imagem (ressonância, radiografia).
De qualquer forma, antecipo que na neurofibromatose do tipo 1 podemos encontrar neurofibromas dentro dos ossos, embora isto não seja um achado muito comum. Eles são congênitos, ou seja, estão lá desde a vida intrauterina, e nesse caso são os chamados plexiformes, podendo crescer ou não durante a vida.
Infelizmente, devido ao desconhecimento dos profissionais da saúde sobre a história natural das neurofibromatoses por elas serem doenças raras, as pessoas com neurofibromas dentro dos ossos podem ser tratadas de forma agressiva e desnecessária, pelo medo de que o tumor possa ser algo maligno.
Vou contar o caso de uma pessoa atendida por nós no CRNF, que nasceu com um neurofibroma plexiforme dentro do seu fêmur esquerdo. Aos quarenta anos, ela se queixava de dor naquele joelho ao caminhar, a qual vinha se agravando nos últimos anos.  
Mesmo sabendo que ela estava aumentando seu peso corporal (cerca de 20 kg em 5 anos) por excesso de alimentação, – o que provavelmente era a principal causa de sua dor ao caminhar, – para afastar uma remota possibilidade de transformação maligna no plexiforme, nós realizamos o exame da tomografia computadorizada com emissão de pósitrons – PET CT, cujo resultado foi tranquilizador, compatível com um neurofibroma plexiforme benigno (ver detalhe do PET CT na imagem abaixo, com captação de glicose de 1,7 na região do plexiforme, ou seja, normal).

Assim, nossa recomendação foi que ela abolisse a ingestão de açúcar e realizasse uma dieta saudável para emagrecer, além de usar analgésicos regularmente.



No entanto, não conseguindo emagrecer, ela buscou outras opiniões médicas e, infelizmente, foi submetida à colocação de haste metálica em seu fêmur, o que não aliviou seu sofrimento, pelo contrário, pois a dor aumentou com o maior sedentarismo e mais ganho de peso depois da cirurgia.
A radiografia abaixo mostra a haste metálica e os parafusos de fixação colocados durante a cirurgia e que são as imagens mais claras na perna esquerda.
Cara G, aproveitei a sua dúvida para falar desta questão porque ela pode ser útil também a outras pessoas. 

É preciso lembrar também outra possibilidade no caso de seu filho, que são os cistos ósseos que podem ocorrer na NF1, ou seja, áreas de menor densidade óssea, geralmente benignas, mas que eventualmente aumentam o risco de fraturas dependendo da sua localização.

Mande-me mais informações sobre seu filho, de preferência um relatório médico sobre ele, ou marque uma consulta em nosso Centro de Referência para que eu possa melhorar minha opinião.
Continuandonossa compreensão da dor neuropática nas neurofibromatoses, retomo a partir do ponto 4, na figura acima.
O ponto 4 refere-se às conexões que existem na medula espinhal, entre os nervos que trazem o estímulo doloroso da periferia do corpo e os nervos que conduzem estes estímulos até os centros superiores no cérebro.
Na medula, pode ocorrer menor inibição da sensibilidade dolorosa, ou seja, o filtro realizado pelos neurônios na medula estariam menos ativos, permitindo a passagem da dor com mais facilidade para os centros superiores. Alguns analgésicos e a cortisona podem agir nestas conexões, reduzindo a dor, como, por exemplo, nos chamados bloqueios com cortisona injetada ao redor da medula.
No ponto 5, novos filtros (modulações) dos estímulos podem ocorrer, aumentando ou diminuindo a sensibilidade dolorosa. Neste ponto, algumas drogas chamadas neurolépticas e os anticonvulsivantes podem ajudar a reduzir a passagem dos estímulos dolorosos.
No ponto 6, sabemos que a dor é modulada, ou seja, aumentada ou diminuída por fatores emocionais e pelo estado de humor. Assim, a mesma lesão física pode parecer muito mais dolorosa à noite, quando nosso humor aumenta as percepções da fadiga, do cansaço e dos perigos, porque somos seres diurnos, selecionados para vivermos durante o dia e repousarmos à noite.
Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor nas neurofibromatoses.
O ponto 7 corresponde às diversas regiões do cérebro onde armazenamos nossas informações sobre aquilo que acontece conosco. Assim, a memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa. Por isso, a psicoterapia, o acompanhamento psicológico e o controle cognitivo podem auxiliar o controle da dor neuropática nas neurofibromatoses.
O ponto 8 corresponde à expressão genética de uma herança com maior ou menor sensibilidade para a dor. Neste sentido, parece que a ausência da neurofibromina na NF1, pelo menos em camundongos de laboratório, aumenta a sensibilidade dolorosa de um modo geral.
É preciso lembrar que deve haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos ainda. Por exemplo, não sabemos exatamente porque os neurofibromas cutâneos (na NF1) raramente são dolorosos e os schwannomas podem ser dolorosos na NF2 e são muito dolorosos na schwannomatose.
Finalmente, também é preciso reconhecer que vários dos mecanismos do ponto 1 ao ponto 8 podem estar atuando ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

Continuando a resposta de ontem, para o tratamento da dor neuropática nas neurofibromatoses, precisamos compreender um pouco mais como agem os medicamentos e cirurgias usados.
A figura acima pode ser útil para compreendermos como surge a dor neuropática nas neurofibromatoses.
Começando de baixo para cima, no ponto 1 temos a terminação do nervo que leva a sensibilidade dolorosa dos tecidos (na pele, por exemplo) até o cérebro. 

Uma lesão no ponto 1, um corte, por exemplo, libera substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas. Assim, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.
No ponto 2, uma compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo contra o osso, causa irritação ou destrói o nervo, o que é percebido como dor. Por isso, a remoção cirúrgica das compressões pode aliviar determinadas formas de dor neuropática.

Por outro lado, a destruição do nervo pode causar a chamada dor fantasma, como nas amputações. Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez.
No ponto 3, a persistência da dor não tratada pode alterar a expressão genética de proteínas que controla a dor, a neurofibromina, inclusive, aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa. 

Ou seja, um pequeno estímulo que não causaria dor, pode se transformar em dor forte por causa deste aumento da sensibilidade. Por isso, não devemos deixar uma pessoa com dor, sem tratamento. Uma dor não tratada hoje é uma dor duplicada amanhã.

Amanhã continuo dos pontos 4 em diante, para não dar dor de cabeça nos leitores.
Minha dúvida é: não se sabe mesmo exatamente como a NF evolui em cada pessoa? Porque eu só tenho as manchas e 4 nódulos internos. Já retirei um e pretendo tirar mais outro, mas nenhum deles me causa dor. 



E sobre medicamentos em testes? Existe um tempo certo para saber se serão a solução do tratamento para inibir os neurofibromas? 

Ouvi falar também de tratamento com própolis de uma abelha, não lembro onde, que ajudava a inibir o crescimento e a volta dos neurofibromas. Você sabe de algo sobre isso? KP de São Luís, Maranhão.
Prezada KP. Obrigado pelas suas perguntas interessantes. Vou responder brevemente a algumas, sobre as quais já falei neste blog, e depois me deter na questão da própolis, que ainda não mencionei.
Sim, a neurofibromatose se manifesta de forma diferente em cada pessoa, com diferentes momentos de crescimento dos neurofibromas e eles não costumam causar dor.
Não existe um prazo definido para saber se os medicamentos em teste serão efetivos ou não para o tratamento das neurofibromatoses. Até porque os problemas estudados nestes testes são variados: como reduzir os neurofibromas plexiformes, como melhorar as dificuldades cognitivas, como tratar os gliomas ópticos, etc., e cada um deles tem um curso diferente em momentos distintos das vidas das pessoas.
Própolis
Os produtos das abelhas têm sido usados há séculos em todo o mundo como parte da medicina popular, por causa de possíveis efeitos biológicos, especialmente contra a dor, algumas infecções e inflamações.
Sabemos que na NF1 os neurofibromas não são infecções e não são formados por inflamações, mas sim pelo defeito num gene (localizado no cromossomo 17) que provoca a falta de uma proteína chamada neurofibromina. Esta proteína controla o desenvolvimento normal das células do nosso corpo e quando ela falta as células crescem a mais do que deveriam, formando grupos de células (tumores), chamados neurofibromas.
Também sabemos que na NF2 os tumores chamados schwannomas não são infecções nem são formados por inflamações, mas sim por outro defeito genético (localizado no cromossomo 22) que provoca a falta de outra proteína chamada merlina. Esta proteína controla o desenvolvimento das células de formas diferentes de como age a neurofibromina. Na falta da merlina, são formados os tumores chamados schwannomas.
É muito importante saber que as duas proteínas, neurofibromina e merlina, agem por caminhos diferentes, tanto é assim que as pessoas com NF1 raramente apresentam schwannomas (se é que apresentam) e as pessoas com NF2 raramente apresentam neurofibromas. Portanto, os possíveis e futuros tratamentos que tanto esperamos para estas duas doenças, NF1 e NF2, serão provavelmente diferentes, porque os problemas biológicos que as produzem SÃO DIFERENTES.
Outra informação importante, antes de falar diretamente sobre os produtos das abelhas. Uma das maiores dificuldades no estudo científico dos neurofibromas e dos schwannomas é medir o seu crescimento, porque NUNCA sabemos se eles estão se vão continuar crescendo ou se estão estacionados em seu tamanho. Assim, ao contrário de outros tumores em outras doenças, nas quais SABEMOS que eles vão crescer, na NF1 e na NF2 não podemos dizer com certeza que foi um determinado medicamento parou o crescimento de um neurofibroma ou de um schwannomas.
Bem, tenho procurado em todas as revistas científicas do mundo, acessíveis a mim em português, espanhol e inglês pela internet, qualquer estudo que tenha sido feito com produtos de abelhas em pessoas com neurofibromatoses e até hoje somente encontrei três publicações sobre este assunto.
A primeira delas, de 2009, é assinada por um grupo de pessoas llideradas pelo Dr. Hiroshi Maruta, da Austrália (clique aqui para ver o artigo completo). Neste artigo eles descrevem um estudo sobre os efeitos de uma substância que existiria na própolis (ivermectina) que seria capaz de reduzir o crescimento de células de tumores que foram mantidas em cultura no laboratório. No final do artigo eles fazem propaganda comercial (dão até o preço) do produto Bio 30 (fabricado pela empresa NF Cure, na qual o Dr. Maruta trabalha, ver o endereço para correspondência no próprio artigo). Segundo eles, o Bio 30 poderia reduzir os tumores nas pessoas com NF2, mas não apresentam qualquer prova científica sobre isto.
O segundo artigo é de 2011, do mesmo Dr. Maruta, desta vez escrevendo sozinho (clique aqui para ver o artigo completo). É uma opinião pessoal do Dr. Maruta sobre um suposto mecanismo de ação dos produtos das abelhas em diversos tipos de câncer, entre os quais ele inclui as neurofibromatoses (NF1 e NF2). O Dr. Maruta supõe erroneamente que o mecanismo das duas doenças seria o mesmo: a ativação de uma enzima PAK1 e que ele teria realizado experiências em camundongos e em seres humanos com extratos de própolis, vendidos naquele produto chamado “Bio 30” da empresa NF Cure, que vende também produtos para aumentar o desempenho sexual e outras coisas.
Afirma o Dr. Maruta que o medicamento Bio 30 conteria uma substância que bloquearia a atividade da tal enzima PAK1 e, segundo ele, o resultado teria sido a paralisação do crescimento e até mesmo a diminuição dos tumores nas pessoas com NF1 e NF2, além da redução de gliomas ópticos e de cura num caso de câncer do pâncreas terminal. Mais uma vez, na minha opinião, o Dr. Maruta e seus colaboradores não apresentaram argumentos corretos sobre a causa dos tumores na NF1 e NF2 e não demonstraram de forma científica os experimentos que fizeram com camundongos e seres humanos. Portanto, infelizmente, eu não sinto confiança no que eles dizem.

O terceiro e último artigo, (clique aqui para ver o artigo completo) é de um grupo que pratica a chamada “medicina natural” na Coreia do Sul. Duas vezes por mês, durante cerca de um ano os médicos injetaram veneno de abelha nas bordas de um neurofibroma plexiforme de uma pessoa com NF1, junto com a injeção venosa de uma solução contendo gin-seng da montanha. Eles mostram duas fotos de antes e depois do tratamento (ver imagens no artigo) e concluem que o tratamento “parou” o crescimento do tumor.

Bem, como comentei acima, é muito difícil sabermos se um neurofibroma vai continuar crescendo ou não. Além disso, observando as duas fotos apresentadas por eles, não posso afirmar que o tumor está menor na segunda foto. Finalmente, se, de fato, o crescimento do plexiforme foi interrompido, teria sido o veneno de abelha ou o extrato de gin-seng da montanha?
Em conclusão, infelizmente, me parece que por enquanto, o tratamento seguro e efetivo para os neurofibromas é a cirurgia, quando necessária e possível.
E vamos torcer para que o futuro nos traga resultados confiáveis.

O nosso colega Dr Nikolas Mata-Machado, numa entrevista para um sistema de informação científica da Universidade Loyola em Chicago, falou sobre o manual de diagnóstico e tratamento das neurofibromatoses, que publicamos recentemente (Clique aqui para ver o artigo original) e eu traduzi a reportagem abaixo.

Melhor manejo clínico melhora a qualidade de vida para pacientes com neurofibromatose

Desordem genética causa tumores que crescem no cérebro, medula espinhal e outras partes do sistema nervoso

Uma desordem genética chamada neurofibromatose (NF) causa tumores benignos que crescem no cérebro, medula espinhal e outras partes do sistema nervoso.
Não existem medicamentos eficazes para prevenir ou reverter a NF, mas aumentar o conhecimento científico tem permitido melhor manejo clínico e menos complicações, resultando em uma maior qualidade de vida para pacientes com neurofibromatose, segundo o relatório de especialistas em NF numa das melhores revistas científicas brasileiras, a Arquivos de Neuro-Psiquiatria.
Neurologista pediátrico e especialista em NF, Nikolas Mata-Machado, MD, da Loyola University Medical Center, é co-autor do manual, que propõe diretrizes para o manejo clínico das NF. Escrever as diretrizes foi uma colaboração entre os principais grupos que estudam as neurofibromatose no Brasil, onde o Dr. Mata-Machado cresceu e estudou medicina.
Pelo menos 100.000 pessoas nos Estados Unidos têm NF, tornando-se uma das doenças genéticas mais comuns. A NF1, por exemplo, afeta aproximadamente 1 em cada 3.000 crianças que nascem nos EUA. Entre as NF, existem dois tipos de neurofibromatose (NF1 e NF2) e uma condição relacionada chamada schwannomatose.
Pessoas com NF1 geralmente têm manchas café-com-leite, nódulos sobre ou sob a pele chamado neurofibromas; e pequenos nódulos na íris chamados nódulos de Lisch. A NF1 pode causar diversos problemas, incluindo deficiência de aprendizagem; hiperatividade; dores de cabeça; problemas de audição; baixa estatura; deformidade facial; problemas cardíacos; dormência e fraqueza nos braços ou pernas; problemas de equilíbrio; e deformidades ósseas como a curvatura da coluna vertebral.
“A maioria dos médicos é capaz de realizar o diagnóstico da NF1, mas a ampla gama de manifestações clínicas e a incapacidade de prever o início ou gravidade dos novos recursos, conseqüências ou complicações, fazem o tratamento das NF um verdadeiro desafio clínico”, dizem as diretrizes.
Assim, o tratamento das neurofibromatoses frequentemente requer especialistas de várias disciplinas, especialmente para pacientes com NF2 e schwannomatose.
Cada pessoa com NF é única, e não há nenhuma abordagem clínico padrão que se aplique a todos os pacientes: “Considerando a história natural da NF como individualizada, distintiva e imprevisível, o principal procedimento clínico para todas as formas de NF é o exame médico periódico ao longo da vida, visando a detecção precoce e tratamento de complicações possíveis.”
As diretrizes recomendam que os pacientes compareçam a visitas médicas anuais, a menos que novos sinais ou sintomas acelerem o cronograma. Todos os pacientes de NF devem ter seus históricos médicos, familiares e de desenvolvimento revistos periodicamente e receberem o aconselhamento genético apropriado. Eles também devem ter um exame físico completo, com ênfase nos sistemas cardiovasculares e nervosos.
As diretrizes concluem que as neurofibromatoses se incluem entre os milhares de doenças raras que “progressivamente exigem centros de referência bem-conectados para informação, tratamento, aconselhamento genético e melhoria da qualidade de vida dos indivíduos afetados”.
Arquivos de Neuro-Psiquiatria


Acaba de ser publicado um novo artigo científico sobre o tratamento das neurofibromatoses na revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria, uma das melhores do Brasil. 

O artigo foi escrito de forma coletiva por diversos profissionais da área da saúde e traz orientações sobre como realizar o acompanhamento das neurofibromatoses.

Este artigo vem completar o primeiro publicado pelo mesmo grupo de profissionais em 2014, o qual orienta sobre como realizar o diagnóstico das neurofibromatoses.

Infelizmente, os artigos estão escritos em inglês, mas prometo realizar em breve uma tradução e adaptação para o português, que seja bastante compreensível para a maioria dos leitores.
Tenho recebido perguntas de alguns pais de crianças com NF1 e problemas de comportamento, para as quais foram receitados medicamentos psiquiátricos, como ansiolíticos, antidepressivos e medicamentos para transtorno bipolar. Os pais desejam saber se estes medicamentos são úteis para as pessoas com NF1.



Inicialmente, é preciso ficar claro que as pessoas com NF1 também estão sujeitas a problemas psiquiátricos e neurológicos independentes da NF1 e que elas podem necessitar de tratamento específico para estas outras doenças.
Devo lembrar também que não existem ainda quaisquer medicamentos comprovados que sejam específicos para os problemas da NF1, sejam os neurofibromas, os gliomas, os plexiformes, as displasias, as dificuldades de aprendizado e os problemas de comportamento. Dois medicamentos utilizados para outras finalidades, Lovastatina e Cetotifeno, têm sido submetidos a estudos para sabermos se eles têm ou não efeitos específicos na NF1, mas ainda não existe um consenso sobre isto.
No entanto, algumas cautelas podem ser recomendadas aos profissionais da saúde no diagnóstico dos problemas de comportamento das crianças com NF1. Sabemos que algumas características de comportamento, como retraimento social, agressividade, falta de flexibilidade nas condutas, timidez e outras, são comuns entre as crianças com NF1 e estes comportamentos podem confundir o diagnóstico com outras doenças psiquiátricas.
Por exemplo, entre as crianças com NF1, cerca de 30% delas apresentam sinais e sintomas compatíveis com o diagnóstico de autismo e outras 30% apresentam quadros próximos ao autismo, segundo o grupo da Dra. Susan Huson (Ver artigo aqui), que torna mais difícil o diagnóstico diferencial entre a NF1 e as doenças psiquiátricas.
Também do ponto de vista neurológico, entre as pessoas com NF1, há maior incidência de distúrbios do sono, dor de cabeça crônica, epilepsia, Doença de Parkinson e Esclerose Múltipla (Ver artigo aqui). Estes problemas neurológicos podem necessitar de medicação específica e serem confundidos com sintomas da própria NF1 ou com doenças psiquiátricas.

Em conclusão, é possível que medicamentos usados para outras doenças (neurológicas e psiquiátricas) sejam necessários para pessoas com NF1. No entanto, um cuidado maior deve ser tomado pelos profissionais da saúde na hora do diagnóstico: é preciso distinguir sinais e sintomas próprios da NF1 (e para os quais ainda não temos medicamentos) de outros problemas de saúde para os quais há medicamentos disponíveis. 
Continuando minha resposta para a mãe GC, de Fortaleza, que tem um filho com NF1 e problemas de comportamento e aprendizado. Lembro que entre os problemas cognitivos, as dificuldades de comunicação são comuns nas pessoas com NF1. 
 
 
Por causa da dificuldade de coordenação motora, as pessoas com NF1 podem apresentar um ou mais dos seguintes problemas fonoaudiológico:
 
1)     Desordem do processamento auditivo (ouvem bem, mas entendem mal)
Clique aqui para ver a descrição do problema

2)     Dificuldade na produção de alguns sons
3)     Gagueira
4)     Fala acelerada
5)     Redução da qualidade da voz (voz anasalada, rouquidão, aspereza, volume alterado, rangidos, fraqueza)

6)     Dificuldade de respiração durante a fala.

Um estudo sobre problemas fonoaudiológicos na NF1 foi realizado no CRNF pela fonoaudióloga Carla Menezes da Silva, orientada pelo professor Nilton Alves de Rezende, e acabou de ser publicado. Ela descobriu que muitas pessoas com NF1 apresentam dificuldades de articulação dos músculos da boca e da face, que prejudicam sua capacidade de respirar, mastigar, engolir e falar. Esta redução da força muscular na face mostrou-se relacionada com a redução de força muscular geral que nós temos observado em pessoas com NF1. 
 

Até agora, não temos ainda evidências seguras de que estes problemas possam ser diminuídos com quaisquer tratamentos, sejam eles tratamentos fonoaudiológicos ou medicamentosos.

 
No entanto, recentemente, no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses, a fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista comparou o efeito de 8 semanas de treinamento auditivo em crianças com NF1 e desordem do processamento auditivo. O treinamento consistiu em simular (durante uma hora 3 vezes por semana) o ambiente sonoro das aulas, com ruídos e falas dos colegas, com mudanças na direção do som e das palavras que deveriam ser compreendidas, além do uso de música e outros recursos. O objetivo era treinar as crianças a compreenderem melhor o que ouviam, apesar de ruídos no ambiente.
 
A Pollyanna comparou 21 crianças com NF1 que receberam o treinamento com outras 9 que não receberam o treinamento. Para comparar com pessoas sem NF1, a fonoaudióloga aplicou o mesmo treinamento auditivo em outro grupo de 10 crianças sadias da mesma idade e sexo. A nossa conclusão está sendo apresentada num congresso sobre NF, em Monterrey nos Estados Unidos, agora em junho de 2015.
 
Podemos dizer que o treinamento auditivo melhorou alguns dos testes realizados nas crianças, mesmo depois de 4 semanas de interrompido o treinamento. Este deve ser um dos primeiros estudos no mundo a demonstrar que o treinamento auditivo pode melhorar a desordem do processamento especificamente em crianças com NF1. Esperamos que este estudo pioneiro seja ampliado e confirmado por outros pesquisadores e que tratamentos auditivos mais prolongados possam trazer mais benefícios. Nossa esperança é que a melhora no processamento auditivo traga melhoras na linguagem das crianças com NF1 e no seu aprendizado em geral.
 
Veja algumas informações muito importantes sobre desordem do processamento auditivo no BLOG da fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista CLIQUE AQUI
Amanhã, retomo outras possibilidades de tratamento das dificuldades de comportamento e aprendizado nas crianças com NF1.