Na última reunião da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses, uma das pessoas associadas declarou que sua dor de cabeça havia melhorado depois que ela começara a usar um equipamento elétrico chamado CEFALY (figura ao lado fornecida no artigo abaixo), o que a deixava muito feliz agora porque sua dor parecia intratável com diversos medicamentos ao longo de muitos anos.

Naturalmente, muitas pessoas naquela reunião perguntaram se este equipamento realmente funciona para melhorar a dor de cabeça que atinge mais da metade das centenas de pessoas com NF1 atendidas em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Prometi estudar a questão e apresento a seguir o que encontrei.

Começo dizendo que não encontrei nenhum estudo científico que tenha verificado o efeito do CEFALY no tratamento da dor de cabeça em pessoas com NF1. Portanto, não podemos afirmar com certeza que o CEFALY funciona na NF1 porque a doer de cabeça na NF1 pode ter causas diferentes da dor de cabeça em pessoas sem NF1. Até o momento, não sabemos a causa exata da dor de cabeça crônica nas pessoas com NF1.

Assim, comentarei abaixo o melhor estudo que encontrei, ou seja, a revisão mais recente numa revista científica sobre o efeito do CEFALY (em pessoas sem NF1) que encontrei, que foi o artigo de abril de 2016 na Practical Neurology, uma publicação do grupo da British Medical Journal da Inglaterra (quem desejar ver o artigo em inglês CLIQUE AQUI ).

A médica Sarah Miller e seus colaboradores mostraram que não há provas científicas de que a estimulação elétrica dos ramos supraorbitais do nervo trigêmeo pelo equipamento CEFALY funcione melhor do que os medicamentos ou o efeito placebo nas crises agudas de dor de cabeça. Também informaram que o único estudo favorável ao uso do CEFALY como preventivo da dor de cabeça foi uma pesquisa patrocinada pelos fabricantes do equipamento e, mesmo assim, os resultados encontrados foram piores quando comparados ao uso do medicamento chamado topiramato.

De qualquer forma, considerando aqueles casos em que não há outra opção depois de todas as tentativas com medicamentos, a equipe médica inglesa sugere que o CEFALY deve ser testado em novos estudos científicos com populações maiores e com métodos mais rigorosos. Enquanto isso, os clínicos podem considerar a possibilidade de experimentar o CEFALY em alguns casos selecionados, como quando a pessoa apresenta tolerância ou efeitos colaterais com os medicamentos geralmente usados, como analgésicos, combinações de analgésicos e cafeína, topiramato, antidepressivos, anticonvulsivantes, e betabloqueadores, entre outros.

Portanto, na NF1, continuamos, por enquanto sem saber se o CEFALY realmente funcionou para a diminuição da dor de cabeça da nossa associada ou se outros fatores contribuíram para a melhora quando ela passou a usar o aparelho. E torcemos para que os novos estudos científicos incluam pessoas com NF1 em sua pesquisa.

“Quando se pode evitar procedimentos médicos? Em quais casos é melhor aguardar do que optar por alguma intervenção cirúrgica de imediato? ” RLB, de Coimbra.

Caro R, obrigado por levantar esta questão fundamental.

Pensando nas neurofibromatoses de um modo geral, creio que, atualmente, o papel dos especialistas é muito mais evitar que procedimentos médicos desnecessários sejam realizados do que propor tratamentos.

Temos orientado nossa conduta no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais de acordo com alguns princípios:

1) Somente solicitamos exames complementares (de imagem ou laboratoriais) se os resultados esperados puderem mudar nossa conduta clínica. Por exemplo, numa criança até os dez anos de idade podemos pedir um exame oftalmológico mesmo sem sintomas porque é uma fase de maior possibilidade de aparecimento dos gliomas ópticos e, dependendo do resultado visual, podemos pedir uma ressonância magnética do encéfalo para afastar ou confirmar o glioma. Caso a ressonância confirme o glioma, podemos reavaliar a criança em seis meses ao invés de um ano. E assim por diante.

2) Diante de uma possibilidade de intervenção cirúrgica, sempre levamos em conta os possíveis riscos e os possíveis benefícios. Os benefícios têm que superar os riscos do ponto de vista da pessoa com NF.

3) E, finalmente, uma das recomendações mais importantes: “Não se mexe num tumor apenas porque ele está lá”, como sempre nos adverte o grande especialista inglês em NF, o Dr. Gareth Evans.

4) Somente indicamos tratamentos físicos, medicamentosos ou cirúrgicos que tenham sido cientificamente comprovados para as complicações das neurofibromatoses.

a. Por exemplo, cirurgias para neurofibromas plexiformes com sintomas de dor ou crescimento acelerado.

b. Outro exemplo, neste momento ainda não há qualquer medicamento comprovadamente eficaz para evitar o crescimento ou diminuir os neurofibromas.

c. Mais um exemplo, o medicamento Lovastatina tem sido estudado em outros centros como possível tratamento para as dificuldades de aprendizado, mas ainda não foi aprovado cientificamente para ser usado em todas as crianças.

d. Um último exemplo, o tratamento fonoaudiológico parece melhorar a desordem do processamento auditivo nas pessoas com NF1, mas ainda é uma esperança que precisa de comprovação em mais estudos.

Considerando que nos faltam evidências científicas, não recomendamos quaisquer tratamentos considerados como “medicina alternativa”: homeopáticos, fitoterápicos, quiropráticos, acupuntura, cristaloterapia, aromaterapia, yoga, “medicina molecular” e muitos outros.

Como diz o comediante australiano Tim Minchin, “a medicina alternativa que funciona chama-se medicina”.

Até a próxima semana.


“Tenho uma irmã com NF1, presença de muitos neurofibromas e dificuldade na aprendizagem. Nossos pais não apresentam nenhuma característica da NF. Nossa mãe relatou ter um primo que disse ter nódulos subcutâneos. Tenho 34 anos e gostaria de saber se é possível avaliar a probabilidade de eu ter filhos com NF. Tenho adiado ser mãe por medo da NF”. TP, de local não informado.

Cara T, obrigado pela pergunta que, provavelmente, interessa a muitas famílias.

Primeiro, devo lembrar que seria necessário um exame médico com uma pessoa experiente em neurofibromatoses para afastar quaisquer sinais discretos de NF1 em você. Bastaria ter apenas mais um dos critérios diagnósticos (ver abaixo), além de um parente de primeiro grau (sua irmã) para você completar seu próprio diagnóstico de NF1.

No entanto, se você não tem manchas café com leite, nem neurofibromas, nem efélides, nem Nódulos de Lisch, nem glioma óptico, nem displasia ósseas (aquelas típicas da tíbia e da asa menor do esfenoide), então você corre o mesmo risco de ter uma criança com NF1 do que qualquer pessoa que não tenha uma irmã com NF1, ou seja, sua chance é de uma em 3000.

Quanto à sua irmã, estamos à disposição pelo SUS em nosso ambulatório no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Basta ligar para 31 3409 9560 (de terça à sexta, de 7 às 10 horas).

Quanto ao seu primo, também precisaria ser examinado clinicamente para esclarecer a origem dos nódulos subcutâneos, se são neurofibromas ou não.

Sobre sua dúvida se deve fazer exames para avaliar a probabilidade de ter filhos com NF1, geralmente o exame clínico com alguém experiente em NF é suficiente. Eventualmente, depois desse exame clínico pode ser necessária a análise do seu DNA, mas esta é uma situação muito rara.

Esta análise que fiz acima não depende do sexo dos parentes, pois as neurofibromatoses são doenças genéticas não relacionadas ao sexo das pessoas. Ou seja, se você não tem NF, mesmo que seu parente de primeiro grau fosse um irmão, ou ao contrário, você fosse um homem e a pessoa com NF1 fosse sua irmã, a probabilidade de seu filho (ou filha) nascer com NF seria a mesma do restante da população: uma em três mil.

“Gostaria de saber se o uso contínuo durante muitos anos do cetotifeno pode causar reações adversas significativas em pacientes com neurofibromatose. ” EP, de local não identificado.
Cara E., obrigado pela sua pergunta.

Considerando que temos indicado o cetotifeno para uso prolongado para pessoas com NF1 e com coceiras, é importante esclarecermos os possíveis efeitos colaterais do cetotifeno.

Como você sabe, no Brasil o cetotifeno é uma substância antialérgica potente porque possui propriedades bloqueadoras da histamina e é indicado na prevenção de asma brônquica, quando associada com sintomas alérgicos, para a redução da frequência e da severidade de ataques, embora não seja capaz de interromper uma crise instalada.

O cetotifeno possui poucas contraindicações, como a alergia ao próprio cetotifeno e história de convulsões (que atingem cerca de 10% das pessoas com NF1) e presença de diabetes (o que é muito raro em pessoas com NF1).

Não há contraindicação relativa a faixas etárias, mas, por outro lado há pouca experiência com o uso de cetotifeno em mulheres grávidas ou durante a lactação, o que não recomenda o seu uso nestas condições. Pode ocorrer sonolência, por isso não se recomenda dirigir veículos ou máquinas pesadas nas primeiras semanas de uso do cetotifeno. Ele também potencializa o efeito do álcool e de outros anti-histamínicos.

No entanto, o cetotifeno pode causar reações adversas em algumas pessoas, que são classificadas de acordo com a frequência de acontecimentos:

1) Muito raras, graves e que requerem atenção médica imediata (menos de 1 em cada 100 pessoas):

a. Vermelhidão da pele, bolhas nos lábios, olhos e boca acompanhando febre, calafrios, dor de cabeça, tosse e dores no corpo.

b. Pele e os olhos amarelados, fezes com coloração alterada, urina com coloração escura (sinais de icterícia, de desordens do fígado, hepatite).

2) Incomuns (ocorrem em até 1 em cada 100 pessoas):

a. Tonturas

b. Ardência ao urinar, necessidade de urinar frequentemente

c. Boca seca.

d. Sonolência

e. Peso aumentado

3) Comuns (ocorrem em até 10 em cada 100 pessoas): excitação, irritabilidade, insônia ou nervosismo.

4) Outras reações adversas podem ocorrer, mas o número de pessoas atingidas ainda não sabemos exatamente com os dados disponíveis: convulsão, dor de cabeça, sonolência, vômito, náusea, coceira na pele com vermelhidão ou diarreia.

Em caso de ingestão acidental de uma quantidade maior de cetotifeno, procure um serviço médico imediatamente. Os sintomas principais da superdose aguda incluem desde sonolência até sedação grave, confusão e desorientação, taquicardia e hipotensão (especialmente em crianças), estado de excitação mental, convulsões e coma reversível. Quando necessário procure orientação médica ou o hospital mais próximo.

Se o medicamento houver sido administrado recentemente, a equipe médica deve considerar o esvaziamento do estômago e a administração de carvão ativado. Quando necessário, recomenda-se tratamento sintomático e monitorização do sistema cardiovascular. Se ocorrerem convulsões, podem ser administrados barbitúricos de curta ação ou benzodiazepínicos.

Em caso de uso de grande quantidade deste medicamento, procure rapidamente socorro médico e leve a embalagem ou bula do medicamento, se possível. Um telefone disponível para informações sobre o cetotifeno é 0800 722 6001, se você precisar de mais orientações.

Neste último sábado de agosto, durante o Curso de Capacitação em Neurofibromatoses, o Dr. Bruno Cézar Lage Cota nos apresentou de forma envolvente a questão do aconselhamento genético nas neurofibromatoses, ou seja, como devemos usar as informações científicas que dispomos atualmente para tornar as pessoas acometidas mais felizes e integradas socialmente.

Dr. Bruno começou lembrando os diversos sentimentos que podem atingir as famílias quando o diagnóstico de neurofibromatose é feito: medo, insegurança, culpa, raiva, negação e muitos outros. As pessoas presentes conversaram sobre seus próprios sentimentos quando receberam seus diagnósticos e verificamos que a falta de informações adequadas e principalmente a forma como as informações são repassadas às famílias são os dois fatores fundamentais na compreensão do problema.

Além disso, percebemos que pode haver uma grande distância entre os sentimentos da pessoa com NF e sua própria família, por exemplo, a criança pode estar feliz e despreocupada vivendo o presente, enquanto seus pais estão sofrendo antecipadamente pelo futuro sombrio que imaginam.

Diante da importância dos primeiros momentos de contato com a doença, concluímos que são necessários profissionais capacitados para orientarem as famílias, o que já se constitui numa atividade médica bem estruturada em alguns países, recebendo cerca de 3 anos de formação especializada.

O Dr. Bruno mostrou que o aconselhamento genético deve ser o processo pelo qual os pacientes e/ou suas famílias com uma doença hereditária são informados sobre as possibilidades de passar a doença adiante, as consequências de sua evolução e o que pode ser feito para melhorar a vida das pessoas acometidas.

Para isso, os profissionais de saúde especializados em aconselhamento genético devem estar bem informados sobre:

1) Como se faz o diagnóstico e como evolui a doença, assunto que muitas vezes envolve especialistas diferentes e até mesmo diversas profissões.

2) Quais as medidas preventivas, quais as complicações possíveis e quais os tratamentos disponíveis.

3) Qual é o padrão de herança, ou seja, qual a chance daquela doença ser transmitida em cada geração.

4) Quais os aspectos sociais e psicológicos envolvidos naquela doença.

5) Quais as escolhas possíveis diante de uma gravidez presente ou futura.

6) O que é o diagnóstico pré-implantacional e como se processa a seleção de embriões, qual o seu custo financeiro e sua disponibilidade nos órgãos públicos de saúde.

Dr. Bruno apresentou-nos diversas questões que motivaram excelentes discussões sobre as repercussões das NF e foram profundamente debatidas. Por exemplo, o que é um filho “normal”? Qual o ideal de perfeição que a sociedade exige de nós? Existem decisões certas e erradas quanto a arriscar ou não ter um filho com a mesma doença de um dos pais?

Outro aspecto interessante que comentamos foi a grande carga emocional que se constitui para a família para garantir o desenvolvimento pleno de uma criança com alguma doença, a qual limita de alguma forma as suas potencialidades, numa sociedade competitiva e individualista como esta em que vivemos.

Lembramos, como alternativa a ser construída, uma sociedade baseada no pensamento indígena de que para criar uma criança é preciso uma tribo inteira. Ou seja, somos seres sociais e não existimos em plenitude sem o grupo social ao qual devemos pertencer. Por isso, conhecer o impacto social das neurofibromatoses talvez seja o aspecto mais importante do aconselhamento genético.

Em outras palavras, como integrar socialmente uma pessoa e sua família com neurofibromatose?

Ao final, o Dr. Bruno sugeriu a leitura de um comentário que postei neste blog (CLIQUE AQUI ) sobre se mães com NF devem ou não ter filhos, e a leitura do livro “Longe da árvore”, de Andrew Solomon, que também já foi comentado indicado (CLIQUE AQUI ).

Obrigado Dr. Bruno pela sua colaboração delicada e acolhedora.

Neste último sábado aconteceu em Belo Horizonte mais uma edição do Congresso Brasileiro de Neurologia, com a participação de centenas de profissionais de todo o país.

O Dr. Nilton Alves de Rezende, nosso diretor no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais foi convidado para realizar uma palestra de atualização em neurofibromatoses.

Dr. Nilton relatou que cerca de cem pessoas compareceram à sua apresentação, a qual motivou tantas perguntas que muitas delas ficaram para serem respondidas posteriormente.

O encontro também aumentou nossa proximidade com a revista científica Arquivos de Neuro Psiquiatria, na qual temos publicado alguns dos conhecimentos adquiridos em nossas pesquisas clínicas.

O Dr. Nilton também relatou que dois temas despertaram muita atenção entre os neurologistas: a possibilidade do chamado “sinal do segundo dedos dos pés” estar relacionado com a deleção do gene na NF1 e os resultados da pesquisa do Dr. Bruno Cota sobre as dificuldades musicais das pessoas com NF1.

Em virtude das imagens que foram necessariamente utilizadas, os profissionais da saúde que desejarem conhecer a palestra na íntegra pode nos enviar um e-mail que remeteremos eletronicamente.

Ontem atendemos [1] uma pessoa, que vou chamar de D e que nos causou grande impressão.

D vivia na zona rural no interior de Minas Gerais com seus outros 8 irmãos e duas irmãs. Em torno dos 7 anos de idade, sofreu uma queda de um cavalo e desde aquela época surgiu um problema em sua coluna, o qual foi se agravando, deixando-o cada vez mais encurvado, até que os médicos concluíram que não havia recursos médicos na sua região para o tratamento adequado do problema. [2 – ver esclarecimento abaixo sobre a queda e o problema da coluna]

Diante disso, os pais de D venderam a pequena propriedade e vieram com todos os filhos para Belo Horizonte, onde passaram a viver, procurando ajudar o irmão com o problema na coluna. Apesar dos esforços, D continuou com a coluna torta, o que provocava discriminação por parte dos colegas de escola, à qual ele reagia com brigas frequentes. Sem contar com apoio por parte dos professores, ele acabou por sair da escola e não aprendeu a ler nem escrever, embora tenha adquirido habilidades em matemática.

Chegando à vida adulta, D trabalhou por vários anos como trocador de ônibus e desenvolveu grande conhecimento da cidade, o que o transformou numa espécie de guia urbano para sua grande família, que, a esta altura, já havia crescido muito à medida que os irmãos e irmãs foram se casando e os sobrinhos se transformaram num grande grupo formado por 13 meninas e 15 meninos, incluindo duas crianças adotadas. Hoje, a maioria destes sobrinhos já são pais e mães.

Enquanto isso, D permanecera solteiro, depois de se relacionar apenas com uma namorada, e continuaria vivendo com seus pais, até que o pai e em seguida a mãe faleceram com mais de setenta anos. Desde então, D se sustenta de sua aposentadoria de um salário mínimo e mora uns tempos com uma das irmãs, depois com um dos irmãos e assim vai alternando sua residência entre os membros da família. Uma de suas irmãs, que o acompanhava à consulta conosco, disse que ele é extremamente querido por todos e estão preparando uma grande festa para comemorar o aniversário de sessenta anos de D nas próximas semanas.

D foi encaminhado ao nosso ambulatório pela Dra. Mônica Ramos e nos apresentou um relatório médico detalhado e muito bem feito pelo Dr. Antônio Pedro Vargas, ambos colegas da Rede Sarah de Belo Horizonte, onde D tem recebido um atendimento excelente desde 2001, em virtude do agravamento de seu problema na coluna e do aparecimento de curtos períodos de ausência. Hoje, D sabe que não foi a queda de cavalo a causa de sua cifoescoliose, mas a neurofibromatose do tipo 1, a doença que apenas ele apresenta em sua numerosa família.

Apesar da cifoescoliose, que o obrigou a usar bengalas nos últimos anos, de alguns neurofibromas cutâneos, da dificuldade de aprendizado e das convulsões controladas com medicamentos, D nos pareceu uma pessoa muito feliz, amada por sua família e satisfeita com a vida. Ficou evidente para mim e para o Anderson o grande carinho, amizade e intimidade demonstrados por sua irmã que o acompanhava na consulta, fazendo-nos crer que D possui, de fato, uma verdadeira rede social.

De onde veio tanto acolhimento para D? Parece-me que há um gesto fundamental em sua história que marcou todos os irmãos: a decisão radical de seus pais de mudarem de vida para ajudarem o irmão doente, a mudança para Belo Horizonte em busca de ajuda médica. Ao fazer isto, seus pais estavam dizendo a todos: D é importante para nós. E a família toda seguiu o exemplo dos pais.

Parabéns pelo seu aniversário, D. Desejo-lhe muitos anos a mais de convivência com esta família solidária na qual você teve a sorte de nascer.

Até a próxima semana.



[1]Eu e o Anderson Silva, um estudante de medicina que está acompanhando nosso ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

[2] Meses depois de ter postado este texto, um leito entendeu que eu afirmei que a queda do cavalo teria provocado a cifoescoliose no menino. Na verdade, a família relatou que a queda do cavalo teria causado o problema na coluna do menino, mas, na minha impressão, a causa da deformidade na coluna do garoto provavelmente já estava presente antes da queda, mas ainda não havia sido percebida.

A deformidade da coluna vertebral descoberta naquele menino foi um dos problemas de coluna que acontecem em cerca de 10% das pessoas com NF1. Podemos encontrar tanto a escoliose (inclinação para um dos lados), quanto a cifose (inclinação para a frente), ou a lordose (retificação da coluna torácica ou aumento da curvatura da coluna lombar e cervical) ou combinações destas alterações chamadas cifoescolioses(inclinação e curvatura com rotação das vértebras).
Sabemos que a maioria das deformidades da coluna nas pessoas com NF1 é benigna, chamada forma “idiopática” (palavra que significa: sem causa conhecida), que apresenta apenas inclinações mais suaves da coluna, sem alterações nos ossos e sem complicações importantes. Geralmente são escolioses isoladas, cifoses isoladas ou lordoses isoladas e não precisam de tratamentos na maioria das vezes.
Por outro lado, algumas pessoas com NF1 apresentam as formas mais graves de deformidades da coluna vertebral, que chamamos de “distrófica” (palavra que significa: crescimento anormal do tecido, no caso, os ossos). Geralmente são diagnosticadas na infância (entre 6 e 10 anos), envolvendo 4 a 6 segmentos da coluna (corpos vertebrais) e localizadas na parte inferior do pescoço ou na parte superior do tórax. Raramente são diagnosticadas depois dos 10 anos de idade.
A escoliose e a cifoescoliose distróficas são causadas pela fragilidade acentuada de alguns dos ossos da coluna, os quais não suportam o peso do corpo acima de um certo ponto e desabam parcialmente e ficam deformados, causando desequilíbrio e tortuosidade da coluna, trazendo complicações funcionais importantes, por isso precisam ser corrigidas com coletes ortopédicos e cirurgias.
Esta fragilidade nos ossos geralmente é congênita, ou seja, está presente desde a vida intrauterina e está relacionada com a falta (ou insuficiência) da proteína neurofibromina em decorrência da mutação genética que causa a NF1 (ver https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3897656/ ). Algumas vezes a cifoescoliose distrófica está associada à presença de um neurofibroma plexiforme na raiz dos nervos que saem da coluna, e os plexiformes também são congênitos, ou seja, foram formados durante a gestação.
Assim, a maior probabilidade é de que o menino com NF1 que caiu do cavalo já possuísse a fragilidade óssea antes da queda, mas o trauma pode, talvez, ter funcionado como o agente capaz de acelerar o problema, tornando-o evidente.
Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 também apresentam osteopenia (palavra que quer dizer fraqueza nos ossos), por causa da redução na estrutura mineral (menos cálcio) dos ossos. Há uma possibilidade de que esta fraqueza óssea facilite a osteoporose e as fraturas, por isso recomendamos que as pessoas com NF1 tomem banhos de sol, realizem uma dieta rica em precursores de Vitamina D e controlem anualmente os níveis de Vitamina D em seu sangue, realizando a reposição medicamentosa se necessário.
Por outro lado, também sabemos que as pessoas com NF1 sofrem quedas mais frequentemente do que a população em geral, provavelmente causadas por menor coordenação motora, menos força muscular e menos atenção. Uma recomendação que vem sendo estudada cientificamente (ver https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22466394 ) é de que exercícios regulares podem melhorar estas pequenas deficiências motoras das pessoas com NF1.

“Em janeiro deste ano meu filho de 1 ano e 8 meses foi diagnosticado através de exame genético ser portador da NF1 com deleção de gene, e pelo que tenho lido em seu blog é o caso mais grave, o que me deixa ainda mais desesperado. Desde que fiquei sabendo do resultado minha vida nunca mais foi a mesma, todos os dias fico tenso, preocupado e qualquer problema que ele apresenta já acho que é devido à NF1. Comecei a ler tudo sobre a síndrome e notei que isto estava me fazendo mais mal do que bem, então parei de ver qualquer coisa relacionada a isso. Uma menina que trabalhava comigo comentou que tinha NF1 herdada da mãe e após várias conversas com ela, fiquei um pouco mais tranquilo, até por ver seu desenvolvimento igual ou até melhor que uma pessoa que não tem NF1. Porém, ontem fizemos radiografia de acompanhamento e apontou que ele está com cifose torácica e todo aquele sentimento voltou à tona. Não sei o que fazer, pois ficar apenas acompanhando a evolução é muito pouco para um pai, preciso fazer algo mais por ele. Tenho muito medo que aconteça algo mais grave e sinto que o tempo está passando e não estou fazendo nada para ajudá-lo. O que mais posso fazer? O Dr. vê evolução no sentido de um dia achar a cura para NF1. Acredito que por se tratar de uma doença rara e não gerar benefícios financeiros não há muitos laboratórios interessados em pesquisas. E com relação a tecnologia CRISPR, ela poderá nos ajudar futuramente na cura de doenças genéticas? O Dr. tem uma filha com NF, como lidou com esta situação? Desculpe tantos questionamentos”. EV, de local não identificado.

Caro E, obrigado por ter nos aberto seu coração. De fato, são muitas as suas perguntas, mas começarei por uma das últimas, sobre como lidei com a doença (NF1) de uma de minhas três filhas.

Minha filha Maria Helena tem hoje 38 anos e também é portadora de deleção do gene NF1. Posso mencionar seu nome porque ela assume publicamente sua doença, foi ela quem me levou para a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses, da qual já foi a presidenta por dois anos.

Maria Helena é fisioterapeuta, casou-se e adotou um menino, que hoje tem 4 anos. Ela é uma pessoa feliz (como qualquer pessoa sem NF1) e se sente realizada com a vida que tem vivido. Ela aprendeu, com sofrimento, é claro, a conviver com algumas das limitações que a NF1 lhe trouxe, especialmente a impossibilidade de passar pela experiência da gravidez em decorrência do risco da gestação no seu caso clínico em particular.

No entanto, quando ela era pequena, apesar de ser médico eu dispunha de poucas informações sobre a doença e me desesperei como você. Um dia, minha esposa Thalma trouxe para nossa casa a recomendação da pediatra da Maria Helena, minha querida colega de turma a Cleonice Carvalho Coelho, que disse: “Você precisa manter a calma, para poder ajudar sua filha”. Este pensamento simples foi muito importante para nossa vida e costumo repeti-lo para as pessoas em nosso Centro de Referência.

Hoje, temos mais conhecimentos científicos sobre as neurofibromatoses, podemos evitar muitos dos tratamentos agressivos desnecessários do passado, podemos antecipar algumas complicações comuns e evitar suas consequências. No entanto, é claro, ainda resta muito por alcançar, por exemplo no caso da cifoescoliose distrófica (sem examinar pessoalmente não sei se este é o caso de seu filho) ou nos neurofibromas plexiformes da face, para ficarmos apenas em dois exemplos das complicações mais graves.

Como a evolução da NF1 é imprevisível, tanto poderá haver complicações como também poderá nada acontecer de grave. Em geral, o que podemos esperar com grande probabilidade de acontecer na maioria das pessoas com NF1, por exemplo, é alguma dificuldade de aprendizado e de inserção social.

Não sei se compreendi bem sua frase (acima, sublinhada), mas se por acaso você entendeu que minha recomendação é de ficar apenas acompanhando sem fazer nada, não é esta a nossa postura no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Recomendamos vigilância ativa em todas as pessoas com neurofibromatoses, mas cada caso tem as suas características, as quais somente podem ser percebidas depois de uma avaliação com um de nós, médicos especialistas em NF.

Quanto ao chamado “tratamento CRISPR” veja neste blog a resposta (CLIQUE AQUI).


Espero que meu depoimento pessoal tenha sido útil a você, como pai. Lembre-se da frase da Dra. Cleonice: mantenha a calma para poder ajudar seu filho.

Atividade física em academia afeta desenvolvimento da neurofibromatose? Como o aparecimento de novos neurofibromas por exemplo”. LS, de local não identificado.

Minha primeira resposta ao L. foi sugerir a ele que lesse uma informação que eu havia divulgado anteriormente (CLIQUE AQUI ), mas ele, em seguida, enviou-me outro e-mail:

“Dr. Lor, eu já tenho conhecimento sobre seu blog e, inclusive, li o artigo que o senhor recomendou. Contudo, lhe escrevi justamente por causa do artigo que li. Eu realmente possuo tanto minha função aeróbia quanto a anaeróbia delimitadas em função da NF1, creio eu. E é justamente por isso que pensei em entrar para uma academia e fazer exercícios aeróbicos e anaeróbicos, não quero competir nem nada, apenas quero melhorar minha força e meu fôlego. Possuo poucas manifestações da NF1, apenas alguns poucos neurofibromas e todos superficiais. Meu medo é que com a atividade física – mesmo que moderada e sem usar qualquer tipo de suplementos – a condição da minha doença – principalmente o crescimento de novos neurofibromas – acabe piorando”. LS.

Caro L, obrigado pelo esclarecimento, pois compreendi melhor sua pergunta.

Por enquanto, ainda não temos nenhuma resposta científica para ela, ou seja, nenhum estudo bem controlado foi realizado para saber se atividades físicas regulares e moderadas em intensidade poderiam afetar o crescimento dos neurofibromas.

Veja que foi muito recentemente (2008) que começamos a pensar nas questões relacionadas às atividades físicas (força e capacidade aeróbica) em pessoas com NF1. Portanto, espero que, com a continuidade dos estudos, um dia possamos responder a esta pergunta com dados objetivos, se atividades físicas aumentam, não afetam ou diminuem os neurofibromas.


Até lá, recomendo a prática de atividades físicas para quem tem NF1 dentro do espírito geral de promoção da saúde. Ou seja, as atividades físicas regulares e moderadas ao longo de toda a vida fazem bem à saúde de diversas formas e todo médico deve indicar este tipo de atividade às pessoas em busca de aconselhamento médico.

Por fim, acho importante não confundir esporte com saúde (quem desejar conhecer minha opinião sobre esportes pode ler um texto sobre isto em meu outro blog, como cartunista, CLICANDO AQUI).

“Meu filho tem NF1 e glioma óptico. Por causa das alterações no crescimento dele e no comportamento, o senhor suspeitou de puberdade precoce. O exame de idade óssea deu 12 anos, mas ele tem apenas 8 anos de idade. A endocrinologista quer entrar com a medicação chamada “leuprorrelina” na dose de 3,75 mg por dia. O que o senhor acha? ” PEM, de Uberaba, MG.

Cara P, obrigado pelas informações e pela pergunta.

Sabemos que a complicação endocrinológica mais comum da NF1 é a puberdade precoce, ou seja, o desenvolvimento de características sexuais e mudanças de comportamento compatíveis com a puberdade, mas antes da hora: em meninas abaixo dos 7 anos e em meninos abaixo dos 9 anos de idade.

A puberdade precoce acomete cerca de 1 a 3% das crianças com NF1, mais os meninos do que as meninas, e geralmente está associada com um tumor benigno chamado glioma, que pode atingir o nervo óptico e outras partes do sistema nervoso central.

Já comentei sobre a puberdade precoce neste blog anteriormente (ver AQUI).

Ainda não é bem conhecida a forma como a NF1 provoca a puberdade precoce, mas admitimos que aconteça uma estimulação anormal dos hormônios produzidos em certas regiões do cérebro que estão próximas do nervo óptico, regiões estas chamadas de hipotálamo e hipófise.

É meio complicado, mas podemos tentar entender como acontece.

Em condições normais, à medida que uma criança se aproxima dos 11 anos de idade, sua programação genética começa a produzir alguns hormônios, chamados de Hormônios Liberadores de Gonadotrofinas (gônada é o nome médico para as glândulas sexuais, ovário ou testículo; e trofina quer dizer estimulante do crescimento ou da atividade). A sigla para estes hormônios geralmente é usada em inglês (para sofrimento de todos os povos que falam outras línguas) e nos resultados de exames de laboratório aparecem como GnRH (Gonadotrophin Release Hormone).

Liberadas no hipotálamo, as GnRH estimulam a hipófise a produzir dois outros hormônios que vão para a circulação sanguínea:

1) Um hormônio estimulador do crescimento dos folículos ovarianos (em inglês Folicular Stimulating Hormone, FSH), os quais passam então a amadurecer os óvulos que já haviam sido formados nos ovários das mulheres desde quando elas estavam no útero de suas mães. O mesmo FSH também estimula as células que produzem a formação de espermatozoides nos homens.

2) O outro hormônio produzido na hipófise segue pela circulação até uma parte dos folículos, chamada de corpo lúteo e por isso este segundo hormônio se chama Hormônio Luteinizante (LH em inglês). Estimulados pelo LH, os folículos começam a sintetizar o hormônio estrógeno. Como sabemos, o estrógeno aumentado na circulação produz no corpo das mulheres o aparecimento das características femininas determinadas pelo seu genoma XX.

O mesmo LH nos homens estimula nos testículos a síntese de testosterona, o que irá produzir as características masculinas de acordo com o seu genoma XY.

Portanto, a puberdade é uma consequência final do aumento de liberação cerebral de GnRH, com a produção de FSH e LH, os quais atuam sobre ovários (ou testículos) que passam a sintetizar estrógeno (meninas) ou testosterona (meninos).

Na puberdade, quando estas maiores quantidades de estrógeno (ou de testosterona) circulam no sangue, isto se constitui num sinal para que o crescimento ósseo comece a ser interrompido, ou seja, os hormônios sexuais causam a soldadura das epífises ósseas, aquela camada de tecido ósseo responsável pelo crescimento dos ossos longos. Desta forma, um tempo depois de iniciada a produção de estrógeno (ou testosterona) a pessoa termina o seu crescimento, o que acontece em torno dos 18 aos 20 anos.

Entre as pessoas com NF1, algumas delas parecem produzir certos hormônios hipotalâmicos e hipofisários em maiores quantidades, como o próprio GnRH comentado acima e outros hormônios controladores do crescimento corporal (GH em inglês), da função tireoidiana (TSH, em inglês) e da lactação (a prolactina).

Aparentemente, este descontrole hormonal do GnRH na NF1 seria a causa da puberdade precoce. Por isso o tratamento consiste em aplicar um medicamento cuja estrutura química é semelhante ao GnRH (como a leuprorrelina), o qual se liga de forma duradoura aos receptores do GnRH na hipófise, inibindo assim a produção de FSH e LH, o que interrompe a puberdade precoce e faz com que as características sexuais e comportamentais regridam.

O tratamento geralmente é eficaz, fazendo com que as crianças voltem a crescer normalmente, para retomar sua puberdade na ocasião adequada.